Na biblioteca, Ophelia escrevia uma carta para sua amiga Georgiana. Gostaria de contar-lhe as novidades, ocultando o último escândalo que julgou ser algo particular de Cassandra e August. Preocupava-se principalmente com a mulher, a qual tentava manter-se rígida em relação ao adultério do marido, mas notava-se sua palidez e sua tristeza. Cassandra aprendera a ser forte diante de tantas adversidades; tentava recuperar uma força que provavelmente nunca havia tido. Ophelia procurava sempre amparar a amiga, no intuito de fazê-la espairecer as ideias e reanimá-la — ao menos, um pouco. Quanto à menina, filha de Cassandra, Ophelia sempre a mantinha ocupada em alguma brincadeira, muitas vezes a levando para a casa de seu irmão, Thomas, para que assim a pequena tivesse um momento infantil com os filhos do jovem reverendo e de Emma. Os sobrinhos de Ophelia eram muito receptivos, principalmente George que gostava muito da companhia de alguém da sua idade.
Enquanto escrevia na biblioteca, Frederick, seu marido, ocupava-se em outra sala, dedicando-se à sua literatura. Muito alegrava Ophelia por vê-lo novamente praticando sua arte; regozijava-se por não haver desperdício de talento.
Sozinha e concentrada, Ophelia pensava no conteúdo da carta para a Srta. Young, imaginando como seria a vida dela em Nova Iorque. Sorriu diante da imagem de Georgiana em uma terra que um dia pertencera ao reino; divertia-se ao mentalizá-la em um lugar excepcionalmente grande e inovador. Assim, um dos seus pedidos à amiga fora uma descrição minuciosa das Américas, escrevendo em uma futura missiva o que havia no Novo Mundo.
Atenta à sua atividade, Ophelia assustou-se com a abrupta aparição de August Blackall. Sobressaltada, a moça abandonou o papel e jogou a pena de lado, manchando a mesa e a carta de Georgiana de tinta. Assustada, Ophelia fitou August, o qual tinha os passos vacilantes. Rindo do susto da cunhada, divertiu-se ao vê-la extremamente perturbada pelos seus agressivos surgimento.
— Ora, cunhada, o que há? Está impressionada comigo?
Enrolando-se para caminhar e para falar, August aproximou-se um pouco mais para perto de Ophelia. Ela a julgou pelo fato de estar nitidamente bêbado. Seus cabelos estavam em desalinhos; suas roupas amassadas; sua casaca mal abotoada; e seu odor do mais forte álcool. Enojada, Ophelia virou o rosto, repreendendo-se por ter observado tamanhos defeitos.
— O que o senhor deseja?
— Senhor? — gargalhou August. — Quanta formalidade, Ophelia. Acaso não reconhece a mim? Sou eu, seu velho amigo de infância.
— Não, não o reconheço mais — desafiou-o Ophelia. — Não é mais o rapaz que eu tinha por companhia e amizade. Hoje, é apenas um senhor que nada sinto, exceto piedade.
— Piedade? De mim? Eu sou August Blackall, não preciso da piedade de ninguém! Muito menos de uma simples filha de um reverendo morto! Quem merece piedade é você, e isso meu irmão, o honroso Fred, proporcionou-lhe ao casar-se contigo.
— Por favor, não estamos em condições de discutir — rebateu. — Você está descontrolado, portanto, não irei revidar suas ofensas para comigo e suas ironias para com quem eu amo. Vá embora, eu lhe peço. Vá recuperar-se de seu excesso alcoólico.
— Ophelia, Ophelia, não se zangue comigo — continuou August, pateticamente. — Lembro-me de quando você defendia-me. Era minha protetora, recorda-se?
— Não sou mais aquela menina que passava as mãos em sua cabeça por todo erro que você cometia, August. Sou uma mulher adulta e casada; aprendi, com o tempo, a ser justa.
— Parece que estou diante do velho George Stanhope — desdenhou ele. — Sempre com seus discursos moralistas.
— Não diga o nome de meu pai.
— Tem razão. — August apoiou-se na poltrona com uma mão, e, a outra, apontava o indicador no queixo. Sua estrutura era cambaleante, desequilibrada. — Afinal, como o velho reverendo costumava dizer: não fale daqueles que não estão aqui para se defender. Viu como aprendi os ensinamentos de seu pai?
— Se tivesse aprendido, prestar-se-ia a praticá-los.
— Céus, Ophelia, você sempre foi tão maçante! — resmungou, aproximando-se mais da moça. — Sempre com um discurso chato e monótono! Sempre com uma filosofia barata e umas reflexões tolas! Oh, como me cansa!
— Se não irá retirar-se, então retiro a mim. Com licença, August.
Ophelia pretendia fugir o quanto antes da biblioteca, mas o gêmeo Blackall bloqueara seu caminho, evitando-a de prosseguir.
— Quando começou a odiar-me tanto, Ophelia?
Raivosa diante do atrevimento, a dama não poupou os desabafos:
— Quer saber mesmo? — desafiou ela. — Eu sei que você se casou com Cassandra porque ela já estava grávida antes do casamento; assim como sei que você, no dia do parto, não foi em busca da parteira. Seu objetivo fora frustrado, não é, August? Pretendia que mãe e criança morressem, naquele dia! Você foi baixo, August, ao não socorrer sua esposa e sua filha; você foi vil ao tentar cometer suas mortes prematuras! Eu o repudiei naquele momento.
— Não acredito em você — riu, maliciosamente. — Sabe o que eu acho, Ophelia? Acho que o seu problema é o ciúme, pois sempre fora apaixonada por mim. Eu via como você me olhava, romantizando algo que nunca teríamos. Era patético de vê-la esperançosa! Você era e ainda é muito bonita, devo admitir; porém, eu jamais me casaria com uma filha do reverendo.
— Já basta! Deixe-me passar.
— Antes, vou dar-lhe o que você sempre desejou.
Ao dizer isso, August segurou Ophelia pela cintura e tentou-lhe aplicar um beijo nos lábios. Horrorizada, a mulher esforçava-se para desvencilhar da força que o sujeito implicava sobre sua figura, remexendo-se para fugir daquele assédio. Apercebendo-se de que não conseguiria escapar, começou a gritar por socorro, antes que August concluísse seu plano. Ele, por sua vez, ria enquanto arriscava acertar o alvo; apertava com força o corpo de Ophelia sobre o seu, obrigando-a a participar de uma dança humilhante. Após tanto pedir socorro, Frederick, desesperado, surgiu à biblioteca e retirou August de sua esposa, violentamente. Ainda no frenesi da ira, o cavalheiro dera um murro na face de seu irmão, fazendo-o rodopiar e, enfim, cair no chão.
— Nunca mais encoste na minha esposa! — vociferou Frederick, protegendo Ophelia atrás de si. — Escutou-me, August?
Às gargalhadas, August descontrolava-se em sua repugnante situação. O alvoroço chamara a atenção do Sr. e da Sra. Blackall, que correram para ver o que acontecia. Atrás, Cassandra surgira para verificar qual a novidade deselegante de Southfield Park.
— Oh, céus! — gritou a Sra. Fanny, perplexa ao ver August com sangue nos lábios.
— O que se passa nesta residência? — revoltou-se o Sr. Richard, exausto de tantas emoções em um pequeno espaço de tempo.
— Não percebe, senhor? — reptou Cassandra, amargurada. — Seu filho, August, é o infortúnio e a desgraça deste lar.
Cassandra fitou o marido, enojada por sua figura. Saiu, sem receber as broncas do Sr. Blackall por conta da ousadia. A Sra. Fanny, ainda atormentada, controlava Cassy que não parava de latir. Irritado pelo barulho, o Sr. Richard gritou para a esposa e a cadela saírem do local, pois não suportava mais o animal, tampouco a mulher.
— Repito: o que está acontecendo aqui? — interrogou mais uma vez, após a partida de Fanny.
— August assediou minha esposa, senhor — rebelou-se Frederick, abraçando a alarmada Ophelia.
Nesse ínterim, August pôs-se desastrosamente em pé, limpando o sangue do corte causado pelo impacto do punho de seu gêmeo sobre seus lábios. Ainda divertindo-se com o caos que causara, caminhou em direção à saída — onde o Sr. Blackall encontrava-se. Pretendia partir sem nada dizer, mas o patriarca o impediu.
— Você fica — olhou-o com desaprovação. — Quanto a você, Frederick, leve sua esposa para recuperar-se do susto.
Assentindo, Frederick e Ophelia partiram, deixando o Sr. Richard e August a sós.
— O que pretende com todas essas cenas que obriga sua família a assistir? — indagou o raivoso senhor. — O que mais falta fazer, August? Está completamente bêbado, como um qualquer. Que vergonha!
— Já fez seu discurso, senhor? Posso retirar-me?
— Não, não pode! — Segurou-o pelo braço e o levou para sentar-se em uma poltrona. — Primeiro, trouxe aquela mulher até nossa casa, expondo-nos ao ridículo! Toda a região já sabe da amante extravagante que vem a bancar. Agora, agarra a esposa de seu irmão, como um libertino desalmado. Diga-me, até onde quer chegar com suas más condutas, August?
— Sou filho de um lobo — balbuciou, estupidamente. — Sou sua imagem e semelhança, meu senhor. Agora, posso ir para os meus aposentos?
— Antes, responda-me uma coisa que está a intrigar-me há tempos: é você o responsável pelos furtos de objetos valiosos de nossa residência?
Incomodado pelo interrogatório, August tentou esconder seu constrangimento através de uma postura arrogante e superficial.
— Deste crime, sou inocente, meu senhor.
Examinando-o, o Sr. Blackall desistiu de prosseguir com as broncas, pois sabia das condições vulneráveis que a bebida provocava em seu filho.
— Saia daqui, August — ordenou. — Fique em seu dormitório até melhorar seu estado lamentável.
— Seu desejo é uma ordem, meu amo senhor.
Ao fazer uma tola e debochada reverência, o sujeito partiu cambaleando, obrigando o Sr. Richard Blackall a jogar-se em uma poltrona e repensar sobre os últimos momentos que provocaram tamanho descontentamento em Southfield Park.
Quando os dias tornaram-se tão longos e perturbadores?