SÉCULOS - jikook. (FINALIZADA)

By byprincelevi

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Em 1945 após sobreviver à II Guerra Mundial, Jeon Jungkook, um médico militar ômega, resolve passar sua segun... More

01. Inverness
02. Craigh Na Dun
03. Luceo Non Uro
04. Castelo Leoch
06. Renegar a origem
07. Era uma vez, há duzentos anos
08. O grande encontro
09. Tynchal
10. Fort William
11. Capitão Yoon
12. Park
13. Núpcias
14. Sangue
15. Os dois lados
16. Fantasmas na janela
17. Um belo dia
18. Noite sem estrelas
19. Um conselho
20. Insubordinação
21. Promessas não cumpridas
22. Une Mauvais Quart D'heure
23. Punições segundo os costumes
24. Acerto de contas
25. Algumas verdades
26. O que existe entre mim e ele
27. A igreja das trevas
28. Mau agouro
29. Histórias de amor
30. Rituais para a mãe natureza
31. O gosto da morte
32. O duelo
33. Bruxos
34. Ailee Hozuki
35. Não permitirás que nenhum bruxo viva
36. A marca do diabo
37. De volta às origens
38. Para casa
39. A volta do senhor das terras
40. O homem da minha vida
41. Beijos e ceroulas
42. Histórias de sinceridade
43. Pesadelos secretos
44. Dia do Trimestre - Parte I
45. Dia do Trimestre - Parte II
46. A patrulha
47. Entre traidores e profetas
48. A mensagem de Kwan
49. Prisão de Wentworth
50. 13 de Outubro
51. Fortaleza incendiada
52. Mosteiro de Ste. Anne de Beaupré
53. Condições para pecar
54. Caça e caçador
55. Xingamentos para um escocês
56. Séculos.
57. Explicações breves.
a volta dos que nunca se foram :D
SÉCULOS REESCRITA.

05. Sassenach

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By byprincelevi

Ele acordou com alguém o chamando, mas sua cabeça doía demais para que conseguisse assimilar o que estaria acontecendo.

Estava aquecido em meio as cobertas de pelo, mas, apesar disso, podia sentir que, fora da cama, o ar era gélido.

Perguntou-se se Jeonghan teria aberto a janela do quarto quando chegara da casa do vigário, esquecendo-a aberta assim que fora dormir.

Então, encolhendo-se nos cobertores e murmurando qualquer coisa para que a Sra. Baird fizesse silêncio, Jungkook percebeu que a cama onde estava deitado tinha um cheiro estranho.

Algo próximo do mofo e de um odor masculino forte.

- Vamos, rapaz! - disse a voz que o acordara, sobressaindo-se sobre seus pensamentos. - Vamos, que ainda temos muito o que fazer! Rápido, rápido!

Foi quando ele se lembrou de todos os acontecimentos da noite passada.

E, com isso, Jungkook quis voltar a dormir, não conseguindo crer que aquilo estaria mesmo acontecendo.

Mãos fortes seguraram o seu corpo e ele se viu sendo chacoalhado para que acordasse.

- Vamos, senhor. Não tenho a tarde inteira.

Assim, Jungkook teve de obedecer, sentindo seus músculos doloridos quando se sentou na cama (principalmente suas coxas, por ter passado a noite cavalgando).

Estava mesmo muito frio fora das cobertas e ele olhou ao redor, observando o quarto com os olhos serrados e a mente à tentar entender como aquilo não havia sido apenas um pesadelo.

A Sra. Irene se encontrava ao lado da cama, trajando o mesmo vestido apertado de antes, ressaltando seus seios, com seu cabelo loiro, agora, amarrado firmemente em um rabo.

- São duas da tarde, rapaz. - ela disse, colocando as mãos na cintura como se estivesse lhe dando um sermão. - Entendo que a noite de ontem deve ter sido bem cansativa, mas o senhor ainda tem muitos assuntos para resolver aqui.

E, com isso, ela indicou a lareira (que apagara em algum momento das horas de seu sono) com um movimento de cabeça. Próxima dela e sobre um dos bancos de madeira, havia uma grande xícara de porcelana à sua espera, com o vapor saindo de seu caldo para simbolizar que estava bem quente.

Jungkook demorou alguns instantes para entender o que ela queria dizer e empurrou as cobertas para longe, saindo da cama e sentindo o piso gelado sob os pés descalços.

Pela janela sem vidraças, pode ver que a campina que cercava o Castelo Leoch ainda se encontrava encoberta pela névoa.

Andou até o banco de madeira e, sentando-se lentamente por conta de seus movimentos ainda sonolentos, tomou do caldo quente da xícara. Era espeço e tinha um gosto salgado de batatas cozidas. Sentia-se como um sobrevivente de um grande bombardeio.

E, enquanto isso, a Sra. Irene colocava uma pilha de roupas sobre a cama, arrumando-as em seguida para que não amassassem.

- Quando terminar, - ela disse, olhando-o. - quero que tire suas roupas e vista isso aqui.

Jungkook não fez qualquer menção em assentir ou falar que havia entendido, bebendo de um longo gole do caldo, totalmente desinteressado em suas palavras e ainda tentando se acostumar com a realidade.

Logo depois, a Sra. Irene fez uma mensura com a cabeça e caminhou até a porta.

- Voltarei daqui a alguns minutos para ajudá-lo a se vestir se for preciso. - falou e, então, foi embora, deixando-o sozinho no quarto.

Ele passou os olhos pelo cômodo mais uma vez, com a sensação de que estava perdido no tempo e em um lugar totalmente desconhecido.

E, na realidade, ele estava mesmo.

Assim que terminou de tomar seu caldo, deixou a xícara no mesmo lugar de antes e se levantou, sentindo-se com frio.

Pensou se não seria melhor abrir a porta e fugir para bem longe, de volta à Craigh na Dun.

Mas ele não sabia o que poderia acontecer caso fosse pego (e nem queria saber). Estava há quilômetros de distância do círculo de pedras e se aventurar por uma densa floresta sem uma montaria seria uma péssima ideia.

Por isso, bufou enquanto andava até a cama e olhava para as roupas que a Sra. Irene havia deixado.

Eram grossas e antigas, com peças de couro e outras de lã, além de, para o assombro de Jungkook, um espartilho.

Ele não teria de usar aquilo, teria?

A julgar pelo fato de que estava sobre a cama, junto das outras roupas, era bem provável que sim. E ele não gostou de saber disso.

Revirou os olhos, lembrando-se das palavras de Junghyun, quando visitaram um museu na França em uma de suas viagens arqueológicas, em que ele dizia que os ômegas machos apenas passaram a serem tratados propriamente como homens após a Revolução Francesa.

Tirou suas calças e o vento gélido quase o fez estremecer.

Porém, Jungkook já havia passado por coisas piores. Não se deixaria vencer por uma simples tarde congelante.

Vestir as camadas de tecido não se demonstrou ser algo muito difícil. Elas até que eram confortáveis, embora fossem antiquadas. Mas ele não colocou o espartilho, vestindo a blusa de lã e a camisa de linho amarelo claro como se não notasse sua ausência.

Foi quando, antes que terminasse de calçar as meias, a Sra. Irene retornou, batendo na porta.

- Ora, que bom que o senhor já está quase pronto! - ela disse, sorrindo, assim que entrou. - Agora, antes que coloque as botas, deixe-me ajudá-lo com o espartilho.

Jungkook demorou um pouco parar entender o que ela queria dizer.

- Mas eu sou um homem. - ele falou.

- Claro que é. Um homem ômega. - o sorriso da mulher não vacilou. Ela avançou pelo quarto e pegou a espartilho da cama, abrindo-o e desamarrando alguns nós. - Levante-se, deixe-me ajeitá-lo.

Visto que estava sem saída e não querendo arrumar qualquer confusão, Jungkook teve de se levantar da cama e se virar de costas para ela.

De certa forma, sentia-se ultrajado.

Não que usar peças de roupas femininas fosse vergonhoso. Ele apenas não gostava de pensar que, por ser um ômega, sua condição como homem houvesse sido rebaixada.

E, sinceramente, não vira Tayuya e as outras mulheres alphas usando espartilho na noite anterior.

Essa era outra clara forma de se dinamizar a hierarquia.

Quando a Sra. Irene passou a peça de roupa à sua frente e colocou-a contra sua barriga, ignorando o fato de que Jungkook já vestia as camisas, ela pediu para que ele levantasse os braços.

- Irá deixá-lo com curvas. - ela falou.

Então, começou a apertá-lo ao redor de sua cintura. Era desconfortável.

- Não deveria ficar por debaixo das roupas? - Jungkook perguntou.

- O quê? Não, claro que não! - a mulher riu, apertando ainda mais e fazendo ele se curvar para frente, apoiando uma das mãos na cama. - O senhor deve ser de um lugar muito distante para não saber como são os costumes daqui. Por acaso vem do Novo Mundo?

Achou melhor por não responder, temendo que acabasse falando algo do qual se arrependeria depois.

Assim que terminaram, Jungkook sentia como se seus pulmões estivessem sendo esmagados e era difícil de se respirar. Quase não conseguiu se inclinar para frente para que terminasse de vestir as meias e calçasse as botas.

Após estar devidamente pronto, a Sra. Irene pediu para que ele se colocasse à sua frente e, assim que fez isso, ela passou a mexer em seu cabelo, arrumando-o.

- O amarelo claro lhe cai muito bem. Achei que cairia. - falou a mulher. - Vai bem com os cabelos negros e ressalta o escuro de seus olhos. Mas fique onde está, está precisando de umas fitas. - revirando um dos bolsos laterais de seu vestido, apresentou um punhado de algumas bijuterias.

Jungkook estava espantado demais para resistir. Deixou que ela arrumasse seu cabelo, prendendo para trás alguns fios rebeldes com uma fita amarelada, estalando a língua e reclamando da inconveniência pouco feminina do corte curto do seu penteado, um pouco acima da altura dos ombros.

Foi inevitável se lembrar das vezes em que Jeonghan reclamara que estava grande demais.

- Pelo amor de Deus, meu querido, o que estava pensando para cortar seu cabelo tão curto? Estava disfarçado? Ouvi falar de ômegas que fazem isso para esconder sua condição do segundo gênero e ficar a salvo dos malditos ingleses. - ela suspirou, ainda mexendo em seus fios. - Que desgraça. Sinto falta dos tempos em que os ômegas podiam viajar pelas estradas em segurança.

Prosseguiu tagarelando, ajeitando aqui e ali, prendendo mecha e arrumando algum laço que se desprendera. Até que, após alguns minutos, Jungkook finalmente estava vestido a seu gosto.

- Ora, veja só, está muito bom. - a mulher balançou a cabeça, satisfeita. - Agora, o senhor tem tempo apenas para comer alguma coisa e, depois, irei levá-lo até ele.

Jungkook franziu o cenho, evitando pensar em como estaria ridículo vestido daquela forma.

- Ele? - perguntou.

Quem quer que fosse, era provável que fizesse perguntas difíceis de serem respondidas.

A Sra. Irene passou a mão pelo rosto, tirando um pouco do suor que se acumulara em sua testa, e em seguida passou por Jungkook, indo até a porta e fazendo sinal para que ele a acompanhasse.

- Ora, o próprio Namikaze, sem dúvida. Quem mais poderia ser?

A sala onde fora deixado ficava no alto de uma torre, logo após um lance de escadas de pedra. Era redonda, ricamente decorada com quadros e tapeçarias penduradas nas paredes curvas.

Enquanto o resto do Castelo Leoch parecia ser meramente confortável, aquela sala era luxuosamente mobilhada, abarrotada de móveis ricamente ornamentados e confortavelmente aquecida e iluminada por uma lareira bem grande.

Quando entrou, a atenção de Jungkook foi atraída de imediato para uma enorme gaiola de metal, engenhosamente construída para se ajustar à curva da parede do chão ao teto, repleta de uma espécie específica de cobras, cujos corpos eram cobertos por escamas roxas, verdes e cinzas.

Ficou parado bem no centro da sala, observando de longe e ouvindo o desagradável som de línguas à se agitarem.

Então, tomado por um sentimento de adrenalina e visto que se encontrava sozinho, avançou em direção a uma enorme mesa de mogno, lotada de livros e papéis.

Demorou um pouco, mas após mexer com cuidado para que não tirasse nada do lugar, encontrou o que procurava: uma carta. Estava inacabada, escrita numa caligrafia cursiva e floreada, ainda mais ilegível pela ortografia excêntrica e erros de pontuação.

Porém, a data no alto da folha saltou ao seus olhos como se escrita à fogo: 20 de abril de 1743.

Antes que mais uma vez sentisse o peso da verdade cair sobre si, Jungkook ouviu o som de passos vindos da escada e saiu de perto da mesa, voltando a mesma posição em que estivera antes, no centro da sala e de costas para a porta.

Poucos segundos foram necessários para que ela fosse aberta.

- Criaturinhas instigantes, não? - soou uma voz masculina um pouco fina, mas forte e marcante.

Virou a cabeça em sua direção, pensando que encontraria um homem alto e corpulento como Kwan a entrar na sala.

Mas o que viu foi o contrário.

Aquele que entrara possuía um corpo magro e uma pele pálida, assim como olhos amarelos, rodeados por uma maquiagem roxa de batalha, e um longo cabelo negro. Entretanto, o estado de suas pernas fez com que a mente de Jungkook demorasse a raciocinar.

Eram arqueadas, curtas e atrofiadas, como se houvesse caído de pé de uma grande altura e permanecido com os ossos quebrados daquele jeito desconfortável. O homem poderia ultrapassar 1,90 metro, mas mal chegava na altura dos ombros de Jungkook.

Ele caminhou pela sala em passos lentos, e seus movimentos eram desengonçados devido às pernas deformadas.

Apesar disso, em nenhum momento Jungkook cogitou se sentir superior, pois um cheiro forte de pimenta amarga de fez, exalando um poder que sentira vindo de Kwan nas vezes em que ele marcava presença.

O alpha foi até a gaiola, passando por Jungkook, e ficou a admirar as cobras, como se estivesse lhe dando um tempo para que assimilasse a situação; naturalmente pensando que Jungkook deveria estar um pouco chocado com a visão de suas pernas (o que não aconteceu - talvez apenas um leve desconforto, mas nada que não pudesse ser camuflado por uma feição séria e neutra).

Aquela sala era obviamente um santuário. Um mundo construído para um homem a quem o mundo exterior não desejava; ou apenas não estava disponível.

- Seja bem-vindo, rapaz. - disse ele, após longos segundos em silêncio, virando a cabeça em sua direção e realizando uma pequena mensura. - Meu nome é Min-Ki ban Campbell Namikaze, senhor deste castelo. Soube por meu irmão que ele, hum, encontrou-o a uma boa distância daqui.

Jungkook, apesar de se sentir ridículo naquelas roupas e com fitas em seu cabelo, olhou-o com firmeza.

- Se por "encontrar" o senhor quer dizer "ser sequestrado", então sim. Eu foi encontrado a uma boa distância daqui.

As finas sobrancelhas do homem se ergueram ligeiramente e um sorriso curvou os lábios finos.

Ele se virou em sua direção, fitando-o nos olhos.

- Bem, talvez. - concordou, parecendo se divertir. - Kwan, às vezes, é um pouco... impetuoso.

- Eu estaria disposto a perdoar este ato repulsivo se me devolvessem ao lugar de onde me tiraram. - disse, vendo ali uma boa oportunidade para voltar à Craigh na Dun.

- Hummm. - com as sobrancelhas ainda erguidas, Min-Ki indicou uma cadeira próxima da enorme mesa de mogno.

Jungkook foi até lá, sentando-se ao mesmo tempo em que o alpha fazia um sinal para alguém na porta.

- Mandei buscar um lanche, senhor... Jeon, não é? Pelo que me contaram, meu irmão e seus homens o encontraram em... hum, numa situação difícil. - ele parecia estar segurando um enorme sorriso de deboche e Jungkook se perguntou até onde descreveram seu suposto estado de nudez.

Não estava gostado da forma como andava sendo tratado; quase como deboche.

Por isso, respirou fundo para manter a calma. E, é claro, preparando-se para o momento que se seguiria.

Min-Ki estava sendo até um pouco cordial, mas Jungkook não era idiota. Sabia que estava ali para esclarecer as coisas.

- Bem, sim. - falou ele, fitando os olhos amarelos do outro. - Eu fui atacado.

- É mesmo? Atacado por quem?

Já havia recebido instruções durante a guerra, para que, se fosse capturado, soubesse lidar com um interrogatório.

Deveria atrelar-se à verdade até onde fosse humanamente possível, alterando somente aqueles detalhes que deveriam ser mantidos em segredo.

- Por soldados ingleses. - foi o que respondeu, com convicção. - Em particular, por um homem chamado Yoon.

O rosto aristocrático mudou repentinamente ao ouvir o nome.

Embora Min-Ki continuasse a parecer interessado, Jungkook notou um aprofundamento das feições de seu rosto, demonstrando que ele obviamente conhecia aquele capitão dos dragões de Vossa Majestade.

- Ah é? - disse, seriamente, andando até Jungkook com suas passadas lentas e desajeitadas. - Conte-me mais.

Assim, ele contou. Fez um relato detalhado do confronto entre os escoceses e os homens de Yoon, sabendo que Min-Ki poderia confirmar sua história com Kwan.

Depois, quando acabado, o alpha assentiu, parecendo pensar em algo e já em pé ao lado da mesa, com uma das mãos magras sobre ela.

- Sei. - falou. - Mas... Como o senhor foi parar naquele lugar? É muito longe da estrada para Inverness. Suponho que pretendia pegar um navio lá.

Por um momento, Jungkook pensara que ele estivesse falando da pequena cidade onde fora passar sua segunda lua de mel. Mas, logo percebeu que isso seria impossível, já que se encontrava no passado.

Provavelmente Inverness não passava de uma pequena aldeia sem muita importância.

Então, Jungkook se viu obrigado a concordar, dizendo que estava, sim, pretendendo pegar um navio.

Agora, obrigatoriamente ele estava nos domínios da invenção de seu depoimento.

Olhou firmemente para Min-Ki, como se o desafiasse a duvidar de suas palavras, e contou a história mais plausível que bolara enquanto subia o lance de escadas da torre até a sala.

Ele era um viúvo de Oxfordshire (verdade, até certo ponto), viajando com um criado ao encontro de parentes distantes na França (parecia bastante distante para ser seguro). Foram atacados por ladrões de estrada e seu criado fora assassinado, com Jungkook fugindo para dentro do bosque com seu cavalo. Porém, logo foi alcançado e, para fugir dos bandidos, teve de abandonar seu cavalo e tudo o que possuía.

Assim, vagando pelo bosque e sem nada, foi atacado por Yoon e seus homens.

Quando terminou seu relato, Jungkook se recostou contra a cadeira, satisfeito consigo mesmo.

Era uma história simples, clara e verdadeira em todos os detalhes que poderiam ser verificados.

O rosto de Min-Ki não demonstrava nada além de uma educada atenção. E ele estava abrindo a boca para falar algo quando ouviram um leve ruído junto à porta.

Uma criada entrou, pedindo licença e realizando uma curta reverência. Trazia uma bandeja com o lanche; canecas de cerveja e biscoitos de aveias besuntados de mel.

Jungkook apenas beliscou o que lhe foi oferecido. Seu estômago estava embrulhado demais para que pudesse sentir qualquer apetite.

Por um acaso, acabou olhando a jovem garota nos olhos e a viu corar violentamente, logo realizando outra reverência e saindo da sala em passos apressados.

- Mas como foi, Sr. Jeon, que os homens de meu irmão encontraram-no vagando em suas roupas de baixo? - Min-Ki continuou, sem nem tocar nos biscoitos ou na caneca de cerveja. - Ladrões de estrada relutariam em molestá-lo, já que provavelmente o prenderiam para pedir um resgate. E mesmo com tudo que já ouvi desse capitão Yoon, ficaria surpreso se ele tivesse o hábito de estuprar viajantes perdidos.

- Bem, o que quer que tenha ouvido a respeito dele, asseguro-lhe que ele é inteiramente capaz disso. - retorquiu, não gostando do tom de desconfiança do outro.

- Ah, bem, - disse ele, balançando a cabeça e fazendo seu cabelo longo se mexer. - É possível, reconheço. O sujeito tem uma má reputação.

- Possível?

- Não disse que não acreditava no senhor. - respondeu sem se alterar. - Mas eu não chefio um grande clã por mais de vinte anos sem aprender a não engolir toda história que me contam.

- Sendo assim, o que diabos acha que eu sou?

Talvez estivesse ficando irritado demais. Mas era inevitável.

Min-Ki piscou, parecendo desconcertado com seu linguajar. Logo em seguida, as feições bem delineadas se recompuseram.

- Isso é o que veremos. - disse, voltando a sorrir daquele jeito estranho. - Enquanto isso, o senhor será um hospede bem-vindo à Leoch.

Ele não precisou pronunciar a ameaça, mas Jungkook era inteligente o suficiente para entendê-la entre as linhas de sua fala:

"Será bem-vindo aqui até eu descobrir quem você realmente é."

O garoto a quem a Sra. Irene se referia por "o jovem Yukimaru" foi buscar Jungkook para o jantar, que era servido num salão longo e estreito, com mesas em todo o seu decorrer.

Um fluxo contínuo de criados que saíam dos arcos em cada ponta do salão carregava travessas, tábuas de trinchar carne e jarros. Os raios de rol do entardecer do começo do verão infiltravam-se pelas janelas altas e estreitas; castiçais ao longo das paredes abaixo das janelas sustentavam archotes a serem acesos quando escurecesse.

Estandartes de tartãs pendiam das paredes entre as janelas, feitos de padrões de tecidos xadrez e brasões de todos os tipos. Em contraste à isso, a maioria das pessoas reunidas embaixo para jantar vestia-se em tons práticos de cinza e marrom ou no suave padrão de xadrez verde dos kilts de caça.

Jungkook podia sentir os olhares curiosos sobre suas costas enquanto seguia o jovem Yukimaru para o extremo oposto do salão.

O vozeiro da conversa de todos preenchia o lugar, ecoando pelos corredores, com a maior parte das palavras sendo ditas em gaélico.

Min-Ki já estava sentado em uma mesa na cabeceira do salão, com as pernas atrofiadas fora de vista.

Cumprimentou Jungkook com um aceno de cabeça assim que seus olhares se encontraram e fez sinal para que ele fosse se sentar à sua esquerda, ao lado de um homem de cabelos acinzentados, que fora apresentado como sendo seu marido, Dak-Ho, assim que chegou à mesa.

- E este é meu filho, Chung-Hee. - disse, indicando um bonito garoto de cabelos azuis de 7 ou 8 anos, sentado à sua frente, que tirou os olhos da travessa que admirava apenas tempo o suficiente para cumprimentar Jungkook com um rápido gesto de cabeça.

Jungkook acabou olhando para o garoto com certo interesse.

Sabia que Min-Ki tinha a Síndrome de Toulouse-Lautrec, uma doença que tivera (até agora) a oportunidade de apenas ler nos livros de medicina; onde, por uma deformação genética, os ossos se tornavam mais densos e, no decorrer de sua vida, começavam a se partir, destruindo suas pernas até que nada mais restasse.

Apenas 33 casos da Síndrome de Toulouse-Lautrec foram registrados até a sua época e, em todos eles, as vítimas morreram antes de completar vinte anos e eram estéreis.

Mas, bem, Min-Ki aparentava ter quase cinquenta. Seria possível que ele também pudesse gerar um filho saudável? Ou Chung-Hee, dali alguns anos, também se descobriria com a doença do pai?

Ao lado do menino, estava sentado Kwan, que lhe ofereceu um sorriso simpático assim que se encararam, apesar das antigas circunstâncias.

Duas adolescentes se encontravam perto dele, e elas deram risinhos e se cutucaram quando foram apresentadas a Jungkook. Eram suas filhas e se chamavam Pakura e Maki.

No exato momento em que uma delas estava prestes a se servir, Kwan arrancou a travessa de suas mãos em um ato brusco, empurrando-a na direção de Jungkook em seguida.

- Não tem educação, menina? - repreendeu-a. - As visitas primeiro!

Com certa hesitação e olhando para o outros presentes na mesa (que pareciam alheios à si, conversando sobre futilidades), Jungkook pegou a enorme colher feita de chifre que Kwan lhe estendia.

Não sabia ao certo que tipo de comida teria de provar. Então, ficou aliviado ao ver que a travessa continha uma fileira dos caseiros e totalmente conhecidos arenques defumados.

Nunca tentara comer arenque com uma colher, mas não viu nada semelhante a um garfo, logo se lembrando de que os talheres com dentes só seriam inventados dali muitos anos.

Então, assim que pretendia pegar um pouco do peixe e levá-lo a boca, notou que estava sendo observado atentamente pelos olhos amarelados de Chung-Hee.

- Você ainda não fez a oração. - ele disse, severamente, como se Jungkook houvesse cometido um grave pecado.

Ele sentiu um gelo percorrê-lo dos pés à cabeça.

- Hum, talvez você pudesse dizê-la para mim? - arriscou.

A última coisa que Jungkook desejava era que desconfiassem de que ele fosse um pagão ou algo semelhante.

Lembrava-se vagamente de Junghyun e Jeonghan falando sobre os métodos de tortura terríveis usados contra essas pessoas.

Os olhos amarelos de Chung-Hee se arregalaram, mas ele logo sorriu, assentindo de maneira animada (fofa até) e, unindo suas mãos, proferiu:

Alguns têm carne que não podem comer,

E outros poderiam comer, mas não têm carne.

Nós temos carne e podemos comer

E assim damos graças a Deus. Amém.

Jungkook segurou uma risada.

Quando Chung-Hee voltou a olhá-lo, pode ouvir a voz de Min-Ki ao seu lado:

- Muito bem, rapaz. Pode me passar o pão?

O jantar decorreu sem muitos acontecimentos.

A conversa se limitava a pequenos pedidos ocasionais de mais comida e coisas referentes à propriedade dos Namikaze. Jungkook procurava não prestar atenção demais no que diziam, mas era simplesmente impossível, com sua mente dizendo que qualquer informação adquirida poderia vir a ser importante no futuro.

Foi quando escutou Maki, uma das filhas de Kwan, dizer algo sobre esperar que Jimin estivesse bem.

- Jimin? - Dak-Ho perguntou, ao seu lado. - Ora, o que aconteceu com o rapaz?

- Só um arranhão, meu querido. - disse Min-Ki, olhando para seu irmão, do outro lado da mesa. - Mas onde é que ele está, Kwan?

Kwan deu de ombros, o olhar fixo no prato cheio de comida.

- Mandei-o à estrebaria para ajudar Jackson com os cavalos. Pareceu-me o melhor lugar para ele, considerando a situação. - então, ergueu a cabeça para encarar o irmão. - Ou você tinha outra ideia?

Min-Ki pareceu em dúvida.

- A estrebaria? Sim, bem... você confia nele?

Kwan passou a mão despreocupadamente pela boca, sem desviar o olhar, e estendeu-a para pegar um pedaço de pão.

Jungkook sentiu uma pequena tensão entre eles.

- Você é quem sabe, Min-Ki. Se não concordar com as minhas ordens...

Os lábios de Min-Ki se contraíram um pouco.

- Não. Acho que ele vai se dar bem lá. - disse, para depois retornar à sua refeição.

Jungkook também tinha suas dúvidas de que a estrebaria seria um bom lugar para seu paciente ferido à bala, mas resolveu que ficaria em silêncio.

Recusou o pudim e pediu licença para se retirar, alegando que estava cansado (o que não era mentira).

Estava tão cansado de tudo o que vinha acontecendo que quase nem ouvira Min-Ki dizer, assim que se levantou da mesa:

- Boa noite, então, Sr. Jeon. Enviarei alguém para trazê-lo ao Conselho no salão pela manhã.

Uma das criadas, assim que encontrou com Jungkook andando sozinho pelos corredores escuros do castelo, gentilmente o acompanhou até o quarto de antes. Acendeu a vela sobre a mesa e uma luz suave bruxuleou nas pedras maciças das paredes, dando-lhe a impressão de que estava em um mausoléu.

Antes de sair, fez questão de ajudá-lo a tirar o espartilho e as fitas de seu cabelo.

Assim que se viu livre daquilo, Jungkook se deitou na cama, escondendo-se do frio debaixo das cobertas e refletindo sobre tudo o que havia acontecido.

No entanto, mesmo que cansado, demorou à dormir, pensando em como Jeonghan deveria estar, há séculos de distância.

Foi a Sra. Irene que veio o acordar no outro dia, trazendo consigo uma coleção completa dos artigos de toalete disponíveis a um ômega escocês bem-nascido:

Um lápis de grafite para escurecer as sobrancelhas e as pestanas, potes de pó de arroz e de raiz de íris em pó, e até mesmo um bastão do que Jungkook imaginou ser kohl, mas não tinha muita certeza pois não sabia muito de maquiagem.

A Sra. Irene também trazia uma blusa cheia de enfeites prateados e um corpete de seda.

O que quer que fosse o Conselho, parecia ser uma ocasião de certa importância.

Porém, Jungkook não sabia se deveria se preocupar muito com isso.

Kwan dissera que Jimin estava na estrebaria. E a estrebaria tinha cavalos, com os quais se poderia fugir.

Ele decidiu que procuraria por Jimin depois.

O Conselho já acontecia quando Jungkook chegou ao salão.

Agora, diferente da noite anterior, as mesas e os bancos compridos estavam empilhados e encostados contra as paredes.

A mesa principal onde jantou fora substituída por uma cadeira imponente, de madeira escura e esculpida, coberta pelo tartã que Jungkook já imaginava que fosse do clã Namikaze, com o padrão exclusivo de tecido xadrez verde-escuro e preto, com finas linhas vermelhas e brancas sobrepostas.

Quem ocupava a cadeira era Min-Ki, vestido de seu kilt e, para surpresa de Jungkook, com um enorme lobo ao seu lado.

Por um momento, ficara assustado, observando a feição severa do animal de pelugem branca e marcas avermelhadas ao redor dos olhos.

Mas ele logo se lembrou de Jimin.

Enquanto estava sendo guiado pela Sra. Irene para que se misturasse à multidão daqueles que se encontravam na beiradas do salão, analisou o lobo, pensando se não poderia ser o jovem rapaz de que cuidara os ferimentos.

Entretanto, suas ideias se demonstraram infundadas assim que percebeu que o lobo ali era bem diferente, chegando até a ser menor que o dourado em que Jimin se transformava.

Isso significaria alguma coisa?

- Pronto, senhor. - disse a Sra. Irene, assim que se posicionaram próximos da cadeira do líder do clã, com uma boa visão do salão. - E bem a tempo de ver o segundo julgamento.

Jungkook olhou ao redor, analítico, percebendo que as pessoas se vestiam com roupas mais sofisticadas do que trajaram no jantar da noite anterior.

A luz do sol passava pelas altas janelas, iluminando um grande tapete vermelho que se estendia desde a porta de entrada até a cadeira em que Min-Ki estava sentado.

Ninguém ali parecia incomodado com a presença do lobo, e o animal possuía uma feição séria, movendo seus olhos negros pela pequena multidão presente.

A Sra. Irene se posicionou ao seu lado, olhando para a entrada do salão e murmurando alguma coisa para outras mulheres ao seu redor assim que viu dois homens passarem pelas portas, vestidos de kilts e peles de animais sobre as camisas de couro.

Logo ficou evidente para Jungkook que aquela era uma reunião regular em que o senhor do Castelo Leoch dispensava justiça aos rendeiros e arrendatários de suas terras, ouvindo os casos e resolvendo disputas.

Não precisou presenciar mais de dois julgamentos para que entendesse.

Havia uma agenda, onde o escriba, que ficava em uma mesa um pouco distante da cadeira do líder, lia os nomes em voz alta e, a cada vez, as partes interessadas adiantavam-se.

Embora alguns casos fossem apresentados em inglês, a maior parte dos procedimentos transcorria em gaélico. Porém, Jungkook notou que a linguagem corporal também era muito usada, e não fui difícil começar a entender o que diziam.

Os alphas (às vezes homens, às vezes mulheres, mas sempre alphas) reviravam os olhos e batiam os pés para dar ênfase em suas palavras.

E, quando percebeu, Jungkook já estava compreendendo que uma mulher alta e gasta pelo tempo, com uma enorme bolsa presa ao cinto, feita de pele de texugo, acusava seu vizinho, um homem magro e de feições duras, de nada menos do que assassinato, incêndio criminoso e roubo de sua esposa.

Min-Ki, que ouvia seu depoimento com visível atenção, ergueu as sobrancelhas como fizera quando conversou com Jungkook em sua sala, e disse algo rapidamente em gaélico, fazendo tanto a mulher quanto o outro homem se dobrarem de rir.

Limpando as lágrimas que se formaram, a mulher alpha finalmente assentiu com a cabeça e ofereceu a mão a seu adversário, em um aparto amigável, enquanto o escriba registrava tudo rapidamente; a pena rangendo como as patas de um rato.

Quando Jungkook pensou no porquê de ter sido obrigado a ir assistir aquela reunião, seu nome foi chamado.

Ele era o sexto agendado e talvez, refletiu, ao passo que era guiado pela Sra. Irene para que fosse até o tapete vermelho, essa tivesse sido uma posição calculadamente planejada para mostrar aos outros ali presentes seu grau de importância naquele Castelo.

Andou pelo tapete com os olhos fixos em Min-Ki, que lhe oferecia um sorriso ladino.

Não se deixou abalar pelos murmúrios que pode ouvir dos aldeões, provavelmente falando coisas de mal gosto à seu respeito, e nem pelas duas mulheres alphas que surgiram para escoltá-lo até o líder.

Permaneceu firme e sério, com o queixo levantado e a coluna ereta (mesmo que, naquela dia, também usasse as fitas e laços que a Sra. Irene colocara em seu cabelo).

Assim que chegou a poucos metros da cadeira, pode sentir o olhar firme do lobo ao lado de Min-Ki e realizou uma bela reverência que notara ser feita por todos os outros que vieram à sua frente.

Ao voltar a erguer seu olhar, viu Min-Ki fazer um pequeno gesto com a mão para alguém na multidão.

Antes que Jungkook se virasse para ver quem era, um homenzinho ruivo passou por ele em passos lentos, dirigindo-se até que ficasse do lado não ocupado da cadeira do senhor do Castelo Leoch.

Era Yoongi, e, como em todas as outras vezes, ele estava sério, com uma feição de poucos amigos no rosto.

- Pode falar. - disse Min-Ki, para ele, sem retirar os olhos de Jungkook.

- Senhor. - Yoongi fez um leve acenou com a cabeça. - Rogamos sua indulgência e clemência com respeito a um senhor necessitado de socorro e refúgio. Jeon Jungkook, um senhor inglês de Oxford, tendo sido atacado por ladrões de estrada e seu criado morto traiçoeiramente, fugiu para a floresta de suas terras, onde foi descoberto e resgatado por mim, um dos soldados de Kwan. Suplicamos que o Castelo Leoch possa oferecer refúgio a esse senhor até que... - ele fez uma pausa, sorrindo cínico quando seu olhar se encontrou com o de Jungkook. - ... seus contatos ingleses possam ser informados de seu paradeiro e que seu transporte em segurança possa ser providenciado.

Não passou despercebido para Jungkook a ênfase de Yoongi ao dizer a palavra "inglês" e, com certeza, também não passou a nenhum dos outros presentes.

Dessa forma, ele deveria ser tolerado, mas mantido sob suspeita.

Se Yoongi tivesse dito "francês", Jungkook seria considerado um intruso amistoso, ou, na pior das hipóteses, neutro.

Fugir do castelo estava se demonstrando se cada vez mais difícil.

Min-Ki, então, assentiu lentamente, como se concordasse com as palavras ditas, e fez uma reverência cortês para Jungkook, que retribuiu por educação.

Uma das mulheres alphas segurou seu braço, indicando que o seu julgamento havia acabado.

Era isso.

Foi conduzido novamente pelo tapete vermelho até seu antigo lugar de antes, ao lado da Sra. Irene, que lhe ofereceu um sorriso simpático assim que retornou.

- Muito bem, muito bem. - disse ela, e Jungkook pode ouvir alguns sussurros de pessoas aprovando a decisão de Min-Ki.

Porém, essa situação não demorou muito tempo.

Burburinhos nervosos preencheram o salão e Jungkook virou a cabeça para ver um homem alto e forte adiantando-se pela entrada, percorrendo o tapete vermelho enquanto arrastava uma jovem pelo braço.

Ela parecia ter uns 16 anos, com um rosto bonito e jovial, além de um longo cabelo rosa preso em um coque bem feito.

Pararam em frente à Min-Ki, e a garota foi empurrada para frente pelo homem, sendo obrigada a fazer uma reverência desajeitada.

Jungkook podia sentir um leve odor de medo vindo dela, vendo-a se recompor, com o rosto corado, e o homem, usando um kilt que ia até a metade das panturrilhas, começando a gritar palavras em gaélico, agitando os braços e apontando para a garota como se a acusasse.

- Por Deus. - ouviu a Sra. Irene murmurar, ao seu lado. E, para sua surpresa, a mulher segurou seu pulso, como se precisasse de um apoio.

Jungkook se inclinou em sua direção, oferecendo-lhe o braço (que ela aceitou sem pestanejar) e perguntou em um sussurro:

- O que foi que ela fez?

A mulher não desviou o olhar da cena quando o respondeu.

- O pai dela a acusa de comportamento licencioso; de encontrar-se inapropriadamente com rapazes contra as suas ordens. Ele... - a Sra. Irene fez uma pausa, murmurando algo em gaélico quando o homem gritou palavras que se assemelharam a um xingamento. - Ele quer que o Namikaze a castigue por desobediência.

- Castigar?

- Shhhiu. - alguém falou, próximo dos dois.

No centro, o pai da garota havia parado de falar e, agora, as atenções se voltavam para Min-Ki, que se encontrava inclinado para frente, com as mãos em frente à boca, parecendo meditar.

Então, após alguns segundos, ele olhou do pai para a filha, murmurando algumas palavras que Jungkook não soube dizer o que significavam. Depois, virou-se para o lobo ao seu lado, como se perguntasse sua opinião.

O animal balançou a cabeça de leve, assentindo.

Dessa forma, Min-Ki se voltou para a garota, observando-a de um jeito quase carinhoso, e Jungkook pensou que ele negaria o pedido de castigo.

Mas, então, ele bateu os nós dos dedos no braço da cadeira, fazendo um estremecimento percorrer a multidão. E, do meio dela, do outro lado do tapete vermelho, um homem alto e musculoso saiu, andando até Min-Ki e se colocando próximo da garota.

Ele fez uma reverência e Jungkook não conseguia acreditar que aquilo estaria mesmo acontecendo.

O pai sorriu, parecendo agradecido, e se distanciou para que não atrapalhasse o que estava prestes a acontecer.

A garota estava pálida, com os olhos verdes arregalados e as mãos trêmulas.

Não havia mais murmúrios e a Sra. Irene prendera a respiração ao seu lado.

Jungkook estava chocado (embora não demonstrasse isso em seu rosto), e teve o desgosto de ver o homem alto levar a mão ao cinto de couro em sua cintura, desabotoando-o.

Dois guardas que estavam contra uma das paredes se aproximaram, segurando a garota aterrorizada e a virando de costas para Min-Ki.

O pai dela andou até o líder, pondo-se ao seu lado, para que pudesse observar a cena melhor.

A garota começou a chorar, mas não fez mais nada além disso.

De repente, uma voz gaélica ergueu-se na multidão, sobressaindo-se sobre os pequenos sussuros e exclamações de entusiasmo.

Cabeças se voltaram para procurar pela pessoa que falara.

A Sra. Irene apertou o braço de Jungkook, erguendo-se nas pontas dos pés para ver melhor.

Já ele, não sabia o que poderia estar acontecendo; não fazendo ideia do que fora dito (apesar de sentir que reconhecia aquele tom de voz rouco e um pouco esganiçado).

Então, saindo dentre as pessoas bem ao final do salão, surgiu Jimin, caminhando em passos apressados e determinados.

Agora, de banho tomado e após provavelmente ter tido uma boa noite de sono, Jungkook pode perceber o quanto ele era bonito.

O cabelo loiro se agitava com seus movimentos, balançando sobre os olhos pequenos e azuis, e sua roupa era mais sofisticada do que antes.

Seu braço ainda estava preso na tipóia que Jungkook fizera no dia anterior, e seu kilt, limpo agora, ía até um pouco abaixo dos joelhos.

Passou por Jungkook como se não o notasse e se pôs em frente à Min-Ki, ajoelhando-se em uma reverência muito bem feita.

A garota arregalou os olhos quando o viu e, assim que Jimin voltou a ficar de pé, começou a falar algo em gaélico, que pareceu gerar controvérsia.

O lobo ao lado de Min-Ki mostrou os dentes afiados, sem produzir qualquer tipo de som ou rosnado, e muitos dos aldeões dentro do salão retornaram a chochichar.

- O que foi? - Jungkook se viu murmurando antes que pudesse se conter.

Não conseguiu tirar os olhos de Jimin, que gesticulava os braços, como se argumentasse.

A Sra. Irene acompanhava os acontecimentos com grande interesse.

- O rapaz está se oferecendo para receber o castigo pela jovem. - ela falou, distraidamente.

- O quê? - disse, o mais baixo que pode. - Mas ele está ferido.

A Sra. Irene balançou a cabeça.

- Não sei. Estão discutindo isso agora. Veja bem, é permitido que um alpha de seu próprio clã se ofereça por ela, mas o rapaz não é um Namikaze.

- Não é? - Jungkook estava um pouco surpreso.

Pensara que todos os alphas que estavam no grupo de Kwan quando o capturaram pertencessem ao Castelo Leoch.

- Claro que não. - a Sra. Irene parecia um pouco impaciente. - Não vê o tartã dele?

Então, Jungkook olhou melhor para o kilt que Jimin usava e viu a diferença.

Embora Jimin também vestisse um tartã de caça nas cores verde e marrom, os tons eram diferentes.

O marrom era mais escuro, quase um tom de casca de árvore, e o verde era mais claro, com uma fina listra azul.

Achou aquilo interessante.

De repente, Min-Ki mais uma vez bateu os nós dos dedos no braço da cadeira e a multidão ficou em silêncio.

Os dois guardas soltaram a garota, que correu para o meio das pessoas sem qualquer cerimônia, e Jimin deu um passo à frente para tomar o lugar dela.

Jungkook sentiu-se tenso quando fizeram menção de segurar seus braços, mas ele falou em gaélico para o homem com o cinto de couro e os dois guardas se afastaram.

Surpreendentemente, um sorriso largo e insolente iluminou o rosto de Jimin, brilhando sob a luz do sol vinda das janelas.

- O que ele disse? - perguntou Jungkook.

- Ele prefere os punhos em vez da correia. Um alpha pode fazer essa escolha, mas os ômegas e os betas não.

- Punhos? - mas ele não teve tempo para respostas.

O homem alto de antes se pôs de frente para Jimin e afastou o punho cerrado, para logo depois arremessá-lo em seu estômago.

Jimin dobrou as pernas, encolhendo-se, e soltou a respiração com uma arfada.

O homem esperou que ele se erguesse outra vez para lhe socar novamente, mas, agora, nas costelas, com o punho vindo de baixo para cima.

Depois, atingiu-lhe os braços e o estômago de volta.

O rapaz não fazia esforço nenhum para se defender, apenas escolhendo-se quando chegava o impacto e esperando pelo próximo soco; meramente tentando se manter em equilíbrio.

Então, o homem o acertou no rosto, e a cabeça de Jimin foi atirada para trás.

Exclamações de dó preencheram o salão.

Mas, apesar disso, Jungkook percebeu que o homem demorava alguns segundos entre um soco e outro, tomando cuidado para não nocautear sua vítima ou bater muitas vezes no mesmo lugar.

Era um espancamento científico, conduzido para infligir dor, mas não para aleijar ou mutilar.

Um dos olhos de Jimin começou a inchar, porém, fora isso, ele não estava em um mau estado.

Jungkook ficou um pouco receoso com suas ataduras, temendo que acabassem se soltando ou os ferimentos de antes apenas piorassem.

Qual era o problema de Jimin, afinal?

Parecia que Jungkook sempre teria de ajudá-lo a não morrer.

- O pequeno Juugo só irá parar quando ele sangrar. - disse a Sra. Irene, ainda segurando seu braço com uma certa força. - Em geral, acontece quando o nariz é quebrado.

Jungkook não sabia ao certo o que responder à isso, então optou por ficar em silêncio.

Agora, aparentemente o homem decidira que a punição já transcorrera pelo tempo desejado. Deu um passo para trás e desferiu um golpe fulminante contra o rosto de Jimin.

Ele cambaleou para trás, bambo, e caiu de joelhos.

Os dois guardas se aproximaram para levantá-lo e deixar que aquilo continuasse, mas isso se fez desnecessário quando o sangue começou a jorrar do nariz do rapaz.

A multidão explodiu num zumbido de alívio e o homem alto e ruivo se afastou, satisfeito com seu golpe.

Um guarda segurou Jimin pelo braço, levantando-o enquanto este balançava a cabeça, tentando desanuviá-la.

O rapaz ergueu o olhar para encarar Juugo e, surpreendentemente, riu, com os lábios sangrando e o olho inchado.

Jungkook não podia acreditar.

- Obrigado. - ouviu Jimin dizer, com a voz meio grogue.

Após isso, os guardas o levaram para fora do salão por uma porta lateral, voltando logo em seguida para que acompanhassem o rosto da reunião.

Provavelmente não deveria ir até lá.

Era mais seguro se ficasse na companhia da Sra. Irene, assistindo ao resto do Conselho.

Mas Jungkook se sentia mais interessado no jovem machucado do que nos próximos julgamentos que se seguiriam.

Sendo assim, não pensou muito ao se despedir da Sra. Irene com uma rápida palavra, abrindo caminho dentre os aldeões para que chegasse até Jimin.

Encontrou-o depois de passar pela porta e seguir por alguns corredores.

Estava em um pátio interno, pequeno e vazio, no chão e recostado contra uma fonte de água.

Limpava a boca com a ponta da camisa, revelando um pouco de sua barriga bronzeada.

Agora, sujo de sangue e com as roupas amassadas, já não tinha a aparência forte e imponente de quando gritara pelo salão, impedindo que a garota fosse castigada.

Assim que entrou no pátio, Jimin ergueu os olhos em sua direção, e Jungkook podia jurar que os viu brilhar.

Retirou um lenço de dentro do bolso e caminhou até ele, estendo-lhe.

- Tome. - disse, quando já estava perto o suficiente.

Jimin sorriu pequeno, largando a camisa e pegando o lanço de suas mãos.

- Uhm. - grunhiu. - Obrigado.

Com isso, ele passou a limpar o sangue que saía de seu nariz.

Lá de cima, Jungkook cruzou os braços sobre o peito, analisando-o. Percebeu que ele não estava muito ferido, embora tenha sido uma bela exibição de socos.

Viu que Jimin tentava passar o pano por dentro de sua gengiva.

- Sua boca está cortada por dentro também? - perguntou.

- Hum-hum. - grunhiu novamente.

Jungkook se abaixou à sua frente, sentando-se sobre as pernas.

Jimin pareceu ter entendido o que ele pretendia fazer e se inclinou em sua direção, permitindo que segurasse seu rosto pelo maxilar inferior.

Ele fechou os olhos e Jungkook levou um dos dedos até seu lábio carnudo, puxando-o para baixo de maneira delicada.

Havia um corte profundo na mucosa brilhante da bochecha e umas duas perfurações pequenas na membrana rósea da parte interna do lábio.

O sangue misturado à saliva se acumulou e escorreu por seu queixo quadrado.

Jimin levou o lenço até lá para se limpar, afastando-se do toque de Jungkook.

- Água. - falou com dificuldade, abrindo os olhos para fitá-lo.

- Certo.

Felizmente, havia um balde e um copo de chifre na borda da fonte.

Jungkook encheu-os, voltando para perto de Jimin logo em seguida.

Ele deixou o lenço de lado, no chão, e lavou a boca com a água do chifre, cuspindo-a várias vezes.

Depois, jogou o que tinha dentro do balde sobre o rosto, limpando-se do sangue já seco.

Jungkook estava sentado de pernas cruzadas, encarando-o com curiosidade.

- Por que fez aquilo? - perguntou.

Jimin começou a se secar com a manga da camisa, fazendo seu cabelo loiro ganhar um aspecto engraçado.

- O quê? - disse ele, endireitando-se contra a fonte.

- Oferecer-se para receber a punição no lugar daquela garota.

Ele tocou de leve o lábio ferido, que provavelmente incharia em poucos minutos, e se encolheu ligeiramente, fechando os olhos em um ato infantil.

- Bem... - Jimin encolheu os ombros. - Teria sido uma vergonha para ela, levar uma surra em pleno Conselho. Era mais fácil pra mim.

- Você a conhece? - Jungkook não sabia porque estava perguntando.

Apenas queria saber.

- Sei quem é. - falou com pouco caso, virando a cabeça em sua direção. - Mas nunca falei com ela.

Jungkook franziu o cenho, não o compreendendo.

Jimin pareceu gostar disso e sorriu pequeno, mexendo suas pernas no chão, puxando-as para perto.

- Seria bem mais fácil pra mim, entende? - disse. - Ela é muito jovem. Teria sido envergonhada diante de todo mundo que a conhece e levaria muito tempo até superar isso. Estou dolorido, mas nada realmente grave. Vou me recuperar em três ou quatro horas.

- É um tempo bem curto. Eu não teria tanta certeza disso.

Jungkook não entendeu porque o sorriso de Jimin aumentou.

- Eu sou um lúpus, não sou? - seu tom de voz era divertido. - As coisas funcionam diferente para mim.

Como não obteve qualquer reação do outro, o sorriso do Jimin diminuiu.

- Você nunca ouviu falar dos lúpus? - ele perguntou, olhando-o com atenção.

Jungkook não precisou o responder.

- Nossa. - Jimin pareceu impressionado, mexendo-se novamente para se sentar de uma maneira melhor. - De onde o senhor vem, sassenach? Do Novo Mundo na América?

- Isso não vem ao caso.

Seus olhos ganharam um brilho de diversão e ele deu de ombros, mas isso fez com que uma onda de dor tomasse conta de seu rosto.

Jungkook olhou para onde estava sua tipoia, vendo-a apenas um pouco amassada.

- Quer que eu faça outro curativo? - perguntou.

Jimin dispensou sua oferta com um aceno de mão.

- Eu estou bem. Vou melhorar logo. Eu só... - fez uma pausa. - Como o senhor não sabia dos lúpus? O que pensou que eu fosse quando me transformei em um lobo bem na sua frente?

Não havia uma resposta certa para isso e Jungkook não sabia como explicar toda aquela situação, então apenas fez que tanto fazia.

Assim, viu Jimin rir baixo, fechando os olhos e apoiando a cabeça contra a fonte de água.

- O senhor deve achar que sou um possuído. - ele disse, ainda rindo. - Ou, no mínimo, um bruxo.

Ele permaneceu assim por mais alguns segundos, parando aos poucos quando provavelmente suas costelas começaram a doer.

Depois, os dois ficaram em silêncio e Jungkook passou a admirar os contornos fortes e marcantes de seu rosto.

Era tão semelhante com o homem que vira na janela da pousada da Sra. Baird...

Mas faltavam as cicatrizes.

E Jungkook não queria pensar que, na verdade, talvez Jimin fosse aquele homem e, em algum momento no futuro/passado, ele conseguisse aquelas marcas.

- Bem antigamente - disse o rapaz, interrompendo seus pensamentos. Ele olhava para cima. -, no tempo dos meus tataravós, todos podiam se tornar animais. Lobos, pra ser mais exato. Os clãs escoceses eram formados de linhagens centenárias, todas com o sangue bem preservado. Mas, então, vieram os ingleses. Colonizadores. E eles destruíram o sangue puro, fazendo surgir os betas e espalhando o segundo gênero pela Europa.

Jimin virou a cabeça para olhá-lo, e lhe ofereceu um sorriso triste.

- Os deuses antigos haviam nos dado esse poder para que vivêssemos em harmonia com a natureza. O segundo gênero nasceu na Escócia. E os sassenachs tiraram isso de nós. Agora, são poucos os sangue-puros que restaram, e apenas se transformam aqueles que tem a sorte de serem alphas. Eu sou um deles, por puro acaso, na verdade. Eu sou um lúpus.

Jungkook não soube o que dizer.

Não era aquela história que contavam às crianças nas escolas de seu tempo.

- Então, o lobo do Conselho... - arriscou.

Jimin assentiu.

- Aquele era o Kwan. - disse. - Antes, era uma regra que todo líder de um clã fosse um lúpus. Mas o número vem diminuindo cada vez mais, e já existem famílias onde isso não acontece. Apenas os mais fortes tem um lúpus no poder. Os Namikaze são um deles, embora o Min-Ki esteja um pouco... bem. Você sabe. Quando ele era mais jovem, conseguia se transformar em um grande lobo de pelos negros. Agora, ele tem aquela coisa nas pernas.

Porém, antes que conseguisse perguntar qualquer outra coisa, a porta do pátio interno foi aberta, revelando uma Sra. Irene sorridente.

- Finalmente eu te achei! - ela exclamou, entrando em passos lentos enquanto carregava uma bandeja com alguns potes, uma tigela larga e uma toalha de linho limpa. - Vejo que já encontrou alguém que cuide de você, talvez não precise mais de mim... Mas eu vim mesmo assim.

- Não fiz nada além de buscar um pouco de água. - falou Jungkook, não gostando do tom que ela usara. - Ele não está muito ferido, mas não vejo muito o que se possa fazer além de lavar seu rosto.

A Sra. Irene revirou os olhos como se pensasse: "amadores".

- Ah, ora, sempre há alguma coisa, sempre há alguma coisa que pode ser feita. - disse, descontraidamente. - Ora, esse olho, rapaz, deixe-me vê-lo.

Assim, ela logo deixava as coisas que segurava no chão e se colocava ao lado de Jungkook, de frente para Jimin, segurando seu rosto.

Seus dedos firmes e decididos pressionaram o inchamento roxeado delicadamente, deixando marcas brancas que desapareceram bem rápido.

- Ainda está sangrando sob a pele. As sanguessugas vão ser úteis. - a mulher falou compropriedade, conversando com Jungkook como se Jimin não passasse de um boneco para alunos de medicina.

Ela levantou a tampa da tigela, revelando várias lesmas escuras e pequenas, de três a cinco centímetros, cobertas com um líquido de aspecto asqueroso.

Jungkook achou aquilo muito interessante e, assim que a viu pegar duas delas com a mão em formato de concha, aplicando uma na pele logo abaixo do osso da sobrancelha e a outra abaixo do olho; perguntou se não poderia fazer isso também.

Jimin nem ao menos parecia se importar. Provavelmente não era a primeira vez que passava por aquilo.

- Veja bem, - explicou a mulher, colocando uma mecha loira atrás da orelha. - quando uma contusão se estabelece, as sanguessugas não adiantam mais. Mas, quando se tem um inchaço como esse, que ainda está se formando, significa que o sangue está fluindo sob a pele e as sanguessugas podem extraí-lo. Porém, se colocar demais, poderá causar hemorragia. Então, sempre use apenas duas.

Jungkook ficou observando as lesmas se mexerem sobre o olho de Jimin.

A Sra. Irene bateu de leve no joelho do rapaz.

- Nem mesmo dói, não é? - falou ela.

Ele concordou com a cabeça, fazendo as sanguessugas balançarem junto de seus movimentos.

- Não. Dão uma sensação fria, só isso.

A mulher se virou para mexer nas botijas e frascos que trouxera na bandeja.

- Muitos não sabem usar sanguessugas. - disse. - Quando colocadas numa contusão antiga, só sugam o sangue bom, e isso é péssimo.

Jungkook a ouvia com atentamente, prestando atenção em suas palavras.

Sempre gostava de adquirir conhecimentos médicos quando se mostrava possível.

- Agora, rapaz, faça um bochecho com isso; vai limpar os cortes e aliviar a dor. - entregou um dos potes que preparara à Jimin. Depois, voltou-se para Jungkook. - É chá de casca de salgueiro com uma pitada de íris moída.

- A casca de salgueiro não aumenta a possibilidade de sangramento? - ele perguntou, lembrando-se de uma aula que tivera de botânica.

Pelo canto do olho, pode ver Jimin o observando fixamente.

A Sra. Irene assentiu.

- Sim. Às vezes sim. É por isso que, em seguida, você dá um punhado de erva-de-são-joão embebida em vinagre. Isso estanca o sangramento, se tiver sido colhida na lua cheia e bem moída.

Jimin obedientemente lavou a boca com o líquido que lhe fora oferecido, os olhos lacrimejando com o cheiro penetrante do vinagre aromatizado.

A essa altura, as sanguessugas já estavam gordas, e se desprenderam do olho não mais inchado, caindo no chão e saltitando tal qual um verme.

Jungkook as pegou sem sequer sentir nojo (achava até mesmo fascinante) e as entrou à Sra. Irene, que as colocou de volta na tigela.

O olho de Jimin, agora, estava mais aberto. E, quando este percebeu que estava sendo observado por Jungkook, dirigiu-lhe um sorriso divertido.

- Você vai estar com uma aparência horrível amanhã, rapaz. - disse a mulher. - O que você precisa, agora, é colocar um pedaço de carne crua encima do olho e pingar um pouco de caldo de carne com cerveja para fortalecê-lo. Vá até a cozinha mais tarde que eu arranjarei tudo pra você.

Ela pegou sua bandeja e se levantou, assumindo, então, uma feição séria.

- O que você fez hoje foi de bom coração, Jimin. - ela falou. - Soo-Young é minha neta, você sabe. Eu lhe agradeço por ela. Embora ela deva agradecer pessoalmente a você, se tiver um pouco de educação. - então, inclinou-se sobre ele e mexeu em seu cabelo loiro, bagunçando-o.

Com isso, a Sra. Irene se virou, despedindo-se com poucas palavras e saindo do pátio.

Quando se viram novamente sozinhos, Jungkook se voltou para ele, analisando seu rosto com hematomas amarelados e roxos.

Até mesmo o corte no lábio diminuíra.

- Como se sente? - perguntou.

- Bem. - e, assim que recebeu um olhar de descrença de Jungkook, ele sorriu, adicionando: - São apenas machucados, sassenach. Lembre-se: eu sou um lúpus. E... parece que eu tenho de lhe agradecer outra vez. Com essa, são três vezes em três dias que você cuidou de mim. Deve estar achando que sou um pouco atrapalhado.

Jungkook não achava.

Ele tinha certeza.

Apesar disso, e movido a um pequeno sentimento de necessidade de se aproximar, levantou um dos braços e tocou um dos hematomas em seu queixo quadrado, sentindo a pele áspera.

- Atrapalhado, não. - murmurou. - Um pouco insensato, talvez.

Assim que se deu conta do que estava fazendo, recolheu sua mão.

Então, o olhar de Jimin se focou em algo atrás de Jungkook.

Quando se virou para ver o que era, a jovem chamada de Soo-Young estava parada perto da porta.

Ela recuou alguns passos assim que seus olhares se encontraram, e seu rosto ganhou um tom avermelhado.

- Acho que alguém quer falar com você a sós. - disse Jungkook, baixo o suficiente apenas para que Jimin ouvisse. - Vou embora. Mas as ataduras podem ser retiradas amanhã. Irei à sua procura.

Levantou-se, limpando a calça e amaldiçoando o maldito corpete que fora obrigado a vestir ao quase perder o ar de seus pulmões.

Jimin estendeu a mão, olhando fixamente para Jungkook.

- Tudo bem. - disse. - E, mais uma vez, obrigado.

Apertou sua mão, sentindo os dedos magros e repletos de arranhões de alguém que já passara por muitas coisas.

Ao se virar e começar a andar calmamente, podia sentir o olhar de Jimin sobre si.

Próximo da porta, Jungkook notou como a jovem Soo-Young era mais bonita do que imaginara, com os meigos olhos verdes e uma pele lisa e suave como a pétala de rosa.

O rosto dela se iluminou ao olhar para Jimin, entrando no pátio em passos tímidos.

Quando chegou ao corredor e se vendo sozinho, Jungkook se perguntou se Jimin estaria dizendo mesmo a verdade quando afirmara que não a conhecia.

Talvez seu gesto cavaleiresco não tivesse sido tão altruísta quanto parecia ser.

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