ARABELLA BLANCHARD
Encaro por poucos segundos a garota a minha frente e faço o que toda pessoa racional e bem madura faria. Passo reto por ela, ignorando a sua presença.
– Sério, Arabella?
Eleanor fala com um tom de tristeza e eu respiro fundo, juntando todo o meu pouco autocontrole, viro meu corpo e fico de frente para a morena linda e bem esculpida a minha frente. Ela se parece mais velha do que a alguns meses, está vestida com um casaco longo e azul, calça escura e uma bota preta com salto. Claro que ela está elegante e linda, ela não tem motivos para estar um fiasco, só você!
– Na verdade quem deveria estar indignada aqui, seria eu.
Minha voz soa menos ríspida do que eu gostaria. Eleanor foi a primeira pessoa em que me fez sentir em casa desde quando cheguei de Paris, ela me acolheu e disse que me faria sentir como uma verdadeira americana, que seriamos amigas sempre. Grande merda.
Vejo-a suspirar enquanto se senta no sofá e coloca sua cabeça entre as suas mãos, vejo seus cachos se bagunçarem levemente e fico apenas a encarando, tentando não deixar meu coração se fundar com a dor que é vê-la, de saber que ela não esteve para mim, que nem ao menos me perguntou como estive.
– Eu sei que eu fiz tudo errado, eu sei que vacilei pra caramba – sua voz sai arrastada e ela parece verdadeiramente arrependida.
– Vamos, me diga, qual é a sua desculpa para simplesmente ter sumido, por nem se sequer saber como eu passei pelo o inferno esses meses – caminho até a sua frente, fico com os braços cruzados, sentindo uma grande força dentro de mim. Minhas bochechas queimam de tristeza e dor.
– Bella, eu ... – ela para de falar, ela não tem um álibi.
– Eleanor, por favor, vá embora, você não foi a pessoa que eu pensei que você era, você não deveria estar aqui.
Minha voz está embargada e sinto as lágrimas surgirem em meus olhos, por quê eu sou tão sentimental? Fungo baixinho sentindo meu peito se tornar pesado, minha ansiedade tenta me engolir, mas estou tentando a mandar goela abaixo junto com essa angustia que cresce cada vez mais.
– Bella, eu sei que você não quer me ver nem pintada de ouro, eu sei que eu não sou a sua pessoa favorita no mundo, mas por favor, converse comigo – ela se levanta e agarra em minhas mãos. Eu me afasto.
– Eleanor, você não tem direito de vir aqui e pedir favor nenhum, você não tem noção do que eu tive de passar, de tudo que estou tentando lidar, você não faz ideia, não é? – eu riu amarga – Superar o meu pai é fácil perto do que aconteceu comigo! – eu grito e ela se assusta. Meu Deus, como é bom gritar.
– Eu sei o que aconteceu com você – ela sussurra e eu limpo as lágrimas quentes que queimam em minhas bochechas – Eu sei o que aconteceu com você, não o que contaram nos jornais, a história verdadeira, a que você disse para os policiais.
Eu congelo imediatamente. Claro que ela sabe, ela estava na delegacia quando eu prestei queixa, ela teve que dar o seu depoimento, e eles tiveram que contar, mas eu tenho certeza que eles não falaram a verdade completa, meu pai mataria cada um deles antes mesmo que abrissem a boca.
– Eleanor, seja lá o que te falaram, eu posso te garantir que não é nem metade do que realmente aconteceu – me viro para ir embora, mas seus dedos gélidos tocam a minha mão me puxando para encarar.
– Você acha mesmo que eu não sei? Esqueceu que eu conheço a sua família? Que eu conheço você? – seus olhos verdes florestas me fitam com intensidade e percebo uma lágrima grossa e dolorosa cair de seu olho esquerdo – Você não faz ideia de como eu me culpei todos os dias dos últimos dois meses pelo o que aconteceu com você.
Fico-a olhando tentando entender o porque da sua culpa, e como se algo me tirasse de órbita, eu sinto um grande flashback me atingir em cheio. E em como um passe de mágica eu estou novamente naquele dia, naquela festa.
– El, vamos dançar! – eu grito animada enquanto puxo os braços da morena para o meio da pista de dança, pego um copo de um garoto qualquer que vem dançar comigo.
– Bella, você está putamente bêbada – ela começa a rir e grita sob a música. Sim, eu estou muito bêbada.
– Acho que eu preciso de uma coisinha mais forte – agarro seus ombros e sorrio manhosa para ela. Vejo seu semblante preocupado – Qual é! Nós vamos entrar de férias, e você sabe que não usamos faz tempo!
Megan de repente se junta a nós, ela está com uma garrafa de vidro na mão e chega perto de nós, abro minha boca rapidamente enquanto ela despeja o líquido quente em minha boca, ele desce como fogo e eu grito completamente animada.
– Megan! Estamos precisando de algo um pouco mais ilícito – digo para a garota de cabelos compridos e negros como a escuridão.
– Ui! Eu já sei com quem conseguir – ela grita para nós duas e Eleanor nega com a cabeça.
– Eu não posso, vocês sabem que amanhã eu já viajo com os meus pais – Eleanor nega e eu reviro os olhos enquanto continuo dançando.
– Está bom! Então hoje você é a que vai ficar sóbria e cuidar de nós duas – faço uma pausa – Estou precisando ser eu somente por hoje!
Megan agarra em nossos braços e começa a nos arrasta por meio da multidão, Eleanor parece nervosa, ela sempre fica. Normalmente eu sou a única sã nas festas, costumo não beber e cuido das minhas duas amigas que gostam de sair das festas somente quando não vão se lembrar de nada no dia seguinte. Eu entendo a preocupação de Eleanor, normalmente sou eu a ficar preocupada desse jeito. Mas não hoje! Hoje eu preciso ser eu, preciso extravagar o que eu reprimo a muito tempo. Preciso voltar a sentir a velha sensação. Assim que Megan nos arrasta até um pequeno grupo de homens, ela conversa com um silenciosamente, tira uma nota de cem dólares do seu sutiã e o garoto lhe dá dois comprimidos brancos, ele deixa um delicado beijo nos lábios de Megan. Ela coloca a cápsula branca em sua boca e me entrega a outra, Eleanor continua nos olhando como se fossemos loucas.
– Viva a droga da felicidade! – Megan grita.
– Viva ao Exctasy – grito de volta enquanto o garoto em que Megan beijou nos passa uma garrafa e engolimos os comprimidos.
– Venham! Essa noite é responsabilidade minha, eu vou ficar de olhos em vocês, hoje é meu dia de cuidar – Eleanor grita para nós e apenas rimos de sua preocupação exagerada, ela é mais divertida bêbada, mais relaxada.
– Tudo bem, El, nada vai nos acontecer – começo a rir animadamente.
FECHO MEUS OLHOS com força bloqueando esse flashback que me atingiu como um banho de água fria. Volto a encarar a morena a minha frente, ela me encara nervosa enquanto fico desnorteada, me sento no sofá e respiro fundo sentindo mais lágrimas em minhas bochechas. Como pude me esquecer disso?
– O que aconteceu comigo, foi somente culpa minha – eu fungo com raiva.
– Eu prometi que iria cuidar de vocês – ela fala baixinho – Prometi que cuidaria de você! E olha só o que te aconteceu.
Encaro seu semblante em dor, ela tem as bochechas vermelhas, os olhos marejados e suas mãos tentam agarrar as minhas novamente e eu apenas recuo com o toque.
– Eleanor, nada do que me aconteceu você poderia evitar, posso te garantir – limpo meu rosto e ouço alguns passos atrás de nós.
– O que você faz aqui?
A voz de Noah parece irritada, ele caminha até nós e fica em nossa frente, encarando Eleanor surpreso e ao mesmo tempo pronto a ataca-lá.
– Não sabia que você tinha voltado – Eleanor sussurra e Noah ri amargo.
– Bom, eu não podia deixar a minha irmã sozinha – ele se aproxima de mim e estende a sua mão para mim – Quer que ela vá embora?
Pondero por poucos segundos se eu quero mesmo que ela vá embora. Eu quero? Ela estava lá, ela pode me ajudar nesse infinito quebra-cabeça, ela pode juntar algumas peças comigo. Fico encarando Noah com seus olhos azuis vidrados em mim, Eleanor fica tensa ao meu lado e se levanta, vejo-a se recolher aos poucos.
– Espera – eu digo, minha voz saindo sufocada – Você pode me ajudar em algumas coisas – Noah e Eleanor parecem surpresos, me levanto e fico na frente dos dois.
– Eu vou ir tomar um banho, vocês têm muito o que conversar – lanço um breve olhar aos dois que parecem ficar envergonhados e me viro indo em direção as escadas. Indo para o meu quarto.
Assim que estou no topo não posso mais ouvir suas vozes. Poucos meses antes do Noah se mudar para o outro lado do país, Chicago, ele e Eleanor tiveram uma espécie de caso, no qual não acabou bem, pois Noah não deixou claro para a minha doce amiga que estava indo embora, começando a sua vida longe de nossa família e administrando a Fundação. Eleanor ficou abalada no primeiro mês xingando meu irmão centenas de vezes, e Noah me ligava perguntando se algum dia ela o perdoaria. Então bom, Noah voltou por minha causa, mas ele sabe como Eleanor não deu a mínima para mim, então eles realmente têm muito o que conversar.
Assim que entro em meu quarto, me despido rapidamente e entro no chuveiro, deixo a água me limpar por inteira, tento ser breve, escovo os dentes, lavo os cabelos e saio do chuveiro cuidando da minha pele, passando uma poema especial em minhas cicatrizes ainda em processo de recuperação, visto uma calça preta justa, uma blusa de tricô branca com a gola alta, coloco um coturno preto nos pés, seco meu cabelo rapidamente, pego a minha bolsa com meus documentos e celular, saio do quarto limpa dos pés a cabeça e começo a descer as escadas, não ouço nada. Assim que chego ao final delas vejo Eleanor e Noah sentados no sofá se encarando firmemente, ele tem as bochechas rosadas e a Eleanor algumas lágrimas quase secas em sua pele. Eles despertam em ouvir eu me aproximar e tentam se recuperar, em vão.
– Vamos dar uma volta, Eleanor – chamo a morena que se levanta rapidamente.
– Arabella, não – Noah avisa agarrando em meu pulso, o olho de cima a baixo, confusa.
– Noah, não sou indefesa, eu vou sair, preciso de espaço – minha voz soa mais grossa do que deveria e ele me solta.
– Você não comeu nada ainda! – ele me avisa bravo e eu suspiro, cansada.
– Acho que algumas das milhares cafeterias de Providence podem me ajudar com isso – reviro meus olhos e vou até o armário de casacos, tiro um grande casaco vermelho vivo e o coloco em meus braços.
– E se você passar mal como ontem? – ele fala mais baixo e Eleanor caminha até a porta, nos dando privacidade.
– Sinto te informar que eu apaguei porque misturei calmante e uma dose de Bourbon – o olho irônica, pego nas chaves do carro perto da porta e ele me olha em desespero – Já faz um bom tempo que não dirijo, até mais tarde.
Abro a porta de entrada e vejo Eleanor atrás de mim, o frio atravessa o meu corpo mesmo com o sol brilhando lindamente a nossa volta. Desço as escadas dramáticas, brancas e sofisticadas indo para o meu carro, um audi A3 vermelho nos espera na garagem e Eleanor me olha confusa.
– Podemos ir com o meu carro se preferir – ela me avisa e eu apenas lhe lanço um olhar de "entre logo na droga do carro" e ela felizmente entende.
Entro no meu carro e sinto um leve desconforto depois de tanto tempo, aperto o botão ligando o carro, vejo Noah nos olhando da varanda, preocupado, apenas lhe aceno e Eleanor se conforta ao meu lado. Dou partida no carro enquanto ligo a música e Arctic Monkeys soa em meus ouvidos com a música "Do me a Favour". Eleanor me encara por breves segundos.
– Para onde vamos?
Saio dos enormes portões, passo os guardas e dirijo apressadamente ouvindo o som de bateria da música e me sentindo mais animada em acelerar. Como eu senti saudades da minha vida antiga. Continuo dirigindo até a entrada no condomínio e vendo os mesmos fotógrafos parados, eles tentam disparar flashs assim que reconhecem o meu carro mas passo rapidamente, não dando tempo algum.
– Vamos comer alguma coisa, dar uma volta – respondo.
– Então ... – ela tenta puxar assunto – Eu vi algumas fotos suas muito interessantes ontem, com aquele amigo do seu irmão, Hunter Chermont – minhas bochechas queimarem profundamente, provavelmente estou da cor do meu casaco.
– Eu misturei algumas pílulas com álcool e apaguei – falo brevemente e ela ri.
– Um ótimo truque de conhecer o apartamento dele – ouço sua típica voz de quem acha que eu fiz de propósito.
– Não foi de propósito, eu realmente estou tomando muitos remédios – olho brevemente em seus olhos e a sua ficha caí de um penhasco.
– Desculpa, Bella, é que você ... – ela para de falar por breves segundos – Você parece você, sem toda a bagagem.
– Eu não sou mais quem você conhecia – minha voz parece mais melancólica do que eu gostaria e ela suspira – Está sendo difícil para mim também entender essa mudança.
Ficamos em silêncio por mais alguns instantes, algo desconfortável, como se quiséssemos falar tudo e ao mesmo tempo não temos nada o que dizer. Ela olha para fora da janela aproveitando a vista do Condado de Providence, com prédios grandes de tijolos marrons, algo mais velho e quase monárquico, com idosos nas ruas com suas sacolas de compras e jovens com seus skates e fones de ouvido.
– O que aconteceu com o seu rosto? – ela pergunta olhando para a minha bochecha, merda.
– Você sabe a resposta – ela me encara, surpresa, sinto seu corpo recuar, ela quer falar algo para me confortar, mas ela apenas fica quieta. Ela sabia que alguma hora isso iria acontecer.
– O que você quer saber sobre aquela noite? – ela tenta mudar de assunto.
– Não sei muito bem, a noite em si foi um apagão para mim, mas os dois dias seguintes eu me lembro de absolutamente tudo – minha voz sai mais baixa conforme falo e ela franze o cenho.
– Dois dias?
– Foi o tempo em que eu fiquei presa – engulo a sensação de apavoro que sobe em minha garganta e vejo a sua expressão de choque.
– E como ninguém deu conta do seu sumiço? – sua voz soa ríspida, sinto a culpa em sua voz.
– Bom, algo haver sobre eu já ter feito isso antes – acelero mais e Eleanor percebe a minha voz se tornar mais amarga.
– E como você voltou para a sua casa? – um calafrio passa por meu corpo e eu nego com a cabeça.
– Não me pergunte muito, ainda não consigo falar sobre isso, minha psiquiatra, psicóloga, não sei, ela está trabalhando isso comigo.
– Arabella, eu sinto muito, você não tem ideia.
– Chega de falar sobre isso – penso em suplica e ela entende, ficamos em silêncio até eu dirigir ao meu lugar escolhido.
Procuro uma vaga na rua e estaciono, saímos do carro e Eleanor caminha até ao meu lado, caminhamos em silêncio até uma pequena barraquinha de comida perto do rio que atravessa a cidade. Peço apenas um cappuccino e Eleanor um chá, continuamos andando até achar um banco para nos sentarmos.
– Como a Megan está?
– Não sei, não falo com ela desde aquela noite – ela de ombros – Você não deveria comer alguma coisa?
– Os remédios tiram a minha fome – bebo o líquido quente e a encaro – Como assim você não fala com ela desde aquela noite?
– Fiquei sabendo que logo após você sair nos noticiários ela se mudou, algo com o pais dela estarem abrindo uma nova empresa em Nova York.
– Sem mais e nem menos? Ela foi sem ao menos se despedir?
– Foram tempos escuros esses dois meses – ela engole em seco – O Prefeito deu algumas entrevistas falando para tomarmos muito cuidado, pois seja lá quem fez isso com você ainda está a solta.
Ao ouvir as suas palavras meu coração para momentaneamente, sinto o ar faltar em meus pulmões e olho para os lados desesperada. Por favor, aqui não, por favor aqui não. Tento respirar, coloco minhas mãos em meu peito tentando procurar o ar mas é em vão, eu sinto meu corpo ficar dormente, o medo me domina e sou lembrada rapidamente do porque não estava saindo de casa, seja lá quem fez isso comigo, ainda está a solta por aí, andando como um cidadão honrado.
– Arabella! Me diga o que fazer – Eleanor diz alarmada enquanto tenta agarrar meus ombros para eu encara-la.
As lágrimas já escorrem em minhas bochechas, tento me reconectar o mais rápido que posso, mas é impossível, o medo já toma conta de mim. Eu nunca mais quero sair de casa. E se aquele animal estiver me olhando? Esperando novamente o melhor momento para me capturar como uma presa indefesa? E se acontecer tudo de novo?
O mundo ao redor se passa em câmera lenta, tento me concentrar e fazer essa crise ir embora, mas simplesmente não consigo, não sou grande o suficiente para lutar contra isso.
Subitamente sinto braços fortes ao redor de mim, um cheiro masculino, com um forte aroma de roupas bem lavadas. Minha cabeça é encostada sob o seu peito e ouço batimentos apressados, uma respiração ofegante e descompensada.
– Arabella, se concentre só na minha voz, você está bem, você sabe que é mais forte que isso, seu irmão sempre me disse que você era a mulher mais forte que ela conhecia, se concentre em como você superou o mundo e ainda está viva. Você está viva, sobreviva mais um dia.
Reconheço a voz rouca, inebriante e experimente em palavras. Hunter Chermont acaba de ser meu salvador, acaba de me salvar de meus demônios internos.
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NOTAS DA AUTORA: Aaaaaaaaaaaah somos praticamente 5k de lidos, amo vocês demais <3 HUNTER SALVOU A ARABELLA PQP GENTE!!! O que será que vai rolar no próximo capítulo, me digam! Estou ansiosa!! Quem ai está comigo??
com muito amor, agatha.