Capítulo bônus - Pensando Alto (por Eduardo)

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Quando a música começou e não era a que eu esperava, fiquei nervoso. Depois que a adrenalina passou e eu reconheci a música, fiquei mais nervoso por Amanda do que por mim. Ela estava parada no meio do palco, olhando para frente com expressão de desespero. Eu olhei para os lados, buscando alguém da produção para resolver o problema e dei de cara com Igor, na coxia do lado de Amanda.

E ele estava olhando para nós sorrindo, com os polegares levantados.

Eu deveria ter imaginado. Óbvio que isso não era uma simples confusão de faixas, mas sim um plano premeditado na mente criminosa desse monstrinho.

Entre o momento que a música começou a tocar e essa minha epifania, passaram-se só dois segundos. Tudo aconteceu muito rápido, enquanto os primeiros acordes do instrumental tocavam.

Amanda ainda estava em pânico e havia uma possibilidade bem considerável dela se inflamar de ódio com minha próxima escolha. Porém, racionalmente, era simplesmente melhor cantar do que fazer uma cena.

Num palco. Na frente de 300 pessoas, inclusive nossas famílias. E com Igor tão perto.

― When your legs don't work like they use to before – comecei, pegando a música no tempo certo. Minha voz saiu cortada, rachada e ligeiramente apavorada. – And I can't sweep you off of your feet.

Olhei para Amanda, cogitando se havia alguma chance dela continuar. Havia mais chance dela sair correndo e finalmente conseguir fugir, interpretando pela sua expressão. Dei um passo na sua direção, estendendo minha mão para pegar a dela.

― Will your mouth still remember the tast of my love? – cantei, quando ela virou na minha direção, surpresa pelo toque. – Will your eyes still smilre from your cheeks?

Amanda me encarava, chocada. A boa notícia é que ela não parecia com raiva, mas sim totalmente e unicamente horrorizada. Eu sorri, torcendo para o sorriso tranquiliza-la de alguma maneira, mas ela continuava inerte. De maneira nenhuma ela ia cantar, pelo jeito.

Mas eu podia tentar, oras.

― Darling I will, be loving you till we're seventy – cantei, subindo minha mão por seu braço, cada vez mais desesperado para ouvir sua voz. – Baby, my heart could still fall as hard, at seventeen.

Alterei a música e vi um sorriso despontar no canto de seus lábios (além de uma certa comoção na plateia, mas vamos relevar esse fato). Quando minha mão chegou até seu pescoço ela virou a cabeça, daquele jeitinho de sempre, para encostar seu rosto na minha palma. Cheguei mais perto ainda, aproximando-me dela, para dizer:

― Amanda, por favor, não me deixe fazer isso sozinho.

Interrompi o contato, dando um passo para trás, porque eu precisava continuar cantando.

― I'm thinking about how people fall in love in mysterious ways, maybe just the touch of a hand...

Era um pouco desesperador cantar aquilo sozinho. Não porque eu estava constrangido pela plateia, mas porque eu estava – novamente – temeroso com a unilateralidade. Foram longos dias de acampamento achando que Amanda nem me enxergava, mesmo com meu cabelo vermelho. Difíceis momentos nos quais ela não correspondia as minhas expectativas e nem mesmo entendia minhas investidas (que foram milimetricamente arquitetadas antes. Vocês têm ideia de quanto tempo eu passei procurando a droga de uma lata com o nome dela?). Muitas vezes eu tentei ignorar a maneira como ela me atraía, mas era só ela aparecer que eu voltava a ser a maldita mosca voando atrás da luz.

O problema é que normalmente essas mosquinhas morrem tostadas. E esse não era meu objetivo.

Por tudo isso, foi incrível acompanhar seu processo de compreensão e rendição. Eu também estava passando por um processo de compreensão e rendição... Compreendia que estava mesmo gostando dela e me rendia aos sentimentos, porque não tinha nada que eu pudesse fazer para evita-los. Quando ela se lançou para me beijar no elevador, eu mal acreditei na sua sobriedade. Mas nós tínhamos passado o dia juntos e eu sabia que aquele beijo – e todos aqueles que vieram depois dele – foi por livre e espontânea vontade. E que ela se lembraria de tudo. Finalmente.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora