1 ano de guardião antes.... 1 mês humano antes...
É realmente incrível como o ser humano tem a capacidade de se prender a uma rotina: estudar, trabalhar, comer e dormir. Quase sempre quando chega o fim de semana pensamos: "Bem hoje vou sair da rotina", mas o que ninguém parece se dar conta é que já estamos condicionados a pensar que no final de semana é dia de se fazer uma programação diferente, isso faz com que já seja de rotina que no final de semana nos comportemos de forma diferente, assim não fugimos da rotina, somente fazemos com que naquele dia ela seja mais interessante. O fato é que condicionadas ou não pela rotina a vida de algumas pessoas são bem mais interessantes que a de outras, não sei se isso tem a ver com algum tipo de mérito que essas pessoas possam ter tido para deixar a vida delas assim, e para falar a verdade não tenho como saber isso, somente uma pessoa que faça parte desse círculo de vidas interessantes pode nos contar os segredos de como conseguiu esse feito, e cá entre nós, meu nome não aparece de forma alguma nesse rol.
Como em todas as manhãs eu me levantei da cama sonolenta, contei os azulejos do banheiro enquanto tomava um banho e escovava os dentes, ao que parece havia a mesma quantidade deles, e após pentear os cabelos e me vestir para a escola fitei a mesma figura pálida no espelho. Ela me encarou de volta com grandes olhos azul marinhos, cabelos longos prateados estavam presos em um rabo de cavalo, mas alguns fios teimosos cismavam em permanecer fora do penteado. Ela não estava nada impressionante vestida com uma camiseta azul sem graça, calça jeans simples e tênis surrado. Torci o nariz para as olheiras escuras em volta dos meus olhos, pensei acusadoramente no exemplar de Orgulho e Preconceito no meu criado mudo... decididamente ler até quase de madrugada não era uma terapia de beleza.
Que se dane, pensei comigo mesma, não era como se aparência fosse algo em que eu me concentrasse. Eu deixava isso para Laura e Ângela... os ataques de histeria também. Peguei minha mochila e saí do quarto a passos largos em direção a sala de jantar para tomar café da manhã em família, exigência da nossa mãe.
Susan Halle, era uma mulher e tanto. Assumira os negócios do nosso pai em sua rede de móveis, e decididamente realizava um bom trabalho na Móveis Lux, a grande e confortável casa que tínhamos e nosso padrão de vida no mínimo privilegiado era prova disso. Deixando minha mochila aos pés da escada fui me sentar à mesa para o café.
Minha mãe já estava sentada junto a elegante mesa de mogno, estava muito bem vestida, usava um vestido social cinza, sapatos pretos, um relógio de correia fina de prata, um colar delicado em predaria negra e o cabelo preso em um coque no alto da cabeça. Me sentei ao mesmo tempo que a dei bom dia, ela em sua voz suave respondeu:
_ Bom dia querida, pelo menos você respeita os horários dessa casa, não posso dizer o mesmo das suas irmãs! _ ela desviou o olhar do jornal que estava lendo ao falar comigo. Eu simplesmente sorri, não era novidade que pontualidade não era o forte das minhas irmãs.
_Bom dia galerinha! Dormiram bem? _ Luísa se sentou à mesa, estava usando uma calça preta de couro, uma bota sem salto de cano curto, e uma blusa branca solta com uma boca enorme mostrando a língua, o cabelo castanho escuro liso estava solto, cortado no ombro em um corte totalmente repicado, e ela havia feito um uma maquiagem muito escura, com lápis de olho, delineador e rímel em excesso. Para completar o visual um batom lilás, Laura sempre dizia que em contraste com sua pele clara aquela maquiagem a fazia parecer uma defunta. Ela não ligava para isso, ela fazia o papel da menina rebelde da família, minha mãe não se cansava em dizer que aquilo era apenas uma fase. Fase ou não, Luísa era a mais agradável das minhas três irmãs.
_ Isso é jeito de se vestir para a aula? _Nossa mãe largou seu jornal e avaliou Luísa de lábios franzidos.
_E isso é jeito de responder um bom dia dona Susan? _ era isso o que eu mais gostava na Luísa, ela não se importava com o que pensavam dela.
_Não se estresse com a Luísa mãe, é um caso perdido. _a Laura surgiu na sala já se intrometendo na conversa. A Laura era irmã gêmea da Luísa, não eram univitelinas mas quando crianças elas eram muito parecidas, mas isso era passado, agora eram o oposto uma da outra. Aos dezessete anos minha irmã adotava o estilo menina arrumadinha, uma camiseta polo rosa claro, uma sainha jeans, o cabelo solto até abaixo do ombro em total alinho, uma franja dava a ela ares de uma menina de doze anos, usava uma sandália rosa de salto discreto, a maquiagem era clara e o batom rosa combinava com seu cabelo loiro. Luísa costumava a chamar de oxigenada, seu cabelo originalmente também era castanho escuro, havia ficado loira as custas da boa e velha química. Laura era presidente do jornal da escola e amava assumir o posto de garota certinha. _ Bom dia família! _nós respondemos o bom dia de Laura quase em uníssono.
_Se sou um caso perdido imagina só você! _Luísa adotou um ar de quem tem um trunfo na manga. _Já conseguiu limpar sua barra na escola depois daquela confusão com a Keila?
_Que confusão? E quem é essa Keila? _ nossa mãe se interessou.
_Cala essa boca projeto de noviça rebelde sem sucesso! _ Laura ficou amarela.
_Não fale assim com a sua irmã Laura. _Nossa mãe respirou fundo, e com um menear de cabeça pôs fim a conversa _Depois falaremos sobre isso Laura, mas por agora sem brigas na mesa.
Pelo que eu sei a Luísa deveria estar se referindo a Laura ter pedido um amigo dela para dar em cima da Keila, atual namorada do ex da Laura, mas isso tinha sido descoberto e havia dado o que falar na escola. Até eu ouvia as fofocas da escola. Por essas e outras que ficava claro que Laura não era tão perfeita assim.
_Bom dia, perdi algo? _ Ângela apareceu na sala, como sempre arrumada ao estilo patricinha. Blusinha branca colada, mini saia rosa, meia calça branca e sapatinho fechado rosa com um salto médio, brincos, anéis, pulseira e colar dourados. Usava muita maquiagem, mas uma maquiagem que dava a ela um ar de princesinha da Disney, e o cabelo estava arrumado impecavelmente em um penteado que deixava quase todo o seu cabelo castanho claro solto.
_Nada que lhe interesse. _Laura estava com cara de psicopata de romance policial barato.
_Já sei! Alguém contou para a mamãe sobre o lance com a Keila. A Crystal é uma mosca morta desinformada sobre as novidades da escola, então obviamente foi a Luísa quem abriu o bico. _Ângela era totalmente desagradável em suas observações.
Um olhar irado de Laura fez Ângela se calar e dar de ombros enquanto enchia o próprio copo de suco. Minha mãe franziu o cenho para Laura, mas no fim aquilo não daria em nada. Se tratando das meninas Suzan sempre foi mais amena em suas reprimendas. Eu não estou dizendo que ela não me trate bem, só é diferente com elas, mas por mim tudo bem.
_Onde vai vestida a lá princesa Diana mãe? _indagou Luísa.
_ Tenho reunião com os acionistas da Móveis Lux. _respondeu.
_Nenhum problema com a fábrica né? _Laura perguntou aflita, digamos que ter dinheiro era no mínimo algo que minha irmã amava.
_Apenas uma reunião para discutir a construção de outra filial, nada que atrapalhe que você e a Luísa troquem de carro no mês que vem. _minha mãe já sabia de onde vinha a preocupação.
_Não perguntei por isso! _se defendeu Laura. Laura e Luísa haviam ganhado carros assim que tiraram carteira, carros de segunda mão mas com aparência de novos, agora ganhariam carros zero quilômetros, elas mesmo escolheriam, dessa forma eu já esperava as ver dirigindo conversíveis.
_Logo eu também vou ter minha carteira, pode preparar os cofres mame, não me contento com menos do que uma Mercedes do ano. _Ângela disse em tom de comunicado.
_Então faça por merecer, estude, tire boas notas e seja uma menina educada. _ rebateu minha mãe.
_E você Crystal? _perguntou Laura.
_Eu o que? _indaguei.
_Oras, que tipo de carro gosta? _explicou.
_Qualquer um que tenha quatro rodas e que ainda funcione. _dei de ombros.
_Então já até me imagino dirigindo minha Mercedes e a Crystal um fusca modelo anos noventa. _ Ângela e sua simpatia!
_Por que um fusca anos noventa? _investigou Laura.
_Porquê combina com ela, antiquado e sem graça! _ Elas começaram a rir como se o comentário do ano tivesse sido dito ali.
_Você sem dúvida é bem engraçada não é mesmo Ângela? _disse mal humorada, ouvir gracinhas delas era rotina, mas mesmo assim não deixava de chatear.
_Crystal, foi apenas uma brincadeira _ minha mãe disse calma. _Eu já disse para vocês, sem brigas na mesa.
Assim que acabamos o café eu me levantei, antes que alguma das minhas irmãs arrancasse um dos meus olhos com uma faca e nossa mãe considerasse apenas uma brincadeira. Não importava o que a Ângela, Luísa e Laura fizessem, estavam sempre com a razão, a mim restava aceitar. Como sempre peguei uma carona com Luísa, enquanto isso Ângela foi com a Laura para a escola. Isso poupava nossa mãe de nos levar ela mesma.
Luísa dirigiu concentrada pelo pequeno trajeto até a escola, enquanto isso meus ouvidos martelavam com o rock pesado que ela ouvia em volume alto no rádio. Quando paramos no estacionamento da escola descemos do carro, e como sempre o até logo de Luísa se limitou a um leve menear de cabeça e um sorriso. Pude ver Laura e Ângela descerem do carro a algumas vagas dali, elas desceram fofocando e rindo. Logo perdi todas de vista no meio do aglomerado de estudantes que não paravam de chegar na Escola Secundária do Texas. O dia estava naturalmente quente, o sol parecia fazer questão de ser protagonista em todos dias dali.
O primeiro semestre de aulas estava terminando, graças a Deus! Não que eu não gostasse de estudar, o que eu não gostava era de ir à escola. Pergunte a qualquer adolescente calado, tímido e com popularidade abaixo de zero o que ele acha da escola, posso adiantar três das suas possíveis respostas, A) Um saco, B) Uma droga, ou no caso dos hipócritas, C) Legal, nada de extraordinário mas também nada de insuportável. Quem responde a alternativa C deve ser considerado sem nenhuma dúvida um expert em hipocrisia, a escola pode ser insuportável para algumas pessoas. Quando se é apenas um ser invisível você ainda pode suportar, ser um perdedor já não é nem mesmo suportável. Quando não se é popular, não se está em uma posição intermediária na cadeia alimentar do ambiente escolar, mas mesmo assim sua presença é notada você tem graves problemas, Você é um perdedor! Por isso eu as vezes agradecia aos céus por não ser notada!
Existem características determinantes para se identificar se é um perdedor ou um invisível: Pessoas invisíveis, como o próprio nome sugere, não são notadas nunca, ninguém liga se faltarem a aula, tem pouquíssimos amigos e ficam sempre na sua na escola, já os perdedores são basicamente sacos de pancadas humanos, os populares notam quando faltam, pois sempre estão os procurando para descarregarem o estresse os surrando ou ofendendo, eles parecem amar envergonhá-los, mas em todo esse processo existe algo importante para diferenciar Perdedores de invisíveis, uma vez perdedor é quase que imprescindível que você vá até o fim sendo um perdedor, já quando se é invisível você ainda tem boas possibilidades de alcançar uma ascensão rápida e subir ao topo da cadeia alimentar.
Bem, levando em consideração tudo isso havia algo que perdedores e invisíveis tinham em comum, ambos odiavam os populares, pois queriam ser iguais a eles, eu nesse ponto não me diferenciava, achava Ângela e Laura desprezíveis, mas deveria ser bom ser respeitadas como elas eram. Ângela dentro do colégio era um exemplo de ídolo Team local, todas as garotas queriam copiar aquela patricinha de ar totalmente confiante, ela falava e os outros concordavam, obedeciam e copiavam. Laura por si era tida como uma aspirante a se tornar âncora de algum tele jornal da CNN, era considerada por todos um modelo autêntico de inteligência incarnada, e olha que nem era isso tudo, ela era do tipo de pessoa que sabia enganar bem, mas se vacilar era capaz de afirmar que os Estados Unidos era um país do continente europeu, e o pior era que ela era dotada de tanta autoconfiança que era capaz de convencer muitas pessoas disso com extrema facilidade.
Luísa por outro lado estava em um meio termo no quesito popularidade, ela nunca estava muito envolvida em fofocas ou embaixo dos holofotes, mas ela tinha muitos amigos. Ela era um membro do grupo dos descolados, e não parecia precisar de atitudes falsas e sorrisos fingidos para ter a simpatia das pessoas do seu círculo de convívio.
Nesse contexto a escola se tornava um exemplo de Darwinismo social em vigor, ali somente os fortes sobreviveriam sem acumular um número preocupante de traumas, por fortes quero dizer os populares, alguns deles nem precisavam ser necessariamente inteligentes, lindos, ou engraçados, porém conseguiram se fixar no topo da cadeia alimentar e garantir sua sobrevivência, e escondidos atrás da máscara da popularidade extrema se sentiam fortes e mais evoluídos, pessoas como eu se contentavam com uma subsistência confortável dentro dos muros da escola. Era hora de me dirigir ao prédio um, se iniciava mais um dia na escola, que ótimo, como sempre estava com a ansiedade de um delinquente que aguarda a sua vez na cadeira elétrica para entrar naquele edifício requintado. Bem, vamos lá, que comece mais um dia emocionante de tortura mental!