Seguimos as linhas por horas até pararmos em frente à uma casa de madeira do outro lado da cidade. Eu admito que não esperava ter que andar tanto...
-Acha que estão aí? - Nick pergunta desconfiado, sinto seu olhar sobre mim e respiro fundo.
-É o que as linhas dizem... - respiro fundo novamente. - Espero que ainda sejam meus irmãos.
Sem deixar que Nick peça uma explicação bato na porta marrom velha. Demora alguns segundos para um homem de cabelos grisalhos em uma cadeira de rodas abri-la com certa dificuldade.
-Pois não? - ele pergunta com um sorriso educado, mas não convidativo ou amigável.
-Eu estou procurando por dois garotos, e disseram que estariam por perto, você os viu? - pergunto tentando ao máximo não tremer.
Meu instinto dizia para apenas entrar e revirar a casa em busca deles, mas me controlei.
-Posso saber o nome de vocês? - o homem pergunta agora desconfiado.
-Eu sou Victoria e ele é o Nick - respondo com a garganta seca.
-Esperem um segundo - ele diz e fecha a porta.
Evito encarar Nick justamente por saber que ele me encarava com certa preocupação.
Respiro fundo cinco vezes e a porta volta a abrir.
Quase não creio no que estava diante de mim...
-Ben? - trinco o maxilar com força ao encarar o homem loiro que abrira a porta com um olhar duvidoso.
-Impossível - ele deixa a porta se abrir e por pouco não cai na corrida até mim. Antes mesmo dele me tocar eu chorava feito louca. Nos abraçamos, em poucos segundos ele soluçava comigo, sem conter as pernas me ajoelho levando-o comigo. - Você está tão crescida - ele chora saindo do abraço e segurando meu rosto entre as mãos para me avaliar.
-E você está tão velho - resmungo ainda chorando e ele ri entre soluços. - Henry? - pergunto e ele ri.
-Ele chega em vinte minutos, está no trabalho - ele funga e me ajuda a levantar. - Pela Lua, você cresceu mesmo, minha caçula já não é mais tão pequena - ele funga de novo e eu rio.
Lembro-me de Nick e o encaro, ele assistia a cena com um sorrisinho no rosto.
-Você é... - Ben pergunta me puxando para perto.
-Tudo bem, ele está comigo, Nicholas é filho de Jesebell Collins - digo sabendo que mamãe contou a história do alfa para ele. Ben relaxa e se aproxima de Nick oferecendo a mão em cumprimento o mesmo aceita com um sorriso simpático.
-Como está Ash? - Ben pergunta e Nick desvia o olhar.
-Thails está com ela - meu amigo responde. - Mas ao que tudo indica, ela está bem.
-Tiraremos ela de lá - digo me aproximando e Nick concorda.
-Vamos entrar? Marco quer conhecer vocês - Ben diz e pega minha mão nos guiando para dentro da casa.
Era pequena e bem feinha na verdade, tinha um sofá velho, uma TV grande de tubo, paredes de madeira mofada e uma cozinha improvisada.
Sentamos na mesa da cozinha, Nick ao meu lado, Ben na ponta e eu ao seu lado, ficando entre os dois.
-Quero saber de tudo, tudo mesmo - Ben começa rindo e eu respondo apenas com uma risada sem graça.
-Talvez outra hora, ham? - eu digo rindo e vejo Marco, o homem grisalho se aproximar.
-Então tu é a irmã perdida? - ele pergunta agora gentilmente. - Sabe, esses dois vivem falando de ti. Nos primeiros anos procuraram diversas formas de entrar em contato com um tal de Malvon, mas o sinal não é bom daqui, não é Ben? - ele encara meu irmão esperando a confirmação para saber se a informação estava correta, Ben assentiu sorrindo fraco, faço o mesmo e observo Marco andar de volta até a salinha e ligar a TV.
-Malvon entrou em contato conosco seis meses depois de tudo, pediu que escrevêssemos dois bilhetes e mandássemos para ele, Malvon disse que os entregaria para você, ele os entregou, não entregou? - Ben conta.
-Sim, mas só quando o forcei a voltar ao castelo, encontrei um dos bilhetes na minha cama e o outro encontrei no quarto de vocês - digo e Ben assente pensativo.
-Ainda não acredito que está aqui - ele pega minha mão e aperta carinhosamente.
-Vocês estão juntos desde o início? - pergunto me referindo ao homem que agora ria do programa na TV.
-Sim, papai designou Malvon para você, e designou Marco para nós. Sempre tivemos um plano de fuga, sempre soubemos que se algo acontecesse, viríamos para cá, e você seria treinada por Malvon em Makai, Henry nunca concordou. Papai e ele brigaram várias vezes por isso, mas nada poderia ser feito, nem a Lua tirava a ideia de nos separar, mamão também não apoiava, mas papai era cabeça-dura, você sabe - Ben ri e eu e Nick acompanhamos.
Conversamos por bastante tempo até a porta se abrir e eu me virar tão rápido que quase tonteei.
Lá estava meu segundo irmão, o ruivo, Henry. Ele parecia pelo menos dez anos mais velho que Ben, estava muito abatido, deixara o cabelo e a barba crescer, não estava esguio, mas não estava em forma, os olhos vítreos me encaravam incrédulos.
-Vic? - ele resmunga da porta ainda preso no lugar. Caminho devagar até ele.
-Você se parece tanto com o papai - eu digo voltando a chorar.
Henry me abraça ainda desengonçado e desacreditado, ele não chorava comigo mas me apertava mais que Ben.
Retiro oque disse, ele chorava sim, muito, até soluçava.
-Você está diferente, está mais velha, bonita... - ele chora ainda no abraço. - Como...?
-Malvon me deixou os bilhetes de vocês para que eu rastreasse - digo tirando os bilhetes do bolso. Com o tempo os papéis ficaram amassados e até rasgados, mas ainda aptos para rastrear.
-Menininha esperta - ele diz e me encara. - Senti tanto a sua falta...Ben é tão chato - Henry resmunga e Ben protesta da cozinha fazendo todos rirem.
-Eu e Henry com certeza vamos saber absolutamente tudo que passou durante esses quase cinco anos que esteve longe - Ben diz e joga uma mochila para Henry que a pega e coloca no ombro.
-Com exceções - digo rindo e eles cerram os olhos mais para Nick do que para mim. - Não, não, ei! Não! - me defendo ao perceber no que haviam pensado, assim os fazendo rir.
-Eu sou o Henry - o ruivo estende a mão para Nick que havia se aproximado, o moreno aperta a mão de Henry sorrindo.
-Nicholas - ele se apresenta.
-Espero vê-los novamente - Marco diz alto para todos nós.
-Mandaremos cartas e uma quantia boa para comprar uma casa decente, esse casebre não está apto para você - Ben diz e faz um cumprimento de mão com Marco, Henry apenas acenou com a cabeça e saímos da casa.
-Vic - Nick me chama. - Como vamos voltar mesmo? - ele pergunta e eu rio.
-Ametista me deu isso - mostro a esfera que servia para transitarmos entre Makai e Leghonar, mas apenas uma vez, para voltarmos. Nick suspira aliviado e volta a andar.
Henry passa o braço por cima do meu ombro andando ao meu lado, Ben andava ao lado de Henry e Nick ao meu.
-Passem se hesitar, o portal não dura muito - digo e jogo a esfera que quebra e mostra a bola de energia girando.
Meus irmãos passam correndo primeiro, e eu e Nick fizemos o mesmo logo em seguida.
Minha magia aflora na pele novamente.
De volta ao lar...
Estávamos na floresta Carmedash, agora na passagem livre direto para a clareira onde todos se reuniam.
Já estava noite e a aldeia parecia festiva, muito mais que no dia anterior.
Ametista corre até mim quando me vê.
-Achei que não voltaria hoje, mas que bom que voltou! - ela exclama me abraçando. Então ela nota meus irmãos. - Majestades - diz fazendo uma reverência quase perfeita.
Ambos homens sorriam desajeitados.
-Ainda não somos reis - Ben avisa sem jeito.
-E eu não quero ser - Henry gargalha.
Depois de apresentar todos que nos ajudaram e mostrar a cabana deles, finalmente eu e Nick fomos para a cabana onde ficamos na noite anterior.
-Hoje é o aniversário de Camélia, vão comemorar na janta, nós vamos não é? - Nick pergunta.
-Claro - digo. - Vou para o banho e vestirei algo mais confortável, se quiser pode esperar e fazer o mesmo, ou nos encontramos lá...
-Vou esperar, sem pressa - ele diz e se joga na cama pegando um livro na cabeceira.
Caminho até o banheiro improvisado e fecho a cortina usando magia para encher a banheira, me dispo e entro na mesma sem lavar os cabelos dessa vez. Desfiz o rabo de cavalo e apenas me permiti agradecer à Lua por ter meus irmãos de volta.
Saio da banheira colocando um vestido de alcinhas que ia de um rosa até o branco em degradê e tinha umas pétalas que o decoravam na parte de baixo. Fiz um coque bagunçado deixando um cacho raro mais definidos solto no rosto, eu sabia que o colocaria atrás da orelha, mas achei bonitinho, não coloquei sapatos e assim saí do "banheiro" chamando a atenção de Nick.
-Você fica bem de rosa, e por que eu acho que já disse isso? - ele pergunta para si mesmo e eu rio.
-Porque você já disse, ontem - digo rindo enquanto revirava os olhos. - Vai logo para o banho antes que eu vá sem você - aviso e ele pega as roupas e corre para o banheiro.
Pego o livro que ele estava e começo a ler a sinopse. Alguns minutos depois Nick aparece vestindo uma calça bege de algodão e uma camisa larga de chiffon, também sem sapatos.
-Vamos? - ele pergunta me oferecendo a mão para levantar da cama.
-Aham - resmungo largando o livro, levantando com sua ajuda e passando a mão no cabelo para ter certeza que tudo estava no lugar.
Saímos da tenda e andamos sem pressa até a clareira onde meus irmãos já estavam enturmados conversando animadamente com alguns soldados elfos.
-Olá - eu e Nick dizemos juntos ao nos aproximarmos.
Henry me abraça de lado depois de resmungar um "Oi" para nós. Ben manda-nos um sorriso caloroso e volta a conversar com Ravi que me mandou apenas um aceno feliz.
-Vic! - ouço meu nome ser chamado aos berros. Levo apenas alguns segundos para me virar e ver Treesa correndo desengonçadamente com Camélia no colo desacordada. Assimilo o que estava acontecendo mais rápido que Nick e meus irmãos, mas Ravi já estava correndo até a esposa e a filha, os três caindo e os pais ficando ao redor da menina ensanguentada.
-Protejam as fronteiras, ninguém entra!! - berro e os soldados começam a correr para seus postos.
-Não perca tempo, Victoria - ouço uma voz conhecida e encaro Abbadon/Tony atrás de mim.
-O que quer? - pergunto me aproximando lentamente de Camélia e os pais que choravam juntos enquanto prestavam atenção na guarda de Thails que se posicionava ao redor da clareira forçando todos ficarem no meio. Meus olhos param quando encontram Kai e Ametista juntos com outro casal que chorava baixinho no corpo já sem vida de uma garotinha branca, Alba.
-O que acha? - ele bufa sarcasticamente em minha direção.
Eu.
-Vou salvar Camélia, depois vou com você. Mas se tocar em mais alguém...- ele me interrompe com um gesto de mão.
-Não encostarei em ninguém - ele diz. - Já meus soldados... - quando ele para de falar pude ouvir um golpe de espada e os gritos de uma mulher. Encaro a cabeça de um garotinho que rolara até os pés de Abbadon. - A cada dez minutos outra criança morre, seja rápida - ele avisa e caminha até a entrada da floresta e me espera de costas.
Não olho novamente para o par de olhos azuis apavorados da cabeça e corro até Camélia. Me ajoelho e recito feitiços de cura vendo minha magia fluir até a barriga da menina, em poucos segundos a respiração dela normaliza. Levo mais alguns segundos fingindo estar fazendo alguma coisa e falo com Nick pela conexão que criei quando acordei em Venâncio.
Não venham atrás de mim, cuide dos meus irmãos. Ash estará de volta com Malvon assim que possível
Em segundos, ele quase berra em minha mente:
Victória, por favor!
Sem responder me levanto e ao passar por ele toco seu ombro tentando confortá-lo, ele apenas me encara em súplica. Mando um olhar carinhoso e culpado aos meus irmãos que demonstravam a mesma expressão assustada e confusa e caminho em passos largos até Abbadon.
Victória! - Nick grita em minha mente mas não me viro, continuo em passos largos.
Paro perto de um soldado de Thails e em dois segundos tomo sua espada, em outros dois corto sua cabeça, faço o mesmo com outros três com outros oito segundos. Me detenho em frente à Abbadon fincando a lâmina negra no chão.
-A cada dois mortos meus, quatro mortos seus - aviso e deixo a cabeça tombar delicadamente para o lado em desafio.
-Injusto, mas não vou revidar - ele diz enojado. - Hoje. Vamos - Abbadon abre um portal vermelho e toma meu pulso me arrastando para dentro com ele.
Logo vejo o piso negro e as paredes de vidro vermelho.
-Eu quero ela na masmorra. Não pretendo deixar passar em branco os 102 homens que matou da última vez que esteve aqui - ouço a voz familiar de Thails. Abbadon solta meu pulso mas outros dois soldados agarraram meus braços e me forçaram a andar, antes que eu me afastasse demais digo em um tom alto o suficiente para que ele ouvisse:
-Tenho uma proposta para você - o homem que usava uma coroa escura com pontas afiadas me encara curioso, ele faz um gesto e os soldados colocam grilhões enfeitiçados em meus pulsos e se afastam indo até seus posto.
Ergo a cabeça e começo:
-Então...