A Última Cor de Venus

By rainejune

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Solitário e apegado aos seus vícios diários; a bebida, o cigarro e suas telas; Elliot Connell, contempla a es... More

|notas da autora, importante ler|
|Introdução|
|dedicatória|
|epígrafe|
02|as estrelas estão te esperando
03|noite do comandante
04|o que você desejou?
|bônus|
AGRADECIMENTOS

01|um recomeço

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By rainejune

01|UM RECOMEÇO

              “Há uma grande incógnita de você para mim
E quando sua oração é inédita
e você não acredita
Então coloque sua fé no diabo
e no profundo mar azul
Coloque sua confiança na luz que você não pode ver.”
|Banners, Where the Shadow Ends|

FALTAVAM 8 SEMANAS

Ah, Venus Lawrence, meu amor.

Eu só tinha um desejo em todo os meus vinte e sete anos de idade. 

Até você aparecer e mudar drasticamente isso.

E então, eu queria ter milhares deles, todos com você. Todos eles para construir uma vida, uma vida melhor, com você ao meu lado. 

Você apareceu e me fez enxergar que eu estava completamente errado sobre muitas coisas.

Uma delas, foi subestimar o sentimento que crescia por você.

E se eu ousasse em dizer que me arrependo de tudo que tivemos, eu estaria sendo um maldito mentiroso.

Eu não me arrependo, nem se eu quisesse. 

Também não te odeio pelas decisões que somente você tomou.

Só odeio toda dor que você me fez passar.

Costumo pensar em como a vida é injusta com as pessoas apaixonadas. 

Mas aprendi com você, que amar é um ato de coragem e uma virtude que poucos sabem aproveitar e se entregar, corpo e alma. 

Quando a gente se conheceu, eu pensei estar perdido, vagando por aquelas ruas de ladrilho, feito um morto vivo. Oco por dentro, sem perspectiva e sem fundo, só existia vazio.

Você chegou feito uma brisa suave, não pediu licença ao entrar e passeou a minha volta.

Eu me deixei levar em cada momento. Cada minuto. Cada segundo.

E eu contemplei todos eles.

Mas você foi girando a minha volta, tomando intensidades preocupantes e alarmantes. Os meteorologistas iam estudar a categoria, logo, diriam para que todos evacuassem a ilha de imediato e – provavelmente – iriam calcular a probabilidade que a destruição causaria.

Eu era a ilha.

E você, o furacão

Eu te disse a verdade quando conversamos pelo primeira vez, naquela ponte e comentei nunca ter amado alguém tão intensamentecomo você me disse ter amado algum dia

Mas, ia muito além de amar alguém.

Você amava todas as oportunidades para viver que batiam em sua porta.

Você ia e fazia, sem medo.

Sem se preocupar com o que viria no dia seguinte.

Para mim, era assustadoramente fascinante, Lawrence. 

Portanto, a verdade era que todos os relacionamentos que eu tive foram rasos e por vezes um desastre, eu me expliquei.

Tive que convencê-la da verdade e você aceitou, mas não reagiu de maneira diferente quando perguntei sobre os seus sentimentos sobre amar alguém. 

 — Eu não consigo ser pacífica.— você respondeu e tomou um gole da minha cerveja direto do gargalo.— Acho que eu não consigo ser pacífica em nada.

Um sorriso se curvou no canto dos seus lábios carnudos e suas íris encontraram às minhas, completando:

— Eu sou intensa em tudo que eu vivo.

Você estava certa sobre isso, eu via intensidade em tudo, Lawrence.

Desde aquela noite no mês de agosto quando nos conhecemos. O inesquecível dia em que você entrou na minha vida e fez dela um completo desastre.

E eu tentei afastar todos os sentimentos que estavam se aflorando em meu peito, porque desde a sua chegada quando meus olhos cravaram em você, eu vi cores, ange.

O verão estava se retirando para dar às boas vindas ao outono e a temperatura estava abaixo dos nove graus. Portanto, ainda não era o dia mais frio de Toulouse, a cidade no sul da França conhecida por "Cidade Rosa", tendo esse significado pelos diversos tijolos rosados constituídos pela maioria das construções antigas. 

Eu estava perto do centro. 

Le pont de la vie.

Onde todos pensavam que as águas fluíam para um novo recomeço. 

E no dia do meu aniversário de quatorze anos quando minha mãe e eu estávamos a atravessando, ela prendeu uma pulseira prateada em meu pulso e disse para que eu fizesse um pedido. Eu fechei os olhos, apoiei as mãos sobre o parapeito e o mentalizei. 

Ela afirmou, no dia em que o desejo se concretizasse, a pulseira iria se romper. 

E eu desejei mais do que qualquer coisa no mundo, Lawrence. 

Eu acreditava nisso.

Naquela noite, na noite em que nos conhecemos, eu estava sentado sobre o parapeito de ferrugem dourada, observando as luzes da cidade e os pontos brilhantes na imensidão do azul marinho do céu. 

Eu nunca soube o que eles podiam me fazer sentir, mas aquilo pareceu insignificante quando você chegou e despertou todas as outras sensações.

Insignificante, até o sino de uma boate próximo à ponte soar e uma conversa alta atrair minha atenção. 

E então, o vento soprou em meu rosto dissipando a fumaça do cigarro para longe e você deu o primeiro passo para fora.

Você apareceu e como um imã, meus olhos contemplaram cada detalhe seu.

O conceito de luxúria em pessoa. 

Afinal, me perguntei o que uma mulher como você estava fazendo naquele lugar, aquela boate não fazia parte dos seus programas casuais de finais de semana, simplesmente não era seu tipo.

Você era pura sofisticação, Lawrence.

Os fios acerejais caíam abaixo dos seus ombros, as sobrancelhas estavam arqueadas – um dos gestos que você costumava fazer e nem sequer se dava conta, mas me surpreendi quando me vi apegado a isso –, também observei suas mãos abraçando o sobretudo ao corpo e o cachecol colorido que você afrouxava de cinco em cinco minutos.

Eu pisquei uma, duas, três até encarar a paisagem à minha frente e descer os olhos para o desenho incompleto que eu estava tentando finalizar há duas semanas atrás. 

Antes que eu pudesse erguer o olhar novamente, uma mulher retrucava algo com você – impossível de se ouvir de onde eu estava.

E puta merda.

Você era insistente no que queria e só a deixou em paz quando à mesma alterou, fazendo o eco de sua voz tomar às ruas vazias, concluindo:

"NÃO ESTAMOS CONTRATANDO."

E confesso estar impossível imaginá-la atrás de um avental, servindo cervejas para caras com o percentual de lucidez acima do recomendado. Cacete, não importasse o que você estivesse vestindo, sempre superaria todos os limites de beleza aos meus olhos. Essa não era a questão. Você podia mais que aquilo tudo. 

E sabia disso. 

De repente você se virou, permitindo que meus olhos vislumbrassem os seus em um intenso brilho azulado.

Os braços cruzados sobre o peito e a cara emburrada… Essa eu me lembro bem, você costumava fazer quando não conseguia o que queria, estava zangada ou insatisfeita com algo.

Também não pude deixar de reparar nas diversas sardas espalhadas por sua face enquanto você caminhava, chegando cada vez mais perto. 

Eu poderia me perder nelas como me perdia contando estrelas no céu na infância. 

Magnífica, você era magnífica.

Essa palavra poderia te descrever por inteiro, perfeitamente como nenhuma outra.

Me lembro da sensação de puxar a nicotina com mais força para os pulmões. 

Às pessoas que caminhavam por ali estavam tão bêbadas e até sóbrias demais pensando em seus problemas que nem sequer notaram um cara maluco em uma profunda solidão, sentado sobre le pont, com um caderno ao lado e uma garrafa de cerveja.

Mas você era exceção, Lawrence. 

Você sempre foi exceção.

Meus dedos forçaram segurar a garrafa com firmeza quando desprendi os olhos dos seus.

Entretanto, em alguns minutos, o som do salto alto de suas botas se chocando contra o chão de pedras preencheu o silêncio do lugar, chegando cada vez mais perto, até que você parou à alguns metros de distância. 

Tenho certeza que meu sangue parou de circular, e minha respiração se cessou por segundos quando levantei os olhos e suas grandes orbes me encaravam, perplexas?

Elas pareciam mais ofuscantes e tudo que eu via era:

Azul, diferentes tons, brilhando em um só.

E percebi certo nervosismo – mesmo não o transparecendo em seu rosto – por trás das palavras que saíram da sua boca carnuda e de tom rosado.

— Dia merda?— você perguntou, depois de angustiantes segundos e afrouxou o cachecol novamente.

E, minha nossa. 

Meu corpo foi preenchido por ondas de eletricidade que eu nem sabia de onde tinham surgido enquanto o som da sua voz emanava em meus ouvidos, me fazendo querer fechar os olhos e apreciar cada sílaba que deixasse sua boca.

Você se aproximou, um passo. 

Não pude deixar de sentir o frescor do seu perfume agridoce, que invadiu minhas narinas e eu me controlei para não expira-lo com todo ar que ainda me restava.

E eu podia apostar que o conhecia de outras vidas, entretanto, se estivesse errado, eu jamais o esqueceria desde então.

Sim, era um dia merda. 

Me lembro de sorrir e tragar o cigarro, devolvendo a pergunta. 

Você maneou a cabeça para o lado, torceu os lábios.

Ah, Lawrence, ao invés de mim, você escolheu não contar os seus reais motivos. 

Mas, se sentou ao meu lado e pediu um cigarro. 

Não deixei de reparar nos seus olhos avermelhados e um pouco inchados, você havia chorado naquela tarde. 

Eu não neguei, no entanto, me atrapalhei enquanto tateava os bolsos da calça a procura da caixa.

Não deixei escapar um sorriso quando você pegou o maço e o girou entre os dedos, o isqueiro aceso em sua mão livre.

Você nunca havia colocado um na boca.

E eu tentei te convencer de não fazer, você retrucou; dizendo que eu também não deveria e mesmo assim o fazia. Mas cedeu, logo afastando o cabelo do rosto e o colocando atrás de sua orelha esquerda.

Um singelo sorriso se esticou em seu lábios.

Retrato da felicidade, eu pensava toda vez que você o fazia.

E puta merda, ange, ficar perto de você era como se eu perdesse todos os sinais que o cérebro tentava mandar para o meu corpo. Um adolescente de colegial. Patético. Um tolo.

Me lembro de questionar o por quê você queria o emprego; em um misto de curiosidade e confusão.

Eu queria saber mais sobre você, Lawrence.

No entanto, você sempre dificultava as coisas.

Mas dizia o suficiente para que eu me sentisse especial naquela noite – e em muitas outras. Um homem de ouro por ter alguém como você, por ter me escolhido quando podia ter qualquer pessoa que quisesse em seus pés, nas suas mãos, na sua vida...

Mas você me escolheu.

E àquela altura, você sugeriu para que deixássemos o parapeito. Eu aceitei. Nós caminhamos lado a lado, até  sentarmos em uma lanchonete qualquer no centro, numa mesa do lado de fora, observando as ruas movimentadas e caóticas que pertenciam as noites da cidade pacata pra caralho durante o dia.

Você levantou os ombros e olhou para algo fixo em sua frente, antes de finalmente responder e desviar suas íris para as minhas, que vagavam por todos os seus traços.

— Eu estava buscando pelo novo.

Fiquei ainda mais confuso e questionei o que era esse "novo" do qual estava procurando.

Um sorriso brincou no canto de seus lábios, desafiador e me surpreendi com a resposta.

— Novas experiências, mas acabei encontrando algo bem melhor. 

Você estava flertando, Lawrence. 

Eu era péssimo com isso, então, mordi o lábio inferior com força e sorri antes de balançar a cabeça, sentindo um mormaço tomar conta do meu rosto e pescoço.

Seus lábios se curvaram em um sorriso travesso e você arremessou a tampa da garrafa d'água em meu braço.

Mas ao inverso de mim, você era ótima, principalmente quando estava escondendo algo. 

E naquele instante, um ponto de interrogação se formou no centro da minha testa, eu sabia ser cético quando era conveniente, mas eu deveria saber que seria intenso – como nenhum outro – e o mais belo desastre de toda a minha existência. 

E mais uma vez, eu havia te subestimado quando pensei que não, não seria.

Seus olhos passearam por cima da mesa e pararam no caderno de capa preta. 

— O que você faz?— foi sua vez de perguntar e desviar o olhar de volta para mim.

Eu era um pintor.

Você indagou o que eu costumava pintar, os olhos estavam atentos e você inclinou o corpo alguns centímetros mais perto.

Pessoas?

Ah, não, não.

Eu não pintava pessoas.

O caos, eu respondi, te fazendo franzir as sobrancelhas e voltar a questionar.

Eu pintava a vida como ela era.

Um absoluto caos nos olhares perdidos daqueles que respiravam vida. 

Se lembra, quando eu afirmei estar frustrado com a minha vida profissional?

Ao longo da minha carreira, eu só havia vendido três quadros em um leilão ao sudoeste da cidade. Foi ótimo, claro. Mas, eu não me importava com todo o reconhecimento. Eu só queria pintar. 

E há dois meses atrás, eu havia descoberto uma lesão na mão direita causada por movimentos repetitivos, Lawrence.

E quando eu não pude ter isso, foi como tirar um peixe para fora d'água e ordenasse que ele vivesse sem seu oxigênio.

Impossível.

Você era tão otimista quando dizia que tudo ficaria bem e eu só desejaria ter 1% disso.

Apesar da recomendação médica de fisioterapia, analgésicos e não forçar o nervo, eu passava noites em claro no ateliê com uma tela branca na minha frente e um pincel entre os dedos – que ardia em dor em poucos minutos. 

No dia seguinte, o quadro sempre estava estraçalhado no meio da sala. 

Cheguei a me perguntar se havia um Grande Propósito para tudo que estava acontecendo.

E se existisse, eu estava proposto a encontrá-lo.

E mais uma vez, você apareceu e fez com que eu enxergasse que estava errado quando parei e pensei que não, não tinha.

Eu só não estava preparado para ele.

Antes que eu pudesse descobrir mais sobre você, seus dedos desceram para o caderno e suas íris me encararam, brilhando em expectativa. 

Acenei em concordância quando você perguntou se podia ver. 

Você virou cada folha com calma e suas íris exploravam todos os detalhes.

É verdade, os desenhos eram incríveis, como você disse. 

Mas quanto mais as páginas avançavam para o final, suas sobrancelhas se arquearam em um misto de confusão e você perguntou porquê os desenhos estavam ficando sem cor, se tornando escuros e sem vida.

Até que eu revelei o inesperado:

Daltônico, eu te disse que tinha daltonismo.

Mas aquilo não era o motivo dos desenhos mudarem drasticamente, céus, não era. 

Você sabia que não.

Seus olhos encontraram os meus, preenchidos em indignação, seus lábios se abriram um pouco e você piscou, uma, duas até completar: 

— Não deveria se submeter ao fracasso, Connell.— você declarou, quase que de imediato. 

Estreitando os olhos em reprovação, você afastou o caderno de volta para mim e cruzou os braços sobre o peito.  

Mas além de tudo, você estava curiosa e então, questionou o tipo, instigada

Era protanopia.

Você relaxou a postura de durona e um singelo sorriso surgiu no canto do seus lábios. E quando as palavras deixaram sua boca mais uma vez naquele fim de noite, você me surpreendeu pela milésima vez.

Franzi as sobrancelhas quando você sugeriu uma aposta. Era uma aposta perigosa, Lawrence. E você sabia disso, mas não se importou com as consequências.

— Vou fazer você ter as melhores experiências da sua vida, Connell — você declarou, convicta de si.—, como ninguém o fez antes, nem você mesmo.

Eu quis sorrir diante sua afirmativa e boa lábia.

— Não parece certo fazer apostas com pessoas em um estado debilitado como o meu, ange.— eu argumentei, retraído.

Mas você não se importava com o certo ou o errado, Lawrence.

Então, você deu de ombros e esticou sua mão, eu quase recuei, mas voltei atrás e a apertei. 

Você cobraria se ganhasse.

Eu cobraria se você perdesse.

E com os braços sobre a mesa, você se impulsionou para frente, o rosto centímetros do meu. 

E eu pude ver um universo inteiro dentro deles. Em um absoluto clarão. Vibrante. Brilhando mais do que mil constelações juntas.

E então, você só propôs me levar para casa, seus olhos não exibiam luxúria ou nenhuma má intenção, eles eram doces e... preocupados.

Eu recusei a carona.

Tinha muita coisa para pensar no caminho de volta e você não ajudaria muito.

Apesar de que; você era distração para todas as minhas preocupações.

Pra dor.

A angústia.

A solidão.

Você concedeu meu desejo

Mas antes de se afastar, se curvou ao meu lado e deslizou um acessório cintilante para dentro do bolso do meu casaco.

Eu estava prestes a abrir a boca quando você olhou por cima do ombro, um sorriso se esparramou em seus lábios e tudo que você disse foi:

— Não se preocupe. Eu pego de volta quando nos encontrarmos uma outra vez.

E foi embora com a certeza de que nos veríamos novamente.

E eu acreditei nisso também.

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