Quando cai a última folha ✓

By Carolmtana

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"O destino é inalterável, o rumo é certeiro. Por outro lado, temos o livre arbítrio para alterar o modo como... More

Sobre Folhas e Playlists
Capas e Concursos
Dedicatória
00. Prólogo
01. Vazio
02. Glacial
04. Poder de Escolha
05. Perdão
06. Presente
07. Ajuda
08. Taiga
09. Ivaar e Valquíria
10. Reencontro
11. Os Planos
12. Família
13. Ressignificar
14. Luzes do Norte
15. Equinócio
Epílogo
Obrigada!
Quando a Última Palavra é Dita - Epígrafe
Sobre Últimas Palavras
Prólogo
01. Surpresas
02. Despedida
03. Pedido
04. Conversa
Epílogo
Notas Finais
De volta à ativa!

03. Guardião

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By Carolmtana

sᴇɴᴛᴀᴅᴀ ᴀʟɪ na neve, vendo nada mais que os detalhes daquela manhã passarem pelos meus olhos, me perguntei pela centésima vez: aquilo tudo era real?

Eu estava sendo a espectadora de uma brincadeira de pega-pega entre os espíritos do vento e da neve. E, ao meu lado, estava um cara que era transmorfo. Ainda não tinha entendido muito bem o trabalho dele, para ser sincera.

Queria perguntar, mas estava em um processo levemente longo de assimilação das coisas, então eu nos deixei no silêncio, com apenas os risos dos gêmeos o preenchendo. Hazard os observava com atenção, por isso achei que não seria  problema se eu o encarasse de soslaio, queria analisar melhor suas feições.

Tinha de admitir, ele era lindo. Se não soubesse que ele se transformava em uma raposa, juraria que Hazard era um jovem de dezoito anos como eu, ou até mesmo um pouco mais velho, e completamente humano.

Mesmo assim, eu não conseguia superar o fato dos olhos dele aparentarem serem feitos de gelo, ou como seu cabelo parecia ser mais macio que o tecido mais macio. Nunca havia visto alguém tão...tão...

Nem palavras eu tinha. Eu definitivamente precisava pintá-lo.

— Está capitando minhas feições para fazer o quadro que prometeu, Kaira? — ele perguntou de repente, sem nem olhar para mim no primeiro instante. Desviei o olhar e senti meu rosto queimar de vergonha. Eu devia estar sendo muito indiscreta.

— É-É, isso mesmo.

Hazard pareceu não acreditar muito, pois começou a rir.

— Só estou brincando. Eu entendo sua admiração. — naquele momento, achei que ele ia começar a falar que sabia muito bem o quanto era bonito, mas, por sorte, estava errada — É uma novidade e tanto saber que espíritos da natureza existem.

— Nem me diga. Estou cheia de perguntas.

— Bom, faça-as. Estou disposto a respondê-las. — a forma branda e receptiva que ele se ofereceu para explicar me fez concentrar o olhar em sua figura.

— Posso fazer qualquer pergunta?

— Pode, mas também não prometo respondê-las todas hoje. Tente as mais básicas.

— É.. A Snow e o Flake, quantos anos eles têm?

— Algumas centenas só.

— Oi?! — arregalei os olhos e Hazard se virou para mim, franzindo o cenho de leve — E os espíritos têm uma infância tão longa assim?

— Ah, não. — ele soltou um riso, finalmente entendendo minha confusão — Eles foram amaldiçoados pelo espírito da primavera. Ela ficou enciumada quando o espírito da neve e o espírito do céu decidiram ter filhos e conseguiram.

— E daí o espírito da primavera os amaldiçoou para não crescer?

Hazard assentiu, tirando um pouco de neve da manga de seu casaco. Falar daquilo para ele era tão...Natural, como se debatêssemos o tempo.

— Ironicamente, essa Primavera, apesar de dar ao mundo uma época de fertilidade e recomeço, não é capaz de ter filhos. Então, quando, nas palavras dela, o espírito do inverno, "aquela mulher fria e sem vida", pôde gerar uma família, ela se enraiveceu.

— E o que ela fez? — era como se eu estivesse ouvindo a uma das histórias de contos de fada de meu pai. Soava tão irreal que me fazia sentir como uma criança.

— Ela esperou o momento que seus poderes estavam mais fortes, o equinócio, e os amaldiçoou para não envelhecerem tanto quanto o esperado. Como sendo o espírito capaz de dar vida e desenvolvimento, Primavera coordena o envelhecimento dos dois.

— Isso é horrível. — a princípio, foi tudo o que consegui dizer. No entanto, algo pior passou pela minha cabeça — Ela não conseguiria... tirar a vida deles, certo?

Para o meu alívio, Hazard negou com a cabeça.

— Ela só pode dar vida às coisas e retardá-la, não tirá-la. Apesar de seus poderes serem capazes de ferir alguém.

— Menos mal. E tem alguma forma de resolver isso?

— Tem, mas é complicado.

Suspirei.

— Entendo.. Só não consigo acreditar que minha segunda estação favorita era a primavera.

— É, e você odeia o inverno. — Hazard me olhou de canto de olho, um meio sorriso nos lábios — Me pergunto o que os gêmeos achariam disso.

— Ei! Não me entregue assim, eles ainda não me conhecem direito e você já está querendo causar discórdia?

— Seu segredo está guardado. — ele riu, mas não desviou a atenção dos gêmeos. Durante toda a história, Hazard havia mantido o olhar zeloso sobre eles. — Mais alguma pergunta?

— Várias. Mas, para continuar, e você? É o espírito do quê? — não sei se foi apenas impressão, mas Hazard pareceu ficar tenso com a pergunta. Havia jurado que sua postura relaxada e irônica era mais impenetrável.

— Eu sou só o guarda-costas deles. — quando voltei a reparar, a postura relaxada havia voltado.

— Você é como se fosse um antigo amigo da família? Como veio parar nessa vida?

— Calma aí, Kaira. — a risada de Hazard estava começando a se tornar familiar e agradável aos ouvidos. Era fácil o fazer rir. — Eu sou uma vítima de uma das maldições da Primavera.

Mais curiosa ainda, voltei meu olhar para seu rosto. Sentindo o peso da minha encarada, Hazard também me fitou.

— Você já foi humano?

A pergunta se perdeu no ar, porque, no único segundo que desviamos o olhar dos gêmeos, Flake conseguiu cair de cara em um montinho de neve, bater a cabeça no tronco de um pinheiro e soltar um gritinho de susto. Hazard arregalou os olhos e, com uma velocidade anormal, foi para perto do espírito do vento.

No fim, ele estava bem, mas a brincadeira foi cortada e Hazard disse que era a hora de aulas de magia. Eu queria ter ficado, mas ao longe fui capaz de ouvir a buzina da camionete do meu avô, provavelmente acionada para que eu o ajudasse com alguma coisa que ele trouxera da cidade.

— Eu preciso ir, pessoal. Até mais!

— Kaira, espera! — Snow me chamou, meio desanimada — Você vai voltar?

Antes que eu pudesse dizer que não sabia, já que não fazia ideia de como a realidade deles funcionava, Hazard respondeu por mim, com um sorriso que fez meu coração e minhas bochechas se aquecerem.

— Não se preocupe, Snow, nós iremos chamá-la para brincar mais vezes.

— Mas ela só ficou sentada. — Flake observou.

— Cada um brinca do seu jeito, Flake. — o espírito da neve retrucou o irmão, fazendo-me rir.

Saí de lá com um sorriso no rosto e com a esperança de poder retornar. Em muito tempo estava sentindo algo engraçado: alegria.

Bom, eu voltei. E muitas vezes. Tantas que era rotina eu esperar meu avô ir para a garagem para sair pela porta dos fundos em direção à floresta, com os dois filhotes de rena me esperando. No entanto, em um dia em específico, a função de guarda-costas recaiu sobre mim.

— Onde está o Haz? — perguntei para os gêmeos, confusa.

— Ele disse que precisava resolver algumas coisas. — Flake respondeu, em sua forma humana, já correndo em direção à parte mais funda da floresta.

— Mas ele não deveria cuidar de vocês?

— E nós deveríamos estar estudando magia, mas estamos aqui. — Flake explicou. Semicerrei os olhos na direção dos dois, mas Snow desviou o assunto, com seu jeito um pouco sério.

— Não tem problema, Kai. O Haz já disse uma vez que você se mostra até competente para cuidar de crianças num geral, então teoricamente temos a aprovação dele mesmo sem ele necessariamente ter dito algo sobre o assunto.

— Certo... Mas me mostrei até competente? — ri sarcástica — Engraçadinho ele.

Ao contrário do que eu esperava, os gêmeos não riram — eles geralmente achavam graça dos meus embates com Hazard. No entanto, agora estavam trocando um olhar hesitante.

— O que foi?

— Bom, Kai, agora é um bom momento para te mostrarmos uma parte da floresta que você não conhece.

— O que acha de saber mais um segredo?

Confesso que era tentador. Eu não fiquei sabendo muito mais sobre os espíritos depois daquela conversa com Haz, só sobre como o Outono adorava falar e que a Verão — sim, era uma mulher — amava ler.

Seria seguro? Aquela floresta era maior do que eu imaginava e guardava segredos demais que, a cada vez que eu via, mais chocada eu ficava.

Bem, não doeria conhecer mais um.

— Pode ser.

Os gêmeos sorriram um para o outro e guiaram o caminho, levando-me onde meus pés não haviam pisado e meus olhos não haviam analisado.

A cada minuto a floresta ia ficando mais silenciosa e um pouco densa, com um ar pesado que eu logo entendi o motivo. Ali, no meio de tudo, existia um diferencial à paisagem: um tipo de árvore que eu desconhecia, com a copa toda tingida de laranja.

Sendo aquela uma floresta de pinheiros, só fui entender a importância daquilo quando os gêmeos me encararam, esperando uma reação.

Analisei aquele ser distinto, e pude ver que seus galhos pareciam ter sido esculpidos em metal, em algo tão reluzente quanto prata. Suas folhas aparentavam ser feitas de âmbar, a luz passando por elas e revelando detalhes tão bem trabalhados que me tiraram o fôlego.

Depois daquela análise, notei a energia do lugar em uma espiral crescente, começando a me inundar. Eu a conhecia há pouco tempo, mas saberia diferenciá-la. Por ímpeto, caminhei até mais perto da árvore e encostei minha mão em seu tronco metálico e frio.

— Não toca! — Snow gritou, meio desesperada, mas já era tarde. Recuei minha mão e ela me encarou e franziu a testa — Não aconteceu nada?

— Deveria acontecer?

— Nós geralmente levamos um pequeno choque quando encostamos. Esquecemos de te avisar. — Flake disse, meio envergonhado.

— Tá tudo bem. — respondi em um tom baixo, voltando minha atenção para a árvore e a encostando com as duas mãos agora — Essa árvore, por acaso ela é do Hazard?

Senti o olhar intrigado dos gêmeos sobre mim. Fitei-os, sem entender o porquê daquela quietude tão repentina.

— Não.. Ela sempre esteve aqui, nunca soubemos o porquê da existência dela. — Flake explicou — Hoje foi um bom dia pra te apresentar a ela porque o Haz não gosta de vir aqui.

Snow me fitava como uma investigadora profissional, procurando em mim respostas que eu não tinha. Querendo desviar um pouco o assunto, forcei-me a sorrir de leve.

— Bom, foi apenas uma pergunta aleatória. Vocês têm mais segredos para me contar?

Flake rapidamente desviou a atenção para o novo tópico, mas Snow se refreou. A minha sorte era que o espírito do vento era mais animado e falante do que o da neve, encobrindo as perguntas que Snow poderia vir a fazer.

— Já sei! — Flake disse após um minuto — É mais uma lenda que o papai e a mamãe contam pra gente. A lenda do Guardião.

— Eu adoro essa história. — Snow comentou, sorrindo de leve e finalmente saindo de sua aura investigadora — Posso contar?

— Claro, mana. — Flake sorriu, sentando-se na neve diante da gêmea, já com os olhos brilhando. Imitei-o e logo Snow estava pronta para discursar sobre a lenda.

— Essa história é sobre o Guardião. Dizem que ele é o ser que tem as portas para a Aurora Boreal.

Sorri com o modo que ela contava a história, parecia acreditar naquilo e se encantar com a possibilidade do real.

— No entanto, suas funções não param por aí, pois dizem que as almas das criaturas que deixaram a Terra se alojam em suas luzes protetoras e que, na verdade, as luzes também são as danças de todos os espíritos em harmonia, em uma festa sem fim por terem finalmente atingido a paz. Eles festejam até estarem prontos para reencarnar.

Toda a leveza que eu sentia se evaporou e meu cérebro se fixou na parte do "as almas das criaturas". Se eu não estivesse tão sonhadora, seria possível?

— Snow, alguém é capaz de entrar em contato com alguma alma na Aurora?

Ela não percebeu meu desespero.

— Dizem que sim, caso o Guardião deixe.

— E essa lenda é real? Teria alguma coisa a ver com o desaparecimento gradativo das luzes? Meu avô fala que nas últimas aparições, elas estavam cada vez mais fracas. Agora, pelo visto, desapareceram.

— Eu gosto de acreditar que é real. — ela sorriu, no entanto a empolgação murchou — Mas infelizmente eu não sei muito. Só espero que as Luzes do Norte voltem logo.

— Eu também.

Era verdade, eu adoraria pintá-las. Se nem isso seria possível, imagina falar com meu pai.

Suspirei pesadamente, com as expectativas mais contidas. Flake pareceu notar e colocou a mão enluvada sobre meu ombro. Eles sabiam pouco sobre os motivos de eu ter ido parada na casa do meu avô, mas sabiam do falecimento do meu pai.

— Talvez o Hazard saiba mais sobre isso.

Novamente me iluminei com a ideia. Mas é claro! Aquele guarda-costas sarcástico parecia saber tudo sobre aquele mundo de espíritos. Estranhamente me dei conta de que a árvore atrás de mim parecia ter reagido ao mero pensamento sobre ele, mas decidi não focar minhas energias naquilo.

Meu novo objetivo era ir atrás do Guardião.

Voltei para casa naquele dia com uma sensação leve por saber que teria algo para buscar. Minha maior vontade era ver meu pai uma última vez, para poder me despedir. Já que, quando ele de fato se foi, eu não estava ao seu lado.

As lembranças começaram a tapar os raios de sol que vinham aquecendo meu inverno interior, então tentei contê-las, e a melhor forma que achei foi pintar. Tentar, ao menos.

Porém, eu parecia não conseguir, não tinha nada que me motivasse. Ao pensar, acabei por me lembrar da minha promessa a Hazard, mesmo que feita em um momento de tensão, era uma promessa.

Sorri de canto ao imaginá-lo ao meu lado dizendo "pois então consegui te fazer pintar no inverno, hein?".

A sensação de leveza retornou assim que eu peguei o lápis para fazer o rascunho. E o sorriso permaneceu quando comecei pelo centro, desenhando uma árvore.

E esse foi o terceiro capítulo! 

Vocês acham que as respostas do Haz foram minimamente esclarecedoras ou só deixaram tudo mais confuso? E sobre a árvore metálica e o Guardião, estão curiosos? 

Mais respostas sexta-feira, no Globo Repórter! Brincadeira, mas quaisquer teorias que vocês tiverem, por favor, me contem, vou adorar ouvir :3 

Bom, o próximo capítulo tem o título de "Poder de Escolha". Até sexta!

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