XVIII

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Scarlett on

-Pedi que chamassem Irene-diz Cristopher entrando no quarto com uma bandeja de comida

Eu tinha dito que queria ir à cozinha, mas ele me jogou na cama e se recusou a me deixar sair dela. Maldito insistente

-Eu disse que não precisava-bufo usando os braços para me sentar na cama e vejo seu olhar preocupado

Minhas pernas estavam destruídas. Sentia dor em músculos e tendões e ossos. Os lobos arranharam e morderam cada parte delas, arrancaram minha pele, me fizeram urrar de dor

E por mais que eu estivesse me sentindo bem, a dor me irritava

E pela primeira vez na vida, eu não passava por aquilo sozinha. Quer dizer, em praticamente toda minha existência eu havia tomado conta de mim mesma.

E agora tinha um homem irritante que não me deixava levantar da cama. Eu tinha visto seu desespero, a dor em seus olhos, quando eu me forcei a levantar da cama para vestir o short

Eu vi que ele estava sentindo dor pela minha dor e isso me desesperou.

Antes eu teria rastejado pela casa, andado de cabeça para baixo se precisasse, agora eu tenho alguém que leva comida para mim na cama

-Deixa de ser chata e coma logo isso-pontua colocando a bandeja sobre mim e eu arqueio uma sobrancelha

-Essa frase é minha-murmuro analisando a comida

Um sanduíche simples e um suco de laranja estavam colocados cuidadosamente sobre a bandeja como se ele tivesse pensado muito em como organizaria aquilo. Acabo captando um olhar tenso vindo dele que tinha os olhos na comida

Algo me diz que ele não está acostumado a cozinhar

-Scarlett, olha eu-começa, mas eu o ignoro mordendo o sanduíche e soltando um gemido de aprovação seguido por um sorriso

-Parece que você aprendeu alguma coisa naqueles dias lavando verduras!-constato bebendo o suco e vejo um esboço de um sorriso discreto se formar em seus lábios

Eu nunca entendia o porquê de conter tanto seus sorriso. Era quase como se Cristopher controlasse quantas vezes pudesse sorrir em um dia e isso me irritava. Muito

Eu o via contendo risadas e sorrisos e as vezes me pegava sentindo falta da gargalhada rouca que poucas vezes lhe escapavam dos lábios

Sequer havia sentido muito gosto neste sanduíche para falar a verdade. Eram tantos tônicos, chás e ervas que minhas papilas gustativas queriam morrer. Mas eu vi seu olhar preocupado e não foi sacrifício dizer que a comida estava boa

A plantinha realmente era um ser curioso

Cristopher era uma pessoa totalmente diferente de mim, mas eu acho que gosto disso

-Está tudo bem?-indago deixando-o assustado

Ele havia passado dois dias dormindo em uma poltrona e enchendo o saco de Irene. Ele... ele tinha cuidado de mim. Isso não entrava na minha cabeça

-Está perguntando se eu estou bem?-indaga confuso e eu bufo

-Tem outro Cristopher no quarto?

-Você não consegue levantar da cama e quer saber como eu estou?-indaga cruzando os braços e me lançando aquele olhar acusador e eu reviro os s olhos

-Você é insuportável-murmuro mordendo o sanduíche mais uma vez e ele bufa

Planta maldita

-Estou bem garota, agora coma logo isso-diz se sentando na beirada da cama e eu me seguro para não jogar o suco em cima dele

-Eu acho que... acho que não te agradeci no final das contas-murmuro terminando o sanduíche e segurando o copo nas mãos

Sinto seu olhar sob mim quando faço o contorno da boca do copo com o indicador, sem coragem para olhá-lo

-Não tem que agradecer-pontua com voz sincera, macia, que me faz erguer o olhar em sua direção

-Não estou acostumada com pessoas tomando conta de mim-confesso e ele sorri abaixando a cabeça

-Você realmente não tem medo de falar o que sente-constata com um tom que não consegui entender

-Não. Não tenho-respondo segura

Eu tinha medo de muitas coisas. Tinha pânico de outras

Mas não tinha medo de ser sincera comigo. Não tinha medo de me encarar, de me enfrentar. Porque minha vida inteira foi eu comigo. Minha vida inteira me virei sozinha

Então eu me esconderia de mim? Eu não seria franca comigo mesma?

-Mas...-começo e ele me encara esperançoso- mas não é normal eu sair por aí falando sobre isso com qualquer um

-Então eu não sou qualquer um-diz com aquele maldito olhar de convencimento

Na verdade não, ele não era qualquer um. Ele era o único. Mas esse projeto de planta nunca saberia disso. Eu morreria antes de ver a cara convencida nesse rosto maldito

-Eu não disse isso-constato e ele arqueia uma sobrancelha- só não te vejo como ameaça

-Eu sou o cara que passou uma semana com você em uma cela de segurança máxima. Uma cela feita só para mim porque meu irmãozinho caga de medo do que eu posso fazer. Derrubei um exercício na sua frente naquele dia e acabei com a raça daqueles lobos hoje mais cedo-diz convicto- você mesma disse: eu sou fodão

-Você derrotou todos eles e caiu em meu colo momentos depois-digo o olhando de cima a baixo. Ele pode ser convencido, mas se acha que vou tratá-lo como a última gota de água no deserto ele está enganado- derrotou os lobos depois que eu acabei com a metade e incapacitei a outra. Você é no mínimo bonzinho

E eu fico surpresa em como eu mesma me convenci disso. Porque pela Lua, ele era forte

Forte demais

E eu vi um sorriso ardiloso e sacana se formar nos lábios dele. Um sorriso que me tirou o fôlego

E ele se aproxima de mim como um felino, pronto para dar o bote, sustentando esse mesmo sorriso

E quando está próximo o suficiente, ele apenas diz com aquela voz rouca e grave:

-Cuidado morena, você pode começar a acreditar nas mentiras que conta para si mesma

E eu sou obrigada a usar cada mísero pingo de auto controle para sorrir de volta e adquirir um olhar convencido no rosto

-Cuidado, você pode acabar acreditando que é bom demais

E com uma risada, ele se afasta. Uma risada verdadeira

Ele balança a cabeça em negação ainda sustentando o sorriso

-Eu realmente me surpreendo com você-constata me encarando com admiração, curiosidade

E ouvimos a porta do andar de baixo sendo aberta, revelando a chegada de Irene

-Melhor descermos. Não aguento mais ficar nesse quarto-constato fazendo menção de sair da cama

Mas antes que eu consiga piscar, estava nos braços de Cristopher

Os braços malditos me segurando com confiança, como se eu fosse leve como uma pena e me colocando contra o peitoral duro como aço

-Como recompensa, eu te deixo lá embaixo-diz com divertimento na voz

-Você sabe que vai apanhar muito quando eu puder correr não é?-indago me sentindo vermelha de ódio e ele ri mais uma vez

-Você realmente não existe

Não seu imbecil, você não existe

A loba da revolução Where stories live. Discover now