No Compasso das Estrelas | ⚢

By girlfromcv

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Para uns, Porto Baixo não passava de uma cidadezinha praiana esquecida num canto qualquer da Costa Este e ass... More

Nascer do sol
DREAMCAST
Epígrafe
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Especial de Fim de Ano
Tem alguém aí?

Capítulo 13

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By girlfromcv

    
      — Eu não sei, sinceramente. — desabafou Lacerda, a seguir soltando um suspiro. — Ao mesmo tempo que eu quero colocar tudo em pratos limpos e finalmente ficar em paz com essa história, sei lá, tenho...medo?

      — Medo do quê? — quis saber Leandra.

Ela fitou a morena, sem saber bem como responder a aquilo, milhares de sentires se misturando dentro de si, fazendo tudo virar de cabeça para baixo, e acabar com qualquer que fosse a certeza do que queria. Se é que queria algo em específico.

Era tudo tão confuso, distante e nublado à sua percepção.

Naquela tarde de quarta-feira, chegara ao consultório em frangalhos, sem certeza de coisa alguma, imediatamente despejando tudo sobre o ocorrido no supermercado e um pouco mais da sua história com o pai, praticamente suplicando à psicóloga por um norte.

      — Sei lá. — deu de ombros. — Talvez de sair ainda mais machucada. Sabe, o que quer que ele tenha a dizer, vai estar tocando em feridas do passado que nunca cicatrizaram, e eu não sei se estou preparada pra isso. Não sei lidar com tudo isso, eu... — interrompeu-se, passando as mãos pelo rosto.

      — Yara, como você mesma disse, sentiu como se parte de um peso tivesse saído das suas costas quando falou tudo aquilo para o seu pai. — começou, entrelaçando as mãos sobre a mesa. A preta assentiu, mesmo ciente de que não se tratava de uma pergunta. — Então, talvez a outra parte que ainda está aí seja por causa dessa conversa que ainda não tiveram. Vocês precisam parar, olhar com sinceridade nos olhos um do outro, colocar todas as cartas na mesa e, só assim, ambos vão poder seguir em frente realmente, decidir se querem manter contato ou não. Olha, eu penso que, bem no fundo, você ainda se sente culpada por ele ter ido embora. Então precisa lhe falar isso, expor tudo o que sente, tudo o que sofreu com a sua partida e tem reprimido aí dentro. Acredite quando eu digo que guardar é bem pior. Só vai estar fazendo mal pra si mesma.

      — Foi mais ou menos isso que a tia Lena disse. — comentou, fitando distraidamente um ponto além da morena.

      — Está vendo? — insistiu, em tom amigável. — A incerteza, os e se's por não ter sequer tentado, podem ser bem cruéis, querida. — segurou sua mão por cima da mesa. — Tente, não por ele, mas por você. Dê a si mesma a chance de se livrar dessa mágoa e ser feliz, hum? O que acha?

      — Eu não sei se sou capaz. — confessou, balançando a cabeca em negação.

      — Há uma frase que gosto muito, Yara, que diz que, o primeiro passo para a vitória é o desejo de vencer. — disse, afastando algumas mechas negras que lhe toldavam a visão. — Você mostrou que quer se libertar de tudo isso, quando desde o primeiro dia que entrou aqui, e acredite que isso já é de grande importância. Agora só precisa dar o próximo passo, para que essa conversa aconteça, já que, pelo que me disse, ele também parece ter coisas a dizer. Vai doer? É bem provável, não vou mentir pra você. É mesmo inevitável, acredito, tendo em conta tudo o que aconteceu entre vocês dois. Mas você precisa enxergar a dor como um meio de se reerguer, se reestruturar, juntar seus cacos e refazer sua vida, já livre da culpa e outras marcas dolorosas do passado. Eu só te aconselho a ser sincera e não esconder nada do que sente, independentemente se é negativo ou não. Apenas coloque pra fora o que está aí dentro, sim?

Lacerda assentiu, recordando-se que a tia lhe dera o mesmo conselho, dias atrás.

      — Em vez de pensar que não vai dar certo, acredite ma força que vem daí de dentro e, por isso, é capaz disso e muito mais. — continuou Leandra, apontando para o peito dela. — Isso também é fundamental para que consiga fazer isso, a autoconfiança.

Talvez fosse aquilo faltando em si, a chamada autoconfiança ou, como acreditava, talvez fosse covarde demais para lidar com tudo o que aquela conversa poderia trazer ou, quem soubesse, levar.

      — O mundo precisa de mais pessoas como a professora Hils. — afirmou Léia, dando uma colherada no seu iogurte de frutas.

      — Concordo. — disse Yara. — Eu gostei do que ela disse para a Noelle no capítulo quinze. Com certeza é muito mais mãe pra ela do que Carmélia um dia possa ter sido.

      — Totalmente! Convenhamos, aquela mulher é o rascunho do satanás! — quase sussurrou a última parte, não querendo chamar atenções desnecessárias para a mesa delas, já que o refeitório se encontrava cheio. A preta assentiu em concordância. — Lembro do dia em que eu cheguei em casa chorando, porque tinha comentado sobre minha orientação sexual na escola, e duas meninas da minha turma falaram que eu iria pro inferno. — riu sem humor. — O meu pai me disse mais ou menos as mesmas coisas que Hils falou pra Noe. Que as pessoas tendem a ser hipócritas e tóxicas, por isso, eu não devo me sentir errada por amar e querer ser feliz. Foi a partir daí que eu deixei de me sentir esquisita e anormal por, simplesmente, gostar de pessoas, no geral. Ele me fez perceber que isso faz parte de quem eu sou e eu não tenho que fugir, porque fulano ou beltrano aponta como sendo algo, sei lá, sujo ou totalmente inaceitável. Ninguém precisa aceitar. Eu é que tenho que fazer isso comigo mesma.

      — Nossa, ele parece ser uma pessoa incrível! — deixou escapar, sorridente, cativada pela admiração com que ela lhe falava do pai.

Inevitavelmente lembrou do seu e, consequentemente, da conversa pendente que tinham.

      — Ele é. — confirmou, voltando a degustar seu lanche, antes que o tempo de estar ali se esgotasse, e tivesse que voltar para a sala de aula.

Lacerda também ocupou-se em comer o que sobrara na sua bandeja, posteriormente pegando nos seus pertences para ir deixar o espaço, quando começou a se esvaziar.

Fechou o zíper do bolso da frente da sua mochila e a apanhou de cima da mesa, revelando por baixo o livro que ali pousara, ao tomar lugar à mesa.

      — Recontos da mente. — Léia leu o título na capa parda, elevando o olhar brilhante para a preta já em pé. — Tu lê os livros da Carol Tana?!

      — Sou fã número um, na verdade. — ergeu o indicador, orgulhosa. — Acho que posso dizer que cheguei quando tudo era mato, pois, eu acompanho a carreira dela desde o Wattpad e já li todos os livros, menos Quando cai a última folha. Aquele que ela lançou no mês passado. Sabe qual é? — Léia assentiu. — Então, eu nem consegui ir ao lançamento. Queria muito. Soube que, em menos de uma semana, os exemplares simplesmente esgotaram em todas as livrarias. Nunca tive dúvidas de que ela é espectacular!

      — Sim, muito! Também acompanho ela desde o início, tanto é que eu lembro de ter acontecido o mesmo quando ela lançou esse aí. — apontou para o exemplar nas mãos da preta. — A propósito, achei muito legal ela ter reunido os seus primeiros contos numa coletânea. Comigo aconteceu o contrário: eu não consegui ir no lançamento de Recontos, mas sim do do mês passado.

      — Então você tem o exemplar de Quando cai a última folha? — indagou; os olhos brilhando de animação.

      — É, eu tenho. — disse, após deixar sua bandeja no balcão, fazendo um sinal positivo para uma das senhoras que responsáveis pelos lanches.

A preta depositou rapidamente a sua junto da dela, sem conseguir esperar até que atingissem o lado de fora para continuar o assunto anterior, radiante pela resposta da amiga.

      — Assim, será que você poderia, de repente, me emprestar? — pediu, abrindo um sorriso largo. — Por favor? Eu quero muito ler. — juntou as mãos em súplica.

Léia riu de sua expressão pidona e tirou alguns dreads da frente dos olhos, a seguir voltando a ficar em silêncio.

      — Léia? — Yara segurou seu braço e sacudiu de leve, impaciente pela falta de respostas de sua parte. — Por favorzinho.

      — Hum, deixa eu ver... — semicerrou os olhos, fitando um ponto qualquer mais distante, enquanto fingia refletir sobre a possibilidade de atender ao seu pedido. — Vou pensar no seu caso.

      — Ah, Léia! — resmungou, cruzando os braços e batendo levemente o pé direito no chão. — Sério que a minha carinha não te comoveu nem um pouquinho?

      — Mas que birra toda é essa? — provocou, passando um dos braços por seu ombro e puxando-a para perto. — Aprendeu com quem? Nana ou Victória? — continuou. — Se bem que eu acho que nem suas primas fariam um escarcéu desses.

Yara lançou-lhe um olhar fulminante e, escapulindo do seu abraço, saiu a andar rumo à sua sala, ainda de braços cruzados e sustentando a mesma expressão indignada.

      — Ei, Lacerda, espera aí! — a alta chamou, porém em vão, pois a preta não respondeu ou sequer fez menção de se virar, entrando no B-5 logo de seguida.

Entretanto, mal sabia ela que uma lâmpada imaginária havia se acendido e iluminado a mente da garota dos dreads, trazendo consigo uma ideia muito melhor.

      O fusca vermelho de Madalena rodava lentamente pela estrada íngreme de pedra, fazendo com que as pessoas que estavam
dentro dessem um salto e outro no banco, em curtos espaços de tempo.

O rádio reproduzia uma música pop antiga, que reverbava pelo espaço, sendo acompanhada pelo cantarolar baixinho da mais velha, juntamente com um leve batucar de dedos no volante.

Yara, ao seu lado, mantinha os olhos fixos no aparelho celular, trocando mensagens com Léia e sorrindo, vez ou outra — com suas piadas sem sentido ou expondo mais da sua relação de amor e ódio com a co-protagonista de "Noventa e nove" —, mesmo ainda manifestando sua insatisfação devido ao episódio de dias atrás, relacionado ao pedido de empréstimo do livro que mais desejava ler no momento.

Compenetrada naquilo, desde que haviam saído da minúscula e isolada cidade a oeste de Porto, não tinha noção de onde estavam ou quanto tempo faltava para que chegassem em casa.

Na verdade, começaram a trocar mensagens desde que havia entrado no carro junto da tia, aceitando acompanhá-la na visita do atelier de um artista que ela pretendia lançar nos próximos meses, já que não lhe apetecia ficar sozinha em casa, tendo em conta que as primas foram passar o final de semana com o pai, em Atlantas.

Um barulho estranho se fez ouvir, dispersando a sua atenção para além da tela, pelo que olhou para a tia, a fim de confirmar se ela também havia escutado, mas a mulher se mantinha atenta à estrada, ainda que nenhum outro carro ou pessoa estivesse por ali.

Quando voltou a ouvir, já com mais clareza  por estar mais atenta, constatou que se tratava de qualquer coisa com o carro e, quando fez menção de perguntar a Lena se estava tudo bem, o veículo simplesmente parou.

      — Droga! — xingou, quando, após girar a chave por várias vezes, o carro continuou na mesma.

      — Tia? — Lacerda chamou, apontando para o capô, de onde uma densa fumaça preta escapava, misturando-se ao ar quente do dia.

      — Ah não!

Deixou o interior do transporte e caminhou até a frente para ver o que se passava, mesmo tendo a forte impressão de que, o que quer que fosse, não teria concerto ou, se tivesse, não perduraria por muito tempo.

Tinha a plena consciência de que seu amado fusca era das antigas e não tinha mais jeito, após tantas idas ao mecânico. Nos últimos meses, vivia mais na oficina do que na estrada.

Abriu o capô, tossindo com violência quando uma grossa camada de fumo invadiu suas narinas e boca.

      — O que aconteceu? — quis saber a mais nova, ao aproximar-se dela.

      — Acho que esse carinha aqui já era. — apoiou os cotovelos no teto do carro, refletindo sobre o que faria para tirá-las dali, uma vez que, estavam praticamente no meio do nada e a povoação ficava a quilômetros.

      — Não seria o caso de chamar um reboque ou algo assim? — tentou ajudar, encolhendo os ombros.

      — Sim, e é. Ajudaria muito se eu tivesse o número de um. — suspirou, desanimada. — Mas espera aí que vou ligar pra Yumi. Ela vai tirar a gente daqui, com certeza.

Saiu em busca do seu celular no interior do automóvel, voltando alguns segundos depois, com ele junto ao ouvido.

Afastou-o com uma careta — mostrando que não havia tido sucesso —, e tentou de novo, obtendo a mesma resposta na voz da sócia, para que deixasse um recado.

      — Por que diabos será que Yumi não atende esse celular?! — praguejou, voltando a tentar, mas sem resultado algum, apenas a mesma mensagem no final.

Sem alternativa, aproveitou para lotar a sua caixa de correio com recados desesperados regados com pitadas de drama, a fim de que pudesse resgatá-las assim que ouvisse seus pedidos de socorro.

      — Daqui a pouco vai escurecer. — comentou Lena, olhando para o céu que, pouco a pouco, o sol ia deixando para trás. — Se a Yumi não vir as minhas mensagens logo, vamos ter que procurar ajuda na povoação.

      — É muito longe?

      — Um pouco. — respondeu, pesarosa. — Desculpa, Yarita. Eu não queria fazer você passar por isso. Sério.

      — Não, tia. Quê isso? — debruçou-se sobre o teto do automóvel. — A gente nunca sabe quando esse tipo de coisa vai acontecer, então não precisa se desculpar. Fica tranquila, tá?

      — Tu é um anjo, minha querida. — aproximou-se dela e depositou um beijo terno na sua bochecha, permanecendo ao seu lado.

A menina sorriu, abraçando-a de lado.

No entanto, teve que afastá-la um pouco para pegar seu celular no bolso traseiro do short, quando o sentiu vibrar.

Desbloqueou o aparelho, visualizando a mensagem de Léia, que queria saber se já estava em casa.

"Ainda nn
O carro morreu
Agora estamos praticamente no meio do nada"

Clicou para enviar, escorando-se de lado no veículo.

A resposta não demorou a chegar. Lamenou a situação, logo depois questionando se já haviam conseguido contatar alguém que lhes pudesse ajudar.

A preta reforçou o fato de estarem longe de qualquer povoação — sem o contato de um reboque —, referindo também as várias ligações que Madalena fizera à sócia, tendo todas elas caído na caixa de correio e, até então, não tinham recebido retorno por parte dela.

No meio tempo em que aguardava uma reação, sentou-se ao lado da tia ao pé do carro e acariciou-lhe as costas com uma mão, querendo que percebesse que não estava sozinha e reforçando que não tinha culpa de nada daquilo.

"Olha, eu falei com o meu pai e ele não vê problema em dar uma carona pra vcs
É só me falar a localização exata"

"Ah, não precisa se incomodar, Léia. Sério, nós damos um jeito", digitou rapidamente, sem acreditar que ela havia mesmo feito aquilo por si.

"Que jeito se já tá escurecendo e não tem ninguém por perto pra ajudar vocês?! Poxa, larga de ser teimosa e aceita logo a minha oferta!", conseguia imaginar o seu tom de voz e o vinco se formando entre as suas sobrancelhas, mesmo que não a visse nem ouvisse no momento.

Olhou para a tia ao seu lado, que mantinha a cabeça entre os braços cruzados sobre os joelhos, parecendo estar por um fio de desanimar por completo.

Madalena estava visivelmente cansada, mas ela poderia fazer com que não ficasse ainda pior.

"Tá certo, você venceu", respondeu.

A seguir pediu à tia as coordenadas de onde estavam e enviou-lhas.

      — Bem, acho que a caminhada vai ficar para uma outra ocasião. — contou e, ao notar a confusão no rosto dela, tratou de explicar: — Conseguimos uma carona.

      O sol já tinha desaparecido por completo e a lua ganhava lentamente o céu, quando Durval estacionou a caminhonete amarela da esposa em frente ao prédio de Lena, dando a viajem como encerrada para ela e para a sobrinha.

Durante todo o trajeto, pairava no ar um clima leve, entre uma piada e outra que o pai de Léia contava — sobre os tempos de faculdade em que morava com mais três amigos num apartamento no sul —, a fim
de desanuviar o ambiente e manter as outras viajantes confortáveis.

E, por ele ter conseguido com maestria, Lacerda fizera questão de afirmar com certeza para a colega de clube que ele era sim uma pessoa incrível. O sorriso largo que se destacava na face escura era a sua mais autêntica marca.

A mais velha despedia-se do amigo, agradecendo mais uma vez por tê-las resgatado e chamado um conhecido seu para rebocar o carro do local, e aproveitando também para mandar cumprimentos à Gigi e ao Alex, seu filho mais novo.

Avisou à sobrinha que já ia subindo, antes de prestar seus agradecimentos também a garota dos dreads pela oferta da carona, e subiu as escadas, desaparecendo porta adentro.

      — Bem, entregues. — disse Léia, indicando o edifício com um gesto de cabeça, e meteu as mãos nos bolsos das calças de moletom.

      — Obrigada mais uma vez. — cruzou os braços, quando uma leve rajada de vento provocou-lhe um arrepio. — Por tudo.

      — Sempre à disposição. — fez uma leve mesura, arrancando uma risada curta da preta. — A gente se vê amanhã?

      — Amanhã é domingo. — lembrou-lhe, já que no dia seguinte não tinham aulas, como de costume.

      — Isso não chega a ser um impedimento. — retorquiu, piscando para ela com um sorriso malandro.

      — É, tem razão. — admitiu, reprimindo um sorriso. — Mas eu ainda estou chateada. Não vem buscando espaço.

       — Ah, sobre isso, ainda vou fazer você mudar de ideia. — garantiu, apontando-lhe o indicador. — Registra o que eu tô te falando.

      — Uhum, sei. — murmurou, não muito convencida sobre. — O que anda aprontando, Léia Ferreira?

Ela riu, lançando um olhar que não conseguiu decifrar, e balançando a cabeça para os lados, dando a entender que não ia revelar, de modo algum.

Semicerrou os olhos para ela, desconfiada pela ausência de uma resposta concreta de sua parte, bem como seu sorrisinho de quem escondia algo.

      — Até amanhã, Lacerda.

Abriu a boca para responder, porém deteve-se com um movimento brusco — movido pelo reflexo — na sua direção, a fim de permitir passagem a um casal que vinha segurando um cachorro enorme — tinha pânico de animais enormes desde que fora perseguido pelo pitbull da vizinha quarteirão abaixo, aos nove anos —, pela coleira e, apenas quando levantou os olhos, notou a proximidade gritante entre ela e a porto-baixense.

Contudo, nenhuma delas ousou se mover.

A alta deslizou o olhar das suas íris escuras para os lábios húmidos e entreabertos, tão convidativos; a tensão crescendo a cada segundo, ambas querendo que um próximo passo fosse dado, independentemente de quem o fizesse, desde que aquilo que tanto queriam e estava explícito em seus olhares, acontecesse.

A preta sentia suas pernas bambas como nunca antes — tendo a certeza que o pólo norte não mais se situava no lugar de costume, mas sim dentro da sua barriga —, hipnotizada pelo olhar penetrante da garota de olhos verde oliva, como se fosse capaz de ver sua alma. Se sentia nua diante daquele olhar, mas, estranhamente, não desejava fugir.

Entretanto, antes que algo mais pudesse acontecer, o barulho da buzina da caminhonete ressoou entre elas, pondo fim ao momento e quebrando a intensa troca de olhares que se desenrolava ali.

      — Acho melhor você ir. — a solarense rompeu o silêncio, abrindo um sorriso nervoso. Léia assentiu. — Bem, é...até amanhã então. — disse, acenando, enquanto lentamente ia se distanciando, sem perceber que sustentava um sorriso bobo no canto dos lábios, o mesmo que enfeitava a face de Léia.

      — Tchau, Yara.

Finalmente deu-lhe as costas, virando-se, de segundos em segundos, a fim de conferir se ainda lá estava, em todas as vezes deparando-se com ela ainda ali, sorrindo para si, até que entrou e não mais pôde vê-la, isso depois de parar por um instante na porta para admirá-la uma última vez naquele dia.

E mais uma vez constatando o quanto ela era linda.

Cumprimentou animadamente o porteiro — que fitou-lhe um tanto desconfiado e, em simultâneo, surpreso por ser a primeira vez que a via daquele jeito tão...leve e sorridente —, e entrou no elevador quando este veio, encostando-se à na parede adjacente ao painel de botões, tocando os lábios e, por fim, tomando consciência do que estivera prestes a acontecer do lado de fora.

"MEU DEUS, O QUE FOI AQUILO?!", questionou-se internamente, colocando a mão sobre o peito, na intenção de acalmar o coração, que parecia ter sido ocupado por uma bateria de escola de samba.

De certeza que fora pelo porte do animal peludo que passara roçando as suas pernas lá embaixo.

Ou não.

Tirou a chave e abriu a porta do 201, indo diretamente à cozinha tomar um pouco de água para acalmar as batidas aceleradas do seu órgão bombeador de sangue, e evitar que entrasse em colapso.

      — Yara?

Quase derrubou o copo quando a voz da tia se fez ouvir atrás de si e, se ainda estivesse com a boca cheia, certamente se afogaria ou espeliria o conteúdo pelo ar.

      — Que susto, tia! — colocou uma das mãos sobre o peito, soltando uma risada nervosa logo de seguida. Contudo, a expressão da mais velha permaneceu séria. — O que foi? — uniu as sobrancelhas, preocupada.

      — Tem uma pessoa aqui que quer falar com você, querida.

Antes que lhe pudesse perguntar de quem se tratava, uma figura um pouco mais alta que Lena se fez visível atrás dela, capturando a atenção da adolescente para si, e fazendo com que seu coração batesse ainda mais forte.

      — Oi, Yara. — saudou-lhe, abrindo um sorriso vacilante, mas aquilo não acalmou nem um pouco a menina. Muito pelo contrário. — Será que podemos conversar?

Era a mesma mulher que tinha visto no supermercado. Era ela a esposa do seu pai.

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