-Estava ouvindo atrás da porta? - pergunto com uma leve indignação.
-Não preciso grudar a orelha na porta, ouviria vocês da cozinha se eu quisesse - ele responde friamente.
-Majestade - Adam fica de pé ignorando nossa discussão e reverenciando o brutamontes intrometido.
-Quem é Heike? - Ethan repete e Adam se prepara para responder mas eu o corto.
-Adam, pode nos dar um minuto? - pergunto encarando Ethan, que devolvia o olhar com curiosidade e certa raiva.
-Claro - Adam sai do quarto fechando a porta atrás de si.
-Onde se conheceram? Há quanto tempo? Por que são tão íntimos? Quem é Heike? - Ethan pergunta novamente e eu bufo me jogando na cama.
-Ele é meu ex namorado. Eu o conheci aqui em Ahgnares da primeira vez que eu vim há quase três anos - respondo devagar e ele digere as informações com o cenho franzido.
-Heike? - Ele resmunga agora com certa hesitação.
-Minha filha - respondo e observo seus olhos saltarem do rosto e seu queixo cair. - Antes que fale qualquer coisa, precisa saber que eu não sabia dela até ontem. Carli escondeu tudo de mim...
-Uma filha? - Ethan procura algum sinal de que eu pudesse estar brincando, procura qualquer dica de que fosse mentira, mas ele não encontrou.
-Eu sei que é demais, e eu vou entender se voltar atrás na sua decisão - deixo claro.
Eu com certeza não pensava em obrigá-lo a ficar comigo depois da reivindicação, mas agora envolvia não só a mim e ele...
Ele fica em silêncio por um longo tempo, tempo demais. Eu decido que devia falar algo, mas ele o faz primeiro.
-A filha de Adam tem tudo a ver com você - Ethan diz e eu quase abro a boca em surpresa.
-A conhece?
-Sou padrinho dela - ele me encara com dor no olhar. - Só perguntei quem era Heike porque de certa forma torcia para não ser dela de quem falavam.
Suspiro sem conseguir encará-lo.
-Ele é o meu melhor amigo. E se depender de mim, ele e a filha vão ser as pessoas mais felizes que eu conheço. Se isso significar deixar que você faça parte da família dele, eu aceito e compreendo.
-Ah, você também? - resmungo e ele me encara confuso. - Por que eu devo me casar? - xingo e ele desvia o olhar desconfortável.
-Até ontem eu achava que se casaria comigo, um dia - Ethan começa. - Mas eu não gostaria de crescer sem um dos meus pais presente.
-E por que eu não estaria presente? Só por não estar casada com o pai dela? Ah, pela Lua, Ethan! - resmungo impaciente.
-Eu não sei! Isso é novidade demais! - ele fala alto e eu viro o queixo levemente para o lado com o olhar cerrado em sua direção o desafiado a gritar comigo. - Desculpe, é novidade para você também... Eu sinto muito.
-Tanto você tem o direito de surtar, e de voltar atrás na decisão de ontem...
-Eu não vou rejeitá-la de novo, Victória. Eu adoro aquela menininha. Tenho certeza de que você vai querer participar da vida dela, estaremos juntos nesse quesito, e no outro se você parar de enrolar - ele tenta fazer piada e eu bufo.
-Não estou enrolando - respondo e Ethan sorri.
-Tudo bem. Mas precisa saber que não importa o que você faça, eu nunca mais vou abandonar você. Independente do que escolher, seremos amigos, companheiros ou apenas conhecidos, vou estar do seu lado, me entendeu? - Ethan fala e eu deixo os ombros caírem ao assentir com um sorriso fraco.
Ele caminha em minha direção e passa os braços pela minha cintura me puxando para um abraço que eu retribuo colocando as mãos em volta de seu pescoço.
-Vou estar do seu lado no combate - Ethan fala e eu me afasto.
-Não - murmuro.
-Nada de não, não pode me impedir de ir - ele debocha.
-Ethan - começo e ele me manda um olhar me repreendendo. - Não quero que me veja apanhar, ou morrer.
-Confio no seu treinamento - ele diz. - Mas não confio nele.
-Acha que ele vai trapacear? - pergunto. Essa ideia nem havia passado pela minha cabeça, não sei porque já que é contra Thails que irei lutar, ele faria tudo para ganhar.
-Tenho certeza que vai, depois de tudo que já ouvi dele... - Ethn suspira. - Eu vou apenas para garantir que a minha companheira não morra.
-Não pode impedir - digo e ele resmunga algo que não entendi.
-Posso e vou, se você ainda não soube, os escolhidos recebem os poderes dos Deuses e se tornam os próprios - ele fala e pude sentir o sangue se esvair do meu rosto. - Olharia na cara de um Deus e diria que ele não pode impedir qualquer coisa? - Ethan pergunta se aproximando perigosamente.
Por um segundo esqueci que ele era o Ethan, meu companheiro e mais novo amigo. Apenas a imagem endeusada e majestosa dele permaneceu entre nós no quarto e eu sabia que não devia contradizê-lo naquele momento.
Então apenas balancei a cabeça negando. Ele trinca o maxilar mas não se afasta. Por um momento pareço esquecer como respirar, e meu coração parece querer sair do peito. A respiração de Ethan se acelera e eu encaro seus olhos cinzentos sem saber se queria me afastar.
Engulo seco e ele recoloca a mão na minha cintura me puxando para mais perto. Com a outra mão, ele tira minha franja do rosto e a coloca atrás da minha orelha em um gesto delicado.
Pude ouvir o coração dele como se fosse um tambor no meu ouvido, sentir sua respiração como um vento forte em um dia de chuva, e hoje ele cheirava à panquecas e café, mas o leve cheiro de morango ainda estava ali, devia ser apenas culpa do olfato lupino que eu o sentia.
Mas antes que pudéssemos fazer qualquer coisa, algum desocupado bate na porta e eu me afasto à contragosto ouvindo Ethan bufar e caminhar até a porta a abrindo.
-Sim? - ele resmunga e ouço a risada inconfundível de Elena.
-Que cara é essa? Atrapalhei alguma coisa? - ela pergunta entrando e me encara com um sorriso malicioso.
-Não - digo com um pequeno sorriso desajeitado e encaro Ethan por dois segundos desafiando-o a me contrariar, ele apenas ergue uma das sobrancelhas e balança o rosto dispensando o desafio.
-Ótimo, eu trouxe sua roupa de hoje. E Ethan, você foi liberado pelo papai hoje então eu, como sua irmã, estou mandando ir passear por Ahgnares com a sua adorável companheira - ela diz e sorri para mim. Faço mesmo sem mostrar os dentes.
-Não vejo por que negar... - Ethan fala e encara Elena. - Nem como - ele suspira em direção a Elena que apenas nega com um sorrisinho inocente. - Eu volto em meia hora - Ethan diz e me manda um sorriso mostrando os caninos levemente pontudos, coisa que me fez suspirar involuntariamente.
Assim que ele sai Elena bate a porta.
-O que rolou? - ela quase berra.
- Ah, você quer dizer o que quase rolou? - retruco e ela se encolhe com um pequeno sorriso malicioso.
-Então eu atrapalhei alguma coisa - Elena diz e eu cerro os olhos em sua direção. - Não vai falar mais nada não é?
-Não - digo sorrindo inocente e pego a roupa que ela me trouxe e corro para o banheiro.
Coloquei a roupa que Elena trouxe em poucos minutos, era um vestido amarelo de chiffon bem leve, e por cima uma jaqueta preta, e como Elena já conviveu comigo por tempo suficiente, ela trouxe um par de coturnos pretos.
Saí do banheiro e ela se joga em cima de mim para arrumar meu cabelo.
-Alguém já lhe disse que você é muito bruta? - pergunto enquanto esfrego meu ombro, a parte do meu corpo vítima de sua força.
-O Ethan, a Estela e a Eveli - Elena responde depois de terminar meu penteado que se tornara habitual, meio preso.
-Eles estão certos - digo rindo e ela acompanha.
-Mas você não vai mesmo me contar nadinha? - Elena me encara fazendo carinha de pidona.
-Nananinanão - digo rindo e ela bufa sentando de braços cruzados feito uma criança birrenta. - Se eu tivesse certeza de que você não contaria para as suas irmãs, eu até deixaria escapar alguma coisa...
-Eu não conto nadinha - Elena se anima descruzando os braços e se aproximando. Ergo uma das sobrancelhas e observo seu rosto ficar emburrado novamente. - Eu contaria tudinho, desculpe - ela admite e ri de si mesma.
-Eu sei - gargalho e ela acompanha.
Logo ouvimos batidas na porta. Elena corre até ela e abre dando-nos visão de Ethan.
Ele havia trocado de roupa, colocou uma calça de algodão preta e uma camisa de seda azul com um casaco de moletom cinza.
-Olá, garoto de vinte e um anos normal - Elena diz com um sorriso.
-Oi, chatonilda - ele diz e ri.
-Oi, pra você também - digo e ele me encara com um sorriso.
-Olá, adorável companheira - Ethan diz e eu gargalho.
-Vão, vão, vão - Elena resmunga. - Estão perdendo tempo! - ela diz e empurra Ethan para fora enquanto me puxava pela mão nos jogando para fora do quarto.
Como não era possível contrariar Elena naquele momento, eu e Ethan apenas ríamos.
Elena sumiu antes que pudéssemos nos despedir dela. Saímos do castelo e começamos a andar pela rua principal.
-Então? - Ethan fala com visível vontade de rir.
-Então o que? - pergunto e ele ri.
-O que a minha adorável companheira tem em mente para o dia? - Ethan pergunta olhando para o horizonte.
-Pensei que a vossa majestade tinha planejado nosso dia... - digo e ele bate seu ombro no meu carinhosamente enquanto ria.
-Não me chame assim - ele diz e eu rio.
-Vossa chiqueza real pode me dizer como prefere ser chamado? - pergunto e ele me encara com deboche e repreensão no mesmo olhar. - Por que raios não me contou?
-Eu não queria que me tratasse diferente - Ethan responde. - Não queria que me visse como o rei de Ahgnares. Queria que me visse como o Ethan, a beldade conhecida como seu companheiro - ele diz e eu gargalho.
- Eu compreendo, mas realmente gostaria que tivesse me contado. Saber no baile, assim do nada foi... - faço uma careta arregalando os olhos tentando demonstrar como fiquei espantada e ele gargalha alto chamando atenção de algumas pessoas que estavam na rua.
-É, eu tenho certeza que foi uma surpresa - Ethan ri e eu acompanho. - Você devia ter visto sua cara - ele ri de novo e eu reviro os olhos e rio com ele.
-Você e Adam... - começo.
-Ah, pelas Estrelas, agora não - ele pede sem me olhar. E eu suspiro assentindo. - Esse é o nosso dia, por favor. Contarei tudo que quiser saber, amanhã.
-Espero que conte ainda de manhã - digo.
-Por... - antes que Ethan perguntasse, ele já sabia a resposta. - Vou com você - ele afirma.
-O que? Não! Isso nem faz sentido - eu digo. - Você é o rei, não pode sair do continente assim do nada.
-O que eu disse sobre impedimentos? - ele pergunta e eu bufo.
-Se não impedimentos, obrigações. Você tem sua família e o seu povo aqui, não vai passar quase duas semanas fora - argumento e foi a vez dele de bufar.
-Tudo bem... Mas vou estar lá dois dias antes da luta - ele diz firme.
-Um dia - digo.
-Dois dias, e sem discussão - Ethan afirma parando no meio da rua me desafiando a negar.
Apenas ergo as mãos com as palmas para fora em forma de rendimento, e ele assente satisfeito voltando a andar.
-Um mico - ele fala do nada.
-O que? - pergunto e ele ri.
-Um mico, uma situação constrangedora que você passou - Ethan repete.
-Ahm... - resmungo começando a pensar.
- Qualquer coisa - ele complementa.
-Uma vez, eu estava com Ben passeando pelo reino e pensei ter visto um pé de bergamotas, eu amo bergamotas. Saí correndo atropelando todo mundo, perdi coroa, sapatos, brincos e colar para chegar em um pé de limões - digo rindo e ele acompanha. - E todos os habitantes que estavam na rua ficaram me encarando como se eu fosse um monstro de sete cabeças por não saber que Sargenis não produz bergamotas... - digo e Ethan gargalha. - Sua vez.
-Pelas Estrelas... - ele resmunga ainda rindo. - Tá, eu tenho uma. Eu já era rei, mas há pouco tempo, e meu pai trabalhava na fazenda principal do castelo cuidando dos porcos. E um dia eu tive que falar com ele urgentemente, corri com a coroa e o manto até o chiqueiro e ao invés de parar de correr, eu literalmente voei para dentro do cercadinho, no meio dos porcos e saí cheio de lama carregando a coroa e o manto como se tivesse acabado de voltar da guerra. - Ele conta e eu gargalho alto.
-Pela Lua, eu daria tudo para ver essa cena! - digo ainda rindo.
-Minha mãe fez piada comigo durante um mês, e eu duvido que os outros funcionários não tivessem entrado na brincadeira. O pior era que toda vez que eu passava pelas minhas irmãs elas faziam o som de porco - ele diz e eu gargalho de novo, agora com ele me acompanhando.