Cinco Dias (RABIA)

By bark2020

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Quando o isolamento não deixa outra alternativa a não ser dar vida ao que se tentou evitar e mascarar, mas qu... More

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Dia 5, Pt. 1
Dia 5, Pt. 2
Brisa
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Rotina/V, Pt. 1
V, Pt. 2
Dezembro
Sente, Pt. 1
Sente, Pt. 2
Madrugada
Madrugada, Pt. 2
[MIMO]
Recomeço
Todo Carinho
Contraponto
Esconderijo
Peônia
Inquietação
Desorientação
Elucidação
[MIMO 2]
Descontrole
Calmô
Verde
Difícil
Oposição
Aliança
Sábado
Pressão
Distância
Back to Bad
[MIMO 3]
Refazer
Natural
[MIMO 4]
Chuva
Hipotético
Roma
Junho
Chega
Ventura
[AGRADECIMENTO]
[BÔNUS]
[MIMO BÔNUS]
[BÔNUS 2]
[BÔNUS 3]
[AVISO]
[BÔNUS 4: BAHIA]
[BÔNUS 4: NUVEM]
[BÔNUS 4: ROSA]
[BÔNUS 4: CINCO DIAS DE SOL]
[BÔNUS 4: GELO]
[PARÊNTESIS]

Colisão

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By bark2020


Olás!

Consegui voltar no tempo prometido.

Aqui em cima eu queria agradecer tudo que vocês fizeram desde terça-feira.

O carinho, o retorno, a repercussão, a ansiedade, a paciência e, claro, a confiança que vocês demonstraram.

Senti que temos hoje um relacionamento mais sólido e maduro. kkkkk

Afinal, vocês já sabem que eu eventualmente tomo vergonha na cara e conserto as coisas, e eu também fico mais tranquila com a reação de vocês para conseguir dar sequências nas crises e ideias originais.

Amei muito!

Enfim, mas por falar em crise, vamos arrancar o band aid de uma vez?

Vamos, mas sem esquecer por nenhuma das linhas que lerem que o amor nunca vai abandonar essa fic!

Sigam em frente!


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FLASHBACK ON:

16 DE DEZEMBRO DE 2020:

Já era final de noite quando Gabriela chegou com uns amigos na festa de aniversário de uma personalidade famosa e que fluia com alto nível de animação, muita música, gente dançando e já perdendo a compostura pelos cantos.

Disposta a se enturmar e injetar um pouco de diversão e descompressão naquela semana estressante que vinha tendo, a influenciadora passou a circular pelo ambiente com olhos ágeis, curiosos e quase predadores.

Reconheceu alguns rostos ali, mas nenhum deles estava lhe despertando atenção e, por isso, ela continuou caminhando em direção ao bar montado para abastecer a festa.

Encostou no balcão, olhou a carta de bebidas e, achando que era o que mais combinaria com o clima quente daquela noite de dezembro, pediu um mojito para o barman.

Aguardou pacientemente enquanto ele preparava a bebida, batucando de leve no balcão e aproveitando para deslizar seu olhar mais ainda pelo amplo espaço da festa.

Perdeu um bom tempo nisso, mas assim que passou a escanear o perímetro mais próximo, percebeu que nem precisava ter deixado seu olhar viajar tanto assim, pois ali mesmo, na ponta oposta do bar, ela enxergou exatamente o que lhe serviria a todos os propósitos.

E, inclusive, era muito melhor do que ela poderia ter projetado.

Olhou novamente para o barman, ansiosa e preocupada em perder de vista sua presa, e ficou aliviada quando ele lhe entregou o copo com a bebida.

Bebeu um gole do líquido refrescante, ajeitou o cabelo, colocou o melhor sorriso no rosto e caminhou até seu objetivo.

Felizmente, tinha um banco desocupado ao lado e foi ali mesmo que ela sentou e não perdeu tempo em pronunciar as primeiras palavras, em tom alto para combater o ruído intenso da música que soava na festa.

G: Como é que alguém pode estar de cabeça baixa e essa cara de enterro em uma festa como essa? – mexeu-se no banco giratório, colocando-se de frente para a pessoa com quem puxava assunto e abrindo espaço para que cruzasse as pernas de forma bastante provocante, fazendo seu vestido curto subir ainda mais e deixar sua coxa bem desenhada à mostra.

O olhar baixo enxergou o que importava da cena – as coxas bem torneadas, é claro! – e levantou curioso. Demorou alguns segundos para reconhecer a morena lindíssima que lhe abordava, mas logo conseguiu concluir a missão:

– Gabriela, né? – a morena acenou positivamente com a cabeça, levando o canudo do drink à boca – Conheço o seu trabalho, muito prazer! – esticou a mão.

G: O prazer é meu! – estendeu a mão também, passou a língua suavemente nos lábios depois do gole da bebida e completou:

– Também conheço bastante do seu trabalho, Rodolffo!

R: Coisa boa, pulamos essa parte então! – abriu um sorriso que em nada combinou com o jeito cabisbaixo de poucos segundos atrás.

G: É verdade! – mexeu-se novamente no banco, atraindo cada vez mais o olhar do cantor para suas pernas – Mas não me respondeu, e esse clima de enterro?

R: Ah... – suspirou – Coração partido de um cabra apaixonado e que, além de tudo, tem uma mãe internada no hospital neste momento.

G: Poxa, que chato, mas é delicado o estado dela? – soou preocupadíssima, como se já se conhecessem há décadas.

R: É um pouco, mas está estável. Acabei de falar com a minha prima que ficou com ela no hospital hoje... – apontou para o celular – E tá tudo sob controle, mas não deixa de inspirar preocupação, né?

G: Claro que sim, essas coisas nos tiram do eixo! Entendi melhor agora sua cabeça baixa e sinto muito! – pronunciou com gentileza e voltando a beber mais.

R: Tá tudo bem.

G: Mas e o coração partido? – arqueou a sobrancelha.

R: Acabei de tomar bota, ainda tô digerindo! – sorriu derrotado.

G: Ah, certamente de alguém que não merecia a sua companhia, então não perca sua noite por isso. – alcançou o copo de whisky dele e lhe entregou – Tem muito chão essa noite ainda e a gente pode contornar isso.

Combinou as palavras com o olhar provocante que ela atou ao de Rodolffo que, por sua vez, pegou o copo da mão dela e, a partir dali, alterou completamente a frequência de seu humor e se engajou em uma conversa animada com Gabriela.

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Já era alta madrugada quando Rodolffo destrancou a porta, passou por ela puxando Gabriela, empurrou com o pé para fechá-la, e se jogou nos lábios da influencer em seguida, pressionando-a na primeira parede que encontrou.

Enquanto tinha o cantor descendo beijos desesperados em seu pescoço, a morena observou por cima do ombro dele, percorrendo com olhos curiosos todo o ambiente e, quanto mais detalhes ela absorvia do entorno, mais excitada ficava.

Sentindo a barba roçar em sua pele e o cantor chegar afoito ao decote de seu vestido, protestou:

– Calma! – segurou a cabeça dele e soltou uma risada – Não tem quarto nesse lugar?

R: Claro que tem! – pegou na mão dela e saiu puxando-a dali com pressa.

Colocaram-se no caminho guiado pelo cantor, e foram escada acima se engolindo e se provocando até chegarem no quarto.

E outra vez, assim que entrou no cômodo, Gabriela fez questão de investigar cada detalhe, o melhor que pôde, enquanto tinha Rodolffo lhe beijando e já tirando sua roupa, caminhando até o pé da cama.

Cinicamente e consumida pela excitação sádica e desequilibrada, Gabriela não poupou a pergunta para a qual ela já tinha a resposta, mas fazia questão da confirmação:

– Mas isso aqui não é sua casa, é? Quem mora aqui?

R: Não é. – desceu o zíper do vestido e deixou-o cair no chão antes de dar a resposta que Gabriela quis muito ouvir:

– É a casa da minha ex-esposa "barra" ex-namorada, que me dispensou algumas horas atrás... – girou o corpo de Gabriela e empurrou-o na cama – E que agora vai emprestar a cama dela pra gente!

Com o sorriso obsceno, a morena deslocou-se de costas no colchão, abriu as pernas e recebeu Rodolffo entre elas antes de se entregar completamente à conclusão da noite deles.

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Depois de tudo, Gabriela esperou tempo suficiente a se certificar que Rodolffo tinha desabado no sono profundo, e só então levantou da cama.

Procurou sua lingerie jogada pelo chão e, enquanto encarava o sono do cantor, vestiu a calcinha, atou o fecho do sutiã e foi até o banheiro.

Fez suas necessidades sem conter o sorriso triunfante no rosto pela imensa coincidência que tinha caído em seu colo naquela noite e, quando foi até a bancada da pia lavar as mãos, ficou ainda mais extasiada a cada batom, paleta de sombras, iluminadores, hidratante, demaquilante e, claro, perfumes que ela abria e sentia o cheiro.

Saiu do banheiro e perdeu um tempo no closet. Deslizou a mão pelas roupas penduradas nos cabides, observando tudo ao redor.

Voltou ao dormitório para conferir se Rodolffo continuava capotado, aproximando-se bem pertinho da cama para isso.

Obteve a confirmação e quando ia se afastando do colchão, seu olhar baixo caiu em um ponto no chão que brilhou com a luz do led da cabeceira da cama.

Forçou a visão e, intrigada, curvou o corpo para pegar o objeto caído ali, bem no cantinho entre a mesa lateral e a cama.

Assim que tateou, percebeu que era um anel.

Quando subiu o tronco novamente com ele nas mãos, não se deteve muito a investigar o objeto, apenas colocou-o no dedo e continuou sua missão exploratória.

Desceu as escadas e inspecionou a sala inteira com a mesma atenção obsessiva, detendo-se longamente nos porta-retratos que estampavam o sorriso lindo que ela nunca tinha superado.

Caminhou até a bolsa que ela havia deixado jogada de qualquer jeito no chão da sala, pegou seu celular e, com um dos porta-retratos na mão, deslocou-se até a varanda do apartamento de Rafaella e se jogou no sofá que havia ali.

Ficou um tempo encarando a foto e girando o anel no dedo.

Quando cansou do porta-retrato, finalmente prendeu sua atenção no anel. Observou os detalhes da bela peça e, em algum nível de sua consciência, pareceu reconhecê-la.

Tentou muito lembrar se era um dos que Rafaella usava no tempo em que estiveram juntas, ou outro qualquer que ela já tinha visto com ela pelas redes sociais.

Sem obter sucesso em extrair a resposta de sua memória, ela refletiu um pouco mais e se deu conta de que provavelmente aquele anel, perfeitamente ajustado em seu dedo, não era de Rafaella que, claro, ela sempre lembraria perfeitamente bem, tinha os dedos com circunferências expressivamente maiores que os seus.

Intrigada, ela tirou o anel do dedo, inspecionou melhor a peça e percebeu a inscrição gravada no interior dele:

Boca a Boca.

Quando isso aconteceu, o sorriso em seus lábios aumentou muito e o que ele passou a traduzir oscilou entre a mais absoluta incredulidade, e o deleite pela informação que ela achou ter conseguido naquele momento.

Não se permitindo ainda estar convicta de sua conclusão, destravou seu celular e, evidentemente, correu para o perfil da apresentadora do Boca a Boca no instagram.

Começou a descer as postagens, observando cuidadosamente cada uma das fotos, e não demorou muito para que o anel aparecesse em diversas delas.

Com o sorriso maior ainda, ela desceu tanto o feed de Bianca que chegou até mesmo na postagem em que, meses antes, a carioca tinha explicado que aquele anel era um presente de sua mãe pelo sucesso do programa.

Completamente extasiada, Gabriela bloqueou a tela do celular, colocou novamente o anel no dedo e se esparramou ainda mais atrevidamente no sofá de Rafaella.

FLASHBACK OFF.


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DE VOLTA A MARÇO DE 2021:

Com um sorriso de canto, Gabriela mexeu o dedo anelar, chamando a atenção de Rafaella.

A influenciadora deixou que Rafa encarassse por mais uns segundos o anel que tinha em seu dedo e, quando ficou claro que a mineira o reconheceu, Gabriela levou a mão esquerda para retirar a peça e estendeu-a para Rafa com o esclarecimento final:

– Trouxe isso aqui pra você devolver pra Bianca, porque é dela.

Com os olhos fixos no movimento da influenciadora, Rafaella estendeu o braço e pegou da mão dela o anel.

Passou uns segundos segurando o objeto, digladiando-se com os pensamentos e flashes de memória que insistiam em estabelecer a conexão que ela repudiaria o quanto pudesse.

Era difícil, porém, porque o primeiro que veio em sua mente foi o momento em que preparava a namorada para dormir na noite anterior e que percebera a falta do anel.

O segundo, claro, foi a consciência de que ela só precisou ajudar a namorada a se preparar para dormir porque ela havia chegado completamente bêbada em casa.

Depois disso, lembrou até mesmo do corte seco que Bianca havia dado nela naquela tarde por telefone e que, desde então, Bia vinha falando com ela com poucas palavras por mensagens.

Poderia ter a ver com isso, não?

Poderia, mas era Gabriela ali, a mulher que vinha infernizando sua existência há tempo demais e, portanto, ela não se renderia a conclusões precipitadas.

R: Como é que isso foi parar na sua mão, Gabriela? – perguntou calmamente, continuando a segurar dentro de si tudo que ameaçava descontrolar.

G: Ai, confesso que eu adoraria ter tido a brecha para dizer que a Bi esqueceu na mesinha ao lado da minha cama, mas ela não me concedeu essa honra. – disse fazendo o sangue de Rafaella ferver mais ainda.

R: Gabriela, eu estou a um passo de sair andando deste restaurante... – apertou o anel nas mãos – Então, ou você segue me esclarecendo o que tá acontecendo e o que você quer comigo respeitando a minha namorada, que se chama Bianca, por sinal... – abriu uma exceção e pronunciou o nome completo – Ou a gente encerra por aqui.

G: Nossa, como evoluiu a menina Rafaella desde que a gente se pegava... – levou a taça de vinho à boca e tomou um gole – Agora enche a boca pra chamar uma mulher de namorada. Tô impressionada!

R: Pois é, algumas valem a pena. – pesou a mão sem qualquer arrependimento.

G: Isso está muito claro. – devolveu a taça ao tampo da mesa – E algumas valem tão pouco que não ter sido chamada de namorada por elas foi livramento.

R: Fico feliz pelo seu livramento, Gabriela, mas eu gostaria que você me respondesse sobre o anel. – insistiu em ir direto ao que interessava.

G: Achei ele caído no chão do seu quarto na última vez que estive no seu apartamento nos Jardins. – disse irritantemente displicente.

Rafa fechou os olhos, entendia cada vez menos.

R: Faz anos que você não frequenta o meu apartamento, Gabriela. E a última vez em que isso aconteceu eu nem morava nos Jardins. – sabia que estava sendo feita de palhaça, mas entendeu que não tinha mais escolha.

G: Ah, você não estava presente. Fui a convite do seu ex... – fez uma pausa – Marido ou namorado? Não sei bem. Enfim, nós fizemos uma festinha por lá.

Por um segundo ela se perdeu ainda mais, mas quando começou a entender, Rafaella soltou uma risada incrédula e bateu levemente na mesa.

R: Meu Deus do céu, vocês dois se merecem tanto, o universo acertou em cheio, hein? – passou a sentir seu estômago revirar e até mesmo certa vertigem com a velocidade com que, de repente, todos os personagens que mais lhe atormentaram nos últimos meses passaram a se misturar daquela forma.

Saboreando o incômodo que lhe foi perceptível, Gabriela deu uns segundos para Rafaella processar e foi o tempo que a mineira utilizou para conferir melhor o anel e perceber que a inscrição dentro da peça tinha a fonte sutilmente diferente da que foi usada em Nova York, na que ela havia comprado.

Não era o mesmo anel.

Puxou pela memória e se deu conta de que o pouco que havia visto Bianca usando esse primeiro anel tinha sido mesmo logo nos primeiros dias que passaram juntas em Dezembro, mas mesmo assim ela quis esclarecer.

R: E quando foi isso, Gabriela?

G: Uns dias antes do Natal. Como eu disse, ele estava caído no chão do seu quarto, no cantinho entre o móvel lateral e a cama... – sorriu debochada e maliciosa para o complemento – Acho que você foi passivinha na noite anterior e, na pressa de tirar, a namorada acabou deixando o anel cair, Rafaella.

R: Ou seja, você roubou o anel de dentro da minha casa, não é? – ignorou completamente a infâmia.

G: Não roubei, sempre soube que, na hora certa, eu devolveria. Só não consegui decidir o que fazer com a descoberta que eu fiz naquele momento, e resolvi trazer ele comigo.

R: E eu achando que seu primo que tinha te contado isso depois do ano novo...

G: Não... – sorriu presunçosa – Quando eu encontrei a Bianca no evento que nós fomos, eu já sabia. O Paulo só foi conveniente porque ele estava em Nova York e me ajudou a confirmar. Afinal, por mais que eu tivesse entendido que esse anel caído no seu quarto significava sexo, eu não sabia que era tão sério assim, ao ponto de você ir pagar de apaixonada em Nova York.

R: E o que você pretendeu com tudo isso, Gabriela? Assediando a Bianca, depois colocando seu primo pra fazer esse clima de chantagem com a gente, e agora isso? Essa cena patética no meio desse restaurante.

G: Bom, eu fui mudando de estratégia, não vou negar. Comecei tentando me aproximar da Bianca, mas ela não me deu papo. Então eu tive que dar uma apelada de leve mesmo, com as fotos que você recebeu hoje.

R: E a troco de quê, meu Jesus? – deixou o anel sobre a mesa e suspirou, estava exausta.

A influenciadora ajeitou-se melhor no assento da cadeira que ocupava, e o olhar perturbado ficou mais nítido ainda para Rafa.

G: Durante muito tempo, Rafaella, muito mesmo... – começou em tom altivo – Você me teve completamente nas mãos, você se lembra disso?

R: Não lembro, Gabriela, porque provavelmente a sua interpretação do que aconteceu entre a gente é diferente da minha, já chegamos a essa conclusão anos atrás.

G: Você chegou a essa conclusão, porque prefere pensar assim. – corrigiu – Mas a verdade é que você alimentou o que a gente teve durante muito tempo, me ligava quando estava em São Paulo e achava conveniente ter a companhia e a trepada. E quando eu quis evoluir o nosso relacionamento, pulou fora e nunca mais quis saber.

R: Exatamente, Gabriela, quando eu percebi que não estávamos na mesma página, eu me afastei. E ainda tentei por muito tempo te explicar isso e evitar que as coisas ficassem em termos tão traumáticos assim, mas nada adiantou e só o que eu pude fazer foi me afastar completamente mesmo.

G: Impressionante a sua visão fria das coisas, como se não tivesse mesmo dado qualquer esperança. – soltou uma risada irônica, mas acrescentou mágoa no olhar e isso não passou despercebido por Rafaella.

Diante disso, a mineira fez uma pausa e tentou organizar as ideias para ser o mais eficiente possível na abordagem.

R: Se você sentiu que eu te dei falsas esperanças, eu vou te pedir desculpas pra sempre pelo mal que eu te causei e de coração por isso. Nem sempre a gente compreende o limite do outro e acaba se atrapalhando, porque também temos as nossas próprias inseguranças que podem deixar as coisas mais turvas ainda. – falou com sinceridade, chegando mais perto e ajeitando o casaco na frente do corpo – Agora o que não dá pra acontecer é você usar esse remorso e essa mágoa para me perseguir dessa forma, armar pra mim, dar em cima da minha namorada, chantagear a gente...

G: É ruim se sentir na mão de outra pessoa, não é?

R: Gabriela, pelo amor de Deus, sai dessa... – começou a se desesperar – Você é uma mulher forte, que venceu tantas batalhas pra se manter no nosso meio, linda, engraçada, e com tanta coisa boa que eu enxerguei dentro do seu coração... Não precisa se prestar a esse papel.

G: Eu dispenso as suas técnicas de coach.

Frustrada, mas não derrotada, Rafaella seguiu tentando.

R: Se eu te magoei, deixa que a vida vai se encarregar de mim, e já deve até ter se encarregado e você nem faz ideia, porque vou te dizer que depois do nosso relacionamento eu já tive bastante dor e complicação no setor amoroso da minha vida... – as palavras eram desesperadas, mas mesmo assim ela não sentia que estavam surtindo efeito – É por isso que você não precisa me ameaçar com essas fotos que tem do meu namoro, em quê isso vai acrescentar na sua vida?

G: Nossa, mas quando foi que eu te ameacei? – cruzou os braços e sorriu debochada – Eu usei as fotos pra te trazer aqui, pra gente ter a conversa final que você sempre me negou.

R: Eu não te neguei, Gabriela! – apoiou o cotovelo esquerdo na mesa e descansou a testa na mão, de cabeça baixa, já perdendo todas as forças – Eu tentei bastante argumentar com você, mas você nunca aceitou as minhas justificativas ou desculpas.

A influencer ficou um tempo parada olhando a imagem esgotada de Rafaella, deixou vagar o olhar pelo salão do restaurante e pareceu refletir na próxima coisa que diria a partir dali.

E durou só uma fração de segundo para o sorriso discreto nos lábios abrir e ela, enfim, ter a certeza de como prosseguir.

G: Tudo bem, Rafa, a gente conversa com calma, não precisa estressar assim. – deslizou a mão pelo tampo da mesa e repousou em cima da mão direita de Rafaella, que descansava ali.

A mineira assustou com o toque e, em não mais do que um ou dois segundos, ergueu a cabeça e recolheu a mão, mas já era tarde demais...

A primeira coisa que chamou sua atenção, ainda durante o processo de suspender o olhar, foi novamente a imagem do anel, mas agora perfeitamente acomodado na mão tatuada que ela conhecia tão bem.

O outro anel, é claro, na mão de Bianca.

B: Olha só, mas que surpresa! – o tom de voz cortou os ouvidos de Rafaella antes mesmo que ela pudesse deixar o olhar erguer o suficiente a enxergar o rosto da namorada.

Um silêncio se fez entre as três por uns segundos de inércia constrangedora, que só foi quebrada por quem tinha mais sangue frio para fazê-lo.

G: Como vai, Bianca? – perguntou cínica.

B: Ótima, Gabriela, e você? Bem acompanhada eu estou vendo que você está! – tombou a cabeça na direção da namorada, com o olhar que misturava fúria e a vontade de chorar que ela já estava falhando em ocultar.

R: Bia! – tentou levantar rápido da cadeira, mas Bianca não permitiu.

B: Não, não! – forçou a mão em seu ombro – Continua aí, eu não quero atrapalhar nada e estava de saída, minha reunião terminou agora e eu tô cansadona, louca pra ir pra casa.

G: Eu não sabia que você estava nesse restaurante também, Bia... – cinismo nem definia mais.

B: Pois é, eu estava nas mesas no outro cômodo... – não conseguia tirar o olhar de Rafaella – Aliás, não era nem pra eu estar, mas mudaram pra esse local de última hora e... – sorriu irônica – Ainda bem que fizeram, né? A comida daqui é ótima e a sobremesa melhor ainda. – o olhar de decepção terminou de entregar o recado da alegoria criada pela carioca e ela reuniu o restinho de suas forças para encerrar:

– Mas agora terminem a noite de vocês. – pronunciou as palavras e foi saindo dignamente.

R: Bia... – levantou rápido da cadeira, tentou alcançar o braço dela, mas a empresária apertou o passo.

Buscando se controlar para não se exceder na cena que seria assistida por todo o salão se chamasse muita atenção, Rafaella tentou não correr e só andou rápido, tentando alcançar Bianca.

Só conseguiu fazê-lo, porém, depois que passaram da porta da saída, e foi quando, já na calçada, Rafa correu e finalmente conseguiu segurar o braço da namorada.

Mesmo assustada com o tranco, Bianca voltou com passos firmes para ficar com o rosto de frente para o de Rafaella.

B: Nao. Encosta. Em. Mim. – pronunciou entredentes, com o olhar transbordando pura ira e puxou o braço.

R: Você precisa entender o que tá acontecendo aqui antes de tirar qualquer conclusão. – falou em tom baixo.

B: Não existe caô nesse mundo inteirinho... – o tom raivoso continuava a desesperar Rafa, e ele ainda foi acrescentado com a postura combativa de Bianca, que empinou o corpo e não se acovardou em nenhuma das sílabas pronunciadas – Nadinha que tu possa me contar que vá explicar o que eu acabei de ver nesse restaurante, Rafaella.

R: Amor, pelo amor de Deus, é claro que tem... – olhou aflita para a porta do restaurante quando percebeu os executivos da Payot que acompanhavam Bia saindo, o que provavelmente fecharia sua brecha, tentou falar rápido – A Gabriela armou pra mim, Bi, pra gente...

Bianca soltou uma gargalhada irônica.

– Vamos, Bianca? – a voz masculina interrompeu – O carro já está encostado ali.

B: Só um segundinho, por favor. – tentou sorrir.

R: Não vai, pelo amor de Deus... – sussurrou e tentou pegar discretamente na mão de Bianca, mas ela puxou rispidamente. Rafa não desistiu, porém – Eu só vou voltar lá pra pegar a minha bolsa e a gente vai juntas pra casa e eu te explico tudo.

B: A gente não vai juntas pra lugar nenhum, Rafaella... – as palavras continuavam a sair no tom de sussurro raivoso – Tu não vai me contar mais mentira nenhuma, tá me entendendo? – os olhos encheram d'água e ela não conseguiu segurar a decepção – Falou que ia jantar com a Flavina...

R: Eu ia te contar mais tarde desse jantar e o que eu realmente tinha vindo fazer aqui. – fechou a distância o máximo que pôde.

B: Para, só para, Rafaella... – levou as mãos à cintura dela e afastou ela dali.

R: Espera pra ir embora comigo, por favor. – suplicou com o olhar e o tom de voz.

B: Esperar pra ir embora com você? – apertou os lábios, lutando para controlar as contrações no rosto que fariam as lágrimas todas caírem. Percebendo isso, Rafa implorou mais ainda com o olhar, pedindo silenciosamente dessa vez para que ela não chorasse...

E essa parte do pedido Bianca atendeu, porque levou as duas mãos aos cantos dos olhos e limpou as lágrimas represadas antes de concluir:

– Eu não tenho mais nada pra fazer com você, Rafaella, mas eu agradeço... – sorriu de canto – Porque facilitou demais as coisas pra mim.

R: Co-como? – tentou, mas Bianca saiu andando e Rafa andou rápido de novo, se colocando na frente da carioca.

B: Sai da minha frente! – disse com o olhar fixo na equipe que aguardava para lhe dar carona.

Percebendo a situação impossível na qual tinham se colocado, sem espaço para nenhum tipo de ação que não fosse piorar as coisas naquele cenário público, e considerando ainda que a intransigência de Bia era bastante compreensível pela surpresa que tinha lhe agredido naquela noite, Rafaella ponderou que naquele exato momento era melhor recuar.

R: Eu vou sair... – levou a mão à de Bia, mas de novo ela puxou antes de ouvir o complemento que veio firme e sem margem para negativas:

– Mas eu vou buscar as minhas coisas, ir direto pra sua casa e a gente vai conversar.

Sem encarar o olhar de Rafaella, Bianca só deu um passo para o lado, seguiu na direção de quem lhe aguardava e entrou no carro.

Apertando os cabelos, Rafa assistiu a cena inteira e só saiu do lugar quando o veículo arrancou.

Em passos acelerados e raivosos, ela marchou de volta para o interior do restaurante e, quando chegou na mesa em que Gabriela aguardava com a paciência pretensiosa de quem tinha conseguido concluir seu plano, arrancou sua bolsa da cadeira em um gesto brusco.

G: Nossa, mas já vai mesmo?

Rafaella até ia só sair dali, mas o tom de voz lhe afetou ainda mais os nervos e ela chegou mais perto ainda da influenciadora, em pé ao lado da mesa.

R: Você planejou isso tudo, né, Gabriela?

G: Digamos que foi uma coincidência muito bem sincronizada. – não desviou o olhar.

R: Eu faço ideia... – sustentou um sorriso irônico no rosto, espalmou as mãos na mesa e baixou o corpo para dar seu recado final com o rosto bem de frente ao de de Gabriela: – O que eu quero agora é que você decore bem o que eu vou te dizer.

G: Hum?

R: Não ouse nunca mais me chantagear, incomodar, chegar perto de mim e, principalmente... – reforçou com fúria – da minha namorada, tá me entendendo?

G: E eu que te ameacei, não é mesmo? – sorriu debochada – Isso é uma ameaça?

R: É exatamente o que isso é, Gabriela... – levantou o tronco novamente e levou a mão ao bolso do casaco – Experimenta fazer qualquer gracinha dessas novamente, que eu não vou ter o menor pudor em soltar os melhores trechos dessa conversa na imprensa... – retirou do bolso um objeto e esclareceu – Que estão todos gravados aqui.

G: Como é esperta a Rafa Kalimann... – debochou mais ainda – Sempre foi, não é mesmo?

R: Acho bom você me levar a sério, porque medo eu não tenho, e eu vou fazer o que eu tiver que fazer pra me proteger e, repito, proteger principalmente a mulher que eu amo.

G: Não se preocupe, não vai precisar disso, não, porque o que eu queria eu tenho certeza que eu já consegui.

Rafaella ficou encarando fixamente a mulher à sua frente e sentiu o espasmo de sua pálpebra denunciar o contingente de raiva que ela sentiu naquele momento, e que tranquilamente seria suficiente a lhe fazer avançar em Gabriela, não fosse sua racionalidade que nunca lhe abandonava.

Sendo assim, ela se limitou a encerrar a interação com as palavras finais e o olhar cheio de dignidade:

– Eu vou rezar todas as noites para que a vida coloque alguém que te ame profundamente no seu caminho, Gabriela. Que você seja desejada, bem amada e cuidada; que você ame muito essa pessoa também e, quando isso acontecer, que se lembre desse dia e do que tentou destruir.

Sem esperar qualquer reação da ex, Rafaella apenas girou o corpo e saiu dali, desejando árduamente que de fato aquilo tivesse sido mesmo só uma tentativa.


-----


Não demorou muito e Rafaella já estava próxima à Pink Mansion.

Tinha percorrido o caminho inteiro aflita e se arriscando entre dirigir e tentar falar com Bianca, mas ela já não atendia as ligações ou ouvia seus áudios.

Tentando equilibrar os ânimos, alguns minutos antes de chegar à casa, Rafa havia desistido das tentativas e respirado fundo para se revestir de toda a calma que fosse possível.

E foi neste estado de espírito que ela apontou o controle remoto para o portão da garagem da casa de Bia e entrou com seu carro, como nos últimos meses ela vinha fazendo tão frequentemente.

Estacionou, desceu correndo e, no meio do caminho, voltou para pegar o celular que havia ficado no console do carro.

Percorreu toda a área externa, passou pelas portas de vidro, subiu as escadas correndo e, outra vez, tentou se controlar enquanto percorria os passos finais no corredor que a levaria à suíte na qual elas vinham sendo tão felizes.

Em outras circunstâncias, teria entrado direto, mas não faria isso agora.

Sendo assim, inspirou profundamente e bateu na porta...

Nada.

Bateu outra vez e continuou sem resposta.

Levou a mão à maçaneta, enfim, mas para sua surpresa – ou talvez nem tanto assim – estava trancada.

Encostou a testa na porta, respirou fundo novamente e, antes que reunisse o ar necessário para pedir, a voz que ela amava chegou abafada, mas audível o suficiente:

– Vai embora, Rafaella! Eu não quero falar com você!

R: Você quer, amor. É claro que você quer. – começou com tranquilidade – Abre e deixa eu te explicar tudo, por favor.

B: Não quero, não.

R: Quer, sim, ou então tinha pedido para o segurança impedir a minha entrada, ou tô errada? – abriu um pequeno sorriso, como se Bianca pudesse enxergar seu esforço para não descompensar.

B: Droga! – murmurou para si mesma, mas não se dobrou e aumentou o tom de voz – Eu não quero mesmo, Rafaella, vai pra sua casa, por favor.

R: Eu tô te pedindo, Bi... – começou a implorar – Faz isso pela gente e me deixa te explicar. Não aconteceu nada, meu amor.

B: Não aconteceu NADA? – levantou rápido da cama onde tinha passado os últimos minutos chorando, e ficou de frente para a porta – Tu tem certeza que vai por aí mesmo comigo?

R: Nada que signifique traição, Bi. O que eu fiz de errado eu vou te explicar e me desculpar, eu só preciso que você me dê essa chance. – ainda não tinha desencostado a testa dali.

B: Pois pra mim a mentira que tu me contou e toda a humilhação que eu senti te vendo ali já foi traição suficiente, então vai embora AGORA! – gritou acordando Luete, que dormia em cima da cama e desceu para chegar mais perto.

R: Eu NÃO VOU embora, Bia. – disse firme de volta – Eu vou montar acampamento nessa porta, e você pode levar o tempo que quiser pra abrir que eu vou estar aqui te esperando. Então eu sugiro que você facilite isso pra você e pra mim.

Bianca gargalhou.

B: Mas tu é convencida pra caralho de achar que vai me botar essa banca, né? Enlouqueceu? – continuava a falar alto.

R: Eu não tô botando banca, Bia! – respirou fundo e se afastou da porta, já perdendo a paciência – Eu só quero ter a oportunidade de me explicar, então abre, pelo amor de Deus. – começou a bater na porta.

B: Para de bater nessa merda!! – estressou e Luete começou a miar, incomodada com as batidas e, muito provavelmente, sensível ao stress de Bianca ali com ela.

R: Abre, amor, por favor. – parou de bater – Porque eu realmente não vou sair daqui.

Um silêncio se fez e, do nada, Luete miou alto de novo.

Mantendo o incômodo em nível alto, Bia pareceu ter sido resgatada daquele estado de pirraça infantil e não conseguiu sustentar a cena.

Com passos duros, percorreu o que faltava e, enfim, destrancou a porta.

Rafa respirou aliviada e baixou a maçaneta devagar.

Quando abriu a porta, a primeira coisa que viu foi o olhar inundado e o rosto inchado de Bianca, que confirmavam que ela vinha chorando há muito tempo.

Sentindo o aperto no peito, ela terminou de entrar e fechou a porta.

Sem conseguir tirar os olhos do rosto da namorada e também sem ainda saber bem o que dizer, sentiu Lua lhe recepcionando passando o corpo em suas pernas, como ela sempre fazia e, claro, faria mais ainda agora, já que não via Rafaella há vários dias.

Ainda desconcertada, a mineira fez menção de abaixar para acalmar a gatinha, mas Bianca protestou:

– Não ouse fazer isso, porque dessa vez não vai colar!

No meio do movimento de abaixar, Rafa interrompeu e endireitou o corpo novamente, sem perder o olhar de Bia, que encheu mais ainda d'água.

R: Eu não ia... – gesticulou desconfortável, atrapalhou-se e tentou retomar – Enfim, eu só estava no automático mesmo, não é questão de "colar" ou não.

B: Eu abri a porta porque entendi que você não ia me deixar em paz, Rafaella, mas eu realmente sinto que eu não tenho mais o que falar com você.

R: Pois então me escuta... – deu todos os passos que faltavam para chegar mais perto ainda – É o suficiente, amor. – Bia, por sua vez, deu dois passos pra trás, abrindo mais distância enquanto Rafa insistiu em ser otimista – Você vai me entender.

B: Tu falou pra mim que ia jantar com a Flavina na sua casa mesmo, não falou?

R: Falei, Bi, mas...

B: Pois é, seja lá o que você for me contar a partir daí, eu não vou entender nunca. – cortou logo.

Rafaella respirou fundo.

R: Mais cedo, você também me disse que o restaurante que você ia era perto da minha casa, não? – Bia juntou as sobrancelhas, sem entender o propósito da intervenção de Rafa e ela esclareceu – O restaurante no qual, sem saber, nós estávamos ao mesmo tempo era em outro bairro, e não bate com o que você havia me contado.

B: Não seja desonesta, Rafaella... – soou indignada – Eu não menti pra você, eu apenas não tive tempo de te dizer que no final da tarde eu recebi um e-mail com a alteração do local.

R: Eu sei, amor, eu apenas quis te dizer que as vezes as coisas vão acontecendo no nosso dia e...

B: Tu mentiu! – interrompeu – E essa foi só a sua primeira mentira, né? A que fez a trouxa aqui ir para o compromisso tranquila, achando que... – engasgou na mistura de decepção e raiva que sentia. Tentou de novo – Enfim, quais as outras mentiras, Rafaella? Porque com a sua ex em um restaurante, você estava. Tomando vinho e de mãos dadas também.

R: O-o que? – gaguejou e se perdeu real – Mãos dadas?

B: Não me faz de trouxa, não, Rafaella. – deixou a raiva subir e saiu andando até a porta de vidro, tentando abrir a sacada e se distanciar o máximo que poderia.

Rafa correu até ela.

R: Ei, não! – segurou a cintura de Bia – Fica aqui, vamos terminar! – tentou abraçar o corpo da namorada, por trás, mas ela repeliu seu contato bruscamente, dando um passo para o lado e saindo de perto.

B: Para de achar que eu sou trouxa! – repetiu mais raivosamente ainda.

R: Eu entendi porque você disse isso de estar de mãos dadas, mas ela só encostou em mim nesse momento, amor. E provavelmente porque viu você se aproximando.

Bianca gargalhou.

B: Para, Rafaella, vai mesmo inventar esse caô de vilã que armou e planejou tudo?

R: Eu sei que é ridículo, Bia, difícil de acreditar e assimilar, porque eu mesma até agora estou completamente desnorteada, mas foi exatamente isso que aconteceu e até agora você não me deixou explicar. – suspirou frustrada.

B: Desde cedo você estava evasiva, Rafaella... – a mineira levou as mãos às têmporas. Até a repetição constante de seu nome inteiro lhe desesperava – Insistiu para não dormirmos na sua casa...

R: Oi? – lembrou da conversa de mais cedo – Não, Bia, nada a ver...

B: E eu te pergunto, por quê? – ignorou a negativa – Passou a tarde com ela lá no seu apartamento e depois levou pra jantar, é isso? E saindo de lá ia vir encontrar a trouxa aqui pra não precisar arrumar a bagunça no seu quarto.

R: Bia, pelo amor de Deus, não se deixa perder tanto assim... – tentou de novo chegar mais perto – Sou eu... – sentiu Bia vacilar e pegou em suas mãos – Eu nunca faria isso com você! Não teve nada disso.

B: E como é que tu chegou no ponto em que estava naquele restaurante com ela, Rafa? – disse com a voz embargada, quase sem forças e sem recuperar as mãos que a mineira agora segurava perto de seu peito.

R: A história é enrolada, amor, quase inacreditável, mas eu fui até lá porque eu marquei de encontrar com o Paulo.

B: Você O QUÊ? – retirou as mãos bruscamente.

R: Mais cedo, quando eu estava com a Titchela no escritório... – tentou partir do início, não estava funcionando aquela bagunça toda – Chegou outra mensagem dele, e dessa vez ele anexou fotos nossas juntas em Nova York.

B: Na festa?

R: Não... – pegou o celular que tinha trazido consigo e acessou a janela de mensagens – Quando nós descemos e passamos sozinhas a virada do ano. – estendeu o aparelho para a namorada.

A carioca pegou e se deteve nas imagens por um tempo, mas logo entregou de volta o celular para Rafa.

R: Percebeu que ele mandou isso hoje à tarde e, em seguida, eu combinei de encontrar com ele?

B: Só vi as fotos. – caminhou até a penteadeira, distanciando-se mais e passou a andar de um lado para o outro.

R: Olha o resto então. – percorreu o mesmo trajeto para insistir.

B: Não quero. – empurrou o celular.

R: Bia... – lamentava cada vez mais o quanto a namorada tinha se fechado.

B: Mas assumindo que isso seja verdade, o que eu percebo é que quando a ameaça ficou real demais, acho que a ficha caiu e tu foi resolver, não?

R: Ficha do quê, Bia?

B: Do quanto ele ia foder com a sua vida se isso fosse publicado. Tanto que nem falou comigo, não é? – embaralhou completamente os assuntos em sua cabeça e o cenário trágico começou a escalar.

R: Eu não falei com você porque eu quis te dar paz em um dia que seria tão importante, e porque você estava toda estressada com as coisas do programa, tanto que nem falando comigo direito estava. – esclareceu, mal podendo imaginar que o motivo de Bia estar assim no final da tarde era justamente por questões relacionadas aos possíveis efeitos da exposição do namoro delas.

E se dependesse da quantidade de confusão que gravitava na cabeça de Bianca naquele momento, completamente sem controle, continuaria sem saber.

B: Claro, conveniente, né? – ironizou.

R: Eu ia falar quando eu entendesse o que ele queria e viesse te encontrar depois do jantar... – chegou mais perto – Acredita em mim, por favor.

B: Fala, Rafaella, é só falar... – gesticulou largo e se afastou mais – Não tem vergonha nenhuma em dizer que tu quis tentar evitar isso sozinha depois que finalmente percebeu que ia dar essa merda.

R: Você tá sendo injusta, Bia, não tem nada a ver com isso... – coçou a testa, tentando se reequilibrar e resgatar a paciência que insistia em lhe escapar – E outra, cê não disse algumas semanas atrás que deixaria isso nas minhas mãos? Pra ser uma decisão minha?

B: Disse, e você disse também que fazia questão que eu participasse... – devolveu imediatamente – E eu acreditei, né? Afinal, o que eu mais faço ultimamente é dividir absolutamente tudo contigo, qualquer suspiro e investida da Gabriela perto de mim eu te contei, mesmo sabendo que tu tava estressada, fodida das ideias, ia ficar puta, triste, deprimida ou o caralho a quatro.. Eu sempre te contei. – fez uma pausa e concluiu:

– Achei que o sentimento fosse mútuo.

R: E é. Na imensa maioria das vezes é, e você sabe disso. – começou a respirar mais rápido, começando a deixar o desespero tomar conta – Eu me atrapalhei dessa vez, mas eu tinha a melhor intenção do mundo, amor. E eu ia te contar hoje ainda.

B: E onde é que entra a Gabriela nessa história? – despejou com a voz embargada, não aguentava mais.

R: Ela é prima do Paulo, Bia. Eu marquei com ele no restaurante e, quando eu cheguei lá, ele foi embora e entrou a Gabriela – Bianca ficou ainda mais desacreditada e Rafa seguiu tentando desenrolar o fio – Ela sabia o tempo todo que nós duas estávamos juntas... Desde o evento em que vocês se encontraram, depois do Natal, em todos os momentos e interações que ela teve ou tentou com você.

B: Interações que ocorreram porque ela é obcecada em você, claro, como eu sempre disse. – soltou uma risada irônica, levou as mãos à cintura e continuou andando de um lado para o outro. Lembrou-se de questionar, porém – E como ela soube?

R: Então... – despejou pura frustração dos pulmões – Nessa parte a coisa fica ainda mais patética de tão absurda.

B: Mais??? – soou estridente.

R: Bem mais... – suspirou – Enfim, sabe o primeiro anel que cê perdeu? – Bia fez cara de dúvida e Rafa explicou, pegando na mão dela e mostrando – O outro desse!

B: Hum? – olhou para a o dedo.

R: Quem achou foi ela... – a expressão de incredulidade da carioca nem saia de seu rosto mais – No meu apartamento...

B: Tu tá de sacanagem comigo, né? – andou rápido e tentou sair de perto de novo, mas Rafaella segurou ela entre os braços – Tá achando que eu sou otária e vou ficar ouvindo tu me confirmar que ela frequenta o seu apartamento, Rafaella? – soltou-se e esperneou – Tá bem louca, é?

R: Calma... – ergueu as duas mãos, deixando claro que não se aproximaria mais – Eu comecei errado, deixa eu reformular.

B: Meu Deus do céu, eu devo ter cara de palhaça pra entrar nesse circo que você inventou, né? – levou as duas mãos aos cabelos – Mas a parte boa é que eu só consigo pensar no quanto você tá facilitando as coisas pra mim! – soltou uma risada debochada.

Rafa ficou ainda mais desnorteada, mas nem tentou entender e só buscou seguir adiante, já sem tanta paciência.

R: Bianca, agora parou! – estressou – Eu tenho meios de te provar tudo isso que eu tô te falando e eu VOU FAZER, mas você precisa terminar de ouvir de mim a história completa.

B: Prossiga... – fez o gesto com a mão para que ela continuasse.

R: Reformulando... – continuou com a expressão austera no rosto – Eu e ela não conversamos muito, porque logo você chegou... – Bia ameaçou interromper e Rafa levantou a mão, pedindo que ela segurasse – Mas eu vim tentando encaixar tudo no caminho pra cá e, pelo que eu entendi, na primeira noite que você passou comigo no meu apartamento depois que nós fizemos as pazes, você deixou seu anel cair no chão do meu quarto.

B: Tá, e ela entrou lá e achou. Claro... – não aguentou e teve que ironizar – Fez como? Escalou as paredes do prédio e entrou pela varanda do seu quarto?

O olhar duro de Rafaella, que já não estava mais para enrolação, fez com que Bianca não se atrevesse a continuar no deboche e a mineira prosseguiu.

R: Depois disso, na noite em que... – fez uma pausa para pronunciar pesarosamente o nome que viria a seguir – O Rodolffo dormiu lá e eu vim pra sua casa, de alguma forma o universo reuniu esses dois e eles ficaram juntos no meu apartamento e, por isso, ela achou seu anel e entendeu tudo.

B: Nossa, Rafaella, mas tu ainda tá lendo fanfic Rabia? – bateu palmas absolutamente debochadas – Parabéns, porque ó... Aprendeu a viajar legal com as suas Rabias! – disse sem paciência nenhuma e saiu andando rápido para o outro lado do cômodo, mais furiosa ainda.

R: Eu não estou viajando, Bia, é ridículo e eu concordo com você nisso, mas é a verdade, caramba! – bateu a mão na coxa, mas tentou voltar ao centro – Fala pra mim, vai? Fala se não foi mais ou menos nessa época que você perdeu o anel. Porque eu te vi pouquíssimo com ele.

Bianca fez uma cara pensativa e Rafa continuou a contextualizar.

R: Tanto que, quando cê se deu conta de que tinha perdido, nem tinha muito o que fazer para ir atrás de outro, por causa da correria de final de ano, e acabou vendo só em Nova York mesmo.

B: Aham...

A cabeça de Bianca não parava de funcionar porque, claro, ela queria muito acreditar, mas besta ela também não era...

Nem sempre.

B: E por que nós nunca achamos esse anel na sua casa depois disso? – confrontou – A gente chegou a procurar.

R: Quando a gente procurou, foi quando o Rodolffo já tinha voltado para Goiânia, lembra? Eles já tinham estado juntos lá e ela levou o anel com ela, me devolveu hoje.

B: Uma perfeita psicopata então. – a intervenção veio com deboche.

R: Tá claro que algum problema psicológico ela certamente tem, não é? – devolveu mais calma, observando as reações menos impetuosas de Bianca.

Não duraria muito, porém.

B: Tá, mas e se ela te devolveu, cadê o anel?

Rafaella rapidamente pensou na bolsa que tinha ficado no carro, mas em seguida já raciocinou que de nada adiantaria também, porque sim, ela tinha esquecido o anel em cima da mesa...

Fez o gesto de prece na frente do rosto e fechou os olhos quando se deu conta disso.

R: Eu... – descontou a frustração na mecha de cabelo que ela ajeitou atrás da orelha – Fiquei transtornada quando você saiu daquele jeito, voltei correndo para o restaurante e só peguei a bolsa na cadeira. O anel ficou em cima da mesa.

B: Ah, pronto, a culpa é minha... – gargalhou debochadamente – Eu te transtornei, né, Rafaella? Tenha santa paciência...

R: Não foi isso que eu disse, mas eu de fato esqueci lá no restaurante. E, se ela percebeu, acho que deve estar com ela ainda, porque eu saí e deixei ela lá. – disse de cabeça baixa.

Completamente sem forças e sem saber o que pensar, Bianca andou até perto da cama.

B: Isso só pode ser um pesadelo, meu Deus! – ajoelhou na cama e curvou o corpo para esconder o rosto entre as mãos que descansou em cima do colchão.

R: Eu sei o que você tá sentindo, amor, e... – sentou também na cama e levou a mão aos cabelos da namorada – Imagina como eu também não fui pega completamente desprevenida.

B: Imagina o CACETE! – tirou a mão dela de sua cabeça e levantou bruscamente – Pra tá dizendo isso, é porque tu não tem é ideia do nível de humilhação que foi pra mim entrar naquele cômodo do restaurante e dar de cara contigo de mãozinha dada com aquela filha da puta. – corrigiu imediatamente – Aliás, filha da puta, não, porque as putas são maravilhosas. Filha do satanás mesmo!

R: Bia, por favor se acalma e não...

B: Não ouse isso também! – interrompeu e enumerou sem censura – Satanás, demo, capeta, diabo, demônio, capiroto e o que mais eu quiser pronunciar agora pra falar do seu inimigo, eu vou pronunciar.

A mineira só revirou os olhos e tentou retomar o assunto.

R: Eu não estava de mãozinha dada com ninguém, amor! – levantou rápido da cama também e, não queria saber mais, ia forçar a proximidade o máximo que poderia. Por isso, pegou nas mãos da namorada – Eu sei que é muito... – subiu as mãos para os braços – Que é DEMAIS pra você isso tudo agora, mas acredita em mim, pelo amor de Deus!

Por um lapso de tempo que quantitativamente poderia até ser muito pouco – mas que para Bianca significou o mundo inteiro – a carioca amoleceu e se perdeu no verde tão, tão confortável, que quis muito continuar ali, segura e protegida como sempre se sentia.

Mas a vida às vezes é mesmo isso tudo de cruel, e por mais que ela tentasse muito, não teria conseguido se proteger de seus próprios demônios e vulnerabilidades que, naquele momento, venceram a batalha e lhe arrastaram dali, empurrando-a completamente nas próprias inseguranças e temores.

E foi por isso que ela continuou confundindo tudo.

B: Eu... – ainda tentou muito não ir por ali, mas baixou o olhar, quebrou o encanto e a conexão que sempre lhe anestesiavam, e acabou continuando – Eu admito que você age na maior parte das vezes diferente disso, que tem tentado ser diferente daquela pessoa que me escondia o que tava sentindo e pensando. E justamente por isso, eu penso que se agiu assim agora, me escondendo esse encontro com o Paulo, segundo a sua versão... – não aguentou e deixou clara a desconfiança que em algum nível ainda persistia – Então é porque talvez tenha algum motivo maior e esse assunto tomou outra proporção pra você.

R: Eu juro que eu não tô te entendendo, amor... – chacoalhou a cabeça, porque realmente não estava. Deslizou as mãos nos braços da namorada e tentou de novo conectar os olhares – Mas e você? Entendeu tudo que eu te contei, acredita em mim que eu não te trai?

B: Entendi, mas não sei o que pensar, Rafaella. – ergueu os braços à meia altura, fez as mãos da namorada despencarem e se afastou de novo.

A mineira soltou o ar e se rendeu. Tudo estava dito, todo o esforço que ela poderia fazer foi feito e ela iria para as últimas cartadas.

R: Se ainda assim, mesmo depois de tudo que eu te contei e nós conversamos, você não acredita em mim... – levou a mão ao bolso do casaco – Eu tenho mais do que provas, Bia, eu tenho a Gizelly que me ajudou com tudo, a Flavina que também sabe e tentou me impedir de lá, e eu tenho isso... – retirou o aparelho do bolso, chamando a atenção de Bia.

B: O que é isso?

R: Um gravador que a Titchela me fez carregar junto comigo. – pela milésima vez, tentou chegar perto – Ela insistiu que eu tomasse precauções e não fosse de mãos abanando encontrar um possível chantagista e me emprestou esse, que ela sempre tem na bolsa, porque usou muito quando ainda trabalhava como advogada. – estendeu para Bianca – Aqui tem a conversa inteira que eu tive com o Paulo e depois a Gabriela. Você vai entender por ela o que não consegue entender por mim.

A mão de Rafaella ficou suspensa, segurando o dispositivo, por longos segundos em que os olhares não se desconectaram.

O de Bianca cheio de lágrimas e o de Rafaella cheio de esperança que ela recuasse.

B: Eu... – baixou o olhar e deu um passo para trás – Não quero ouvir, Rafa.

R: Como não quer, Bia? Se não acredita no que eu te falei, tem que ouvir, sim. – desesperou-se.

B: Não é isso que conta pra mim agora, Rafa... – andou até a porta de vidro da sacada e ficou olhando a noite lá fora, de costas para a namorada.

R: Então me explica melhor o que é? – chegou nas costas de Bianca e enlaçou sua cintura por trás – Me diz o que é e eu vou esclarecer e consertar! – beijou o pescoço branco com carinho antes de suplicar – Por favor!

Por um segundo, Bianca levou as mãos aos braços que Rafaella envolveu em sua cintura, e também acompanhou todos os gestos de carinho e desespero da namorada pelo reflexo do vidro da porta.

Quanto mais ela olhava para o rosto da namorada, porém, mais ela enxergava o que lhe atormentava naquele momento: a humilhação que de fato sentiu; a traição pelo que Rafaella escondeu dela; mas acima de tudo isso, a imensa dose de pânico que ela sentia ao cogitar que prejudicaria a mulher que amava.

Dose essa que tinha aumentado consideravelmente desde aquela tarde, e piorado ainda mais ao perceber que Rafa se preocupou quando percebeu que as fotos delas juntas poderiam vazar.

Transtornada com o excesso de informação e com o coração despedaçado, Bianca forçou as mãos para afastar os braços de Rafaella.

B: Não tem o que consertar, Rafa, não nesse momento... – afastou-se de novo e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha – As coisas se complicaram demais e... Eu não vou conseguir!

R: Não vai conseguir o que, amor? Se tiver demais pra você agora, a gente dorme e conversa melhor amanhã, você ouve a gravação, conversa com a Gi, tira todas as suas dúvidas comigo, o que for preciso... – o tom exasperado de Rafa só transtornava Bianca ainda mais.

B: Eu não sei, Rafaella... – não conseguia mais sair do lugar – O dia saiu muito diferente do que eu imaginei. Eu... – deixou um traço farto de lágrimas caírem – Eu não consigo agora.

R: O que, amor? – deixou os olhos encherem de lágrimas também, tinha chegado no limite.

B: Continuar como se nada tives... – engasgou, mas se forçou a continuar – Como se nada tivesse acontecido.

R: Você não tá raciocinando direito agora, Bia! – recusou-se a trilhar aquele caminho e limpou a lágrima que caiu – Fica aí, descansa e... – tentou raciocinar o que era melhor naquele contexto – Eu vou te dar o espaço que você precisar e a gente conversa amanhã.

B: Rafa... – nem sabia o que diria, mas só tentou pará-la.

R: Amanhã, Bia. – interrompeu – Eu durmo onde você quiser nessa casa, não chego perto de você e te dou todo o tempo do mundo. – só piorava o aperto no peito de Bianca.

Sem saber como agir, ela só baixou a cabeça e Rafaella tentou dar sequência.

R: Bom, eu vou ao banheiro e... – travou com a imobilidade da namorada, mas se forçou a continuar tentando normalizar o cenário – A gente decide melhor o que fazer quando eu voltar.

Sem pronunciar sequer uma palavra, Bia permaneceu no mesmo lugar e Rafaella seguiu para o banheiro.

Quando passou pelo closet de Bianca, porém, percebeu uma blusa de pijama sua caída no chão.

Parou para recolher a peça e, quando observou melhor, viu que tinha uma mala esportiva na cadeira que havia no closet, e que dentro dela tinha muita coisa.

E tudo coisa que lhe pertencia.

Pijamas, moletons, roupas de todos os tipos, escova de dentes, cremes, sapatos, e tudo mais que naqueles meses ela tinha cumulado ali, nas gavetas que Bianca havia lhe cedido.

Exausta do dia, da noite, do conflito e de segurar tanta coisa por tanto tempo, Rafaella sentiu tudo explodir dentro de si naquele momento.

Arrancou a mala da cadeira e marchou de volta ao dormitório.

Jogou a mala aos pés de Bianca, que permanecia com o olhar distante, olhando pela porta da varanda.

Assustada com o barulho e com o movimento brusco perto de seu pé direito, Bia olhou na diagonal inferior.

R: É isso mesmo? – quando o olhar da carioca ergueu para encontrar o seu, continuou – Você não ia mesmo me dar nenhuma chance? Já tinha arrumado tudo pra me botar pra fora da sua vida sem nem me ouvir?

B: Eu cheguei com ódio, Rafa. E, de qualquer forma, eu continuo sem conseguir enxergar outra saída agora, vai ser melhor assim. – saiu de perto.

R: E vale tão pouco assim, né, Bianca? – andou rápido atrás dela e segurou-a pelo braço. – O que a gente viveu esses quase três meses... Aliás... – achou que valia a correção – Eu diria quase nove meses, não é? Porque mesmo separadas, isso faz parte da nossa história. Então eu te pergunto, tudo que a gente viveu até hoje vale tão pouco assim, ao ponto de você nem ter cogitado me ouvir antes de arrumar a minha mala pra me enxotar daqui, é isso mesmo?

B: Às vezes as coisas se complicam demais, Rafa... – recuperou o braço delicadamente – A vida engole a gente e não tem nada que a gente possa fazer.

Com o olhar transbordando decepção, Rafaella finalmente permitiu que as suas lágrimas também caíssem.

R: A manhã maravilhosa que nós passamos juntas, na minha cama, na minha mesa de café da manhã. O quanto eu corri pra achar o melhor lugar do mundo no Rio de Janeiro pra chamar de meu e seu. Todos os nossos planos, Bianca... – continuou com o olhar vidrado nos olhos castanhos – Não significaram nada pra você e não mereceram o mínimo voto de confiança e consciência de que eu jamais te trairia dessa forma, não é?

B: Saiu do controle, Rafaella. – virou o rosto, quebrando mais uma vez a conexão entre os olhares.

R: Tanto assim? – insistiu uma última vez.

B: Mais do que eu consigo relevar ou consertar... – com o olhar ainda baixo, tentou ser mais clara – Eu não consigo consertar o que deu e, principalmente, ainda vai dar errado a partir daqui.

R: Não consegue também me amar o suficiente pra ficar do meu lado enquanto a gente tenta consertar, não é? E especialmente agora, que o que eu mais queria e precisava no mundo é ter a mulher que eu amo comigo...

Bianca levantou o rosto para enxergar o semblante decepcionado e desacreditado da namorada.

B: Eu... – apertou os olhos e deixou o queixo tremer enquanto segurava o choro mais uma vez. Achou que teria coragem de pronunciar as palavras claras e insistir no que sua cabeça queria muito que fizesse, mas não teve – Eu tô confusa, Rafa. Acho que eu preciso de um tempo.

R: Bia... Não existe isso de tempo. Ou a gente resolve os nossos problemas de forma madura, ou vai cada uma para um lado.

B: Às vezes o que a gente precisa é só de tempo... – respirou fundo – Pra esperar passar todas as crises, inseguranças e tudo mais que possa prejudicar a gente.

R: Nada... – deixou a voz embargar – Nenhuma crise ou insegurança sua pode me prejudicar se você deixar que eu fique do seu lado te ajudando a superar isso, mas eu vou respeitar a sua decisão. Eu só preciso que você me confirme...

B: O que?

R: Se é isso o que você quer... – Bianca baixou o olhar, mas Rafa prosseguiu – Se o que você quer mesmo é que eu saia por aquela porta. Porque se for, eu juro que vou respeitar.

B: Não faz isso comigo... – deixou mais lágrimas caírem e confessou:

– Eu não sei o que fazer agora!

Rafaella pegou a mala com as suas coisas no chão, deu alguns passos pra trás, e concluiu a única coisa que lhe atormentava o juízo naquele momento, depois de tanta pressão e confusão.

R: Acho que a essa altura, se as coisas fossem como eu imaginei que eram, você não teria dúvidas do que fazer... – aguardou uns segundos, ansiando que Bianca interviesse de alguma forma. Como não aconteceu, finalizou:

– Sendo assim, eu facilito pra você e te digo que faço questão de sair por aquela porta.

Ainda de frente para a porta de vidro da sacada, Bia não se moveu e só observou com o canto do olho Rafaella se afastar e caminhar até o móvel mais próximo.

R: De qualquer forma, eu vou deixar aqui o gravador, caso algum dia você decida entender realmente o que aconteceu. – depositou o pequeno aparelho no aparador.

Outra vez, aguardou os segundos que, quem sabe, pudessem lhe conceder algum milagre.

Andando de costas em direção à porta, Rafaella teve esperanças até o último segundo, mas nada aconteceu.

Sendo assim, a mineira segurou a maçaneta com a mão atrás de seu corpo e, como Bianca não se mexeu, ela fez o que sempre faria de melhor: respeitou a mulher que ela amava ensandecidamente, abriu a porta e voltou para sua casa.

De outro lado, quando Bia ouviu a porta bater, finalmente saiu da posição em que estava e se jogou na cama...

Perdida e fragmentada como nunca antes na vida tinha se sentido.



-----




Pronto, pronto, o pior já passou!

Eu achei que seria mais fácil pra mim, mas foi difícil, caras... Como foi difícil!

Quem me acompanhou nos últimos dias no tt, sabe que eu - que não costumo soltar muita coisa enquanto estou escrevendo - tive uma madrugada que reclamei por lá (eu tava escrevendo a porcaria desse flashback maldito, agora vocês sabem!).

Inclusive, já podem shippar Gadolffo. kkkkk

Enfim...

Sobre o que importa, tinha que acontecer para a gente limpar a bagunça das cabeças duras, e eu ainda poder dar mais coisinhas bonitinhas pra vocês.

E como é um capítulo de muitos diálogos pesados, eu já sei que vcs vão ficar mais caladinhas nos comentários (já conheço o padrão), então se sentirem vontade e angustiadas, me procurem no privado ou onde quiserem, como algumas já fazem.

Por fim, eu retomo que o conceito foi: "Pressão"  por todos os lados --> "Distancia"mento de ideologias e do que foi combinado entre elas --> "Colisão".

Depois do choque, a gente vai seguir em busca da solução.

E vai ficar tudo bem...

Se preciso for, releiam as notas finais do capítulo anterior para reforçarem a certeza disso.

Fiquem em paz,

Beijos!

Ps: Às vezes eu tenho colocado uma música na header do capítulo  sem comentar nada, mas quero explicar que isso acontece quando eu quero deixar registrado (mais para minha memória do que pra vocês) a música que eu ouvi muito quando escrevi o capítulo.


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