Radioativos

Autorstwa RainhaTargaryen

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Sem nenhuma perspectiva de um futuro promissor, Aisha nasceu dentro de uma nave espacial, sem nunca sentir a... Więcej

𝒜𝓋𝒾𝓈ℴ𝓈
ILUSTRAÇÕES
PRÓLOGO
ATO I - RADIOATIVA
02 | A SERPENTE DO IMPÉRIO
03 | HERDEIROS DA TERRA
06 | A VERDADE

01 | RADIOATIVOS

512 101 652
Autorstwa RainhaTargaryen

Quando Aisha ainda tinha sete anos, sua mãe teve uma crise de vômito intensa. Seu pai cuidou dela com carinho, mesmo não tendo nada a se fazer. Aquilo era o efeito da radiação que recebiam diariamente, sem parar. Durante a noite, escutava os resmungos e sons animalescos que sua mãe soltava. Por mais que tentasse dormir e ignorar tudo aquilo a sua volta, não conseguia. Quase conseguia sentir a dor da mãe, que definhava aos poucos. Quando os anos se passaram e ela finalmente morreu, Aisha teve de consolar o pai. Mas agora era ele quem estava morrendo, e não havia ninguém para consola-la.

Aisha pôs fim nos pensamentos melancólicos enquanto caminhava e parou em um corredor vazio, olhou a pequena janela lacrada e imaginou mil cenários diferentes que ela podia esconder. Era impossível abri-la, ou então a radiação entraria e mataria a todos ainda mais rapidamente. Às vezes, quando estava absorta em seus pensamentos, realmente desejava que todos ali morressem junto dela para que o sofrimento finalmente chegasse ao fim. Seu coração estava amargo, murcho como uma flor no fim de primavera. Tocou o metal da janela e respirou fundo. Antes de morrer como sua mãe, desejava ver ao menos um vislumbre do que havia do lado de fora. Ao seu redor, havia apenas metal, ferro e luzes de leds que indicavam as direções da nave.

Quinhentos anos antes, uma pedra azul-celeste, que brilhava com muita intensidade, foi encontrada pelos Estados Unidos. Aquilo foi mantido em segredo, e descobriram que se um líquido valioso escondido no interior da pedra fosse juntado ao corpo humano, ele virava um supersoldado. Os Estados Unidos almejavam poder e glória, e para isso mudaram homens e mulheres geneticamente usando a pedra celeste, de forma que se transformassem em máquinas mortíferas. Por um tempo, os americanos conseguiram o que queriam, mas aqueles supersoldados, denominados Celestes por causa dos olhos azuis, começaram a ter desejos também. O melhor de todos eles, Gregório Zancarli, reuniu os melhores dos melhores, e juntos, destruíram qualquer coisa que se opusesse. Naquela noite, apelidada de Noite Estrelada, incontáveis luzes e sirenes apitaram por toda a Terra, e a invasão Celeste se iniciou. Um Celeste para cada continente, cada um com armas indestrutíveis e soldados invencíveis. E então, a glória dos Estados Unidos se foi completamente, junto de grandes potências como Rússia e China.

Desde a queda dos países, a radiação se tornou letal em qualquer parte do planeta devido às guerras nucleares que se sucederam, e uma parcela da humanidade foi selecionada para se sacrificar em prol do resto. Aisha nasceu em uma nave, sem jamais ter sentido o calor do sol ou visto a beleza da lua. Trancada em uma nave que nunca deixa de voar, ela se sacrifica juntos dos seus numa tentativa de tornar a Terra totalmente habitável de novo.

Essa era a única história que Aisha conhece. Nunca leu um livro de conto de fadas ou assistiu filme. Retirou a mão da janela e se recompôs. Havia terminado mais um turno, e agora era sua vez de descansar, ou tentar. Caminhou lentamente pelos corredores cinzentos com leds azuis, nunca deixava de escutar o som dos motores. Seus sapatos marrons e surrados quase não faziam barulho. Quando adentrou a ala dos dormitórios, a fadiga e tristeza tomaram conta do seu coração. Em sua volta haviam incontáveis portas brancas com um número metálico pregado, cada uma com o número da casa de uma família. A dela era no final e quando abriu a porta, encontrou seu pai vivo.

Depois da morte de sua mãe, quem começou a adoecer era seu pai, Daren. Porém, ele era mais forte e os sintomas começaram lentamente. Primeiro, uma tosse, depois dores de cabeças corriqueiras. Anos depois, ele estava quase como um cadáver. Se aproximou dele lentamente e o observou. Seu peito mexia lentamente com a respiração. Havia emagrecido muitos quilos, de forma que seus ossos ficavam a mostra. A pele parecia prestes a desgrudar dos músculos. Suas maçãs do rosto estavam proeminentes, os lábios secos, olheiras profundas e arroxeadas. Seu tom de pele costumava ser mais rosado, agora não passava de um esbranquiçado quase transparente. Os cabelos castanhos, iguais aos de Aisha, estavam opacos e finos, também caíam com mais facilidade. Ele representava o futuro de todos que estavam trancafiados nas naves.

Não o acordou, não queria que ele a visse se debulhar em lágrimas mais uma vez. Estava exausta de fingir que aguentava continuar vivendo. Tomou um banho rápido, pois havia limite de tempo, e se deitou na cama no outro oposto do quarto. Não havia muita mais coisa na casa, as camas eram separadas por uma cortina tão fina que quase dava para ver o outro lado. Do outro lado, uma pequena mesa com três cadeiras. Até se casar, não teria direito a uma casa sozinha, porém, era o que aconteceria com a morte do pai. Aisha não conseguiu relaxar quando fechou os olhos. Faltavam poucos dias para que os Celestes viessem buscar seu pai, e isso a acalmava e a entristecia simultaneamente. Não suportava mais ver o sofrimento interminável dele.

Quando finalmente conseguiu fazer sua mente parar, seus sonhos foram vívidos, os sentimentos quase palpáveis. Estava no mesmo lugar de sempre, em seu quarto, mas seu pai estava morto. No sonho, quem vinha buscar seu pai era o próprio Constantine Honório, o Governador da América do Sul. Não conseguia ver seu rosto, apenas um borrão no lugar da cabeça. O medo e a raiva tomavam conta do seu coração, como se ele estivesse mesmo ali. Em toda sua vida, Aisha havia visto apenas dois Celestes na vida, Constantine e sua filha Agrippina, a não ser em fotos ou vídeos, e provavelmente morreria na nave, definhando na nave, sem nunca ver mais nenhum.

Aisha nunca tinha visto nada na vida além das paredes de metais da nave, e ela estava conformada, aceitava que era uma radioativa, e não uma Celeste, e estava fadada a se sacrificar pelos outros, estava se matando todos os dias por um planeta que nunca havia nem visto com os próprios olhos.

...

Se levantou silenciosamente e foi até o banheiro, pronta para se arrumar para o serviço. Vestiu sua roupa de sempre e respirou fundo para ir até a cama do pai. O caminho foi tortuoso, cheio de pensamentos horripilantes de como seria ficar como seu pai. Sua mãe havia tido sorte em morrer cedo e sofrer por menos tempo. Todas as manhãs eram iguais, sem nunca mudar nenhum detalhe, era como viver uma eternidade entediante. Daren estava de olhos abertos. Quando era mais nova, se lembrava deles mais marrons e com mais brilho.

— Você já vai trabalhar? — perguntou ele.

— Infelizmente.

— Eu adoraria ir.

— Por que gastar suas forças para que Celestes vivam como reis lá embaixo? — indagou Aisha, estava estressada com o pai, por sempre estar disposto a se sacrificar.

— Já falei para você, querida, eles não são os únicos que vivem la embaixo, há outros de nós. — A voz dele era lenta e transmitia em serenidade, transbordava humildade e crença na existência de um mundo melhor.

— Outros de nós que nunca vamos conhecer porque estamos presos aqui.

— Que nenhum superior te escute dizer essas coisas, ou será sacrificada.

Aisha ficou quieta, não queria dizer ao pai que as vezes pensava em ser sacrificada, o pouparia do desgosto de ter uma filha totalmente diferente dele.

— Tenho que ir, pai.

Daren assentiu com a cabeça e se virou para o outro lado da cama, cansado, como se tivesse trabalhado o dia inteiro, porém, era apenas uma consequência de ser um radioativo. A vida dele estava se esgotando, e ninguém além da filha dele se importava.

Aisha abriu a porta da saída e o deixou sozinho no quarto, em um escuro confortável para seus olhos sensíveis. Estava ensimesmada, perdida nos próprios pensamentos sombrios. Quando deixou de olhar para os pés e virou o rosto para o caminho, encontrou Anna, uma menina adorável que estava sempre com um sorriso aberto, mas nem mesmo ela estava feliz.

— Olá, Aisha.

Anna não sorriu ou demonstrou qualquer sinal de felicidade. Quando estava perto de Constantine e Agrippina virem e levarem os mais doentes, era quase uma regra que ninguém parecesse feliz. Anna era ainda mais baixa que Aisha, e era muito mais magra, tornando óbvio quem pereceria primeiro com a radiação do planeta.

— Tenha um bom dia de trabalho — finalizou a garota, e depois se virou e caminhou para longe.

Aisha estava cansada e não suportava muito mais tempo de sua vida miserável, não havia tido forças sequer para cumprimentar Anna. Estava com vontade de permanecer deitada e com os olhos fechados para sempre. Quando estava em dias mais melancólicos, gostava de imaginar como seria se tivesse nascido uma Celeste. Seria tão bonita quanto Agrippina Honório? Era a única Celeste mulher que já havia visto em toda a sua vida, e se lembrava de pensar que Agrippina fosse uma deusa encarnada.

Quando chegou ao local de trabalho, respirou fundo e fechou os olhos. Aisha fazia um serviço simples, que consistia em monitorar as naves dos Radioativos de todo o continente. Se perdesse o controle, podia explodir algumas sem querer em alguma colisão. Quando chegava o final do dia, sua visão estava desgastada e não enxergava mais nada com foco. Gostava de ficar cansada, assim dormia rápido e sem muitos pensamentos. Foi o que fez quando retornou para o dormitório.

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