XXI

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Scarlett on

-Conte-nos quem é o responsável pelo Sul. Conte-nos os planos de fuga, as rotas. Conte-nos sobre os rebeldes-ordena se agachando na frente da cadeira em que eu estava amarrada

Ergo a cabeça, sentindo cada músculo doer com o simples ato e solto um sorriso debochado

-Acho que não-pontuo cuspindo em sua face e o homem arregala os olhos antes de tremer de ódio

Um soco forte é disferido em mim, e eu apenas assisto o sangue escorrendo de minha boca. O gosto metálico era incômodo, mas quente. A única coisa quente em meio a tanto frio e umidade

-Vamos ver quanto tempo aguenta-diz pegando a adaga e girando-a nos dedos

Engulo um seco. Pelo menos não eram os chicotes"

Acordo em um sobressalto sentindo minha garganta seca, o corpo suado e trêmulo.

Eu estou em casa

Estou em casa

Está tudo bem, estou em casa

Estou em casa, estou em casa, estou em casa

Repetia como um mantra para que eu parasse de tremer, para que o medo me abandonasse. Não há mais adagas, não há mais açoites, não há mais afogamentos, ninguém está queimando minha pele, me tocando, me espancando. Não há mais nada

Eu estou bem. Estou segura.

Então por que estou tremendo?

Tento respirar fundo, mas meu corpo me traía e eu sequer conseguia me encolher contra mim mesma, abraçando os joelhos como sempre fazia, porque minhas malditas pernas não funcionavam

Também não podia fazer a única coisa que me aliviava em momentos como esse: não podia correr

Pela Lua, eu estava um caos

Um lixo

Mordo o lábio inferior afastando as lágrimas que tentavam me invadir e respiro fundo tentando controlá-las

Tudo me atingia de uma vez só

As lembranças daqueles malditos dois anos presa, o jeito como corri até que meus pulmões ficassem em frangalhos e meus pés e pernas cheios de cicatrizes apenas para escapar daquele lugar

A traição de Steve, pessoa que achei que realmente gostava de mim

E Cristopher. Aquele grande imbecil, idiota, insensível, egoísta!

-Scar...-escuto uma voz atrás da porta. Uma voz carregada de receio, preocupação. Soava como um chamado, um sussurro- o que houve? Está tudo bem?

Maldita audição dos infernos

Maldita ligação!

-Sim-respondo, mas me xingo de todos os nomes possíveis quando vejo minha voz sair trêmula, escondendo o choro e a angústia

E ele não pensa nem por um segundo antes de abrir a porta e entrar em meu quarto como se uma ameaça invisível me machucasse

Ele encara cada centímetro de meu corpo, de meu rosto, a procura de qualquer coisa que eu não conseguisse ver até que suspira pesado e se aproxima tão calmamente, tão cuidadosamente, que meus olhos se prendaram nos seus

Eu tentava. Tentava reprimir o choro. Tentava não encará-lo

Eu estava com raiva. Muita raiva

E depois de um longo tempo me encarando, sou obrigada a desviar o olhar para tentar conter o choro. Para me controlar

Não sou patética. Não poderia agir como uma

E ele resmunga um palavrão antes de fazer algo que não esperei que ele fizesse. Cristopher agilmente me toma nos braços, me apertando contra ele com força enquanto respirava de forma pesada

Agarro sua camisa com força, me certificando de que ele estava realmente ali antes de me afastar. Antes de encará-lo com lágrimas pelo rosto e socar seu peito com toda força que eu tinha naquele momento

E eu o soquei mais uma vez. E eu o estapeei e o xinguei, e eu gritei com ele.

E eu também o vi ficar imóvel como uma fortaleza. Ele não movia um músculo conforme eu descontava toda minha raiva nele.

Apenas ficou lá, me encarando com aqueles olhos azuis brilhantes em dor e preocupação enquanto eu o atingia

E quando um soluço espaçou de meus lábios de modo sôfrego, eu apenas fui puxada por ele novamente, cessando os tapas e o agarrando com força.

Ele estava ali

Ele estava ali

Eu estava em casa

Eu estava em casa

Segura

E eu sei que estava com raiva por sua mentira esfarrapada. Por ele ter me deixado preocupada

Ele poderia estar morto uma hora dessas. Ele literalmente era a pessoa mais procurada em todo o mundo agora e havia saído para ir a um lugar que ninguém sabia onde, quando passou 5 anos longe de tudo. Ele não sabia dos novos perigos, dos novos problemas, das novas bases do supremo

Como ele ousou sair por aquela porta me dando previsão de voltar à tarde e chegar aqui à noite fedendo a bebida?!

Eu fiquei irada

Mas agora eu entendia porque chorava. E não era de raiva, não era de ódio. Era do mais puro e sincero alívio.

Eu estava absurdamente aliviada de vê-lo bem

E eu o sinto me abraçar com força, como se nada mais importasse. O sinto beijar meus cabelos e fungá-los

Sinto sua mão acariciando minhas costas e as palavras de conforto sendo sussurradas como uma melodia antiga e poética em meu ouvido

Sinto minha tremedeira passar, sinto minha angústia desaparecer como se ela nunca tivesse existido. Mas eu não o sinto ir embora

Eu sinto meu choro dando lugar a uma respiração calma e tranquila, mas não o sinto me soltar.

Ele me segurava com a mesma firmeza o tempo inteiro e eu consigo entender. Ele me segurava como se eu fosse desaparecer a qualquer momento

Como se ele acordasse no dia seguinte e eu nunca tivesse existido. Ele me segurava com o mais puro e sincero desespero

Eu sei porque já me senti assim

Como se a única coisa que tivéssemos fosse capaz de escapar entre nossos dedos. O medo da solidão e do abandono

Agora eu entendia

Ele precisava daquele abraço tanto quanto eu. Ele precisava desesperadamente daquilo

-Eu te perdoo-sussurro

-Graças a Lua-sua voz sai tão sôfrega, tão trêmula e tão... e tão aliviada

E eu vejo tudo

Eu vejo seu corpo relaxar, vejo-o me segurar ainda mais contra si -se é que era possível- e por mais que aquela fortaleza de músculos me impedisse de sair dali, eu senti seu choro

Sentia sua respiração desregular, e um leve tremor em seu tronco conforme ele tentava cessar alguns soluços

E aquilo parte meu coração

Porque eu sabia o que ele tinha passado com a desgraçada daquela mulher. Eu sabia pelo menos de uma partezinha da história

Então eu só conseguia imaginar o que se passava na cabeça dele. Consigo imaginar o medo que ele tem em confiar em alguém de novo

Consigo imaginar o jeito que ele se assusta e se fecha. E de repente, sua mania de não sorrir e de reprimir a felicidade faz bastante sentido

Mas o fato de ele ter deixado isso de lado por alguns minutos para se abrir, para chorar, para me abraçar... isso significa muito e não é nada fácil de se fazer

Parece que Cristopher está deixando de ser um imenso idiota e passando a ser apenas um idiota

Eu conseguiria viver com isso

A loba da revolução Where stories live. Discover now