-Ei, essa caneta é sua?
Um garoto qualquer tinha a posto a mão no meu ombro e quando me virei, percebi que ele segurava uma caneta azul que se parecia com uma das minhas. Era o mesmo garoto que me serviu na lanchonete perto da pensão no meu primeiro dia em Nova York. Eu não mais o tinha visto desde então. Bonito, assim como da última vez. Alto, esguio e de olhos claros, coisa que eu não tinha parado pra observar no primeiro - e único - momento em que cruzei com ele.
-Ah! É sim, valeu - apanhei a caneta e me virei terminando de guardar as coisas
-Eu acho que já te vi antes... - Balancei a cabeça, tentando negar, e fechei o armário. -Você já foi no restaurante da minha família, lembra? Perto do parque. Minha avó falou de você, disse que foi lá enquanto eu tava de fol...
-Desculpa mas eu tô meio atrasada, preciso ir...
Deixei ele falando sozinho e fui direto para a classe. Por mais que eu não quisesse ser mal educada, lidar com pessoas normalmente me deixa nervosa. Fiquei levemente perdida no caminho, confusa sobre o caminho, mas não demorei a encontrar a sala de meu destino. História Geral, era minha primeira aula.
Assim que entrei avistei o professor atrás de sua mesa. Uma figura baixinha, rechonchuda e levemente calva. Me aproximei pegando no bolso o papel que todos os professores do dia deveriam assinar. Entreguei, ficando em silêncio depois de um "bom dia"
-Regan Wurtzbach, certo? - ele perguntou e eu confirmei com a cabeça - Pode pegar seu livro no armário do fundo, tem uma carteira livre atrás da senhorita Medsen, aqui está - me deu o papel assinado
Ele apontou uma garota, que levantou a mão, na terceira fila, e eu segui nessa direção. Passei pela mesa, deixando minha bolsa sobre ela antes de seguir para o armário no fundo da sala, onde tinha uma pilha de livros de história americana. Peguei um e fechei o armário, pronta para voltar pra mesa.
No caminho de volta à minha cadeira escutei alguns garotos sussurrando sobre como "a bunda da novata é gostosa" e afins. Não me importei por que, na verdade, eu concordava. O último aluno chegou pouco depois de eu ter me sentado e o sinal tocou logo em seguida, dando início às aulas.
Então o professor começou a falar e falar e falar. Um saco, sinceramente. Eu nunca me interessei realmente por humanas. O tempo se arrastou consideravelmente e o assunto repetido me fez bufar de tédio, mas graças a Newton eu não tive que me submeter a interações sociais durante a aula então tudo correu bem até ali.
Depois de ouvir sobre a revolução francesa por uma hora e meia, tive que encarar uma aula de geografia que pareceu durar um ano. Metade da turma dormiu e a outra metade conseguiu disfarçar.
No ultimo horário antes do almoço eu tive a única aula que realmente me interessava até o momento, Química Avançada, 47 B. Assim que entrei na sala dei de cara com um senhor de meia idade, que logo me pediu e assinou os papéis. O professor Garcia tinha um nariz desproporcionalmente grande para o seu rosto e um nome peculiar. Ele foi agradável, me entregou os materiais e me indicou a mesa disponível para a prática do dia, ao lado de uma garota ruiva que ele apontou como "o palito de fósforo ali".
-Bom dia, turma - ele disse - hoje temos aula prática de reações químicas - a ruiva levantou a mão aparentemente animada - não, senhorita Østergaard, não vamos explodir coisas - ela abaixou a mão expressando um certo desapontamento e eu ri - Mas antes de dar início à nossa aula...senhorita Wurtzbach, gostaria de se apresentar? - "Não"
-Regan Marynne Wurtzbach, é um prazer...
-Bom, ofereço-lhe as boas vindas em nome da escola então... vamos começar!
A aula foi tranquila, ele era muito didático ao explicar os procedimentos e a minha vizinha de carteira era muito participativa, as vezes levemente irritante, mas muito inteligente apesar de levemente desequilibrada. Uma terrorista piromaníaca em potencial, eu diria. E isso por que entre o começo e fim da aula o professor conseguiu evitar ao menos três quase incêndios provocados pelas ideias malucas, mas admito que interessantes, dela.
-Psii - olhei pro lado, era a garota ruiva - sabe o que ia ser muito legal? - não evitei a expressão estranha imaginando a sala inteira carbonizada - sódio e água...
-Vão explodir na sua cara... - adverti
-Essa que é a parte legal! Da pra ver de pertinho.
-Eu não acho que você ia ficar bem sem sobrancelha...
-A adrenalina da explosão vale o risco - disse com um sorriso perigoso - ninguém morrendo tá tudo ótimo, e eu tenho 87% de certeza de que isso não vai acontecer...
Peraí, 87?
Não deu tempo de denunciar. Ela colocou os óculos de proteção e jogou um punhado de sódio na proveta cheia de água antes que eu ao menos pensasse em fazer isso. A substância ferveu, ela sorriu e em um pulinho saiu correndo pro outro lado da sala pra observar seu feito. A proveta explodiu, coloquei os braços na frente do rosto pra evitar os cacos, e logo teve fogo e muita fumaça. Todos correram junto com o professor pra o lado de fora da sala, mas eu não vi a ruiva até pelo menos cinco minutos depois da explosão, quando ela saiu da sala no meio da fumaça, abanando o rosto e os cabelos, com o jaleco chamuscado na barra e na manga enquanto colocava os óculos em cima da cabeça. Ela parecia em êxtase quando encostou na porta.
-Cara...ISSO FOI IRADO!
-Sua detenção também vai ser... - alguém disse atrás de mim. era um senhor baixinho que estava com muita raiva - na minha sala, Østergaard, AGORA!
-Ah, diret....
-SHH! Agora! - ela foi - estão liberados pelo resto do horário, alguém se machucou?
-Não senhor, foi só uma reação de sódio e água, nada que fosse colocar a segurança dos alunos em risco...
-Vou levar isso em conta quando eu tentar expulsar essa garota da minha escola - bufou e saiu
Depois do desastre na aula de química, fomos liberados para o almoço, onde eu finalmente consegui comer. Me sentei sozinha em uma mesa no fundo do refeitório e comi com vontade, afagando a dor que eu sentia no estômago. Depois do almoço tive mais algumas aulas. Dentre as quais a única que se destacou foi a de Biologia, com um professor simpático que cheirava a maconha.
A campainha que encerrava as aulas tocou às duas da tarde. Enquanto eu passava pelos corredores, indo em direção ao meu armário, ouvi que todos falavam sobre o acidente não tão acidental de mais cedo. O laboratório de química ficaria interditado por algumas horas, só para a limpeza. Não houveram danos, mas apesar disso o diretor estava furioso. Aparentemente aquele tipo de situação era corriqueira. Mas, pelo que eu ouvi, os pais dela são pessoas importantes então, para a infelicidade do diretor, não conseguiram expulsá-la.
Depois de guardar minhas coisas, saí da escola, direto para a estação de metrô. Só esperei alguns minutos até o embarque. Quando cheguei ao prédio abri a grade, subi os cinco lances de escada, entrei no quarto e tranquei a porta, como sempre, largando a bolsa no canto do quarto e sentando na cama. Olhei pela janela. O vento estava forte, como sempre. O inverno estava chegando.
Tirei as botas e joguei o par embaixo da janela, esticando as pernas em um alongamento estranho e em seguida cruzei em cima da cama ficando ali mesmo. Tinha o resto do dia pra fazer...nada. Então curti um pouco do wifi roubado da vizinha até sentir fome o suficiente para o meu estômago doer. O almoço da escola não tinha sido suficiente depois de quase três dias sem comer nada.
Dali até a próxima refeição na escola ainda demoraria mais de dezesseis horas, e eu provavelmente não conseguiria dormir com aquele incomodo. Mas eu não podia descer e comprar alguma coisa no mercado ainda. De repente senti saudade de quando minha mãe brigava comigo e eu perdia a fome. Agora eram duas coisas que não iam mais acontecer.