O verão em Hogwarts foi bastante fresco, mas agora os bonitos raios de sol foram embora. Os planaltos da Escócia estão ficando mais chuvosos e gélidos conforme passam as primeiras semanas do trimestre e a Torre da Corvinal, conhecida por ser um dos lugares mais arejados da escola, virou uma espécie de freezer nos últimos dias, mesmo sendo apenas o início do outono.
Por isso, não me surpreendi quando acordei com meus pés congelados nessa manhã. Eu e Charity saímos do dormitório para enfrentar os frios e úmidos corredores do Castelo e prontamente seguimos o aroma de café da manhã. Percebi que a maioria dos alunos usam cachecóis com as cores de suas respectivas casas e fiquei triste por não ter um cachecol da Corvinal.
Quando chegamos na entrada do Salão Principal, vi um pontinho vermelho no fim do corredor correndo para nossa direção. Charity riu.
"Te encontro lá dentro", ela acenou brevemente para mim e adentrou o salão.
"Barbra! Você viu os avisos?" uma Lily descabelada e ofegante gritou da metade do corredor, ainda acelerando o passo para me alcançar.
"Que avisos?"
"A temporada de Quadribol vai começar! O primeiro jogo vai ser Sonserina contra Lufa-lufa daqui a duas semanas, todas as partidas foram adiantadas graças à previsão de neve", quando finalmente chegou até a entrada do salão, Lily agarrou meu braço e me arrastou para dentro.
Não lembro de ter visto os alunos tão animados desde o grande banquete de início de ano. Estão todos perfeitamente divididos nas mesas de suas casas, tanto que fiquei apreensiva quando Lily começou a me arrastar para o aglomerado vermelho da Grifinória em vez da maré azul de uniformes da Corvinal.
Os Lufanos tiraram toda a comida da mesa e estão usando o espaço para produzir cartazes para o primeiro jogo. Um garoto da Sonserina está em pé em cima da mesa narrando como imagina que será a partida enquanto sua monitora tenta convence-lo a descer.
Os Corvinos estão animadamente conversando com os membros do time. Nossa capitã parece calma e confiante, com várias tranças de lã azul no cabelo. Quando passo por ela, ela me dá um sorriso e puxa algo do bolso, depois o joga em minha direção.
Pego o objeto no ar. É um broche azul com o dizeres "águias avante!" em letras garrafais bronzes e brilhantes. Sorri de volta, agradecendo-a.
Vejo James sendo carregado nos ombros de dois outros garotos. Com certeza, a mesa mais animada é a dos leões. Lily segura firmemente em meu braço, guiando-me em meio à multidão.
"James, quando serão os testes para entrar no time?"
"A Corvinal não terá chance contra nós!"
"Nós te amamos, Potter!"
James é popular e tudo mais, porém eu não entendo o motivo da idolatria. Ele joga Quadribol muito bem, é inteligente e bonito, ok, mas a bagunça que ele chama de cabelo deveria ser prova suficiente de que ele é apenas um ser humano comum e falho como qualquer outro.
Quando finalmente chegamos perto dele, Lily sentou-se no banco mais próximo. Eu permaneci de pé, atordoada com a paixão dos torcedores da Grifinória.
Ouvi James pedir para os outros garotos o colocarem no chão e quando olhei para a cena, vi Pirraça sobrevoando a cabeça dele. O poltergeist mergulhava no ar e puxava os cabelos do capitão, cantando "leão Potter, leão Potter, a juba da casa de Godric."
Remus apareceu ao meu lado e cutucou minha bochecha com o dedo indicador.
"Intrusa", ele disse tentando parecer sério, mas percebi que ele mordeu o lábio para segurar uma risada.
"Quem vai me expulsar daqui?" questionei sarcástica e apontei para o broche de metal preso no seu peito. "O monitor, será?"
"Nah, o monitor está de folga hoje", ele riu antes de se juntar à mesa.
James, finalmente longe da enxurrada de pessoas que o ovacionavam, brotou atrás de Lily e colocou ambas as mãos em seus ombros. A ruiva deu um sobressalto e olhou arregalada para ele, depois seu rosto retorceu-se numa expressão de descontentamento. Ela se levantou e foi para a ponta da mesa, onde sentou ao lado de Marlene.
"Não acredito que Lily está me ignorando por causa de Snape."
Expirei sonoramente me controlando para não bater com a mão na testa. Como resposta, James estreitou os olhos na minha direção.
"Que foi?" ele contestou.
"Não é por causa de Snape que ela está de ignorando", falei. Por mais que não queira me meter nessa situação, não aguento mais os lamentos de James. Ele não tem tato pra esse tipo de coisa.
"Não é?"
"Eu acho que você ficou tão surpreso quando ela defendeu Severus que completamente ignorou o que ela disse."
"Não é verdad–"
"Você atormenta meus amigos e depois tem a cara de pau de dizer que gosta de mim. Foi isso que ela disse: você não ouve o que ela fala e por isso ela não acredita quando você diz que gosta dela", desabafei sem deixar brecha para ele me interromper. "Será que precisa desenhar pra você entender?"
"Eu a ouço!" o moreno teimosamente insistiu.
"Ela já falou mil vezes que não gosta quando você incomoda Severus, mas você continua o fazendo. Ou você não está escutando, ou simplesmente não liga."
A expressão carrancuda de James aliviou-se aos poucos. Ergui uma sobrancelha e desviei meu olhar do dele. Em meio à multidão, reconheço o cabelo preto mediano de Sirius. Ele está no lado oposto da mesa, conversando com uma garota que eu não conheço.
A enfermeira, madame Pomfrey, só precisou dar uma poção para Sirius e a queimadura em seu ombro curou em poucos minutos. Seu uniforme foi consertado com um simples Feitiço de Reparo. Contudo, continuo com a imagem de seu ombro machucado em minha consciência pesada.
"Ei, desculpa por ter te tratado mal nesses últimos dias", falando em consciência pesada, a voz de James soou com um quê de arrependimento ao meu lado. Me surpreendi com a mudança abrupta de assunto. "Você estava certa. Severus poderia ter se machucado gravemente se você não tivesse impedido Sirius."
"Tudo bem. Sabe James, eu adoraria ser sua amiga", admito deixando um riso fraco escapar.
O rosto dele iluminou numa expressão travessa.
"Você vai se arrepender de ter dito isso, Borage."
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Nos últimos dois dias, só se fala sobre Quadribol nessa escola. Ninguém esperava que as partidas começassem tão cedo, então a notícia veio como uma surpresa agradável que fez todos se esquecerem momentaneamente das provas e deveres.
Até me distraiu do fato de que meus pais ainda não me mandaram noticiais, nem sobre o feriado com os Black nem sobre qualquer outra coisa. É como se eles tivessem esquecido da minha existência.
Por isso, me forcei a escrever para eles. Perguntei sobre os planos para as festas de fim de ano e então contei resumidamente tudo que aconteceu desde o primeiro dia de aula, tomando o cuidado de não mencionar o incidente mais recente com Sirius na aula de Feitiços.
Com a paz declarada entre mim e James, estamos nos dando bem. Ontem ele me arrastou para assistir os testes da equipe de Quadribol. Fiquei nas arquibancadas com Peter e Sirius, foi divertido ver James irritado com os voadores incompetentes que queriam fazer parte do time. Tão divertido que nem me importei com o fato de Sirius estar me ignorando – de novo.
Guardei meu material e sai da biblioteca, exausta depois de ficar duas horas ininterruptas escrevendo. Consegui terminar de última hora um trabalho de História da Magia que preciso entregar amanhã no primeiro período (e tinha esquecido completamente). Minha mão dói e eu nunca mais quero segurar uma pena na vida.
"Para onde vão as almas sugadas por dementadores?" escutei a frase ecoar assim que cheguei no quinto andar da Torre da Corvinal.
"Sei lá, pro inferno."
"Sirius, acho que essa não é a resposta certa."
"Acesso negado", a voz da aldrava anunciou.
Aproximei-me da entrada da Sala Comunal segurando uma risada. A aldrava detectou minha presença e voltou a questionar.
"Para onde vão as almas sugadas por dementadores?"
Isso fez com que os três meninos postados frente a ela se entreolhassem impacientes.
Sirius se virou e foi o primeiro a me ver. "Graças à Merlin, você está aí. Estamos tentando passar por essa porta idiota há dez minutos."
"Por que vocês queriam entrar na minha sala?"
"Pra te sequestrar", James sorriu. "Estávamos quase desistindo, Borage."
"Vão me sequestrar pra onde?" perguntei rindo.
"É nossa tradição azarar a Sonserina antes do primeiro jogo", Remus esclareceu com um sorriso contido. "Mas não vamos passar do toque de recolher, certo? Por q–"
"Relaxa, monitor", interrompeu James, mas Remus continuou lhe olhando cismado. "Ainda não descobrimos um jeito de entrar na sala da Sonserina, então tem que ser antes do toque".
"Espera, esper–" Sirius exclamou de repente e todos os olhares se voltaram para ele. "Antes de irmos, responde aí essa pergunta estúpida e sem noção."
Não consegui segurar a risada que saiu da minha garganta. Por isso que ele parece tão irritado, então? Ainda não superou não ter conseguido passar pela Águia? Não é tão esperto quando achou que fosse, Sirius?
James parou para analisar a aldrava, depois voltou-se para mim.
"Pois é, Corvina. Mostre seu valor."
Descruzei os braços e olhei para a cabeça de pássaro bronze presa na porta azul-escura. Vamos, Barbra, pensa. O Ministério classifica dementadores como não-seres. Eu já li o relato de um sobrevivente de ataque de dementador no Profeta Diário, ele descreveu que a atmosfera fica fria e sombria quando eles aparecem e que as pessoas atacadas se sentem vazias.
Vazias. Não-seres. Será que...?
"Almas sugadas por dementadores vão para o vazio."
O barulho da tranca destravando ecoou pelo corredor.
"Ainda bem que sou da Grifinória", disse Remus.
Dei meu melhor olhar vitorioso para Sirius, que franziu o cenho.
"Vocês da Corvinal gostam de dizer que são inteligentes, mas na verdade são só birutas mesmo."
"A Águia não quer respostas certas. Ela quer respostas lógicas, está interessada em como você chegou no resultado, não no resultado em si", expliquei.
"Isso faz sentido, eu li que a Rowena col–" Remus começou a falar, mas James o interrompeu.
"Amigo, não temos tempo pra ouvir sua lista de 100 fatos interessantes sobre os fundadores de Hogwarts", James colocou as duas mãos nas costas de Remus, andando e o empurrando para a escada da torre.
"Peter e Lily não vem?" perguntei, correndo para alcançá-los depois de jogar minha mochila pra dentro da Sala Comunal e fechar a porta.
"Não. Ela 'tá ajudando Peter a estudar pra prova de Poções... e mesmo que não tivesse prova, ela não participaria do nosso ritual", James rolou os olhos.
"É um ritual ou uma tradição?" interrogo olhando pra James.
"O ritual é a tradição", Sirius responde, um sorriso aparecendo em sua face pela primeira vez desde que os encontrei.
"Fico honrada em fazer parte."
"Não fique", ele foi rápido em adicionar. "Você só está aqui porque James insistiu."
"Ei, não seja chato com a garota", surpreendentemente, James me defendeu. Vai levar um tempo pra eu me acostumar com essa nova amizade.
"Ela me colocou em detenção e queimou meu braço!"
"Detalhes, detalhes", James abanou a mão para Sirius, sorrindo. "Barbra, você é nova na nossa gangue, então pode escolher o que vamos fazer."
Olhei hesitante para Remus, que riu da minha cara.
"Indulgência ou revés?" James perguntou, uma sobrancelha arqueada.
"Pode ser um pouco mais específico?"
"Não pensa muito sobre isso, nós não somos a Águia", dessa vez a fala veio de Remus. "Só escolhe: indulgência ou revés?"
"Ok, então..." estalei a língua, pensativa. "Indulgência, eu acho."
James pigarreou. "Você escolheu indulgência!" ele disse com voz que me lembra um narrador de rádio extremamente dramático. "Isso significa que vamos perdoar um jogador da Sonserina que já nos causou problemas no passado..."
"...mas antes do perdão, vêm a vingança", Sirius completou. "Eu voto no meu irmão. Ele jogou um balaço tão forte no nosso goleiro ano passado que quebrou o nariz dele."
"Você quer azarar seu irmão?" Remus arqueou uma sobrancelha, avaliando a sugestão de Sirius.
"O que aconteceria se eu tivesse escolhido revés?"
"Iriamos azarar alguém aleatoriamente", James explicou, parecendo se divertir demais com a situação.
"Voltando ao assunto... Como vamos azarar Regulus?" Sirius correu para a frente do grupo e virou-se para nós, caminhando de costas e gesticulando com as mãos enquanto falava. "Eu pensei deixar ele com um bigodão. Não vai o atrapalhar no jogo, então continuará sendo uma partida justa. Imagina, um menino de treze anos com um bigode do tamanho do de Dumbledore."
Todos rimos, incluindo eu. Nunca vi o irmão de Sirius, mas ele pintou uma imagem muito engraçada em meu cérebro.
Fomos até o Salão Principal, onde alguns alunos terminavam suas refeições. Passei tanto tempo na biblioteca que acabei esquecendo do jantar. James puxou um grande tecido preto do bolso de sua capa e entregou a Sirius.
"Ok, vamos entrar. Não quero perder isso", o Potter disse, esfregando as mãos umas nas outras.
Remus, James e eu nos sentamos próximos da entrada. "Qual deles é o irmão de Sirius?" perguntei baixinho. Remus apontou para um garoto sentado de frente para nós, porém a duas mesas de distância. Parecia uma versão mais nova e mais baixa de Sirius, mas seu cabelo, apesar de tão preto quanto o do irmão mais velho, é bem mais curto.
Conversamos por algum tempo, alternando olhares para Regulus. De repente, pânico atravessou o rosto do Black mais novo ao que um bigode se formou embaixo de seu nariz e cresceu sem parar até sua cintura. Ele gritou em desespero e se levantou da mesa.
O Salão Principal estourou em risadas, exceto pelos jogadores da Sonserina, que olhavam irritados ao redor procurando pistas de quem azarou o membro do time.
Estávamos prontos para ir embora antes que desconfiassem de nós, mas então besouros começaram a sair do nariz de Regulus. O garoto cai no chão passando as mãos no rosto aflito, vários dos insetos ficando enrolados em seu bigode.
Eu parei de rir, pois não gostei da segunda azaração. Remus e James ainda estão rindo. Espero que Regulus esteja bem.
Senti um vento passar perto do meu braço e virei-me para o lado para conferir o que era, mas não vi nada. Curiosa, estendi o braço e bati em algo transparente. Arregalei os olhos quando a silhueta de Sirius materializou ao meu lado no banco, e ele entregou o tecido preto de volta à James, esticando-se por cima de mim.
"Grifinória!" um dos Sonserinos grita, apontando para os besouros vermelhos e dourados que começaram a correr pelo chão.
Eles olham diretamente para James, Sirius e Remus. Engoli a seco. Ai, Merlin, estamos ferrados.
"Rápido, rápido", Remus exclamou se pondo de pé.
Em um instante estávamos sentados no salão, e no outro estávamos correndo em máxima velocidade pelos corredores. Sirius disparou na frente, seguido de James. Remus e eu estamos apenas alguns passos atrás.
Tinham pelo menos seis vozes diferentes gritando em nossa retaguarda. Sirius fez uma curva súbita e eu perdi muita velocidade quando comparado com os meninos que parecem correr cada vez mais depressa. Quase tropecei quando curvamos para outro corredor. Eu não nasci pra correr, já me desemparelhei de Remus e estou muito atrás de todos eles agora, sem fôlego.
Ainda na frente de todos, Sirius adentrou uma sala escura e nós seguimos. Parei de supetão, meu coração disparado em protesto pelo esforço físico não planejado.
Tem todo o tipo de entulho nessa sala, não consigo distinguir nada à meia luz. Ficamos muito quietos, controlando nossa respiração ofegante, escondidos atrás do que parece ser um armário de vassouras. Ouvi a porta abrir com um estrondo.
"Foi o Potter e aquele grupinho dele!" uma voz masculina gritou muito próxima de nós.
"Mas tinha uma Corvina com eles, eu vi!" a única garota que veio nos perseguir, provavelmente parte da equipe de Quadribol, falou e então abriu com força as portas do armário. Todos os músculos do meu corpo congelaram, ainda bem que nos escondemos atrás do armário e não dentro dele.
"Eu também vi, ela faz Poções comigo. É aquela latina com sotaque estranho."
"A namorada do Sirius?"
Meu queixo caiu em espanto. A audácia desses moleques – latina com sotaque estranho, namorada do Sirius? Dei um passo para frente pronta para protestar, mas uma mão voou sobre minha boca e outra puxou-me para trás pela cintura. Senti o baque das minhas costas no peito de Sirius, então virei o rosto o máximo que pude e lhe dei um olhar indignado.
"Ela mesma. Traidora de sangue, assim como todo o resto daquela ralé da Grifinória."
"Devem ter se escondido embaixo daquela imunda Capa da Invisibilidade que arrastam pra todo o lado."
Olhei disfarçadamente para o tecido preto que James segurava enquanto o barulho dos passos dos Sonserinos indicava que eles estavam se afastando de nós.
Sirius me soltou. Só percebi que havia trancado a respiração quando instintivamente soltei uma longa lufada de fôlego, aliviada. Virei a cabeça para Remus e o encontrei sorrindo. Sempre o considerei como a voz da consciência de James e Sirius, mas hoje ele está tão animado quanto eles.
O clima esportivo que paira em Hogwarts está turvando o juízo de todos nós.