Epílogo - Darlin' I will be lovin' you till we're seventy

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― Amor, você viu meus óculos? – a pergunta de Amanda ecoou pela casa, chegando até os ouvidos de Eduardo, que estava na sala.

― Que? – Eduardo perguntou, sem ouvir direito.

― Meus óculos. Você viu meus óculos?

Ele olhou em volta, buscando a armação desaparecida. O paradeiro de seus óculos era uma pergunta frequente de Amanda, mas nunca uma pergunta com simples solução. Os óculos podiam estar, basicamente, em qualquer lugar. Ela tinha a cabeça nas nuvens e vivia perdendo-os nos lugares mais inusitados. Tipo, no freezer. No armário de comida. Na caixa da flauta. E até em cima do tambor da bateria de Eduardo.

― Não sei, Amanda. Não estão aqui – ele respondeu. – Já procurou dentro do box?

Amanda gargalhou e o riso dela ecoou pela casa, da mesma forma que sua voz tinha ecoado antes. Os anos se passavam, mas se tinha algo exatamente igual na Amanda, era seu sorriso. Ele permaneceu autêntico durante todos os anos, gostoso de se ver e de se ouvir. Ainda fazia Eduardo questionar quase sempre o que o mundo fez para ela sorrir assim.

― Vem aqui me ajudar, então? – ela pediu do quarto novamente. – Vamos chegar atrasados!

― Ai, ai, ai... – Eduardo brincou, andando pelo corredor para encontrá-la. – A viagem ainda é longa.

― E você acha que eu não sei? Depois de todos esses anos? – ela disse, ainda absorta em procurar pelo quarto. Jogava a colcha para cima, achando que talvez a armação fosse cair dos céus.

Eduardo parou na porta do quarto um momento e riu da esposa. Ela ficava muito engraçada, atarantada dessa forma, buscando algo que não encontra e cada vez mais nervosa com o sumiço. Não demorou nem dois segundos para ele perceber que os óculos que ela procurava estavam enfiados no topo da sua cabeça. Típico de Amanda. Que mesmo mais de 50 anos depois, continuava a mesma menina que ele conhecera e se apaixonara aos 17.

Mesmo assim, não disse nada. Era divertido acompanhar o desenrolar da cena, ainda que ele se sentisse um pouco culpado. Algum tempo depois, Amanda percebeu a presença do marido e encarou-o de dentro do quarto. Com tantos anos de convivência, ele nem precisou dizer nada. Ela interpretou a expressão de entretenimento de Eduardo muito bem e disse:

― Estão na minha testa, não estão? – tentou usar um tom raivoso, mas estava rindo. – Eu achei que eram meus óculos de sol, que droga.

Eduardo riu ainda mais, caminhando na direção da esposa e ajeitando os óculos dela no lugar. Ela levantou os olhos e sorriu. Ele deu um beijo na sua testa, só para fechar o momento. Amava aquela mulher tanto que às vezes chegava a doer. Era possível amar tanto alguém? Cada dia mais? Era possível amar mais alguém com o decorrer dos dias? Era possível, a cada aniversário de casamento, ele se ver mais apaixonado?

― Vamos? – ela perguntou, distanciando-se e lhe estendendo a mão.

Eduardo assentiu, estendendo a mão de volta. Só era possível esse caminho romântico de mãos dadas até a porta porque ele já tinha carregado o carro com a tonelada de malas características de Amanda também. Toda vez que ele perguntava "tem certeza que está levando tudo?", se arrependia porque ela reaparecia com mais uns dois volumes. Isso era algo que ele não tinha aprendido em 45 anos de casamento. Provavelmente não ia aprender mais, não é mesmo? Iam estar os dois bem velhinhos assim, pronto para morrer juntinhos e ele iria perguntar "tem certeza que está levando tudo, amor?" e Amanda ia arrumar mais dois anos de vida, simplesmente porque ia resolver que não estava levando o suficiente. Mesmo que dessa vida não se leve nada. Ah, vocês entenderam.

Os dois se aprumaram no carro. Depois de todo esse tempo, Eduardo conhecia o caminho para Teresópolis de olhos fechados. Não que Amanda deixasse ele provar. Ficava em pânico toda vez que o marido brincava, fechando os olhos por um segundo quando estava atrás do volante. Se essa era a comemoração de 40 anos de casados dos dois, isso significava que eles comemoravam também mais de 50 julhos no acampamento.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora