INVERNO ARDENTE | Bucky Barne...

By DixBarchester

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Guerra. Hidra. Assassinatos. Pronto para obedecer... O mundo de James Buchanan Barnes estava congelado em vio... More

✎ INTRO
▶ MÍDIA
❝EPÍGRAFE❞
01. SOZINHO
02. SAVANNAH
03. JAMES
04. VIZINHOS
05. SAM
06. CELULAR
07. STEVE
08. ALPINE
09. ABBY
10. QUEBRA-CABEÇAS
11. GUS
12. SOLDIER'S
13. MÚSICA
14. VERDADES
16. JOALHERIA
17. PESADELO
18. MUDANÇAS
19. CONVERSAS
20. ADEUS
21. RECONCILIAÇÃO
22. AMOR
23. IMPREVISTO
24. LUCIA
25. BEVERLY
26. PRISIONEIROS
27. FOGO
28. ARDENTE
29. TREINAMENTO
30. HERÓIS
31. PEDIDO
32. COMPENSAÇÃO
33. FIM

15. AMIGOS

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By DixBarchester

A respiração de Savannah Devenport estava leve e calma. Deitada no tapete felpudo e com os pés para cima, apoiados nos dois puffs abaixo da janela, ela podia sentir os raios fracos do início da manhã lhe acariciarem o rosto. Junto com a claridade, se infiltrando no apartamento pelos vidros abertos, vinha também uma brisa fria que muito lhe agradava.

— Isso está com um cheiro tão gostoso... — Declarou, sem se mover ou abrir os olhos, sentindo o perfume de pão tostado e queijo derretido invadir suas narinas.

— Deve ser a sua fome. — A voz de James lhe chegou aos ouvidos, fazendo com que Savannah abrisse um sorriso.

Ela nunca se acostumaria com o impacto que aquela voz, um tanto rouca e que parecia sempre levemente sussurrada, tinha sobre si...

— Também. — Ela concordou com um tom leve. — Mas não deixa de estar cheirando gostoso.

Se alguém dissesse, semanas antes, que Savannah estaria deitada no chão do apartamento de James às sete da manhã, enquanto ele preparava o café, depois que os dois juntos tinham feito longos minutos de Yoga, ela jamais teria acreditado.

Mas era exatamente o que tinha acontecido.

Na verdade, naquelas últimas semanas, depois que tiveram a conversa tensa sobre o Soldado Invernal, aquele ritual matinal tinha se tornado algo assíduo. Começou com uma brincadeira boba de Savannah, falando que ele tinha espaço suficiente ali dentro para fazerem Yoga e acabou com James dizendo que podiam fazer isso às vezes.

Por fim se tornou algo que os dois incluíram em suas rotinas. James acordava um pouco mais cedo, para que tivesse tempo pra isso antes do trabalho e Savannah ia dormir um pouco mais tarde, já que ela trabalhava de noite e dormia de manhã.

James fazia questão de fazer o café da manhã para Savannah todas às vezes.... Algo que ela adorava, é claro. Se bem que adorava fazer qualquer coisa que fosse com aquele homem.

Tinham se aproximado muito naquelas semanas, estavam praticamente sempre juntos, mesmo quando estavam com os amigos.

A coisa do Soldado Invernal ainda era um assunto delicado, Savannah e os outros continuavam evitando perguntas sobre aquela época, mas James estava um pouco mais confortável e as vezes até falava algumas coisas sobre a vida que tinha nos anos 40.

Geralmente sobre Steve. O que não fazia tanta diferença pra Savannah, mas alegrava e muito Gus e TJ, porque eles amavam ouvir sobre o Capitão Rogers e James amava falar sobre isso. Às vezes podia até ser um pouco irritante.

Savannah sempre dava um jeito de ser evasiva sobre como conheceu Rogers, não que houvesse algo para esconder, na verdade mal havia o que falar... Fora um encontro no grupo de apoio e só. Jamais diria que tinha achado o grupo uma grande merda e que o Capitão soava um pouco hipócrita falando de seguir em frente, quando em dez minutos de conversa com ele conseguiu ver com clareza que ele próprio era incapaz de fazer isso. Aquele homem parecia preso ao passado de uma forma um tanto problemática, mas Savannah não queria bancar a analista, não sabia nada da vida dele, e honestamente não fazia muita questão de saber.

Na verdade "Steve Rogers" era um nome que tentava a todo custo evitar, porque, por mais que James gostasse de falar de seu passado com o amigo, isso sempre o deixava um tanto cabisbaixo depois, e Savannah odiava vê-lo daquele jeito...

Queria que James falasse mais sobre si mesmo apenas, mas isso raramente acontecia... Pelo menos, depois da verdade ter ficado às claras, tudo se tornou mais simples, principalmente no quesito "atualizações sobre o último século".

Noites de filme no apartamento de Savannah, junto com o pessoal, eram frequentes. Ela já sabia, por exemplo, que James não gostava de filmes de ação com tiros ou esse tipo de coisa. Ele gostava bastante de ficção cientifica ou comédias bobas, o que tinha feito com que elegesse "De volta para o futuro" o melhor filme de todos.

Ele também não tinha nada contra romances, embora ficasse muito analítico sobre isso. Em Titanic ele teve a audácia de dizer que entendia o Jack, e que não havia outra coisa que ele podia ter feito a não ser ter dado a vida pela Rose. O que, é claro, fez com que Savannah desse uma aula didática sobre os dois caberem muito bem no maldito pedaço de madeira, enquanto Abby tentou convencer todo mundo que Jack era na verdade uma ilusão da mente de Rose, que a personagem criou por se sentir presa demais a família de merda que tinha, obviamente TJ descordou totalmente da prima e acusou que ela estava estragando a melhor história de amor de todos os tempos. A discussão só acabou quando Gus intercedeu dizendo "vocês sabem que isso é só um filme, certo?".

Pelo menos rendeu algumas boas risadas.

E Savannah sempre ficava feliz quando James ria. Não só porque ele tinha um sorriso absurdamente lindo, mas porque gostava de ver a tristeza, sempre presente, dissipar dos olhos azuis.

Ele estava fazendo progresso, tinha começado a ir nas reuniões do grupo de veteranos do Sam. Savannah descobriu que antes James ficava apenas na porta, mas o incentivou a entrar pelo menos uma vez e esse foi outro habito que ele acabou criando. Agora ia sempre, mesmo que Savannah soubesse que James ainda não estava pronto para falar de si mesmo lá dentro.

Mas progresso lento, ainda é progresso.

E assim os dias iam seguindo: James na terapia em grupo, Savannah no serviço novo, noites de filme com os amigos nas folgas, mensagens de texto o dia todo, Yoga e café pela manhã... Ele tinha mudado um pouco o apartamento, comprou o tapete e os puffs, trocou a mesa velha de madeira por uma nova e tinha repaginado totalmente a cozinha, finalmente aceitando testar um micro-ondas. O eletrodoméstico tinha ganhado um lugar no espaço, mas James ainda o odiava, porque "a comida ficava ruim", em contrapartida ele tinha se entendido muito bem com o multiprocessador.

A verdade é que Savannah amava ver os pequenos progressos dele, sentia muito orgulho cada vez que James se integrava um pouco mais com o presente e bem lá no fundo sabia que não conseguia mais imaginar a vida sem ele...

Abriu os olhos devagar, no intuito de se levantar, mas notou que algo pesava em sua cabeça, só então, depois de um movimento sutil, ela conseguiu ver o "peso": Alpine estava deitada confortavelmente sobre os fios ruivos espalhados no tapete, como se o cabelo de Savannah de repente tivesse se tornado a melhor das camas.

— James, olha só a sua filha... — Ela meio resmungou meio riu, evitando se mexer demais para não acordar a gata.

— Ela provavelmente gosta do perfume do seu cabelo. — Conseguiu ver James olhar por cima da bancada...

Os fios castanhos estavam presos, como ele mantinha sempre enquanto cozinhava; um sorriso leve aparecendo por debaixo da barba cheia; o brilho da manhã no azul límpido de seus olhos; e os ombros largos parcialmente expostos por causa da regata branca que trajava.

E Savannah amava o fato de James ficar confortável o bastante para usar regatas e blusas de manga curta quando ela estava por perto...

— O perfume do meu cabelo? — Ela repetiu, sem conseguir tirar os olhos dele.

— Sei lá, coisa de gato... — James desconversou apenas e voltou a atenção para o que fazia.

Savannah viu quando ele desapareceu de seu campo de visão e deu um sorriso de canto. Seu coração sempre falhava uma batida quando passava tempo demais olhando para aquele homem, ou quando ele passava tempo demais com os olhos nela...

Antes da verdade vir à tona, Savannah sentia que o relacionamento deles estava caminhando para outro lado, na verdade ela tinha certeza que teriam se beijado naquela fatídica noite, caso Dominic Castillo não tivesse aparecido e estragado tudo, porém depois disso as coisas mudaram de rumo.

A verdade os aproximou de algumas formas, mas os afastou de outras, os dois pareciam ter chegado a um acordo mutuo e mudo sobre manterem tudo na amizade, James não tocou no assunto daquele quase beijo e Savannah também não o fez, a vida seguiu e de repente eles pareciam amigos demais para qualquer outra coisa.

Não que Savannah fosse se importar em colocar um pouco mais de cor naquela amizade, com certeza não se importaria, mas James não parecia pronto para mais que aquilo que tinham, então ela preferiu deixar como estava e ir deixando acontecer.

Talvez no fundo tivesse medo que uma investida direta o afastasse... E não queria afastá-lo, de jeito nenhum, gostava demais do que tinham ali, um tipo de conexão natural e ao mesmo tempo mais intensa do que qualquer outra que Savannah já tinha experimentado com alguém...

Porque James era diferente, o modo como ele via a vida e se portava perante as situações era único, principalmente para alguém que tinha passado por tudo que ele passou. Ter permanecido bom, mesmo depois de todas as coisas ruins que tinham acontecido com ele, só provava o quanto James era forte, integro e especial.

Por isso fazia tanta questão de mantê-lo por perto e de respeitar o espaço e o dele. A amizade de James era mais importante para Savannah do que qualquer atração física que pudesse existir entre os dois. E ela existia, com certeza existia, pelo menos da parte da jovem.

Mas Savannah não queria pensar muito sobre isso, sobre as coisas que não podia controlar totalmente, porque não era uma decisão apenas sua e, colocando em lista de prioridades, qualquer coisa que ariscasse estragar sua amizade com James estava totalmente fora de cogitação.

Ele tinha limites e Savannah respeitava isso...

Se moveu um pouco no carpete e Alpine resmungou irritada, afofando os fios ruivos com as unhas afiadas antes de ser repentinamente capturada pelas mãos femininas.

— Você é muito folgadinha. Não é mesmo? Não é mesmo? — Savannah a abraçou contra o corpo apertando a felina com carinho. — Gracinha, sem-vergonha...

Alpine resmungou, soltando um miado irritado como se estivesse mesmo sendo esmagada, o que de forma alguma era verdade.

— Savannah... — James advertiu ao ouvir o protesto da gata que a essa altura já tinha se desvencilhado da ruiva e movia o rabo toda irritadiça.

— Aí, ela tá bravinha... — Savannah se sentou no chão, enfurecendo ainda mais Alpine quando a empurrou contra o tapete e fez cócegas na barriguinha peluda. — "Olha só eu sou muito brava. Sou uma ferinha..."

Acabou levando uma mordida por ter a ousadia de imitar a gata com aquela voz de criança. Riu disso se colocando de pé para fugir de um novo ataque, como se Alpine fosse mesmo uma ameaça com aquele tamanhinho de nada.

— Não. Não. Por favor clemência! — Savannah ria enquanto era perseguida de um lado para o outro do tapete, o problema é que a brincadeira inocente realmente irritou a felina, que estava decidida a cravas os dentinhos afiados nos calcanhares da jovem. — Já parei. Já parei.

Teve que começar a escapar de verdade. Por menor que fosse a gata, mordidas no calcanhar doíam.

— James, a sua gata quer me matar. — Soltou, correndo para a área da cozinha com Alpine ferozmente em seu encalço, como se fosse um grande felino ameaçador.

— E de quem é a culpa? — A resposta veio acompanhada de um meio sorriso dirigido a gatinha.

— Eu não fiz nada! — Savannah se defendeu levando uma mordida daquelas.

O gritinho de dor veio acompanhado com uma risada, enquanto ela, para se defender de outra possível mordida, pulava nos ombros de James, se beneficiando da altura dele para e manter longe o bastante de Alpine.

O corpo masculino não se desequilibrou com o impacto repentino, como se Savannah nada pesasse. Enquanto os dois riam, ela precisou reunir todo o autocontrole para não deslizar a mão por qualquer pele exposta que podia alcançar... Os músculos de James pareciam irreais.

— Alpine, ostanovka. — Ele ordenou e a gata parou, sentando-se imediatamente.

Savannah foi colocada no chão então, lamentando internamente que aquele contato não tivesse durado mais e James se abaixou perto de Alpine.

— Eto verno, ty khoroshaya devushka. Idi spat' seychas. — Ele acariciava o pelo da gata enquanto falava e Savannah fechou os olhos, porque o timbre quase sussurrado e carinhoso era demais para a sanidade dela.

Amigos. Amigos. Amigos. Ela repetiu mentalmente como um mantra e quando abriu os olhos James estava se levantando, ao mesmo tempo em que Alpine se afastava pacificamente.

— Ela te machucou? — Ele perguntou, abrindo a torneira para lavar as mãos.

— Não foi nada. — Savannah deu de ombros, observando a água escorrer pelos dedos de metal.

Demorou algum tempo para que James ficasse confortável de estar com o braço metálico descoberto perto dela, mas ele finalmente o fazia com naturalidade e isso incluía usar regatas nas sessões de Yoga, uma peça que ele não usava perto do restante dos amigos, embora as vezes estivesse apenas de manga comprida perto deles, sem luva, o que podia ser considerado um grande progresso.

O fato é que ninguém se importava com o braço de vibranium — era esse o nome do metal, James tinha dito a TJ em uma noite qualquer — ou melhor, claro que se importavam, mas não da forma como Barnes imaginava, na verdade a pessoa mais neutra sobre ele era Abby, que achava que a prótese cumpria seu propósito e não tinha motivos para fazer alarde por isso, TJ e Gus achavam o braço a coisa mais legal da face da terra e, se Savannah constantemente não refreasse a curiosidade deles os dois, já teriam transformados várias conversas casuais em um interrogatório. Principalmente o TJ.

Já Savannah sempre pensou que teria a mesma opinião de Abby, era apenas uma prótese e não era nada demais. Mas isso foi até ver o braço em questão, até ser tocada por aquela mão... agora tudo que conseguia pensar era o quão sexy era.

Por outro lado, tudo que James fazia parecia sexy demais aos olhos dela, então não era uma grande novidade. Mas aquele braço metálico certamente tinha muito apelo.

— Da próxima vez que irritar a Alpine assim, eu vou deixar ela te morder pra valer. — Ele lançou virando seus olhos azuis na direção de Savannah.

— Sim, senhor. — Concordou, repreendendo qualquer pensamento impuro em sua mente. — Já entendi, papaizinho, nada de irritar sua princesa.

James riu ao revirar os olhos.

— Para de graça e me deixa fazer o café, sua encrenqueirazinha de um metro e meio. — Apontou bem-humorado e Savannah cruzou os braços.

— Eu tenho um metro e sessenta, só pra constar. — Ela retrucou, se fazendo de ofendida, enquanto encostava na pia.

— Nossa, quanta diferença... — James devolveu irônico e os dois riram. — Agora, vai me deixa fazer o café, Boneca.

Savannah segurou o sorriso e saiu dos limites da cozinha. Era estúpido, mas ser chamada de "Boneca", sempre fazia com que seu coração pulasse duas batidas. James só falava isso de vez em quando, geralmente quando estava distraído ou em um clima muito descontraído, como naquele momento... Da primeira vez ela achou bem piegas e brega, mas logo no mesmo instante acabou se tornando uma fofura e agora ela não conseguia impedir o corpo de ter aquela reação exagerada para o apelido bobo...

— Desde quando você fala russo com a Alpine? — Perguntou, encostando na bancada, vendo James trabalhar, já que ele não gostava de ajuda ou intromissões enquanto cozinhava.

— Li que os cachorros respondiam melhor a comandos em alemão por causa da entonação. — James respondeu colocando outros sanduíches de queijo no grill. — Então decidi tentar russo com a Alpine pra ver.

Savannah não conseguiu evitar um sorriso, era impressionante o quanto aquele homem enorme e sexy conseguia ser absurdamente fofo quando se tratava de Alpine.

— Não acredito que está ensinando russo para uma gata do Brooklyn. — Riu, apoiando o cotovelo na bancada. — E o que você disse?

— Disse pra ela parar, e depois que ela obedeceu eu disse "Isso mesmo, você é uma boa menina. Vai dormir agora." — Ele explicou, virando de costas para lavar alguma coisa.

— Alpine, osta nova. — Savannah tentou copiar o sotaque, vendo que a gata estava ali por perto, mas sequer ganhou atenção.

— Ostanovka. — James corrigiu e Savannah decidiu que aquele sotaque russo era outra coisa muito sexy sobre ele.

Puta merda, podia ouvi-lo falar naquela língua o dia todo, mesmo que não entendesse uma única palavra.

— Ostanovicka. — Tentou novamente e ganhou uma risada como resposta e novamente zero atenção ode Alpine.

— Quase isso... — James gesticulou com a mão de vibranium e Savannah suspirou.

— Devia me ensinar também... — Sugeriu, apenas porque pareceu uma ideia deliciosa demais para ser descartada.

— Russo? — Ele olhou por cima do ombro, surpreso com o pedido e Savannah assentiu. — Pra quê você quer aprender, russo?

— Sei lá, dizem que o povo russo é um dos mais bonitos, então nunca se sabe quando eu vou precisar de umas cantadas russas pra conquistar alguém... — Ela riu como se fosse uma piada e ganhou um sorriso de canto em resposta.

Covardia pura... Savannah tinha certeza que devia ser pecado um homem ser tão lindo. Talvez até fosse, mas de toda forma não saberia ou se importaria, porque nunca foi religiosa.

— Claro, acho que é uma troca justa, estou aprendendo Yoga com você, então... — James moveu os ombros enquanto lidava com as coisas do café da manhã.

— Bondade da sua parte achar que está aprendendo Yoga. Você é péssimo. — Savannah brincou, ouvindo a própria risada se espalhar pelo apartamento.

— É claro que não sou. Faço igualzinho a você. — Ele retrucou, franzindo as sobrancelhas em um tom falsamente ofendido.

— Você faz igual a mim? — Ela debochou ironicamente.

— Faço até melhor... — Viu o ombro metálico se mover e os dois caíram na risada, porque obviamente sabiam que era mentira.

James tinha aprendido algumas posturas, dominado totalmente as que exigiam disciplina ou força, mas possuía certa dificuldade nas que exigiam flexibilidade e essas eram exatamente a especialidade de Savannah.

— Admita que você é todo duro, James. — Ela lançou na brincadeira, mas assim que as palavras saíram de sua boca ganharam um sentido totalmente diferente. — Não que isso seja ruim...

Os olhos azuis límpidos a encontraram e Savannah perguntou a si mesma se James havia percebido o modo como ela tinha acabado de maliciar aquela frase em sua mente. Pela forma intensa como ele a encarava ela quase acreditou que sim...

Ficou esperando o que ele faria a seguir, mas James apenas limpou a garganta e tirou os sanduíches da chapa, colocando tudo na mesa, junto com um suco natural.

— Mas e aí, vai fazer o que hoje? — Savannah perguntou casualmente, apenas para preencher o silêncio.

Era segunda-feira, dia em que James geralmente trabalhava, mas ela sabia que naquela semana ele estria livre, por conta de um atraso no carregamento de materiais.

— Eu vou pra uma reunião que vai ter agora de manhã. — A resposta veio enquanto ele se sentava e apontava a outra cadeira para ela. — Sam vai começar um grupo novo nesse horário e como eu nunca vi uma abertura...

— Legal. — Savannah sorriu, feliz que ele se entrosasse com outras pessoas. Foi servida de suco e pegou um queijo-quente, dando uma mordida generosa. — Hum, isso tá ótimo.

— E depois eu vou sair com o Gus, lembra? — James continuou, servindo-se também.

Gus tinha pedido ajuda com alguma coisa misteriosa que ele definitivamente não queria contar para ninguém. Nem Savannah conseguiu arrancar a verdade dele, James tinha sido escolhido como cumplice e até então não havia contado nadinha do "grande segredo".

— E onde vocês vão? — Ela perguntou, vendo se conseguia alguma informação extra.

— Em lugares. — James bebeu um gole de suco, ele nunca dizia nada.

— E vai demorar? — Savannah não estava nada inclinada a desistir.

— Vai demorar o tempo que tiver que demorar. — Ele riu de canto.

Ela deu outra mordida no queijo-quente e tentou não se perder nos olhos dele. Era um grande merda que James fosse tão irresistível.

— Você nunca vai me contar, não é? — Tentou dar continuidade para a conversa com naturalidade.

— Não posso te contar um segredo que não é meu, além disso você vai saber em breve. — A resposta veio calma, naquele clima ameno que qualquer conversa dos dois sempre tinha.

Savannah assentiu por fim, se dando por vencida apenas porque sabia que isso faria James sorrir e porque, de uma forma ou de outra, não queria interferir nos laços que ele estava formando com Gus.

Comeram em silêncio por algum tempo, um tipo de silêncio nada estranho que eles estavam aprendendo a cultivar com o tempo, certas segundas eles apenas se sentavam na sala do apartamento de Savannah e ficavam em silêncio por um bom tempo, lendo alguma coisa ou ouvindo música.

Adorava não se sentir sozinha.

— Mas a gente vai fazer alguma coisa mais tarde, certo? — James questionou, como se pudesse ler seus pensamentos.

Era segunda e ele sempre se importava com o que fariam, Savannah nunca mais tinha ficado sozinha nesse dia da semana, e esse era apenas um dos pequenos motivos pelos quais aquele homem tão peculiar tinha se tornado uma parte tão importante de sua vida...

— Com certeza. — Ela assentiu com um sorriso, depois de tomar um gole de suco. — Eu vou pra casa tentar dormir um pouco e depois você me liga.

Sabia que não conseguiria dormir naquele dia, não importava a hora que fosse, sua cama nunca parecia confortável o bastante e sua casa sempre parecia mais solitária que nunca, mas não precisava preocupar James com nada disso. Segundas eram como eram e Savannah tinha aprendido a lidar com isso.

— Ou você pode ficar aqui fazendo companhia pra Alpine... — James sugeriu e ela ergueu os olhos surpresa. — Isso se você prometer não irritar ela.

Sorriu de canto, tinha dito a ele como aquele dia era particularmente difícil, mas Savannah jamais esperou que James de fato ficasse preocupado com isso e tentasse distraí-la de alguma forma...

— Irritar a felina assassina e fofinha sem você aqui pra me defender? Jamais! — Brincou, movendo os ombros enquanto ria. — Eu sou muito jovem pra morrer.

— Você devia ficar. Dorme aí, a Alpine não gosta de ficar sozinha. — Ele lançou casualmente, como se fosse mesmo a gata que tivesse problemas de solidão às segundas-feiras. Como ele podia ser tão fofo? — Quando eu chegar te acordo e a gente pode pensar em alguma coisa pra fazer.

Mesmo que Savannah tivesse a intenção de conter o sorriso enorme que deu, não conseguiria, não quando os olhos tão azuis de James estavam sobre si daquele jeito calmo e ao mesmo tempo intenso.

Droga, como alguém pode ser tão perfeito? E esses lábios? Será que eu...

— Tem certeza que vai confiar em me deixar aqui sozinha com a sua filha? Eu sou uma péssima influencia. — Riu debochada, cortando o rumo inapropriado de seus pensamentos com uma dose bem grande de humor

— Ela sabe se defender. — James riu também, o que tornou ainda mais difícil resistir a ele. — Mas se você preferir eu posso ligar e desmarcar com o Sam e o Gus.

Soou tentador, só de imaginar que podia passar o dia todo ao lado dele o peito de Savannah se encheu de uma alegria que ela não era capaz de descrever ou conter. Ao mesmo tempo ela sabia que seria egoísmo permitir que algo assim acontecesse, além de ser totalmente contraproducente para o progresso de James, fazer com que ele vivesse em uma bolha não traria qualquer bem, muito pelo contrário...

— De jeito nenhum. Vai fazer suas coisas. — Ela apontou, ainda naquele clima leve. — Eu, a Alpine e a sua cama enorme ficaremos bem.

James riu de canto, e voltou sua atenção para o queijo-quente em seu prato. Savannah fez o mesmo, nenhum pouco arrependida com sua atitude, sabia que estabelecer laços com outras pessoas seria importante para que o Soldado de adaptasse totalmente, principalmente considerando tudo que ele já havia passado.

Ela não tinha a ilusão que poderia curá-lo, salvá-lo de seja lá o que fosse, esse tipo de pretensão era, pra dizer o mínimo, bem estúpida. A "bolha de amor" podia funcionar muito nos filmes e livros, mas na vida real as coisas não eram tão simples. Claro que uma pessoa podia ajudar a outra no processo de cura, claro que uma única pessoa podia ser o gatilho para que outra se reerguesse, mas a partir disso era preciso dar prosseguimento a um tratamento correto, se envolver com a sociedade, cultivar relacionamentos intrapessoais de todo tipo, estabelecer uma rede de apoio, tratar as falhas e os traumas com terapias diretas ou mesmo com as indiretas...

Manter um relacionamento-bolha, seja ele amoroso ou apenas baseado em amizade, não era de forma alguma saudável, ninguém devia ser o único responsável pelo bem-estar de outra pessoa, a longo prazo isso sempre seria danoso para uma das partes, senão para as duas.

Quando você se doa demais para fazer de alguém inteiro, isso destrói você.

Por isso Savannah acreditava tanto em sua teoria do quebra-cabeças, porque quando se estabelece conexões com várias pessoas cada um passa a doar ao outro aquilo que tem de sobra, assim, aos poucos, tudo que falta é preenchido, sem que ninguém ceda mais do que pode.

Então sim, claro que Savannah queria ficar com James todo o tempo possível e mais um pouco, porém ela também sabia que ele precisava de coisas que ela não podia dar e sempre que possível o incentivaria a ir atrás disso. Seja em reuniões com Sam e os outros veteranos ou em passeios secretos com Gus... qualquer coisa que fosse ajudá-lo a estar um pouquinho mais perto de ser completo novamente.

Era o mínimo que Savannah podia fazer por alguém que tinha se tornado tão importante pra ela...

A frase "eu e você contra o mundo" funcionava muito bem para romances midiáticos, mas na vida real essa frase era o indicativo de uma relação no caminho de se tornar toxica e sufocante. A mídia sempre teve a estranha mania de romantizar demais relacionamentos abusivos.

— Então... Falando sobre confiança. — James limpou a garganta como se tivesse algo importante a dizer e Savannah ergueu o olhar. — Quão boa você é com a tesoura?

— Oh... — Savannah ficou um tanto em choque por um segundo.

Ele nunca fazia perguntas intimas e com certeza jamais tão diretas daquele jeito. Savannah ainda não sabia qual a intenção da pergunta, mas de toda a forma não ficou ofendida com ela. "Curiosa", era a palavra certa.

— Ninguém nunca reclamou. — Respondeu em um tom casual, dando espaço para que James prosseguisse.

— Bom... — Ele pareceu em uma luta interna por um momento. — Eu estava pensando em cortar o cabelo, mas não sei se confio em ninguém com uma coisa afiada perto do meu pescoço.

Savannah piscou algumas vezes "cortar o cabelo", fez a pergunta finalmente ter sentido em sua mente. Não era o que ela estava pensando.

— Ah, é deste tipo de tesoura que você está falando... — Moveu a cabeça pra cima e pra baixo devagar, tentando conter o riso.

— Que outro tipo de tesoura existe? — James uniu as sobrancelhas em confusão.

Savannah até pensou em não responder, mas não seria ela mesmo se fugisse daquele tipo de assunto.

— Bom... tem aquele tipo quando duas garotas estão juntas e... — Ela usou indicador e dedo médio das duas mãos para fazer o gesto que ilustrava muito bem aquela "tesoura".

Obviamente teve uma crise de riso logo depois, porque a cara de choque e constrangimento de James foi a melhor de todas.

— Por qual motivo eu te perguntaria algo assim? — Ele retrucou tentando não rir também, enquanto Savannah era incapaz de parar.

Ela precisou de alguns segundos pra conter a crise de riso, quando finalmente conseguiu, ergueu uma das mão pedindo desculpas.

— Amigos fazem perguntas que não são convencionais. E nós somos amigos, então... — Ela foi honesta, afinal, ao conviver com TJ e Abby, as perguntas constrangedoras e inapropriadas eram rotinha. — E eu não teria ficado ofendida, se você estivesse curioso sobre os meus talentos sexuais.

Savannah soltou as palavras de modo casual e bem-humorado, mesmo quando ouviu a própria voz não maliciou o comentário, mas isso só até seus olhos encontrarem os de James, porque seja lá o que ele estivesse naquele exato momento era muito malicioso.

Prendeu a respiração instintivamente, de certo não estava preparada ou esperando aquilo, isso porque suas interações com James se resumiam a ele sendo fofo além da conta e sexy sem qualquer intenção ou pretensão, enquanto era Savannah quem fazia comentários constrangedoramente impróprios.

Certo, ele não tinha feito comentário algum, mas aquelas intensas orbes azuis límpidas, dilatadas e escurecidas falavam por si só e gritavam "sexy e impróprio".

Por esse motivo ela não se moveu, sequer respirou, sabia que qualquer coisa que fizesse acabaria com aquele momento fugaz e com aquele olhar especifico, então apenas deixou que os segundos passassem, enquanto gravava todos os pequenos detalhes que sua mente conseguia.

Infelizmente James desviou os olhos tão logo pareceu se tornar consciente dos próprios pensamentos, seu foco seguiu para um lugar qualquer, os dedos de vibranium correram pelos poucos fios castanhos soltos e ele humedeceu os lábios antes de dizer:

— Vamos voltar ao assunto principal, Savannah... — Agiu como se nada demais tivesse acontecido, alcançando o próprio copo de suco e dando um longo gole.

— Bom, eu que corto meu próprio cabelo. — Ela moveu os ombros, fazendo exatamente a mesma coisa que ele. — Então sim, até que eu lido bem com uma tesoura, melhor do que pagar os olhos da cara por um corte... O que você está pensando em fazer? Vai tirar a barba também?

— Não sei ainda. — James respondeu incerto e deu um longo suspiro. Savannah notou que era algo importante pra ele. — Nem sei se vou mesmo cortar o cabelo, foi só um pensamento que me ocorreu.

Sabia que um corte de cabelo não significava apenas isso naquela ocasião, podia ser sobre se livrar do peso do passado ou apenas sobre estar pronto para dar um passo a diante, o fato é que era importante.

Savannah sorriu, se sentindo lisonjeada por James confiar nela daquela forma.

— Mudar é sempre bom, além disso é só cabelo, se você não gostar vai crescer depois. — Ela colocou uma boa dose de leveza no assunto.

— Disse a garota com um cabelo enorme e lindo. — Ele jogou de volta e Savannah até tentou dizer a si mesma que aquele elogio não era nada de mais, porém seu coração não entendeu isso, muito menos seu rosto que cismou em corar. — Mas a gente pensa nisso depois. Tenho que ir, se não vou me atrasar.

Foi assim que deram o café da manhã por encerrado, Savannah teve que insistir, e muito, para tirar a mesa sozinha enquanto James se trocava. Na verdade, não havia muito o que fazer porque ele sempre arrumava tudo de forma impecável no momento em que sujava...

Depois que terminou o que tinha que fazer, parou na entrada do quarto, não havia porta ali, apenas o batente e uma barra de ferro onde James certamente fazia flexões. O que devia ser uma visão e tanto... Ele se trocava no banheiro com a porta fechada naquele instante.

— Tem certeza que posso mesmo ficar aqui? — Savannah perguntou em voz alta, encarando a cama de casal onde Alpine dormia confortavelmente.

— Sempre que você quiser. — A voz de James veio do banheiro.

Ela se pegou sorrindo sozinha igual uma boba, mas não se importou com isso. Deu mais alguns passos e escorregou os dedos pelo colchão coberto com lenções brancos. Não era a primeira vez que entrava naquele quarto, mas certamente seria sua primeira vez na cama de James, e isso aconteceria de uma forma bem diferente da imaginada.

— Sua cama é muito maior que a minha, ou que o meu sofá, só pra constar. — Ela comentou no momento em que James abria a porta e saía do banheiro já pronto.

Calça jeans e camiseta azul de manga comprida arregaçada até os cotovelos, não tinha nada de particularmente especial naquelas roupas, exceto o homem que estava dentro delas naquele instante.

— Temos que começar a fazer umas noites de filmes aqui. — Savannah comentou casualmente, parada perto do guarda-roupa.

— Eu acho que é meio apertado pra todo mundo. — Ele respondeu, se aproximando dela e tocando-lhe sutilmente para ter acesso a porta do guarda-roupa.

Não era pra ser nada, e talvez nem tivesse sido, mas Savannah estava com uma de suas camisetas cortadas por cima do top, o que deixava parte de sua pele exposta e James usou a mão de vibranium... Assim que os dedos metálicos e gelados tocaram a linha da cintura de Savannah o corpo inteiro dela arrepiou.

Ela teve que fechar os olhos um segundo para usufruir daquela sensação, coisa que certamente James não flagrou, já que tinha acabado de pegar uma jaqueta dentro do guarda-roupa.

Ele vestiu a peça e pegou uma de suas luvas de couro no bolso, escondendo a mão metálica ali dentro para o profundo lamento de Savannah.

Ou talvez fosse melhor assim, afinal ninguém por aí poderia ficar desejando o que nem sabia que existia, certo? Se bem que, em se tratando de James, Savannah tinha certeza que esconder o braço de vibranium não era o bastante para que qualquer um parasse de acha-lo atraente.

Pelo menos ele tinha dispensado definitivamente os bonés, isso era progresso.

Deu dois passos para diminuir a distância entre eles e pousou os dedos na gola da jaqueta de James casualmente, apenas para arrumar a dobra.

— Eu não estava falando de todo mundo... — Ela moveu os ombros e de novo, não tinha a intenção de que isso significasse nada mais, porém daquela vez ambos notaram que as palavras podiam ter outro sentido.

Não era a primeira vez que diziam algo que os colocava naquele clima instantâneo, e certamente não seria a última... Quando azuis encontraram os castanhos-esverdeados, só havia uma coisa que a mente s Savannah gritava sem parar: Me beija, me beija, me beija. Porém, apesar de seus próprios desejos e vontades, ela apenas terminou de dobrar a gola de couro, deu um tapinha amigável no ombro de James e então se afastou dois passos como se nada tivesse acontecido.

Ele se despediu de Alpine então, em russo é claro, e Savannah riu do fato de ser tão rendida por um homem. Pelo menos era um homem que valia a pena...

Então caminharam em direção a porta juntos e James entregou a Savannah a chave extra do apartamento.

— Obrigada por me deixar ficar aqui... — Ela agradeceu, enquanto os dois estavam parados na porta.

Era estranhamente constrangedor e encantador ter a chave da casa dele nas mãos.

— Já falei que você pode ficar sempre que quiser. — Ele moveu os ombros como se fosse nada, mas Savannah sabia que era. Sabia que era um grande passo. — Amigos servem pra isso.

Sorriram um para o outro.

— Tem razão mesmo, além disso eu sou sua melhor amiga, então é meio que sua obrigação me deixar encher o saco da Alpine enquanto você está fora. — Ela debochou, se encostando no batente.

— "Melhor amiga"? — James repetiu e por um instante sua voz soou um tanto... estranha.

— Mas é claro, eu sou a pessoa com quem você passa mais tempo, se não somos melhores amigos, somos o que? — Savannah continuou com o mesmo clima descontraído e ganhou um sorriso de canto.

— Achei que fossemos namorados... — James respondeu no mesmo tom que o dela.

Tinha algum tempo que não faziam piada com o lance de "namorados", mas é claro que ambos se lembravam dela.

— E somos. — Savannah devolveu com uma postura séria enquanto prendia o riso. — Quem melhor no mundo pra ser sua melhor amiga, além da sua namorada?

James deu um daqueles sorrisos de canto que tinham o poder de fazer pernas tremerem, então assentiu devagar, erguendo as mãos em rendição.

— Tudo bem, você venceu, não tenho um argumento melhor que esse. — Riu, dando alguns passos para trás. — Até mais tarde, Boneca.

— Até mais tarde, Sargento... — Ela devolveu, retribuindo o sorriso de canto.

James franziu as sobrancelhas, de certo surpreso com a forma como foi chamado, porque Savannah jamais tinha lhe chamado assim antes.

— Um apelido dos anos 40 por outro, parece justo pra mim. — Ela esclareceu antes mesmo que ele tivesse que perguntar, ganhou um sorriso aberto em resposta, que logo se tornou uma risada rouca.

— Parece justo pra mim também, Boneca. — James declarou, antes de seguir pelo corredor.

Savannah ficou parada na porta até que ele sumisse de vista, então voltou a entrar no apartamento, trancando tudo com a chave que tinha acabado de ganhar.

— Agora somos só eu e você, Alpine. — Declarou, se dirigindo ao quarto e sendo totalmente ignorada pela gata. — Você não era chata assim, sabe?

Se sentou na cama, ao lado da mesinha de cabeceira onde James deixava seu caderno de anotações. Sabia que ele colocava ali coisas que queria aprender sobre a atualidade, alguns filmes, músicas ou termos que sugerissem, afinal o próprio James já tinha dito isso, e também sabia que ele anotava alguns sonhos, ou melhor, pesadelos...

Não conversavam muito sobre isso, porque tudo que rodeava o Soldado Invernal ainda era um assunto muito delicado para James. Claro que Savannah tinha curiosidade sobre essa época da vida dele, mas jamais questionaria ou pressionaria, assim como jamais, em hipótese alguma, mexeria nas coisas dele em busca de respostas.

Era um grande passo de confiança que James tivesse deixado Savannah ali sozinha e ela jamais faria nada que pudesse arriscar isso. Mesmo porque havia algo que parecia muito melhor de ser feito, do que ler os pesadelos dolorosos que o Sargento lutava para esquecer...

Savannah alcançou o travesseiro dele e o apertou contra o corpo, sorrindo feito uma criança que faz uma travessura quando aspirou o perfume impregnado na peça. James cheirava a neve com um fundo de eucalipto, uma representação do inverno, a estação preferida de Savannah e isso era uma coincidência estranhamente agradável.

Ela impulsionou o corpo para trás e sentiu as costas serem acolhidas pelo colchão macio, Alpine resmungou por ser incomodada com o movimento, mas assim que Savannah se ajeitou entre os lençóis, ainda abraçada ao travesseiro, a gata foi deitar em seus fios ruivos...

Savannah não se importou com isso, porque na verdade sequer conseguia parar de sorrir por estar ali naquela cama. Parecia surreal demais para ser verdade, ao mesmo tempo em que a fazia imaginar como seria se James estivesse ali com ela... os dois juntos, abraçados, vendo um filme ou fazendo alguma coisa qualquer, sem pretensões, sem malicia.

Se bem que com malicia seria ótimo também...

Ela sequer percebeu quando pegou no sono, mas não conseguiu dormir muito, porque algum tempo depois seu sono leve foi perturbado pela sombra de uma voz conhecida. Savannah abriu os olhos pensando não ter ouvido direito, porém quando estava quase sendo levada pelo sono outra vez, a voz pôde ser ouvida de novo.

Ryan... Savannah trincou o maxilar com o reconhecimento.

Ele falava alto vez ou outra, mas não parecia uma briga ou uma discussão, apenas seu tom habitual e irritante de sempre, o problema era que o maldito estava longe há algumas semanas e em todo esse tempo Beverly parecia decidida a não mais aceitá-lo de volta.

— Mas que caralho! — Savannah xingou, passando a mão pelo rosto e levantando imediatamente.

Certo, não era uma briga, mas dada as circunstancias ela tinha que ter certeza que Bev e Mike estavam bem...

Cerca de três minutos depois já estava cruzando o corredor rumo ao último apartamento do andar. Bateu na porta três vezes e logo foi atendida por uma Beverly arrumada e sorridente. Ela sempre parecia mais bonita e feliz quando Ryan se afastava por um tempo, era como se sua pele ganhasse mais brilho e seus cachos ficassem ainda mais sedosos.

— Oi, Savy. — Cumprimentou sorridente e leve.

— Tudo bem? — Savannah perguntou preocupada. Tinha certeza que ouvira a voz de Ryan, será que estava enganada?

— Tudo sim? — Beverly garantiu.

— Quem é? — A voz masculina fez Savannah perceber que não estava errada, Ryan estava mesmo ali.

— É a Savy. — Beverly respondeu em um tom carinhoso.

— O que ele está fazendo aqui? — Savannah perguntou em um tom mais baixo.

— A gente se entendeu. — Bev sorriu, como se fosse a coisa mais simples de todas. — Está tudo bem, eu juro.

— Beverly... — Os ombros da ruiva cederam de decepção, enquanto ela procurava um argumento que já não tivesse usado com a vizinha pelo menos dez vezes.

Chegou mesmo a pensar que Beverly seria mais firme daquela vez, que não haveria volta, que ela finalmente se livraria do maldito marido agressor...

— Ele é o pai do meu filho. — Bev tentou argumentar. — E eu sei que você não entende, mas eu amo ele.

— Isso não é amor, é só dependência. — Savannah foi um pouco mais enérgica e rude do que pretendia. Odiava ver outro ciclo começar, sabendo muito bem como ele acabava. — Você apenas não consegue ver isso.

A conversa das duas foi interrompida, quando uma mão masculina abriu totalmente a porta.

— Bom dia. — O homem do lado de dentro mal lembrava o bêbado agressivo se semanas antes, estava limpo, sóbrio, tinha cortado o cabelo e raspado toda a barba, o que na opinião de Savannah apenas o deixou com mais cara de sociopata.

— Ryan. — A ruiva silabou, cruzando braços em desgosto, assim que ele apoiou a mão no ombro de Beverly.

— Algum problema? — Ele questionou em um tom pacifico e até carinhoso.

— Me diz você... — Savannah devolveu, porque nem em um milhão de anos acreditaria na pose de bom moço daquele filho da puta.

— Gente, por favor... — Beverly pediu apaziguadora, como se temesse que aquilo virasse uma briga.

— Querida, pode nos dar um segundo? — Ryan sorriu pra ela de modo amável. Filha da puta dissimilado. — Não se preocupe, eu só quero esclarecer as coisas com a nossa vizinha. Por favor?

Beverly olhou para Savannah que assentiu brevemente, afinal a última coisa que queria era causar problemas pra a amiga. Queria que ela se livrasse do maldito problema, isso sim.

— Olha só... — Ryan começou, assim que a esposa entrou. — Eu sei que se importa com a Bev, agradeço por isso, mas não precisa se preocupar dessa vez. Eu reconheço meus erros, mas eu mudei e só quero a minha família de volta.

— Você não merece eles. — Savannah rebateu, nada convencida por nenhuma daquelas palavras ensaiadas.

— Eu sei. — O homem concordou, como se de uma hora pra outra tivesse se tornado o detentor de toda a sensatez do mundo. — É por isso que me comprometi a ser um homem melhor a partir de agora, eu até parei de beber.

Savannah analisou a figura enquanto desconsiderava as palavras, Ryan usava sapatos novos e um relógio caro, o que só podia indicar que ele não estava mexendo com nada de certo ou bom.

— Acredite em mim, está tudo ótimo. Você não tem com o que se preocupar. — Ele colocou a mão sobre o peito teatralmente. — Nada de ruim vai acontecer. Dou minha palavra.

— A palavra de um embuste violento não vale de nada pra mim. — Ela retrucou séria e direta.

Ryan podia ter envolvido Beverly com aquela lábia e manipulação, mas Savannah não era ingênua, sabia que era apenas questão de tempo até que o maldito mostrasse as garrinhas.

— Bom, então estamos quites, porque a opinião de uma vadiazinha intrometida sobre mim, também não me vale nada. — Ele moveu os ombros em um gesto debochado, então deu um passo para frente. — Além disso, você é a última pessoa que pode reclamar de um homem violento, não é mesmo? — Soltou uma risada irônica e maliciosa. — Não é você que adora chupar o pau de um assassino? Aposto que ele é bem violento enquanto te fode, sabia que era disso que você gostava...

Savannah respirou fundo e cerrou o punho, concentrando toda sua força ali pra quebrar o nariz daquele bosta, não se importava com o que Ryan podia falar ou pensar dela, mas jamais deixaria que ele falasse qualquer coisa de James. Faria o desgraçado engolir cada uma daquelas palavras junto com os dentes...

No entanto, apesar da raiva latente e do desejo por violência, tudo que Savannah pode fazer naquele momento foi recuar quando a porta se abriu.

— O que está fazendo, Pai? — Mike apareceu ali, segurando um brinquedo entre as mãos, assim que seus olhos pousaram em Savannah o menino sorriu, correndo até ela. — Oi Nannah! Olha só o que o meu pai me deu?

A ruiva pegou o menino no colo, dando uma breve olhada no brinquedo com temática do Capitão América. Ryan tinha atenção nela, um verdadeiro abutre....

— Nossa, que legal, Mike. — Ela deu um sorriso para o garoto, sabendo que ele certamente devia ter comentado sobre a identidade de James com o pai de merda que tinha.

Mike ainda era muito pequeno para entender o tipo horrível de homem que Ryan era, ele mal conseguia processar o motivo das brigas. E isso era terrível, porque o garotinho nutria sentimentos por aquele bosta, que infelizmente era seu pai.

— Vem filho, o que acha da gente se arrumar e ir tomar um sorvete? — O maldito destilou mais de sua falsidade.

— Eba! — Mike ficou imediatamente animado e desceu do colo de Savannah. — Tchau, Nannah.

Ela acenou para o garoto, que voltou para o apartamento super empolgado.

— Tenha um bom dia. — Ryan a mediu de cima a baixo com aquele olhar vil e venenoso que tinha, então fechou a porta na cara de Savannah.

Ela sentiu o impulso de derrubar aquela maldita porta e arrastar Ryan dali nem que fosse pelos cabelos, o que obviamente nunca daria certo por vários motivos.

No fim tudo que pôde fazer foi dar meia volta com o corpo ainda tremendo de raiva. Era absurdamente frustrante querer proteger alguém que não acreditava precisar de proteção. Mas Savannah sabia que não era culpa de Beverly... Tinha que continuar tentando.

Quando voltou para o apartamento de James e se jogou novamente na cama, simplesmente não conseguia se acalmar, era como se estivesse acumulando raiva demais dentro do próprio corpo para apenas fechar os olhos e dormir. Então, antes mesmo de pensar sobre isso, enviou uma mensagem para James:

Ryan voltou. 
Deus, eu odeio esse cara.

Assim que a mensagem foi entregue Savannah se deu conta que não devia estar incomodando James com aquilo, no entanto era tarde demais para apagar e menos de dois minutos depois já havia chegado a resposta:

Ele fez alguma coisa pra você?
Beverly e o garoto estão bem?

Era possível sentir a preocupação dele através das palavras e Savannah não pôde evitar um sorriso, afinal aquele era o mesmo James Barnes que dizia bobagens sobre ser um assassino, quando na verdade tudo que ele queria fazer era proteger as pessoas e resgatar gatinhos...

Enquanto respondia decidiu omitir as ofensas do desgraçado do Ryan, não por algum tipo de pena do embuste ou qualquer coisa desse tipo, mas James já passava muito tempo se martirizando com aquela coisa de Soldado Invernal, não precisava repetir palavras idiotas que certamente o atingiriam.

Bev e Mike estão bem.
Eu também. Sério
Aparentemente Ryan e Bev fizeram as pazes, 
Ele tá bancando o bom moço.
É a porra do maldito ciclo.
Mas não teve briga nenhuma dessa vez.

Ela procurou acalmá-lo o máximo que podia com as palavras, para que não estragasse o dia dele e, de alguma forma, isso serviu para acalmar a si mesma também, afinal, apesar de seus temores e crenças nada daquilo era uma mentira.

A Resposta de James não demorou muito para chegar:

Eu sei que você está chateada
Sei que odeia isso
Mas vamos ficar de olho, certo?
Qualquer coisa errada, qualquer coisa mesmo
A gente resolve.
Não vamos deixar esse homem machucar mais ninguém.

Conseguiu respirar fundo e se acomodou entre os travesseiros, se qualquer outra pessoa estivesse dizendo aquilo ela jamais acreditaria ou confiaria, mas não era qualquer pessoa, era o James, e nele, por algum motivo inexplicável, Savannah confiava de olhos fechados.

Teclou uma mensagem de despedida e a enviou em seguida, porque sabia que James estava ocupado.

Tudo bem.
Eu acho que é só isso que podemos fazer agora mesmo.
Desculpa atrapalhar sua reunião.
Até mais tarde.

Se acomodou um pouco melhor e logo Alpine veio lentamente afofar o lugar que tinha escolhido para deitar, o que nesse caso era bem em cima de Savannah.

Ela riu da gata e puxou um dos travesseiros, afundando o rosto na peça enquanto abraçava e aspirava o perfume de James. Não estava esperando por uma mensagem, por isso quando o celular vibrou outra vez foi uma surpresa, porém não foi a surpresa em si que fez o coração de Savannah sair do prumo e sim o conteúdo da dita mensagem:

Você nunca me atrapalha, Boneca.

Tudo que ela conseguiu fazer depois disso foi sorrir como uma adolescente boba, e só então Savannah se deu conta de uma nova verdade em sua vida...

— Sabe Alpine... eu estou totalmente apaixonada por esse homem. — Confidenciou o que tinha acabado de descobrir e a gatinha abriu os olhos azuis por dois segundos, antes de voltar a dormir.

Savannah sorriu tanto para Alpine quanto para a certeza de que seu sentimento por James não era apenas uma atração baseada na aparência, era mais que isso... E talvez qualquer outra pessoa achasse aquela realidade um pouco assustadora, mas não ela, na verdade estava feliz por ter acontecido exatamente daquele jeito.

Afinal, que outro homem seria melhor?



Faz como pra lidar com a fofura que é esse casal gente? Parece que o pequeno salto no tempo fez muito bem pra eles e a dinamica dos dois tá melhor que nunca. Eu sou totalmente suspeita pra falar qualquer coisa kkkkkk

Esse foi mais um capitulo de transição pra gente ver como estavam as coisas, mesmo assim eu me divirto muito narrando esses dois fazendo coisas bobas como tomar café da manha juntos kkkkk

Savannah já se deu conta e admitiu que tá apaixonadinha pelo Bucky, e ele? Será que já se tocou disso também ou ainda tá focado em "meu coração é do Steve"? Vamos saber disso no próximo, além de ver o que o Gus tá planejando. 

Assim que der eu volto, eu tô com 3 histórias no momento, e até entender que tipo de rotina de escrita vai funcionar melhor, talvez eu acabe atrasando um pouco nas postagens, mas assim que deu apareço ❤

Beijos e até!

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