Capítulo 6

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"Sangue de quem derramar?
Não sei
De que lado estou?
Dois exércitos estão vindo para mim."
- How Villains Are Made

AURORA DELANEY

O bosque Mirande ficava localizado de frente para uma floricultura famosa em Oakland. Ao lado, havia um antigo cemitério, que me provocou arrepios na coluna quando percorri a calçada em passos hesitantes.

Era cerca de 23 horas e 56 minutos quando atravessei o arco florido do bosque. Era um local de livre acesso, e imediatamente pude vislumbrar uma mistura de árvores, rosas, peônias e banquinhos brancos de mármore, todos bem distribuídos pelo lugar.

Apertei os lábios, nervosa, e continuei olhando freneticamente os arredores. Estava escuro, e muito tarde, por isso não havia ninguém ali além de mim.

Mas ainda assim a sensação de que alguém me observava parecia cada vez mais real.

Sabia que havia agido de forma impulsiva e nada cautelosa ao decidir se esgueirar pelas ruas depois do anoitecer, em causa de encontrar alguém ainda mais suspeito e que pelo visto não tinha sido realmente honesto ao me propor o convite.

Chequei mais uma vez o relógio, e suspirei em alívio e desapontamento ao ver que já eram 23 horas e 59 minutos.

Em ponto.

E a pessoa ainda não havia aparecido. 

Uma voz interior disse a mim mesma que assim era melhor. Sem conflitos. Sem mais dramas.

Eu acharia um jeito de obter informações verídicas acerca do assassinato de meu pai. E não seria através de um anônimo que achou legal brincar com a minha cara.

Eu obviamente tinha caído em um golpe, perdida em esperanças bobas de finalmente ver uma luz no túnel escuro que estava minha mente, mas então…

— Perdoe-me a demora. — Uma voz grave e levemente arrastada por algum sotaque soou tão perto de mim que senti minha coluna estremecer de agitação.

Os arredores do bosque Mirande estavam escuros, a não ser pelos postes de iluminação do lado de fora e a luz natural da lua cheia.

Ainda assim, consegui vislumbrar em meio a penumbra da madrugada uma sombra mais alta se aproximando em passos confiantes.

Entreabri os lábios, e imediatamente uma fumaça saiu de minha boca. A noite em Oakland fazia ainda mais frio, e na maioria das vezes a névoa tornava-se ainda mais densa nos perímetros da cidade.

Se você passasse de frente em um beco, enxergaria apenas a neblina misteriosa e intrigante.

Tomando coragem, me virei, esperando encontrar a pessoa que prometia me dar todas as respostas.

E imediatamente fiquei sem fôlego.

Eu não sabia ao certo o que esperar quando estivesse cara a cara com aquele que me mandou a mensagem no dia anterior. Mas definitivamente não estava pronta para aquilo.

A julgar pela forma como ele se movia e o tom grave de sua voz, tratava-se de um homem.

Ele estava encapuzado, e com a escuridão da noite não pude distinguir muita coisa. Ele facilmente poderia se fundir com o breu do bosque.

Na verdade, quem olhasse para ele naquele exato instante pensaria imediatamente que era um assassino.

Estremeci com esse pensamento, e quase recuei dois passos por instinto.

Mas me mantive firme, erguendo o olhar para o rosto dele.

Nesse momento, a luz do poste tremeu, e qualquer esperança de enxergar com precisão a face do anônimo se esvaiu como gelo diante do sol.

— Como conseguiu o celular do meu pai? —  perguntei ainda desconfiada, tentando ao máximo reunir a impulsividade que me levara até ali a princípio.

Todavia, nada favorecia ou colaborava com isso. Estava frio, e eu estava de frente para um estranho, ambos sozinhos em meio a névoa.

Ele poderia simplesmente me matar bem ali, e ninguém saberia até pelo menos horas depois.

Sabia também que perguntar como ele havia conseguido o celular era provavelmente a coisa mais estúpida.

Mas estava tão nervosa e ansiosa que não me dei ao trabalho de martirizar minha mente. Eu teria tempo de sobra para isso depois.

— Conheci seu pai. Éramos grandes amigos. — respondeu, sua voz cada vez mais envolta em segredos que aparentemente não queria revelar.

— Você disse que tinha informações. - prossegui. Estava extremamente curiosa com o que ele havia dito, sobre conhecer Alex, mas também temia que ele fosse embora a qualquer momento.

Podia arranjar tempo depois para perguntas sobre o passado do meu pai. Agora precisava me dedicar em descobrir o que estava acontecendo em Houston.

— Quando acordei esta manhã e vi o jornal, imediatamente suspeitei que se tratava de uma farsa. Então resolvi pesquisar mais a fundo. — disse, o som de sua voz retumbando contra o silêncio mortífero do bosque. — De duas, uma: ou alguém subornou a polícia para que eles não divulgassem o assassinato de Alex, ou então o assassino conseguiu infiltrar alguém do ramo para convence-los a criar um disfarce.

— Pareceu mais um ataque pessoal. - Murmurei, meu coração acelerando com a raiva que senti. Estavam brincando com o nome de minha família, espalhando mentiras e eu não podia fazer nada. — Mas também existe a opção de a polícia não ter divulgado a verdade porque isso causaria medo nas pessoas. 

— Não acho que seja o caso. É fato que a cidade não está segura, porém nenhum deles tem consciência disso. Porém, ainda assim, é difícil acreditar que alguém conseguiu convencer a polícia a forjar essa mentira.

Assenti com a cabeça, tentando organizar meus pensamentos. Então levantei a cabeça subitamente.

— E se a polícia não participou disso?

— Nesse caso, por que eles não desmentiram o jornal ainda? — ele rebateu. — Isso está ficando cada vez mais estranho.

— E para piorar, as pessoas estão acreditando. — suspirei. — O que mais você conseguiu descobrir?

— De acordo com a proporção que isso está tomando, é quase certeza que se trata de mais de uma pessoa agindo.

Senti o frio acariciar minha nuca, e não de um jeito agradável.

— O que isso quer dizer?

— Quer dizer que seja lá quem matou o Alex, não agiu sozinho. Outras pessoas ajudaram.

Senti o ar se esvair de meu corpo.

— Mas meu pai é inocente… - murmurei, abalada e desacreditada. - Não entendo o por que um grupo de pessoas iria atrás dele…

Um silêncio envolto de dúvidas se seguiu pelos próximos segundos, o que só serviu para eu ficar ainda mais nervosa.

Meu pai não seria um alvo proposital, seria?

— A questão é… — ele disse, de repente, sua voz sombria e fria de emoções. — Você fez bem ao se mudar para cá, porque, segundo minhas suspeitas, você e sua mãe poderiam  ter sido os próximos alvos.

Deusa das Sombras Where stories live. Discover now