Capítulo 5

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O evento acabou ontem às dez da noite. Achei que dessa vez os seis dias passaram mais rápido do que no ano anterior. Parece que minhas pernas e meus pés (sem esquecer a minha coluna) estão, finalmente, se acostumando a essa rotina de serem torturados por dez horas seguidas, mais o tempo de enfrentar a fila da maquiagem e cabelo e a espera do táxi, até poderem descansar por oito horas, antes de recomeçar tudo de novo no outro dia. Talvez seja porque meu corpo aprendeu que, depois de um evento desse porte, vou esperar um tempinho até ser chamada para outro. O que não aconteceria seu eu ainda fosse top model. Se eu fosse uma, na semana que vem, quem sabe amanhã mesmo, segunda-feira, eu já estaria com a agenda lotada para fazer fotos, desfiles e propagandas. O problema é que não sou funcionária de nenhuma agência de modelos. Sou a famosa freelancer. Mas não tenho o hábito de chorar o leite derramado, como diria papai. Eu tomei a decisão de abandonar o mundo das passarelas e não quero mais voltar atrás. A vida deve seguir sempre para frente, nunca de marcha a ré (Larissa bem que podia estar aqui e ler meus pensamentos. Ela veria que sei alguma coisa, sim, sobre carros).

            O fato é que não tenho ideia de qual será meu próximo evento. Vou entrar em contato com a última agência para qual fiz trabalhos. Esse mês é meio parado para festas, mas acho que encontro algum bico de recepcionista em congressos. É isso. Vou ligar para a agência amanhã. Não posso ficar parada por muito tempo, porque as contas não vão parar de chegar. Meu curso de francês não é nada baratinho. Ele é muito caro, isso, sim. Não sei onde estava com a cabeça quando me matriculei. É, eu disse que me apaixonei pela língua francesa depois que conheci o modelo francês e troquei alguns beijos com ele (na verdade, dois. Ele era meio econômico nos beijos. Acho que é questão cultural, sei lá). Mas, agora, analisando friamente, não sei por que me matriculei no tal curso. O que vou fazer com o idioma francês? Bom, sim, seria ótimo ter um idioma a mais, além do inglês (que me considero eternamente nível intermediário), no caso de fazer eventos com estrangeiros. Mas esses eventos são raros. E quando ocorrem, o povo todo fala em inglês. Como eu vou adivinhar qual deles é um francês?

            Acho que vou trancar minha matrícula no curso quando terminar este semestre. Vou ter feito dois níveis de francês. E posso dizer que sei várias “coisinhas”. Consigo conjugar o verbo “être”, fazer o famoso biquinho para falar “mon amour” e até aprendi a fazer aquele treco estranho na garganta, como se um gato a estivesse arranhando, para falar palavras como “gorge”, que, por coincidência, quer dizer garganta. Acho que não é coincidência coisa nenhuma. É proposital que para falar a garganta francesa, nós tenhamos que sentir a nossa garganta brasileira toda arranhada. Enfim, é isso. Vou trancar, sim. Só será uma pena não ter, pelo menos, o nível intermediário, como no inglês. Então, quando fosse para Paris, eu conseguiria me virar bem.

            Que Paris, Elise? Você nem teve dinheiro para pagar o ônibus no qual se encontra agora. Teve que pedir dinheiro para sua irmã!

            Apoio minha cabeça contra a janela do ônibus. Por que dinheiro sempre tem que acabar tão rápido? Toda vez que faço um evento penso que estou ganhando uma fortuna. Então, um mês depois, consulto minha conta e descubro que não sobrou nem para o sorvete. E só me resta esperar o depósito do próximo evento. Ou pedir para Diana, como fui obrigada a fazer hoje. Pois sim, eu fui obrigada. Tudo começou ontem à noite, no táxi, após o último dia da feira.

Eu explico.

Estava na metade do caminho para casa quando meu celular tocou. Olhei para o visor, não reconheci o número. Achei que fosse, inclusive, engano. Atendi curiosa. E fui surpreendida. Era o Roberto! Sim, ele me ligou depois de quase uma semana desde que nos vimos no jantar. Fiquei tão feliz que chutei o banco do motorista na minha frente. O tiozinho que estava dirigindo deu um grito tão alto que Roberto imaginou outra coisa. Tenho certeza de que ele imaginou que eu havia “esticando o evento”. Claro que não falou isso com todas as letras. Mas ele gaguejou tanto! E ficava pedindo desculpas por estar me atrapalhando em “alguma coisa”. Eu prontamente disse que ele jamais me atrapalharia, que eu estava num táxi, voltando para casa após a feira, e que eu havia chutado o banco do motorista de tão feliz que estava por receber a ligação dele. Roberto ficou um pouco tímido. Sei disso porque ele ficou fazendo sons engraçados no celular. Demorou um pouco até voltar a falar normalmente e dizer que estava me ligando para perguntar se eu gostaria de ir ao cinema com ele no domingo. Eu, mais uma vez, chutei o banco do tiozinho. Dessa vez, ele quase para o carro no meio da Marginal e me manda pegar outro táxi. Pedi mil desculpas, disse para o Roberto que não, não estava dando desculpas para recusar a ida ao cinema, ao contrário, estava felicíssima pelo convite, que eu estava me desculpando com o motorista... enfim, a harmonia foi restabelecida. Fui perdoada pelo taxista e deixei o cinema marcado para hoje às quatro da tarde.

O Par Perfeito (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now