~ Amber ~
Ver o garoto ir de costas, apenas de box, com tatuagens expostas me deixou tão tonta que quase cai para trás. Óbvio que ele não vai entrar nessa água que com certeza está um puta gelo. Pensei nisso até o último segundo, quando Dener sem nem hesitar se jogou e foi nadando contra a corrente. Arregalei os olhos e levei a mão até a boca, sem acreditar que ele fez mesmo isso.
Está tão escuro que só pude ver um ponto branco nesse fundo preto.
- Se meu amigo morrer por causa de vocês, vão se virar para arrumar outro pra mim. - Andy negou com a cabeça, observando a cena.
Eu queria dizer que isso é drama dele, mas não da. Por um lado sei que Dener não vai morrer, né, só que por outro, sei também como isso pode ser prejudicial. Principalmente para o bem-estar dele. Quem se joga em um mar com essa temperatura, justamente nessa hora da noite?
- Eu achei que ele ia desistir. - Falei.
O garoto ao meu lado me encarou com uma sobrancelha erguida.
- Não conhece mesmo ele.
Cruzei os braços, me virando.
- Como assim? Por que?
- Amber, Dener nunca desiste de nada. Se realmente desistir, é porque algo o obrigou a fazer isso. - Desviou o olhar, voltando sua atenção para seu melhor amigo. - Chega a me da raiva, mas ele é extremamente persistente e gosta de apostas. O que posso fazer?
Só sendo retardado mesmo.
Fiquei o encarando sem colocar fé no que está mesmo acontecendo. Olhei para sua lata que ainda está em minhas mãos, me perguntando o quão louco esse garoto consegue ser, e quais são seus limites para em uma noite nem tão quente, com o mar em uma temperatura baixa, sem poder trocar de roupa, se molhar dessa maneira? Não sei até aonde ele chega, e para ser sincera, tenho medo de descobrir.
Fechei os olhos, sentindo meu corpo ficar dormente com a ideia de levar isso mais longe entre a gente. Não da para continuar acontecendo, mas caramba, parece que tudo está conspirando para que continue acontecendo de novo, e de novo. Acho que a partir de agora preciso resistir à ele, e me concentrar em não ceder.
- Acho melhor tirarmos ele da água, ou vai acabar ficando doente. - Max falou, atraindo nossa atenção.
- Deixa ele. Não quis se amostrar? Agora aguenta. - Sebastian falou com desdém.
Fiquei totalmente surpresa, afinal, ele nunca se incomodou com isso, até porque alguns de seus amigos fazem isso sempre. Até parece que pegou raiva do Dener por algum motivo que com certeza deve ser bem idiota.
- Não seja rude! - Julie disse, com as sobrancelhas franzidas. - Claro que ele fez isso porque algumas pessoas não tem senso do ridículo e o desafiaram. Ele não tem culpa de nada.
Tinha que ser.
- Veneno de cobra pra mim é drink, amor. - Falei para a mesma, passando a língua nos lábios.
Julie revirou os olhos tão forte que quase ficou vesga de vez. Beijei a ponta do indicador e lancei o mesmo no ar, com um sorriso maldoso.
- Vamos lá pedir para ele sair. - Jéssica disse, se erguendo e nos ignorando.
Cruzei os braços e observei a mesma indo ao lado de Andy até perto da água. Não sei o que eles disseram, mas Dener apenas veio nadando até a marge totalmente pálido, o que destacou seus olhos azuis e seu cabelo loiro, que dava a impressão de ser preto. Enquanto minha melhor amiga vinha acompanhada pelo melhor amigo dele, o garoto saiu do mar.
Sua box preta pareceu ainda mais apertada e marcada, me fazendo perder o fôlego. Ergui o olhar para seu rosto, quando Dener passou a mão no cabelo, o jogando para trás. Seu corpo totalmente encharcado, e pingos d'água escorrem pela sua tatuagem, mais precisamente na de um baralho, perto da costela. Apesar de estar mais branco que o normal, não mostrou muito frio, apenas ficou tremendo um pouco.
O garoto foi até a fogueira, sentando na ponta do saco de dormir.
- Aqui - Lúcia entregou a canga que retirou da mochila. - Ao menos se seca.
Dener pegou sem reclamar, esfregando o tecido no rosto. Senti um pouco de pena por ter feito ele passar por isso sem necessidade.
- Olha, não vou ficar aqui morrendo de frio não. Vamos correr, pular ou qualquer coisa. Estamos na praia, não quero ficar parada! - Julie levantou. - Bora. - Puxou Sebastian pela mão, que fez corpo mole de começo, mas decidiu ceder.
Desviei, não querendo olhar a cena.
- Okay, ela está certa. - Jéssica levantou, puxando Max e Andy pela mão. - Vamos, Lu.
Dei um gole na minha bebida, observando eles passarem por mim e começarem a correr. Minha prima parou ao meu lado.
- Não vai?
- Não, estou bem. - Dei um sorriso sem mostrar os dentes, dando outro gole.
- Você que sabe. Aproveita e usa esse tempo para falar com ele. - Fez sinal com a cabeça para a fogueira.
Quando olhei, Dener estava lá sozinho. Já tinha colocado seu short jeans, mas permanece sem blusa, encarando o fogo.
- E por que eu vou falar com e...? - Me virei, mas Lúcia já tinha ido se juntar aos outros.
Respirei fundo, virando o copo toda goela à baixo. Fui caminhando a passos lentos até perto dele, me sentando ao seu lado. Dener ergueu uma sobrancelha ao me ver ali.
- Está bem? Quero dizer, aquela água estava um gelo. - Decidi puxar assunto.
Ele voltou a observar a fogueira.
- Acho que sim. Não é nada de mais, eu costumava fazer igual na época do colégio. - Deu de ombros.
- Não acredito que fez isso.
O garoto ao meu lado me olhou com um sorriso, fazendo sua covinha ficar à vista.
- Quer dizer que está se sentindo culpada?
- O q-que? Óbvio que não. - Revirei os olhos. - Você merece cair duro de frio.
Ouvi sua risada e escondi o sorriso que se formou em meus lábios.
- Okay, vou fingir que acredito. - Me olhou.
- Você é muito convencido, sabia?
- Olha quem está falando, princesa.
- Não cansa desse apelido?
- Não cansa de me irritar?
Cruzei os braços, rindo de maneira exagerada.
- Eu sei que gosta, só não admite.
- Amber, você é insuportável quando quer. Me diz quem gosta disso.
- Você. - Pisquei para o mesmo que suspirou dramaticamente. - Mas é sério, está bem mesmo? Só sendo um louco para fazer o que fez.
- Ah, depois que você aprende a conversar sem querer matar uma adolescente mimada, o resto é fácil.
Forcei os olhos, parecendo com raiva.
- Vai mesmo discutir comigo? - Perguntou vendo minha cara.
- Okay, eu posso ser um pouquinho mimada. Não é uma coisa muito boa quando o que você quer não tem nada a ver com dinheiro.
E sempre foi a mais dura verdade pra mim. Objetos? Roupas? Tenho tudo isso e mais um pouco, porém, o que venho desejando há um tempo, o dinheiro não pode resolver e nem realizar. Não ele.
- Sei como é. - Se encolheu. - Só, sei lá.
Toquei em seu braço, e me senti mais culpada ainda ao ver que seu corpo permanecia extremamente gelado. Levantei indo até minha mochila, de costas para o garoto. Tirei algumas coisas de cima, até retirar sua jaqueta de couro que desde então não saiu do meu quarto.
Voltei a sentar do seu lado, erguendo a peça de roupa para o mesmo, que ficou confuso.
- Minha jaqueta? - Voltou a me encarar. - Por que trouxe?
- Achei que eu sentiria frio. - Dei de ombros. - Admite, fica melhor em mim do que em você.
Dener riu, revirando os olhos. Colocou a mesma, ajeitando ao seu corpo.
- Obrigado, eu acho. - Sorriu, mas logo ficou com uma expressão séria. - Amber, o que acha do que aconteceu hoje?
Travei. Realmente é uma boa pergunta. Pergunta que não sei responder.
- Da para simplificar?
- O que sentiu? É que não quero confundir as coisas.
Meu Deus, me diz que é brincadeira.
- Não acha que estou apaixonada por você, não é? Além de saber de quem eu realmente gosto, só ficamos duas vezes.
- Eu sei, eu sei. Não acho que esteja apaixonada, a questão é que sei lá. Nem sei o porquê estou perguntando isso.
Sua voz mostrou confusão, como se Dener estiver mesmo escondendo algo.
- O que aconteceu?
O garoto me encarou.
- O que?
- Dener, o que não quer que eu saiba? Sei que o que está te preocupando não é essa história de ficar.
- Não quero que aconteça a mesma coisa que está acontecendo com o Sebastian.
- E o que acontece com o Sebastian, exatamente? - Franzi as sobrancelhas.
Não quero mesmo saber a resposta disso.
- Você acabar se enganando também.
Dei um sorriso nervoso, ficando em pé ao lado dele.
- Não posso acreditar. - Falei mais pra mim do que para ele.
- Amber?
- Porra, está mesmo brincando comigo, não está? Tira da cabeça de uma vez que estou me enganando. Para com isso!
- E não está?
- Não! Você prometeu não se meter mais nessa história.
O garoto respirou fundo, levantando também.
- Eu sei, me desculpa. - Passou a mão no rosto. - Não vou mais falar nada. Você sabe o que faz, e de qualquer forma não é da minha conta.
Fiquei receosa, com medo de isso ser apenas para aliviar, e depois ele falar algo pior.
- Senta ai, vai. - Suspirei, sentando novamente. Dener fez o mesmo. - As vezes eu me descontrolo, e acabo falando o que não devo.
- Engraçado que quando tem que se descontrolar, ai não rola, né. - Disse de forma descontraída.
Ele me lançou um olhar, se mostrando intrigado. Não aguentei e acabei rindo.
- Eu mereço. - Negou com a cabeça. Lhe dei um empurrão leve.
- Então... - Me ajeitei na almofada, virando totalmente para o garoto. - Me fala sobre os gêmeos.
- O que quer saber?
- Ah, sei lá - Dei de ombros. - Como eles são?
Dener pensou um pouco na resposta antes de falar.
- Ah, Hannah é... - Sorriu de leve, encarando o chão. - A Hannah é extrovertida, faz amizade fácil, sempre foi louca por contos de fadas, é uma boa leitora e bem inteligente. Já o Harry é mais nada dele, gosta de desenhar, não conversa muito com pessoas que não conhece, anda de skate e é um pouco mais desligado. Eles são uma ótima combinação, e estou cada vez mais com saudades desses dois encrenqueiros.
- Vou adorar conhecer eles um dia.
- Nem pensar. - Respondeu sem me olhar.
Coloquei ambas as mãos na cintura.
- Por que não?
- Você vai ser uma péssima influência para a Hannah.
- Que nada, ela é uma das minhas.
- Aham, vai sonhando.
Dei língua para o mesmo e desviei o olhar, observando o pessoal um pouquinho mais afastados. Parecendo brincar de sei lá o que, eles riam e corriam um dos outros como crianças com sete anos. Andy pegou Jéssica no colo, ameaçando jogar a mesma na água, que se debatia em desespero.
Peguei o celular na mochila e vi que já são umas dez horas. Não sei o que fizemos nesse tempo todo, mas a noite está bem longe de acabar.
- Já volto. - Avisei para o garoto ao meu lado.
Levantei e fui até os outros com o violão do meu avô em mãos. Me aproximei de Max e ergui o objeto para o ele.
- Já estou começando a ficar cansada. Reúne todo mundo e canta alguma coisa, tanto faz. - Dei de ombros.
Sem nem pensar duas vezes, o garoto fez isso. Em questão de minutos, todos já estavam em volta da fogueira novamente. Fiquei no meu saco de dormir, entre Lúcia e Jéssica. Permaneci com um certo nojo ao ver Julie entre Sebastian e Dener. Andy ao lado de seu melhor amigo, seguido de Max que ficou perto de Lúcia. O garoto de cabelo grande começou a tocar alguns acordes no violão.
Ficamos um bom tempo rindo e colocando marshmallow no espeto, cantando de forma desafinada e engraçada. Depois disso, contamos e recordamos algumas coisas de acordo com a conversa, sem nunca deixar o clima morrer. Não sei em qual parte dessa noite maravilhosa eu acabei pegando no sono e dormindo mesmo.
(....)
Senti alguém acariciando meu cabelo, enquanto repetia meu nome algumas vezes, na intenção de me acordar. Fiquei relutante de começo, mas decidi abrir os olhos. Jéssica prendeu seu cabelo ondulado e continuava a fazer carinho.
- Temos que ir. Já está começando a amanhecer.
Olhei para o céu, só então notando que ele está claro, com pequenas nuvens laranjas e rosas. Esfreguei os olhos, me sentando logo em seguida. Prendi meu cabelo em um coque e observei as coisas em volta. A fogueira já apagada, apenas com vestígios das cinzas. Todos já de pé e rindo conforme arrumam as coisas.
- Só eu dormi?
- Sim, apesar do Dener ter que dormir também.
Franzi as sobrancelhas, confusa. Soltei um bocejo.
- Por que?
- Ele não está nada bem, só que fica teimando dizendo que está. Fica espirrando e tossindo direto.
Senti uma revirada no estômago, e uma pontada horrível no peito. Não devia ter deixado e muito menos dado ideia para ele ir para o mar, e agora está aí, resfriado ou seja lá com o que.
Passei os olhos pelos outros, e Dener já estava ajeitando a moto, de costas pra mim.
- Meninas - Sebastian atraiu nossa atenção. - Já chamei dois carros pelo aplicativo. Eles já devem estar chegando. Tudo pronto? - Assentimos.
Terminamos de arrumar tudo, e agradeci mentalmente por não ter que ir a pé. Estou morgada de sono. Quando um carro branco parou, falei que ia na frente com Andy, Jéssica e Lúcia, deixando o nojo desse casal para trás. Dener foi sozinho na moto, e isso me deixou apreensiva.
Quando finalmente chegamos em casa, fui direto para o banheiro, mas o garoto já tinha chegado primeiro. Espero que ele tome um banho quente e relaxante, ficando bem melhor depois. Fui para o segundo andar, indo para o segundo banheiro e tirando a areia do corpo. A água morna me tranquilizou e até me deixou um pouco menos tonta de sono.
Saí com a toalha enrolada no corpo, indo direto para meu quarto e trancando a porta. Peguei uma blusa até o quadril rosa, e um short de dormir branco. Fiz uma trança no cabelo e me joguei na cama, apagando de vez.
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