A Última Cor de Venus

By rainejune

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Solitário e apegado aos seus vícios diários; a bebida, o cigarro e suas telas; Elliot Connell, contempla a es... More

|notas da autora, importante ler|
|Introdução|
|dedicatória|
|epígrafe|
01|um recomeço
03|noite do comandante
04|o que você desejou?
|bônus|
AGRADECIMENTOS

02|as estrelas estão te esperando

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By rainejune

02|AS ESTRELAS ESTÃO TE ESPERANDO

"Espero que haja uma loja de bebidas em Marte com cigarros baratos,
você pode acender com as estrelas
Porque é o quão longe eu vou ter que ir para esquecer de você."
|Kelsy Karter, Liquor Store on Mars|

FALTAVAM 6 SEMANAS

Eu estive sonhando com tudo que nós tínhamos e não temos mais.

E naquela noite, você esteve em todos eles, os meus sonhos mais profundos. Não pude deixar de abandonar a imagem do seu rosto nem se eu desejasse. Meu corpo queimava como muitas faíscas se alastrando em uma floresta, você podia ser como elas. 

Não sabia o estrago que provocaria até que tudo pegasse fogo. 

Você ardia como Venus, igual ao planeta – que propositalmente, foi o nome escolhido por sua mãe no dia do seu nascimento.

E passou a ser o meu preferido depois de você, claro

Ele ecoava em meus lábios, eu procurava por seu rosto em todos os cantos e eu o encontrava, sorrindo e chamando por meu nome ao seu encontro. 

Eu deveria saber que sempre seria assim. 

E quando acordei na manhã seguinte, cheguei a me perguntar se bebi tanto à ponto de imaginar coisas, tudo estava uma bagunça; a cama, o quarto, meus pensamentos...

A noite anterior era real?

Minha cabeça doía pra cacete pela ressaca e meus olhos pesavam tanto que era difícil mantê-los abertos. A blusa estava colada ao corpo, junto aos fios que encharcaram o tecido do travesseiro.  

Mas você era real, Lawrence. 

Porque as lembranças da noite anterior foram surgindo brutalmente.

A ponte, a lanchonete, a aposta...

E então, me lembrei do objeto minimalista que estava em meu casaco, pendurado perto da porta de entrada. 

Era uma pulseira prateada.

E quando a levantei até os olhos, estavam pendurados três passarinhos que balançavam de um lado para o outro enquanto eu os inspecionava cuidadosamente

Eles passaram a ter um significado diferente depois que te conheci, me fazem lembrar de você, da sua essência; a liberdade, ir para longe quando bem desejar.

Não pude deixar de sorrir.

Me lembro de ter a apertado em minha mão e prometido voltar no mesmo lugar naquele dia – ou em muitos outros se necessário. 

Mas ao invés disso, o telefone tocou. 

Era você. 

Sua voz, o som da sua risada. 

Você disse que decorou o número que estava entre as folhas do meu caderno quando perguntei como havia conseguido, e eu pude lembrar de tê-lo escrito caso algum dia fosse perder. No entanto, se a pessoa que o achasse tivesse um bom coração, poderia me ligar e devolvê-lo. 

Mas tudo que você pediu foi meu endereço e avisou, reafirmando antes de desligar e me deixar boquiaberto com tal fatalidade: 

"Nós temos um compromisso, Connell. Acho que você deve saber, eu não brinco em serviço. Pegue um casaco e coloque uma troca de roupa em uma mochila. Estou aí em quinze minutos." 

Devo admitir que senti uma insegurança repentina quando perguntei aonde iríamos e você não deu uma resposta de imediato. 

Mas mesmo assim, eu esperei. 

E olhando para fora da janela, observei a grama verde do parquinho vazio, às folhas esmaecidas sobre o chão, o relógio pendurado na parede e o seu tic-tac constante. 

Até que você apareceu na frente do prédio de tijolos rosados e buzinou diversas vezes, tantas que tive certeza que o som ecoou à duas quadras dali e estavam deixando os vizinhos enfurecidos.

E quando desci o último degrau da escada, tive que parar para tomar um fôlego antes de empurrar a porta e sentir o vento tardino chicotear minha pele.

Ergui a cabeça e avistei seus olhos presos em mim, pude jurar que senti a pele queimar debaixo do suéter. Um tolo.

O mesmo cachecol colorido estava enrolado em seu pescoço, mas dessa vez, uma boina estava sobre sua cabeça, o corpo levemente apoiado em seu conversível ambulante e as mãos no bolso do casaco amarronzado.

Meus olhos se voltaram para a máquina azul pela segunda vez e tudo que eu via era você. Personalidade. Era a sua cara, Lawrence. Aliás, tudo que você tinha era assim, único. Nos detalhes. Na sua cor favorita. No modo em que gostava de luzes cintilantes por todo o apartamento e fazer parecer Natal antes mesmo de ser.

Tudo sempre teve um toque seu. 

E talvez, esse seja um dos motivos que eu nunca – nem se eu desejasse – poderia te esquecer.

Também não deixei de reparar no quanto seus fios estavam brilhantes sob os raios solares que ultrapassará a névoa que cobria o céu, deslumbrantes. E no sorriso que se curvava em sua face bonita à cada passo que eu dava, até chegar perto. 

— Espero que não se importe com altas velocidades.— você avisou, agarrando a chave presa no cós da sua calça e a suspendendo na altura dos olhos.— É melhor a gente ir, temos muita estrada pela frente.— declarou, me deixando anestesiado.

Mas antes que você deslizasse para o banco, meus dedos envolveram seu pulso em um aperto suave, a mantendo de frente para mim.

Suas íris percorreram cada centímetro do meu rosto até uma frase completa deixar minha boca, depois de minutos que pareciam horas. 

— Se esqueceu disso.— eu disse e em um breve segundo, retirei a pulseira do bolso e a prendi de volta em seu braço.— Fica melhor em você de qualquer jeito.— brinquei.

Um sorriso tomou seus lábios e imediatamente, eu sorri também, um sorriso que atingiu os olhos.  

Aquela era uma boa oportunidade para fugir, Lawrence. Fugir pra longe de você. Simples e fácil.

Inventar qualquer desculpa, me enfiar no apartamento ou ateliê por semanas consecutivas e ser o que sempre fui, viver a vida que eu estava acostumado.

Porque eu sabia que tudo mudaria assim que me trancasse com você em seu carro, sem volta. 

Eu estava sendo covarde, mas quando se tratava de tudo que eu podia sentir quando estava com você, eu me sentia… assustado

E naquele momento, me senti paralisado com a ideia maluca de deixar tudo para trás. 

Então, foi quando percebi que tinha medo de tudo que podia ser intenso demais. Afinal, tudo ingerido em altas doses podia  ser fatal. O cigarro que me matava a cada dia, a bebida que fodia com meus rins, me consumindo lentamente até não sobrar mais nada e bem, o que eu sentia por você.

— Você não vem?— você questionou enquanto eu ainda estava parado na calçada, desviando o olhar entre o prédio atrás de mim e o carro à minha frente. 

Nós sempre fomos muito diferentes e sabíamos disso, mas apesar de tudo, você sempre brincou que podíamos ser o combustível um do outro.  

E pensar demais, foi o suficiente para que suas palavras me atingissem com voracidade. 

— Se prefere sentar naquela ponte e imaginar coisas pra sua vida em vez de fazê-las — um riso de desaprovação deixou seus lábios. —, tudo bem, Connell. Vai lá! As estrelas estão te esperando.

Essas palavras nunca me deixaram, Lawrence, elas me marcaram, porque era verdade. 

Você estava certa, você me convenceu. 

Mesmo com o jeito mandão, a inflexibilidade e língua afiada, eu me encantava com cada particularidade sua. Desde o costume de curvar os lábios em um biquinho quando estava concentrada, às vezes em que tinha um livro do Nicholas Sparks em mão e uma taça de château duvalier na outra. 

E eu deixei me levar, sem saber que um precipício estava nos esperando à poucos metros de distância para nos fazer cair.

Bordeaux, eu iria com você, uma cidadezinha à duzentos quilômetros de La Ville Rose. 

Seria uma ótima oportunidade para te desvendar, isso me fez relaxar.

Então, questionei o que você fazia. 

Você começou a falar sobre não ter um trabalho fixo e que aquilo não era para você. O que a sociedade em que estávamos vivendo propunha, não era para você. Viver a vida como eles viviam, simplesmente não era seu estilo. 

Então, a primeira mentira.

Não fazia sentido naquela época, você vivia como um pássaro batendo as asas em busca de liberdade, mas estava prestes a deixá-los te prender em uma gaiola e ter uma vida pacata pra caralho igual à mim. 

Mas eu entendo isso agora, ange. Tudo. 

E tá tudo bem, eu não te culpo e não deixei de sentir amor, porque eu ainda sinto. Muito

Eu a observava falar e não queria que deixasse de expor suas idéias... Uau, eu estava fascinado.

Mas antes de tudo, eu não queria saber o que você fazia para pagar as contas. 

Então, reformulei a pergunta inicial.

Eu também queria saber o que te enlouquecia a noite e te deixava com insônia, Lawrence.

Você sorriu.

E tudo que disse foi para que eu aproveitasse bem o dia. 

Aquilo era um sinal de que você já havia exposto demais seus pensamentos, mesmo que eu quisesse saber cada um deles.

E eu aproveitei, Vee. 

Quando nós paramos à beira da estrada de Provence e eu te via se embrenhar entre os contrastes do roxo das lavandas, e o amarelo dos girassóis como uma criança feliz, radiante, nadar em cascatas de águas com uma cor cristalina inconfundível e cavalgar em sua égua Meia-noite com pelos tão negros como a escuridão dos dias na Suíça. 

E eu não conseguia enxergar o quanto a vida era bonita até olhar no fundo dos seus olhos. 

Tive a conclusão disso naquele final de noite nos cânions, sentado sobre a grama enquanto uma música vibe anos setenta tocava ao rádio e você a acompanhava com seu péssimo vocal, se movendo conforme o ritmo da melodia. 

E dançou a luz do luar. 

Um sorriso estonteante estava esparramado em meus lábios e eu nunca o fiz tanto como quando estava ao seu lado. 

Ou quando você se aproximou da beirada do precipício e gritou lembranças para que o vento as levasse. 

Eu te achava maluca, Lawrence. 

Me lembro de ter levantado em um pulo, quis afastá-la dali e dizer para que nunca mais fizesse isso e eu tremi com o medo de te perder, céus

Mas você afirmou que era terapêutico e eu deveria tentar:

— Vai lá, Connell. Você nunca vai saber a sensação se não tentar.— você propôs, com um belo sorriso nos lábios, convincente e completou.— Deixe o que estiver amargurando a alma partir.

Eu queria saber o que estava amargurando sua alma, Lawrence, mas preferi não fazer perguntas naquele instante.  

Então, respirei fundo, tentei não olhar para baixo e esquecer o medo de alturas que me perseguia desde pequeno e o fiz.

Mesmo hoje em dia querendo retroceder o tempo até aquele dia e dizer aquela frase composta por três palavras de sete letras para que todos pudessem saber. 

No final da noite, me recordo que deitamos na grama, os olhos no céu; e a sua terceira garrafa de cerveja já estava vazia, eu já estava na segunda e com um outro maço de cigarro entre os lábios. 

Assistir as estrelas com você nunca pareceu tão certo quando o resto sempre foi tão errado, Lawrence.

— Me diz, Connell.— você perguntou quebrando o silêncio e desviando as íris oceânicas para as minhas.— Qual é desse Grande Propósito?

Pensei por um minuto, dois, me deixando petrificar por seus pares reluzentes que me faziam questionar se a gravidade realmente existia, porque eu flutuava toda vez que olhava para dentro deles. Um espetáculo. 

— Eu não sei, ainda não o encontrei.— disse por fim.

Nossos rostos estavam tão próximos que pude sentir nossas respirações se fundirem uma com a outra, poucos centímetros e então, eu descobriria o sabor do seus lábios. 

— Tenho certeza que irá encontrá-lo. Estou torcendo por isso.— um sussurro involuntário deixou sua boca e seus olhos desviaram de volta para cima. 

E pelo resto do percurso, senti que estivéssemos voando quando alcançamos o precipício.

E eu me enganei, porque nós sempre estivemos propensos a cair. 

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