XII

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Cristopher on

Acordar pela segunda manhã seguida na casa de Scarlett, havia sido no mínimo curioso. Ela realmente parecia determinada a entender o que eu quero e isso não fazia sentido

Eu achei que ela havia dito aquilo por pura frase de efeito, ou para que eu me sentisse melhor no momento, mas eu estava enganado

A mulher havia me feito ajudá-la na cozinha na hora do almoço e na janta e me senti interrogado de maneira não incisiva

Ela estava começando a me conhecer e eu não sabia se gostava daquilo. Eu... realmente não sabia

-Já de pé?!-indaga abrindo a porta da sala e eu evito encará-la excessivamente

A mulher usava roupas de ginástica fazendo com que seu corpo ficasse em evidência e carregava uma cesta lotada de frutas e algumas folhas

Caminho até ela, pegando a cesta de sua mão e a mulher suspira, limpando o suor da testa

-Parece que acordou mais cedo do que eu-constato levando a cesta até o balcão da cozinha

-Estávamos ficando sem comida-constata meio envergonhada- não estou acostumada com visitas

-Scarlett-começo na intenção de repreendê-la, mas ela passa direto por mim, me interrompendo

-Lave essas folhas aqui por favor-diz dando de ombros- eu disse que não estava acostumada e não que eu não gostava de um escravo pessoal

Acabo sorrindo. De novo.

Em algumas semanas, havia rido e sorriso de
um modo que nunca fiz em séculos de vida. Em malditos séculos!

Vou até a pia e começo a lavar as frutas e vegetais que ela havia colhido

-Há tudo isso aqui por perto?-indago tendo ciência de que eu não havia visto nenhum alimento em meio à floresta

No dia em que procurei por sua cabana no meio da floresta, não tinha visto muitas árvores frutíferas por perto. E ela estava suada e ofegante quando chegou indicando que percorreu uma distância significativa

-A maioria sim-diz virando de costas para mim enquanto pegava a faca para cortar as verduras

Desligo a torneira e enxugo a mão na roupa rapidamente antes de me aproximar da mulher. Ela estava de frente para o balcão, colocando a tábua de cortar sob ele quando eu a viro pela cintura e a forço a me encarar

Seu rosto estava assustado e curiosamente próximo ao meu. Seus olhos brilham em surpresa e ansiedade

-Você está mentindo-constato encarando-a

E ela desvia os olhos dos meus fazendo-me sorrir de lado

-Não estou mentindo-diz com voz firme, mas isso não me convence

Ela ainda não me encarava

-Então olhe para mim e diga onde arrumou as frutas-ordeno usando o indicador para direcionar seu rosto em minha direção

Silêncio

Scarlett não conseguia mentir olhando nos olhos de alguém? Ou ela não conseguia mentir olhando nos meus olhos?

Eu havia dito antes que uma das coisas que mais me impressionavam nela, era sua franqueza. Ela era honesta consigo mesma e, no tempo que passei com ela, foi franca comigo também. Ela era sincera com o que sentia e com suas opiniões, talvez seja por isso que ficou tão claro para mim quando ela mentiu

Ela era tudo que eu fui treinado para não ser. Ela era transparente

-Eu fui na floresta ao Leste daqui-murmura e eu recuo alguns passos

-Você mesma me disse naquela merda de cela que os homens do supremo construíram uma base por lá. Se algum deles te visse por ali...-começo duro e em tom de repreensão fazendo-a bufar

-Precisávamos de comida-murmura emburrada e eu teria achado isso encantador se não estivesse prestes a estrangulá-la

-Deveria ter ido à alcateia!-digo bravo- deveria ter pedido a qualquer outra pessoa para ir até lá. Mas não! Você se coloca em risco desnecessário por motivos idiotas!

Eu estava irritado

Pela Lua, eu estava irritado?!

Me afasto, virando-me de costas e fechando os olhos com força enquanto bagunçava os cabelos

Eu não me irritava, eu nunca me irritava

Não era da minha natureza. Não era do meu treinamento

Eu sou tranquilo, calmo, frio. Nada me tira do sério. Nada.

Eu não me irrito, eu sou o supremo.

A mão em meu ombro, forçando-me a me virar, faz com que eu abra os olhos e a encare. Scarlett olhava no fundo dos meus olhos com expressão curiosa e interrogativa antes de se afastar e sorrir

-Você está irritado!-diz contente e eu fico confuso

-Estou...?-respondo incerto e ela bate palmilhas enquanto ria como se a coisa mais cômica do mundo tivesse acontecendo- Scarlett, não vamos mudar o foco da conversa ok?

-Vamos sim! É a primeira vez desde que te conheci que tira aquela cara horrenda de "sou o tranquilão"

Arqueio uma sobrancelha e cruzo os braços com a fala da mulher

-"Tranquilão"?!-indago e ela revira os olhos- acho que prefiro "supremo fodão"

E suas bochechas coram como sempre e eu sinto um sorriso convencido se formar em meus lábios, quase que me vangloriando pelo resultado

-Seu maldito lobo desgraçado-pragueja em um murmúrio se virando e voltando a se concentrar nas verduras

E por mais que eu tente segurar a risada, não consigo ao vê-la resmungando como uma velha insatisfeita

Foi como se eu esquecesse o porquê de estar revoltado para começo de conversa, então acabo dando a volta no balcão e encarando-a enquanto ela fazia seu trabalho

-Scar...-começo e ela parece se atentar ao que eu tinha dizer com um sorriso discreto pelo apelido. Os olhos tinham um leve brilho que fizeram meu coração acelerar por um microssegundo- por que não foi á alcateia?

E minha pergunta a faz desviar seu olhar do meu e suspirar enquanto se concentrava na faca

-Eu não confio neles. Não confio em ninguém-sussurra- pode ter sido qualquer um deles, Cristopher. Eu passei dois anos da minha vida presas nas mãos do supremo atual. Dois anos. E foram um verdadeiro inferno. Eu...-ela respira fundo antes de continuar- eu tentei chegar aqui o melhor possível para que eles não se sentissem mal, para que eu não recebesse a pena deles. E ainda sim, depois de tudo isso, algum deles me vendeu ao supremo. Dedurou minha localização, me emboscou na floresta. O que teria sido de mim se eu não tivesse te encontrado?

E um arrepio percorre minha coluna quase que fazendo com que meus joelhos cedam

Ela estaria morta se tudo não tivesse saído como saiu

-E pela Lua... eu ainda voltei para cá-murmura- eu sei que é estupidez, mas era o único jeito. Agora que descobri que você era o supremo, ainda tem o risco do traidor falar sobre você e...-começa assustada se embolando nas próprias palavras e eu seguro seu pulso a impedindo de continuar mexendo com a faca antes que um acidente aconteça

A mulher me encara e eu vejo a confusão em seus olhos

-Vir aqui foi a escolha certa. Estamos mais seguros no Sul do que em qualquer outro lugar. Com ou sem traidor. Eles te amam, eles te admiram. Vai ficar tudo bem. Não se preocupe

E por mais que ela estivesse ali, agora em minha frente, com o pulso em minhas mãos, eu ainda pensava na hipótese de sua morte

E isso acordou algo em mim que eu achei não existir: despertou meu ódio

E eu não o empurraria para qualquer canto. Eu o alimentaria com muito cuidado. O nutriria dia após dia. E quando chegasse a hora eu o usaria contra qualquer um que entrasse em meu caminho.

A loba da revolução Where stories live. Discover now