O Par Perfeito (DEGUSTAÇÃO)

By ShirleiRamos

337K 11.1K 879

O livro encontra-se à venda na Amazon. More

Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 7
À venda na Amazon
Spin-off de O Par Perfeito - conto
Publicação pela Editora Coerência
Livro físico à venda
Sessões de autógrafos
Dia mundial do livro: e-books gratuitos
Nova história - Ao encontro do amor

Capítulo 6

26.4K 1.2K 126
By ShirleiRamos

Estou muitoooo feliz (surtando mesmo de alegria, porque essa é minha natureza...rsrs...) por tantos leitores estarem acompanhando a história, dando estrelinhas e comentando. Obrigada demais a todos que estão dispondo de seu tempo para ler a história da Elise e a todos que têm deixado estrelinhas e comentários tão fofos <3 Nem acredito que a história alcançou 10 mil leituras em duas semanas! Em retribuição a todo esse carinho, estou postando o capítulo 6, que traz alguém que promete bagunçar ainda mais o coração da Elise :) Espero que vocês gostem <3

Um último aviso: os capítulos já escritos estão acabando. Então, após o capítulo 7, que postarei na quinta-feira, os capítulos serão postados conforme eu os escrevo. Assim, peço desculpas de antemão se eu demorar um pouquinho para postar (mas farei de tudo para não ultrapassar uma semana, claro). 

***********************************************************************************

— E aí, meninas, gostaram do filme?

— Mais ou menos, papai. O filme é muito infantil.

— Mas ouvi você rindo tanto junto com a Elise...

            — Clarinha está dando uma de difícil, Roberto. Ela gostou, sim.

            — Meu nome é Maria Clara!

            — Clarinha, filha, por favor, a Elise só quer ser sua amiga e...

            — Quero ir pra casa, papai.

            — Filha, eu preciso levar a Elise primeiro.

            — Não, tudo bem. Eu pego um ônibus na Teodoro Sampaio. Sem problemas.

            — Não, não tem cabimento. Eu vou levar você.

            — Papai, vamos logo!

            — Maria Clara, espera!

            — Roberto, é sério: eu pego o ônibus.

            — Mas são quase nove da noite, Elise...

            — Quando faço evento, pego ônibus mais tarde do que isso. Não se preocupe.

            — Papaaaaiiii, eu quero ir no banheiro!

            — Maria Clara, só um minuto.

            — Pode ir, Roberto. Mas se você quiser, primeiro, eu acompanho, a Maria Clara até o banheiro.

            — Eu não preciso de babá. Vou sozinha!

            — Maria Clara, filha, coopera comigo, por favor.

            — Eu vou pegar o ônibus. Obrigada pelo cinema. Eu me diverti muito.

            — Elise...

            — Papai!

            — Roberto?

            — Desculpe, Elise. Eu não queria que a noite acabasse assim. Desculpe mesmo.

            — Está tudo bem. Quem sabe da próxima vez...

            — Amanhã mesmo vou te ligar e marcamos de nos encontrar... bem, de dia de semana é bem complicado para mim, porque não tenho com quem deixar a Maria Clara. Mas prometo que no sábado saímos de novo.

            — Papai, não aguento mais segurar!

            — Para mim está ótimo, juro. Tchau. Tchau, Maria Clara.

            — Fala tchau pra a Elise, filha.

            — Vamos!

            Essa conversa de doidos acaba de acontecer no terceiro piso do shopping, em frente às salas de cinemas. E, enquanto vejo pai e filha descerem a escada rolante, não paro de me perguntar: por que e como aquele encontro, que tinha grande potencial amoroso, deu tão errado? Depois que entreguei o celular para Roberto, logo após prometer a Maria Clara que estávamos saindo para buscá-la, limpei as lágrimas, abri um sorriso, e Roberto foi me agradecendo, sem parar, até o estacionamento do shopping. Chegou até mesmo a pegar minha mão e beijar o dorso. Duas vezes! O comportamento tímido desapareceu de uma forma que eu acreditei que ele fosse me arrebatar com um beijo em pleno estacionamento. Apesar de não ter acontecido isso, me senti especial com seu carinho e seus olhos tão cheios de gratidão.

            Durante o trajeto até a casa que divide com sua filha, ele não parava de tagarelar. Falou que estava muito feliz por encontrar uma mulher como eu, tão compreensiva com Maria Clara. Confessou que era a primeira vez que saía com alguém desde que a esposa faleceu. Pediu desculpas por estar meio “travadão”. O problema era que ele não saía com outra mulher, que não fosse Inês, havia 15 anos. Disse que estava com medo de fazer ou falar algo errado, pois eu era muito diferente da esposa dele. Era mais extrovertida. Além de bem mais nova. Nessa parte, não soube interpretar se isso era bom ou ruim. Mas tampouco tive coragem de perguntar. Eu respondi apenas que também nunca havia saído com um homem mais velho e com filhos. E que estava gostando da experiência. Falei, mais uma vez, sobre minha paixão por crianças. Foi nesse momento que ele pegou minha mão e deu um apertão meio desajeitado. Percebi que ele mudava quando falava da filha. Ficava mais carinhoso, mais solto. Quando chegamos em frente à casa que mora com Maria Clara, ele fez questão de abrir a porta do carro para mim. Foi impossível esconder meu sorriso deslumbrado. Quando ia dar um beijo no rosto dele, porque, claro, quero esperar ele tomar a iniciativa de beijar minha boca, Maria Clara surgiu na porta.

            No mesmo instante, saí de perto de Roberto e fui encontrar a garota no portão, acreditando que ela fosse me receber de braços abertos após nossa conversa. Mas não foi o que aconteceu. Ela simplesmente ignorou minha presença e se dependurou no pescoço do pai. Roberto até tentou fazê-la me cumprimentar com todo entusiasmo que eu a cumprimentei. Ela apenas disse “oi”. Levando em conta como terminou a noite, até que não foi ruim. Conheci também a sogra de Roberto – uma mulher supereducada, de fala corretíssima. Lembrei-me da minha mãe. E quase choro na frente da idosa. Conversamos mais um pouco no portão, então eu e Roberto para o carro, junto com Maria Clara.

            No cinema, sentei entre pai e filha. A menina não queria, mas Roberto falou que era o melhor lugar, pois assim ela conseguia pegar a pipoca, que largou no meu colo. Rimos horrores com o filme. Roberto ensaiou tantas vezes pegar minha mão que eu quase peguei a dele, de tanta agonia. Não peguei. E conforme o filme transcorria, eu acabei me esquecendo de suas tentativas. Para ser sincera, acabei me esquecendo de que Roberto estava sentado ao meu lado. Ele não ria, não tentava sussurrar nenhum comentário sobre o filme no meu ouvido. Na verdade, ele não fazia ruído algum ao meu lado. Só me lembrei dele quando o filme acabou, os créditos subiram e Roberto, finalmente, venceu a timidez e pegou na minha mão. Deu um apertão forte e me olhou com um sorriso de vitória. Mais uma vez, pensei que fosse me arrebatar com um beijo. E outra vez não o fez. Talvez até fosse fazer, mas Maria Clara surgiu bem na hora, quase caindo no meu colo, no desespero de passar por mim.

            E foi nesse momento que a coisa desandou. Maria Clara saiu arrastando o pai, fui esquecida para trás, quase me perco na multidão e o resto você já sabe...

            Caminho pelas ruas de Pinheiros em passos rápidos. Agora sei que foi uma péssima ideia tentar conquistar a filha antes do pai. Havia acreditado tanto que apenas algumas palavras emocionadas, da minha parte, amoleceriam o coração de Maria Clara, e ela se tornaria minha mais nova amiga!

            Esfrego meus braços. A noite está fria. Entro na Teodoro Sampaio. Dou sinal para um ônibus. Ele passa por mim numa velocidade absurda. E não para, claro. Que jeito lindo de acabar um dia que prometia tanto! E tudo culpa minha. Dessa vez, não posso culpar o cara com quem saí. Roberto queria um encontro só nosso... no começo do encontro, pelo menos. Eu tinha que inventar de chamar a filha dele? O pior é que depois descobri que, sim, tinha uma comédia romântica em cartaz. Que raiva! E parecia bem romântica. Tinha até um cachorro na história. Adoro cachorros, a propósito. Eu e a Sassa, aliás. Bem que a Diana podia nos deixar ter um. E parar de dizer que não temos responsabilidade e nem tempo para criar o bichinho direito.

            Continuo subindo a Teodoro Sampaio. Para variar, não tenho dinheiro para pagar um táxi. Acabei gastando quase os 50 reais inteiros entre cinema e pipoca. Tampouco posso culpar Roberto por isso. Ele insistiu bastante para eu aceitar que pagasse para mim. Quer dizer, pediu duas vezes. Quando eu disse que meu último evento havia me pagado superbem, que podia até pagar para todo mundo se fosse o caso (graças a Deus que ele nem cogitou essa hipótese!), Roberto abriu um sorriso de satisfação e, mais do que rápido, pediu apenas duas entradas. Acho que não está fácil para ninguém hoje em dia. Ou, então, ficou feliz por eu ser uma mulher independente, que não pedirá dinheiro para o marido e que não vai estourar o cartão de crédito. A partir de agora, é melhor eu me transformar nessa mulher, antes que ele descubra a verdade.

            A sede está me matando. Não acredito que subi um pedaço razoável da Cardeal Arcoverde, a Teodoro Sampaio quase toda e agora estou próxima à rua Simão Álvares. Acho que vou precisar entrar em algum lugar para comprar água. A pipoca estava tão salgada! Tive que me segurar, quando Roberto comprou refrigerante para Maria Clara, para não pedir um também. É claro que ele ofereceu. Eu respondi que não gostava de refrigerante. Não gosto mesmo. Mas na sede que eu estava valia qualquer coisa. Como agora. E não encontro nada aberto.

            Chego ao ponto da Morato Coelho. Duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Vejo meu ônibus atrás de outro, que parou no semáforo, e avisto o supermercado aberto. Por alguns segundos, fico em dúvida. Entro no supermercado, compro uma garrafinha de água, mato a sede que ameaça rachar toda minha garganta, e espero o próximo ônibus, que pode demorar à beça por causa do horário e por ser domingo? Ou pego este ônibus e chego em casa numa desidratação avançada, porque, do ponto que desço até a minha casa, preciso caminhar mais dez minutos?

            De repente, quando o ônibus está bem perto do ponto onde parei, e estou aceitando a ideia de me arrastar de sede pelos próximos vinte minutos, sinto um cutucão no ombro esquerdo, como se alguém estivesse me chamando. Viro-me assustada, porque o ponto estava deserto até eu chegar e não havia visto alguém se aproximando. E não encontro ninguém. Estou sozinha e começando a delirar por causa da sede. Só pode ser isso. Mesmo assim procuro a pessoa que me cutucou. Foi tão forte! Não é possível que a privação de água, que, tudo bem, não me lembro da última vez que pus na boca, esteja me fazendo imaginar coisas. Procuro, procuro. Olho, olho. E vejo o ônibus passando, mais uma vez, direto, em frente ao meu ponto. Pelo menos, agora, não fiz o sinal. O motorista não podia imaginar que eu fosse pegá-lo.

            Suspiro. E me entrego. Vou comprar minha preciosa garrafinha de água. Entro no supermercado e caminho sem parar até alcançar o corredor de sucos. E águas, óbvio. Primeiro, vejo apenas sucos, chás, energéticos. Então, olho para trás e percebo que uma pilastra imensa está escondendo as garrafas de águas. Lugar mais bizarro para se construir uma pilastra de sustentação. Tenho quase que me espremer para ficar entre a prateleira de água e a tal pilastra. No mesmo instante que me “espremo” para entrar nela, ouço uma voz alterada vindo para o corredor onde estou. Penso sobre a possibilidade de o supermercado estar sendo assaltado. Encolho-me para não ser vista por ninguém. Nunca sofri um assalto. Por mais incrível que isso soe, pois moro na cidade de São Paulo e, ainda por cima, chego quase sempre tarde em casa, eu me considero uma mulher de muita sorte, pois nunca fui assaltada e tampouco presenciei um assalto. Devo ter um anjo muito protetor. Meus pais devem me proteger lá do lugar lindo onde se encontram. Acredito muito que as pessoas que amam de verdade, quando morrem, vão para um paraíso especial. Tipo um paraíso dos amantes. E, lá, elas podem viver eternamente de amor e...

            — Para mim chega! Cansei!

            Um grito estridente atravessa meus ouvidos e dispara meu coração. Ai, seja lá quem for ou “quems forem”, está no meu corredor! Encolha-se mais um pouco, Elise. Você consegue!

            — Você não está nem aí para mim! Não, é pior do que isso: você não sente mais nada por mim. Estou de saco cheio de cobrar atenção de você.

            É voz de mulher. E está muito nervosa. Mas será que está falando sozinha? E depois eu que sou a maluca!

            — É isso, não vou cobrar mais nada de você. Eu vou terminar com você. Você pode ficar com sua carreira brilhante. Vá ser controller, CFO... a puta que pariu!

            Nossa! Está muito nervosa mesmo. Só espero que não esteja armada. Mas a curiosidade maior é: ela está falando tudo isso para quem? Se eu sair daqui, agora, é capaz da mulher me arremessar alguma dessas garrafas na cabeça. Melhor ficar quietinha, só ouvindo.

            — Estamos juntos há cinco anos. Você sabe o que são cinco anos de namoro hoje em dia? Cinco anos de dedicação, de respeito, de apoio e de amor? Eu te dei tudo isso. Fiz tudo por você. Quando te conheci, você havia acabado de assumir o cargo de controller na TecZap... Eu compreendi que você precisava estar focado nas suas metas, totalmente focado nessas malditas metas. Eu compreendi as horas que você passava no trabalho ou os dias que não podíamos sair porque teve reunião até meia-noite. Ou quando você dormia em cima de mim depois de fazermos sexo.

            Ai, meu Deus, eu preciso sair daqui! Seja lá com quem essa mulher esteja falando!

            — Eu compreendi tudo isso porque eu também tenho natureza ambiciosa. Eu vim de baixo, assim como você. E o medo de não sermos bons o suficiente vive nos assombrando. Mas você levou isso longe demais! Em poucos anos, você conquistou o status que muitas pessoas levam décadas para conseguir. Nós temos dinheiro para tirar as férias dos nossos sonhos. Mas que férias?! Você não tira férias nunca! Você vai me dizer que está em plenas férias, eu sei. Teoricamente, era para você estar e esse é o problema. Você tirou 20 dias de férias, finalmente, após cinco anos, apenas porque o médico obrigou, por causa da sua crise de estresse. Daí, eu tirei também para podermos viajar. E o que você fez? Passou todo esse tempo no maldito smartphone ou no maldito notebook! Ou em ligações intermináveis com sua equipe. E agora que você assumiu o cargo de diretor financeiro?! Para qual plano eu serei jogada em sua vida? Não, espera aí. O cargo de CFO logo estará ultrapassado. Em breve, você vai querer ocupar o lugar do CEO. Você vai dar um jeito de trabalhar um pouco mais, de deixar de dormir metade do mês até chegar nele. Então, virá a ambição de ser o presidente de todo o conglomerado!

            A mulher começou a chorar. O que eu faço, minha nossa senhorinha?

            — Eu preciso de amor. Eu preciso de atenção, de carinho, da sua companhia... Você não é mais o homem com o qual sonhei. Para ser sincera, nem sei se algum dia foi este homem. Você é frio. Não sabe se divertir, não sabe ME divertir. Você só fala em trabalho, 24 horas do seu dia, do meu dia! Não pensa no nosso futuro, no nosso casamento. Eu não vou ficar jovem para sempre. No mês que vem completo 33 anos. Será que você se lembra disso? E eu preciso começar uma família. Eu preciso de filhos! Meu relógio biológico está gritando, todos os dias, “filhos, filhos, filhos”. Eu sei que nunca te pressionei para casar e ter filhos. Mas agora isso se tornou vital para mim. Eu já tenho minha carreira. Uma carreira sólida. Assim como é a sua. Mas, ao contrário de você, eu sei disso. Eu sei também que a empresa continua rodando e dando lucros mesmo se eu não estou lá a noite toda! Não quero mais repassar, dia após dia, esses pontos de discórdia entre nós dois. Discórdia? Que discórdia? Discórdia só existe quando o outro refuta nossos argumentos com ferocidade. Você até isso parou de fazer. E devo ser louca, mas sinto falta de quando você discutia comigo. Sinto falta da energia que você punha nas coisas, nas palavras, nos gestos. Você perdeu toda ela em meio à ambição de ser o maior executivo deste país! Fala alguma coisa! Abre essa maldita boca, Gael!

            Ufa! Ela não está falando sozinha por todos esses minutos. Está se dirigindo a um homem... de nome lindo.

            — Porra, Cláudia! Aqui não é lugar para discutirmos nossa relação.

            Dou um pulo, literalmente, sem sair do esconderijo em que me encontro. Não por causa da reação do homem, ou do palavrão, que não ouço há algum tempo, afinal, Diana também tem regras à la mamãe em casa, mas por causa da voz dele. É uma voz familiar, mas não consigo lembrar onde ouvi. Ela é encorpada, poderosa, como a de um homem muito seguro de si e ambicioso. Ou talvez esteja me deixando influenciar por Cláudia. Estou tão solidária a ela! Minha vontade é sair de trás desta pilastra, abraçá-la e ajudar a xingar esse tal Gael-voz-grossa.

            Meus pensamentos são interrompidos quando a mulher fala num tom subitamente manso.

            — Oh, me desculpe, como eu fui me esquecer de verificar na sua agenda quando você estaria livre para conversarmos. E talvez eu devesse também ter feito um memorando para apresentar as minhas reivindicações.

            — Vamos para o apartamento, Cláudia. Você já passou dos limites. O gerente do supermercado vai acabar vindo até aqui para convidar a nos retirar.

            — Me solta! Eu não vou a lugar nenhum com você! Nós estamos terminando, será que você ainda não entendeu? Eu quero que você vá para os quintos dos infernos.

            Isso, Cláudia! Põe esse filho da mãe no lugar dele. Faça isso por nós, as mulheres enganadas pelos falsos mocinhos.

            — Está certo. Então, vamos fazer a lista das suas reivindicações?

            Hã?

            — Hã?

            — Eu quero que você me faça a lista do que está errado em nosso namoro, em sua opinião, e como podemos mudar isso. Faça. Agora. Eu vou anotar no aplicativo de notas do celular.

            — Você está tirando sarro de mim, Gael.

            — Não, Cláudia. Estou tentando ser o namorado que você deseja. Não é isso que você deseja?

            — E-eu...

            — Você quer diversão, filhos, casamento... nessa ordem, Cláudia? Sexo pode ser considerado diversão?

            — Se você tivesse feito comigo no último mês, eu poderia pensar sobre isso!

            É sério: eu quero sair correndo daqui! Esse negócio está ficando muito íntimo...

            — Me lembrei de mais um item. Outro dia você reclamou que nunca assistíamos um filme inteiro juntos, porque eu sempre precisava sair antes. Vou anotar isso também. F—I—L—M—E—S.

            — Gael, eu odeio seu sarcasmo, você sabe disso!

            — Espere um minuto. Pronto. O que mais? Já sei: “Perguntar como foi o dia da Cláudia após um longo dia de trabalho.” É assim que você gosta, não? Mas se você se esquecer de perguntar como foi o meu, como costuma fazer, ou se despejar o seu e sair correndo antes que eu abra a boca para falar alguma coisa, estou perdoado, Cláudia?

            — Você é um insensível maldito! 

            — Claro que sou, Cláudia. Quem aqui está falando o contrário? Um insensível maldito e workaholic, não é isso? E é por isso que estou tentando mudar. Porque quem sabe você não muda também. Ou quem sabe você não me explica por que esperou que pisássemos no supermercado para fazer um escândalo. Ou por que no coquetel que o Júlio preparou para me dar as boas-vindas ao novo cargo, sexta à noite, você não tirou o sorriso de “namorada mais feliz de São Paulo” do rosto. Não se preocupe. Estou anotando tudo para descobrir como podemos salvar nosso relacionamento.

            Ele está falando sério? Está anotando as “reivindicações” no celular e está interessado em mudar para que Cláudia não termine o namoro? Esse tipo de comportamento masculino é novidade para mim. Pensando bem, agora, sou a favor de Cláudia dar uma chance para ele. Se ele for sincero, claro.

            — Você já anotou tudo, não anotou? Então, faça assim: quando você descobrir como pode salvar nosso relacionamento, você me liga. Enquanto isso vá a... Vá trabalhando na lista. Adeus!

            Saltos passam fazendo barulho logo atrás de mim. Paro de respirar para evitar fazer algum ruído e ser descoberta pela mulher. Ouço um soluço. Viro a cabeça e vejo uma morena de corte chanel, vestida com calça e blusa pretas, sair do corredor onde me encontro e passar pelos caixas, chorando. Sinto um aperto no coração. É impossível não me lembrar das várias vezes em que passei por uma situação similar a essa. Quantas vezes não corri despedaçada de um rompimento? Literalmente, como Cláudia, corri, para que o insensível do meu ex não me visse debulhada em lágrimas. Mas jamais fiquei tanto tempo com um cara quanto Cláudia.

            Cinco anos.

            Nossa! Ela ficou todo esse tempo com o Gael-workaholic-maldito-insensível. O máximo de tempo de namoro que tive foram 11 meses. E contados num calendário. Acreditei tanto que ia me casar com o Giovani Almeida! Eu tinha apenas 18 anos. Mas era tanto amor que sentia por ele que já nos imaginava subindo no altar no próximo ano. Só que no próximo ano ele me trocou por uma amiga da faculdade.

            O sofrimento de Cláudia, neste momento, com certeza, é maior do que foi o meu. Ela parece amar tanto esse Gael! E acho que ele também a ama. A troco do quê ia fazer a lista no celular? Se eu pudesse ajudá-los! Se ao menos eles me conhecessem, eu poderia dar alguns conselhos. Nada como uma terceira pessoa para enxergar o que duas não estão vendo bem diante do nariz. Será que se eu correr atrás de Cláudia, consigo alcançá-la?

            Quando dou o primeiro passo para sair do meu esconderijo, ainda com a garrafinha de água nas mãos, mas totalmente esquecida da sede, um ruído entra por meus ouvidos. Parece um daqueles “bip” que os smartphones fazem para avisar que chegou mensagem. Então, lembro-me do cara que estava com Cláudia. O namorado... ex, por enquanto. Ele ainda está atrás de mim.

            Ai, minha mãezinha querida, me ajuda! O que faço agora? Por que o cara continua ali atrás?

            Ele deve estar analisando a tal lista e refletindo sobre o que pode mudar para reconquistar a namorada. Também deve estar sofrendo tanto quanto ela. Mas homem é mais durão. Não é possível que ele seja tão “maldito-insensível” se ficou cinco anos ao lado dela. De qualquer forma, preciso dar um jeito de sair daqui. Sem ser vista, de preferência.

            Viro-me de frente para a pilastra. Arrisco dar uma espiada para checar onde o cara se encontra. A garrafinha desliza por minhas mãos. Consigo agarrá-la a tempo de não cair no chão. Um arrepio inesperado varre meu corpo. Gael não é nada do que eu imaginei. Quer dizer, não imaginei muita coisa, tirando a tentativa de descobrir com a voz de quem se parece a dele. Mas, com certeza, não imaginei que ele fosse o homem mais alto com quem algum dia me deparei. Mesmo com a cabeça abaixada, concentrado no celular, é possível perceber que é bem, bem mesmo, mais alto do que eu. E tem ombros largos. Bem, bem largos também. A camiseta branca, que está usando, parece que vai rasgar de tão justa nas costas. Apesar de não serem tão fortões quanto os do Roberto, Gael tem braços com músculos bem definidos. Os cabelos são castanhos escuros, curtos dos lados e atrás, cheios em cima, com tendência a enrolar. 

            Elise, que deu na sua cabeça para medir o homem dos pés a cabeça?!

            De repente, percebo que meus olhos estão analisando cada “trecho” do tal Gael. E sinto dificuldade em parar de encará-lo. Ele emana um magnetismo tão intenso que me vejo dando um passo em sua direção. Talvez seja sua altura que está exercendo esse fascínio sobre mim. Já cruzei com diversos modelos, inclusive namorei uns três (talvez quatro), mas nenhum era... quase uma cabeça mais alta do que eu.

            — Quem é você?

            Sinto como se alguém, numa fração de segundo, tivesse dado um nó apertado no meu estômago e desatado com um único puxão. Olhos, num tom de amarelo, me encaram. “Olhar de um felino. Estou sendo analisada por um animal selvagem.” São os pensamentos desconexos que tenho ao sentir os olhos de Gael sobre mim, enquanto não consigo parar de prestar atenção ao ar predador que transmite a barba crescida em contraste com a tonalidade rara de sua íris.

            — Há quanto tempo você está escondida aí?

            — Henry Cavill! – Sobressalto-me.

            — O quê?

            — Lembrei. Sua voz é idêntica a do Henry Cavill. É forte, linda como a dele e... – O jeito com que Gael me olha, uma sobrancelha elevada, fazendo meu coração dar uns loops assustadores, cala a minha boca.

            — Quem é você, afinal, e por que estava escondida atrás da coluna?

            — Olha, não foi de propósito, juro. – O tom autoritário me arranca do torpor inexplicável no qual me enfiei. — Num segundo, estava pegando minha água e, no outro, você e sua namorada entraram gritando no corredor. Quer dizer, ela estava gritando sozinha, porque você não falava nada. Então, vocês começaram a brigar. E eu fiquei com medo de sair de trás da pilastra naquele momento. Na verdade, eu quis sair logo que vocês romperam. Eu pensei até mesmo em ir atrás dela, da sua namorada. Perguntar se ela precisava de ajuda, de conselhos, sei lá.

            — E você é a psicóloga que faz os plantões da noite no supermercado, é isso?

            — Não, não. Eu faço eventos. Mas não aqueles do tipo ficha rosa, sabe, não aqueles que as meninas têm que sair com os clientes depois. Nada disso e... – me enrolo toda — Meu nome é Elise. É... prazer.

            Penso que ele vai sorrir, porque as pregas entre suas sobrancelhas suavizam. Mas Gael mantém os lábios pressionados um contra o outro, numa linha fina e bem apertada.

            — Muito bem, Elise-que-faz-eventos-que-não-são-do-tipo-ficha-rosa, o show acabou. Pode ir embora. – Volta a atenção para o smartphone. Tenho uma vontade incontrolável de continuar puxando papo. Quero lutar contra ela, pagar a água, pegar meu ônibus, ir para casa e esquecer o incidente bizarro. Mas não consigo. Simplesmente meus pés não se mexem. E minha boca fala:

            — Você está analisando a lista?

            — Como?

            — A lista que você fez junto com sua namorada para salvar o namoro de vocês. Achei muito lindo você se empenhar para não perder o amor dela. Não se deve mesmo abrir mão do verdadeiro amor. Ele é como um tesouro precioso, raro de se encontrar. Quando encontramos, temos que mantê-lo a todo custo. Lutar por ele.

            — Você é uma daquelas modelos que trabalham em programa de pegadinha? A loira linda que distrai a pessoa enquanto outro ator prepara uma daquelas pegadinhas totalmente sem graça?

             “Loira linda” é nessa parte que minha atenção congelou. Experimento uma onda de calor rodear meu estômago. Não tenho certeza de que Gael falou em tom de cumprimento. Ele é tão sério! Dá até agonia. Mesmo assim, a sensação de prazer continua viajando dentro de mim.

            — Já aviso que não vou assinar uma porra de autorização de imagem.

            — Nossa, você tem uma boca bem suja, não? Acho que você deveria anotar isso também na sua lista. Mulher não gosta de homem que fala tanto palavrão. A gente prefere caras fofos, respeitosos, que nos tratam como princesas.

            — Mais algum conselho? Estou com o aplicativo aberto. Aproveita.

            Mais uma vez, penso que Gael vai cair na risada. Ou, pelo menos, sorrir. Os lábios voltam a se comprimir. Mas, dessa vez, tenho (quase) certeza de que os olhos dele têm um brilho divertido. De repente, sinto-me à vontade. Como se estivesse na companhia de um velho amigo. É uma sensação poderosa na qual não deveria me agarrar, porque este não parece um cara que tenha amigos. Muito menos, velhos. No entanto, me vejo alimentando-a.

            — Eu posso te dar um monte de conselhos, se você quiser. Se existe alguma coisa da qual entendo pra caramba, é relacionamento. Não que algum tenha dado certo para mim, preciso ser honesta. Mas já li tantas histórias de amor, já imaginei tantos relacionamentos perfeitos e tive tantos imperfeitos, que estou craque nesta arte. Do amor, quero dizer.

            — Hum, interessante. Então, você não é psicóloga ou a loira da pegadinha. É a moça que faz eventos, não ficha rosa, e dá conselhos amorosos para estranhos em supermercado, é isso?

            Ele está sorrindo! Não está dando um sorriso de boca toda, mostrando os dentes, enrugando todo o rosto, de plena felicidade. É apenas um esticar de lábios. Mas é um alívio (para variar, não sei o porquê), vê-lo mais relaxado.

            — Gosto bastante de fazer amizade, sabe? Não sou nada tímida.

            — Deu para perceber.

            Agora é minha vez de sorrir diante da careta engraçada que Gael faz.

            — Mas nunca abordei nenhum estranho para dar conselhos, juro. É que fiquei bem tocada pelo rompimento entre você e sua namorada... Cláudia, é o nome dela, não?

            Ele assente.

            — Ela saiu daqui tão mal. Queria poder ajudar de alguma forma.

            — Cláudia tem o hábito de ser dramática. Amanhã tudo volta ao normal.

            — Não sei, não. Ela me pareceu bem decidida. E bem brava com você. Acho que você precisará conquistá-la novamente. Fazer aquelas coisas da lista. – Aponto para o aparelho preso entre as mãos dele. – A do celular, lembra?

            — Claro. A famosa lista. E você acha que devo pensar sobre os itens dessa lista para reconquistar minha namorada?

            — Mais ou menos isso. – Forço-me a raciocinar com clareza. Está meio difícil. Primeiro, porque é uma sensação estranha ter que elevar meus os olhos para enxergar os da outra pessoa. Segundo, esses frios repentinos no meu estômago estão me deixando incomodada.

            — E qual seria seu conselho, Elise?

            E se minhas pernas resolverem ficar moles apenas ao ouvir meu nome na boca do Gael, daí, sim... quer dizer, daí, não, não vou conseguir dar conselho nenhum.

            — Então?

            Encaro a sobrancelha elevada. Estou ficando confusa. Não sei quando Gael está falando sério ou tirando sarro da minha cara. Nunca estive numa situação como essa. Em alguns momentos, ele parece um cara legal, educado. No instante seguinte, é tão frio.

            — Eu acho que, assim, no meio de um supermercado, a esta hora da noite, não vou saber te dar conselho nenhum. Mas... espera um minuto. Tive uma ideia! – grito. A Elise entusiasmada volta com força total. Que alegria! Prefiro ela a essa desconhecida que se apossou de mim nos últimos minutos.

            — Que ideia?

            — Você me passa o endereço do seu e-mail e eu te passo conselhos através dele. O que você acha? – Pego meu celular e abro o bloco de notas.

            — Meu e-mail?

            — Isso. É a melhor forma de passar os conselhos. Vou te dar um monte de dicas, prometo.

            — Você não é mesmo a moça da pegadinha?

            — Esquece essa história de pegadinhas, Gael. Sou Elise Rocha Aguilera, a moça...

            Levanto a cabeça e sou surpreendida por um sorriso. Um sorriso de lado que jamais vi em ninguém. Até hoje, para mim, ele só existia nos mocinhos dos meus romances. Meu coração volta a ser visitado pelos loops.  

            — Você sabe meu nome.

            — Desculpe, não deu pra não ouvir.

            — Tudo bem, Elise Aguilera, anote aí meu e-mail.

            Em meio às batidas frenéticas do meu coração, e meu sorriso de orelha a orelha, digito o endereço, enquanto uma voz desconhecida, dentro de mim, sussurra: Não erre nenhuma letra, Elise. Isso é muito importante. 

Continue Reading

You'll Also Like

579K 42.1K 55
Para ela o presente e o futuro é o que importa. Ele não se desprende do passado. Christian O'Brien, fez muitas coisas em nome do seu amor por uma mu...
548K 43.3K 155
Complexo Do Alemão, Rio De Janeiro 📍
8.8K 914 28
Após receber uma proposta que mudaria sua vida para a melhor, Aubrey se muda para Connecticut para jogar basquete com o time do momento, deixando sua...