2# A LEGIÃO IRÁ REAGIR á”â±Êłá”ƒá¶œá”˜...

By Fanfixionada

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💞â€ș AUTORA: Gleysla Meireles 💞â€ș GÊNERO: fanfic, romance, ficção, ficção adolescente, drama, ação, aventura. ... More

♛ SINOPSE ♛
♕ NOVO ELENCO + AVISOS ♕
♕ KWAMIS + PERSONAGENS ♕
♕ RETROSPECTIVA ♕
➟ CAPÍTULO 0.0: Onde Tudo Começa
➟ CAPÍTULO 0.1: Onde Tudo Começa
➟ CAPÍTULO 0.2: Onde Tudo Começa
➟ CAPÍTULO 1: Tudo Mudou, Ou Talvez NĂŁo
➟ CAPÍTULO 2: Um Ano ou Dois
➟ CAPÍTULO 3: CholdraboldraÂč
➟ CAPÍTULO 4: Enfim, Descobriram
➟ CAPÍTULO 5.0: Companheirismo
➟ CAPÍTULO 5.1: Companheirismo
➟ CAPÍTULO 6: CircunstĂąncias
➟ CAPÍTULO 7: Escolhas
➟ CAPÍTULO 8.0: Lados da Guerra
➟ CAPÍTULO 8.1: Lados da Guerra
➟ CAPÍTULO 9: Tormentos
➟ CAPÍTULO 10: Aliados
➟ CAPÍTULO 11.2: (Des)Conhecidos
➟CAPÍTULO 11.3: (Des)Conhecidos
➟ CAPÍTULO 11.4: (Des)Conhecidos
➟ CAPÍTULO 12: Dark Grimalkin e Joana D'arc
➟ CAPÍTULO 13: Rena Rouge
➟ CAPÍTULO 14: Carapace
➟ CAPÍTULO 15: Amor NostĂĄlgico
➟ CAPÍTULO 16: Novos Inquilinos
➟ CAPÍTULO 17: MemĂłrias ao Vento
➟ CAPÍTULO 18: Novos Colegas

➟ CAPÍTULO 11.1: (Des)Conhecidos

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By Fanfixionada

Isso não é para o melhor 
Minha reputação nunca esteve pior, então
Você deve gostar de mim pelo que eu sou
Nós não podemos fazer
Nenhuma promessa agora, podemos, amor?
Mas você pode me fazer uma bebida.
♕ Delicate (Taylor Swift)

{Contém 6.521 palavras e dois narradores}

Guildford, Condado de Surrey.

     NÃO, EU NÃO quero e não vou. Simples assim. Não tem porque bater cabeça com uma banalidade dessas! Mas ela é teimosa, insiste demais. Argh! Se não fosse minha mãe já teria arremessado um travesseiro nela.

— Então a Naomi pode fazer o que quiser, mas eu não posso escolher ficar? Eu não vou à Paris só porque ela conseguiu uma bolsa de estudos e não me venha com a historinha de que "ela é menor de idade" porque nós duas temos quase a mesma idade! — declaro furiosa, deitando em minha cama esparramando meu longo cabelo na colcha.

Raquel, minha mãe, me seguia até o quarto e me enchia de argumentações sobre ir visitar a Cidade da Luz, do perfume, do amor e blá blá blá…

Ela dizia também que Fritz, o meu pai biológico, morava por lá e que por isso devia visitá-lo. Sendo que eles nem compartilham de uma boa amizade e a responsabilidade de cuidar da minha guarda é exclusivamente dela!

— Sophia, você querendo ou não, ele é seu pai!

— Porque você quis! — gritei erguendo-me de súbito, mas no instante seguinte sou jogada para a cama novamente pelo tapa que recebi dela.

A tensão é palpável, meu rosto arde e ela nem sequer faz menção de se preocupar comigo por isso. Respiro fundo, tentando não transparecer fragilidade.

— Era só ter negado… Eu não queria o sobrenome dele, não quero… — sussurro massageando minha bochecha.

Raquel Jones, adicionando atualmente o sobrenome Nokamura no documento, nunca foi uma mulher satisfeita com sua própria vida. Sempre queria mais, queria o melhor… Mesmo que isso custasse caro.

Aos dezesseis anos, minha mãe engravidou de um homem dez anos mais velho que ela e não quis se responsabilizar pelo bebê. Na época, meus avós negaram a minha existência e não queriam minha mãe por perto. Ela me teve e cuidou de mim, mas não queria ficar naquela situação para sempre.

Ela merecia mais. Nós merecemos.

Cinco anos depois ela se casou com um cara mal encarado, ele a maltratava e tentava me intimidar também, mas mamãe nunca permitiu isso. Nessa época, meus avós decidiram voltar atrás e nos aceitaram novamente.

Foi um grande erro.

Eles acreditavam mais na palavra daquele monstro do que na própria filha, foi difícil para nós duas continuarmos naquele jogo de gato e rato… Mas isso mudou quando conhecemos o Denji Nokamura, um jovem japonês que veio à Inglaterra a negócios.

Ele se tornou meu segundo padrasto em poucos meses, Raquel se tornou uma mulher muito criteriosa, mas com ele foi diferente… Como uma conexão. Eles se casaram na igreja, depois no cartório. O monstro havia sumido depois que uma denúncia anônima surgiu sobre maus tratos, mas eu sei que ele continua à espreita.

Apenas observando.

Denji não veio sozinho, durante sua longa estadia em Londres ele tinha trazido sua filha, Naomi, para acompanhá-lo. Ela só não sabia que essa estadia se estenderia por dez anos.

Nós temos um ano de diferença, então já devem presumir que foi fácil me adaptar com alguém próximo da minha idade.

Só que diferente de Denji, ela é muito dramática. Sempre querendo estar onde eu estou e nunca se contentando em ficar fora de algo. Resumindo, ela é uma chata insuportável… Mas a convivência me fez amá-la incondicionalmente.

Tudo estava indo bem, nós estávamos bem.

Porém, há dois anos, enquanto vivíamos sob uma nova realidade, eis que me surge do nada uma carta com o nome de Fritz Lockwood no remetente.

Era ele.

Raquel sempre me contou que ele não era flor que se cheire e que nunca nos deu nada, mas de repente, depois dessa carta, ela tentou me persuadir de que ele era sim um homem bom.

Isso porque o velho simplesmente teve um surto de moralidade e nos depositou uma imensa quantia de dinheiro para me sustentar. Raquel jamais negou que estava usando esse dinheiro em minha educação e lazer, mas isso não muda esses longos anos de puro ódio que ela me fez sentir por ele.

Não é ele que quer ser pai? Então que venha me ver”. Isso era um dos pensamentos que sempre vieram quando mamãe me pedia para ir vê-lo e em todas as vezes eu conseguia despistar. Só que chegou um momento que não deu mais.

Aquele monstro havia voltado, ele nos perseguia. Mamãe tentou procurar ajuda, mas ninguém nos dava uma mão. Todos tinham medo de interferir e ela tinha medo de ir à delegacia.

Poderíamos ter feito uma denúncia anônima? Sim, poderíamos. No entanto, Raquel não queria reviver os mesmos pesadelos, então todos nós saímos da capital e fomos para o interior chamado Guildford.

Conseguimos recomeçar? Sim, por um tempo.

Há três meses recebemos uma carta avisando que Fritz estava com os dias contados, Raquel ficou compadecida e até visitou ele mês passado, mas eu fiz questão de ficar com Denji e Naomi.

Eles é quem são a minha família, não ele.

Denji compreende a situação de sua esposa, por essa razão também apoiou a ideia dela de ir para Paris. Hoje, após semanas que saí do internato feminino (inclusive, foi a própria Raquel quem me colocou lá), ela me vem dizer na maior cara de pau que eu devia ir vê-lo também.

Não, ela disse que tenho a obrigação.

Logicamente eu neguei, mas essa mulher é ardilosa e usou o intercâmbio de Naomi para me empurrar nessa viagem junto. Eu estou feliz pela minha irmãzinha, mas ainda assim… Eu não me sentia pronta.

Tento dizer isso a ela, mas Raquel apenas me observa com um olhar de reprovação. Naomi diz que puxei isso dela, esse olhar…

Minha irmã detesta esse olhar.

— Só cuide dela, Sophia, cuide para que nada a machuque e ninguém faça maldade a Naomi. — alertou suavizando o olhar repreensivo.

— Ela não é mais nenhuma criança, Naomi já é uma mocinha capaz de se defender e você sabe bem disso. — conto sem abaixar a guarda e continuo com o mesmo olhar.

— Sophia! — ela me chama quase como um suplício. Suas mãos vão até meu rosto para me acariciar, mas me esquivo por reflexo. — Por favor...

Os olhos acinzentados de Raquel me encaram esperançosos, esperando que eu ceda o seu pedido como sempre faço. Eu me odeio por isso. Odeio quando não consigo manter meu "não" com ela. Principalmente, odeio quando não consigo manter limites com ninguém.

— Ah! Está bem, você venceu. — respondo rolando os olhos. — Mais do que eu já cuido dela só se eu adotá-la como minha filha. — brinco dando-lhe uma piscadela.

Meu padrasto caminhava pelos corredores da casa procurando por minha mãe, nós conseguimos ouvir o ranger de seus passos no andar de baixo. Ouço ele se aproximar ainda mais e abre a porta do meu quarto sem meu consentimento, a porta já estava entreaberta, mas nem por isso aceito essa atitude.

— A cada dia acho que a petulância é uma característica forte das Jones. — diz ele se aproximando de Raquel e tocando em seu ombro.

— E a falta de senso é dos Nokamura. — rebato arremessando minha almofada em seu rosto, mas ele consegue segurar rapidamente. — Na próxima vez, bata na porta.

— Sophia! — mamãe me repreende.

Ele continuou me fitando, pensativo e sorridente, enquanto mamãe estava beirando ao roxo de tão envergonhada que estava por minha causa, mas Denji me conhecia muito bem pra saber que eu não estava totalmente zangada com ele, e sim com essa situação.

— Sei que no momento está sendo difícil, Soph. Sua mãe e eu entendemos que você não quer vê-lo, mas sua irmã…

Fecho a cara rapidamente, eu conseguia tolerar isso dela, mas não dele.

— Saiam do meu quarto, quero ficar sozinha.

— O quê? — Raquel balbucia indignada.

— Agora, saiam do meu quarto agora! — digo com ainda mais raiva.

Levanto-me subitamente da cama e escancaro a porta amadeirada para que ambos entendessem, mas Raquel é a primeira a se negar. Ela cruza seus braços finos e pálidos abaixo dos seios fartos, mas seu marido aquiesce pousando uma das mãos no joelho de sua esposa.

Aquilo me faz revirar os olhos. Nunca me acostumei com as trocas de carinho entre eles.

Raquel bufa e se ergue da cama, indo até a soleira da porta e para bem próxima de mim, ela segura meu braço e sussurra rente ao meu rosto.

— Eu devia ter te devolvido ao internato.

— É uma pena que não me aceitam mais. — respondo com um sorriso de banda.

Ela estala a língua no céu da boca e sai sem me olhar, já Denji se aproxima de mim cautelosamente. Seus olhos escuros me analisam de forma séria, seu curto cabelo preto está penteado para trás e suas roupas casuais dão um ar de classe alta inexistente para nós que estamos quase abaixo da classe média.

— Sua mãe só quer o melhor pra você.

— Eu só queria que ela me tratasse como adulta. — sussurro tentando me acalmar.

Ele suspira olhando para o corredor e depois para mim, Denji analisa a situação, as probabilidades e as consequências. No fim, o homem me chama para o seu escritório para conversarmos mais tarde.

Assinto, tranquila. Ele se despede e o quarto mergulha num silêncio desconfortável que me incomoda profundamente. Isso me sufoca.

E só tem um lugar que pode me ajudar.

Caminho até o quarto de minha irmã, ela estava sonolenta demais para notar a porta sendo aberta e meus passos pesados trilharem até seu encontro. Ela sorriu assim que sentiu meu toque em seu ombro, abraço-a por trás e me deito em sua cama.

— Hum… Bom dia? — ela murmurou, incerta.

Seus olhos castanhos me encaram brevemente, eles crispam e tentam se abrir para se acostumar com a claridade do cômodo. Suas longas madeixas estão jogadas sobre a almofada, ondulados e da mesma cor de seus olhos, avelã.

Na verdade, ela mais parece uma pintura a óleo em tons pastéis. Sua silhueta é pequena como a minha, tem quase 1,60 de altura e é tão adorável quanto um beija-flor.

Ela até parece uma bonequinha.

Naomi é londrina como eu, mas nasceu no Japão. Lá não aceitam dupla nacionalidade, mas quando eles se mudaram de vez para cá, Denji mudou e mexeu alguns papéis para isso.

Seu nome é Naomi Collazo Nokamura, o primeiro sobrenome vem de sua mãe, uma porto-riquenha que a abandonou assim que ela nasceu, e por isso minha irmã não gosta de ser chamada pelo nome inteiro, pelo menos não usando o sobrenome de sua mãe.

Nós duas compartilhamos de uma dor semelhante, o abandono. Seja por uma mãe, ou por um pai, embora essas situações sejam realmente diferentes, o caso da Naomi me incomoda ainda mais por saber que ela mesma não quer mudar isso quando tiver maioridade. E diferente dela, quando chegar a minha vez irei fazer questão de retirar esse sobrenome de mim.

Não quero, e nunca quis, estar associada com aquele homem.

— Estão pegando muito em seu pé, senhorita Lockwood? — balbucia se espreguiçando fracamente.

Respiro fundo. Aperto meus braços em volta de sua cintura fina, afundo meu rosto em seus cabelos e tento ao máximo não transparecer minha angústia em cada palavra.

— Nunca mais me chame assim… Por favor.

Ela se remexe e se vira para me olhar diretamente, meus olhos ardem e meu nariz funga. Ela percebe minha tristeza, minhas dúvidas. Ela sempre soube.

Naomi me abraça, dessa vez de frente, deixando-me descansar meu rosto em seu busto enquanto suas mãos acariciam meu cabelo.

— Desculpe… — ela sussurra. — Não devia brincar com isso.

— Eu sei que você não faz por mal. — respondo baixinho.

— Você acha que eles vão te colocar outra vez naquele internato?

— Não, eu fiz um estrago muito grande pra eles não me aceitarem de volta.

— Foi por causa de Zoé, né?

Assinto, mas não consigo dizer nada. Pensei que pudéssemos passar por aquele inferno juntas, mas em poucos meses ela havia saído e me deixado à mercê daqueles demônios.

— Você pode vir comigo e fingir que vai vê-lo, ninguém precisa saber.

— Ela vai saber.

— Então daremos um jeito! — insiste me fazendo olhá-la. — Eu só… Eu só queria que você se divertisse um pouco.

— E eu vou, mas longe de Paris. — respondo a fazendo bufar frustrada.

— Mas querendo ou não, você precisa ir a Paris! — uma terceira voz surge no quarto meio escuro, minha kwami.

— Lobby, agora não é a melhor hora para fazer um motim. — retruco mal-humorada.

— Ah, é a hora sim! — diz Naomi esboçando um leve sorriso. — Lobby, diz pra ela que pode ser uma ótima chance? — sua pergunta é claramente retórica, mas a criaturinha iria fazer mesmo a repetição.

— Não é necessário, Lobby. Eu sei bem onde estou me metendo, e não. Eu não vou mudar de ideia.

A kwami bufa balançando suas grandes orelhas de lobo. Sua fisionomia remete muito a esse animal, embora não seja muito visto por aqui, mas com a nossa chegada nesse interior, a heroína Lady-Wolf tem sido destaque em muitos festivais e outras comemorações da cidade.

— Sophia Jones Lockwood! — ouço o reverberar de mamãe pela casa inteira, assim como seus saltos finos batendo no chão.

Naomi se levanta devagar da cama, ela pragueja e solta longos bocejos até tomar coragem para ir até seu banheiro.

— Então boa sorte com ela. — diz entre grunhidos de preguiça.

Bufo me erguendo a contragosto da cama.

— Ei! — ela me chama um pouco mais animada. — Eu te vejo mais tarde?

— Relaxa, você não vai sair daqui sem se despedir de mim. — digo bem humorada.

Ela ri, assentindo.

A porta é violentamente aberta. Raquel me encontra sozinha no quarto escutando a voz da caçula debaixo do chuveiro, Naomi começou a cantar uma música francesa de uma banda de rock, mas mamãe me encarava irritada e nem por um segundo suavizou seu olhar semicerrado de poucos amigos.

— Denji quer falar com você. Ele está no escritório.

— É, eu sei. Ele me avisou antes, eu já estou indo. — respondo alongando minhas pernas, mas mamãe simplesmente me ignora e me puxa pelo braço para fora do quarto. — Ei! Eu já disse que estou indo! — grito.

— Estou cansada de seus joguinhos, Sophia.

— Que joguinhos?

— Você vai a Paris, nem que seja no porta-malas!— ordenou, apontando seu dedo indicador em meu rosto. 

— Não.

— Sim! E além disso, liguei para lá e eles vão providenciar uma suíte para vocês, sem deixar de também incluírem um guarda-costa.

— Eu não sou uma garotinha indefesa!

Ela sorriu largamente.

— É claro que não, eu sei bem disso. Essa precaução é mais para proteger Naomi, ela não tem culpa de toda essa "bagagem" estar caindo nos ombros dela… Deles, na verdade.

Eu sei bem que tipo de bagagem ela se refere.

— Argh! — gritei furiosa. Ela não consegue aceitar o meu não, ela rejeita qualquer rejeição vinda de mim.

Saio correndo daquele quarto antes que eu faça alguma maluquice, sinto minha kwami rapidamente se aproximar de mim e se esconder entre minhas roupas.

Raquel bate a porta brutalmente.

Caminho em direção onde meu padrasto está e durante o percurso vejo em cima de minha cama, com a porta ainda escancarada,  uma enorme mala cheia de roupas que eu mal uso em casa.

— Agora era só o que me faltava! — esbravejo completamente irada. Gradualmente minha caminhada se torna uma marcha furiosa até o escritório de Denji, e quando, enfim, chego lá sinto-me completamente esgotada. — Aqui estou, queria me ver?

O homem me observa lentamente, deixando os papéis empilhados em cima da mesa e os olhos cravados em mim por baixo dos óculos de descanso.

— Acho que está na hora de tratá-la como adulta.


Sacudo o macacão laranja de bolsos largos perto da varanda da janela, minhas roupas parecem ter sido escolhidas a dedo, mas isso não é à toa. Raquel Jones Nokamura é uma estilista em ascensão, então não é difícil encontrar boas combinações em minha mala.

Ela quer que eu seja sua modelo, alguém que mostre seu trabalho. Ainda mais agora que estou indo para outro país.

— Sophia? — Naomi me flagra guardando as calcinhas num saco transparente. — Pra onde você vai?

— Com você, estou indo também para Paris.

Ela nem pisca. Seus olhos castanhos me olham como se tivesse nascido um terceiro olho em minha testa.

— É, pra mim também foi uma surpresa, mas percebi que essa é uma oportunidade muito exclusiva pra deixar de lado.

— E eu também sou um dos motivos dela. — Lobby se pronuncia feliz.

— O que aconteceu com "eu vou, mas longe de Paris"?

— Ah, bom… Eu mudei de ideia, só isso.

Ela aquiesce, mas ainda consigo notar sua desconfiança estampada em seu rosto redondo.

A verdade é que estou numa cilada.

Há algumas horas Denji me mostrou os extratos bancários de minha mãe, ela não queria me contar ou me mostrar aquilo, mas são longos números… Números estes que se tornaram dívidas. Eu achei que ela estivesse usando o dinheiro de Fritz em minha educação, mas Raquel estava usufruindo para si mesma.

— Eu não consigo tirá-la dessa enrascada. — disse Denji, preocupado.

— Não temos nenhuma poupança?! — digo aflita.

— Infelizmente não, Raquel gastou muito e agora aquele homem quer uma garantia que ela o pague.

Suspiro me sentando na cadeira de frente a mesa, ele me encara igualmente cansado. Acho que agora tenho a visão do iceberg de problemas que ele tenta resolver sozinho.

E por isso, Denji sempre aparece cansado. Seja fisicamente, seja psicologicamente.

— Eu só não entendo uma coisa. — balbucio, cruzando os braços. — O que eu tenho haver com tudo isso?

— Ele quer você. — disse, simplesmente. Meu susto o faz suspirar pesado. — Quer levá-la, mas sua mãe protestou e seu pai…

— Ele não é meu pai! — interrompi, esbravejando pelas quatro paredes.

— Tudo bem… Tudo bem. — ele sussurrou erguendo as mãos, tentando tranquilizar um animal acuado. Assim que percebi, tratei de manter a calma, Denji não tem culpa disso. — Aquele homem, Fritz, então mudou a proposta. Ele quer você apenas por um ano. Este ano. Enquanto Naomi estiver estudando, você estará por lá também.

— Não… Não, não! Isso é loucura! — disse eu indignada.

— É verdade, mas esta é a única forma de zerar nossas dívidas.

— Nossas não, elas são de Raquel! Eu não entendo como você ainda continua ao lado dela. Ela… Ela mente, ela não tem limites! — digo entre dentes.

Minhas mãos, sobrancelhas e boca tremulam, mas não de medo ou mágoa, e sim de raiva. Raiva por vê-lo, e por me ver, se sujeitando a isso.

— Raquel tem seus defeitos, mas não posso abandoná-la. Não agora.

Bufo me afundando na cadeira.

— Isso está me parecendo uma acomodação. — digo, cruzando os braços.

Ele ri sem graça.

— Você é ainda muito nova pra entender, Soph. Quando você conhecer alguém e esse alguém for muito importante pra você, então nada é um obstáculo. — Denji se aproxima de mim, segura minhas mãos e as une como se estivéssemos orando.

— Pra mim… — respondo olhando-o diretamente. —  Isso é uma grande romantização. — a resposta o faz gargalhar, mas não me desmente. O que me conforta e me assusta.

O amor é realmente assustador.

— Seja o que for o motivo, o verdadeiro motivo, você vai me contar em algum momento. — diz uma Naomi sorridente, tirando-me das lembranças de momentos atrás.

Assinto, cabisbaixa.

Infelizmente, dessa vez não.

— Tenho que ir, vou levar minhas bagagens lá pra baixo.

— Certo. — resmungo.

Logo, os preparativos para uma nova vida em Paris estavam começando. Naomi está realizando um sonho de estudar em Paris e eu um pesadelo, porque agora estou entrando numa armadilha. E pior ainda, uma armadilha que estou ciente de que não tenho escapatória.

— Prontas, meninas? — indaga Denji, nos esperando em seu carro prateado. Nós duas confirmamos, Raquel estava na entrada da casa, só que nem teve a coragem de se despedir, pelo menos não de mim. — Próxima parada, Aeroporto Heathrow!

Ele pisou fundo.

Nós duas imaginamos que iríamos fazer parte do estofado de couro por tamanha velocidade. Naomi não parava de sorrir, contagiada pela ideia de uma nova fronteira há poucas horas. Eu não fazia ideia também do que me aguardaria, mas espero que o destino esteja ao meu favor.  

São Luís, capital do Maranhão.

     JÁ FAZ MAIS de duas horas que eu observava minha mãe adormecida no leito do hospital. Ela dormia tão serenamente que nem parecia ter sofrido de derrame em tão pouco tempo, tento me manter forte e contenho minha vontade de chorar. Só que… Foi tão repentino.

Estávamos só tomando café. Eu mal pude reagir. Me martirizo toda vez que a encaro. Ela só está aqui porque um dos vizinhos pôde me ajudar, eu não pude nem ampara-la devidamente. Eu não conseguia falar, não conseguia agir. Só conseguimos vaga, um leito e um atendimento porque os vizinhos – e que Deus os abençoe – nos ajudaram nisso também.

Eu é quem devia estar fazendo isso, ainda mais depois que meu pai deu a mim esse cargo de protegê-la… Só que eu falhei.

— Taiane Lima Allen? — ouço uma voz masculina chamá-la ao entrar no quarto.

— Aqui! Como ela tá, doutor Silva? — pergunto ansiosa, o doutor Flávio Silva nos encarava da mesma maneira, só que mais receoso.

Isso seria um mau sinal?

— Não são boas notícias que venho trazer, Mayara. — respondeu com pesar.

Eu gelei.

O Dr. Flávio é um grande amigo da minha família, principalmente pelo meu falecido pai chamado Ícaro Allen.  Ele sempre que podia ia nos visitar para celebrar, ou apenas para conversar na janela da nossa casa cimentada.

E desde criança, eu sempre ouvia ele me chamar por "Maya" ou "Aya", mas quando meu nome inteiro saiu de sua boca… Eu fiquei em paralisada.

Juro que meu coração parou por um segundo, talvez até dois, enquanto o encarava intensamente e preocupada pelo o que viria a seguir.

Antes eu não conseguia enxergar o problema que me rodeava todos os dias. Porém, agora, frente a frente com esse perigo, eu posso ver que apesar das circunstâncias estáveis de minha mãe – como a absorção de líquidos por tubos que auxiliam seu organismo também a digerir alimentos inseridos em sua boca – tudo poderia acontecer nesses últimos minutos de pura tensão.

Veio o que eu já imaginava que aconteceria.

O doutor me advertiu pela falta de suporte que eu não estava dando e disse também que eu deveria estar mais presente na vida de minha mãe…

Como se eu não fizesse isso todos os dias!

Ele falou que Taiane andava depressiva por causa de meu pai, pela saudade imensurável que sente por ele. Eu não imaginava que alguém pudesse ficar doente de saudade, e muito menos que ela chegaria a essa situação, mas a pressão dela estava bastante oscilante e tudo dava a crer que não iria se estabilizar tão cedo.

Eu fiquei sem chão, minhas mãos estavam trêmulas. Ainda estão trêmulas. Eu conseguia senti-las chacoalhando por cima do meu jeans surrado e meus bolsos furados, o Dr. Silva suspirou após os sermões e, aparentemente solidário, pôs sua mão no meu ombro tentando me transmitir calmaria.

— Eu te prometo doutor, essa vai ser a última vez. — disse eu tentando passar um pouco da minha convicção.

Ele assentiu acreditando, ou tentando acreditar, em minha palavra, embora muitas das vezes ele já tenha me flagrado correndo nas ruas enquanto mamãe estava doente. É complicado continuar acreditando em alguém assim.

— Doutor Flávio? Tudo bem? — percebo que ele está me encarando demais, talvez relembrando dessa ocasião.

— Sim, está... Não foi nada. — falou pensativo e com a voz vaga, eu deixo de mão. Só que o homem continuou me encarando, pensando e refletindo quais palavras usar contra mim.

Ele escorou-se na parede adjacente, fitou seu próprio jaleco por uns instantes e voltou a me olhar com os braços cruzados. Seu cabelo escuro como carvão está lambido para trás, mas ainda dá para notar as ondulações dos cachos.

Sua barba está aparada, bem rala, pegando boa parte de seu maxilar definido e seu pescoço pálido, quase chegando ao pomo de Adão.

— Só acho que você está muito ausente de uns tempos para cá, Maya. Para dizer o mínimo, isso é estranho. — ele me analisa, unindo as grossas sobrancelhas.

Pude sentir a gota de suor deslizar lentamente pelas minhas costas, sorte a minha que a blusa com babados é espessa e soltinha então não conseguiria ver meu nervosismo estampado em cada poro do meu corpo.

— Ah, é mesmo né... Então, as aulas estão me matando, por isso não tô tão presente como antes! — minto esboçando um sorriso sem jeito no final.

Eu sou péssima nisso e detestava também, mas sabia que era o único jeito de proteger quem eu amo. Minha família e minha kwami, Mixxy. Ela me alertou disso há quatro anos, quando a tornei minha definitivamente e por meio de um senhorzinho simpático que veio conhecer minha cidade, São Luís.

Seu nome era Wang Fu, um turista com nome engraçado e simples de falar. “Sei que será difícil, mas ninguém deve saber da existência deles, ninguém”. Lembro-me como se fosse ontem das palavras do homem denominado mestre Fu, foi ele também que me treinou para ser uma grande heroína e isso me garantiu assegurar a segurança de todos daqui.

Agora ele deve estar em algum lugar desse mundo. Nunca soube como ele está atualmente, aquele homem é um mistério.

— Hum, entendo. — o Dr. Flávio responde suavizando o olhar. — Pois então tente me procurar está bem? Estou aqui para o que precisar, lembre-se que não estão sozinhas e que tem amigos para isso. — sorriu bagunçando meu cabelo ruivo.

Sorrio envergonhada e dou um leve tapa em sua mão, o que o faz se afastar de mim rindo. Além de meu pai, o doutor Flávio é como um tio intrometido que sempre quer saber da vida alheia, mas está disposto a ajudar.

Ele saiu de meu encalço quando uma enfermeira o chamou. Respiro profundamente. Mixxy saiu de dentro da minha mochila desesperada, quase que alguém a descobria.

Dentre todos os kwamis, por que fui agraciada por uma completamente paranóica?!

— Por pouco ele descobre sua outra identidade, Maya! Tem que tomar mais cuidado. — sussurrou a criaturinha de aparência felina semelhante a um guepardo.

Assinto apreensiva, minha maior preocupação está na pessoa do outro lado do vidro descansando tranquilamente e abraçando inconscientemente um brinquedo de pelúcia chamado Tigrão. Esboço um meio sorriso vendo que teria de deixar mamãe sozinha novamente.

— Qual foi o problema dessa vez, Mixxy? Você não é do tipo que se mostra em público propositalmente.

— Eu sinto muito Maya, sinto mesmo… — diz nervosa. — Mas o mestre Fu precisa de nós em Paris, o perigo é iminente! A sua mãe vai ficar boa, eu sei que vai…  Só que não podemos ficar. — ela falou receosa com minha reação.

— Pirou de vez? Isso tá fora de cogitação! — digo imediatamente.

— Mestre Fu precisa de nós, Paris precisa de nós. O mundo inteiro precisa, tudo está em jogo agora. Não entende? Tudo o que conhece, tudo o que ama, vai sumir… Isso se não formos agora pra lá!

Tento encontrar uma outra forma, uma que não necessite sair de perto de minha mãe.

— Como… Como você sabe que ele precisa de ajuda? Como tem tanta certeza? — digo receosa, inquieta e profundamente amedrontada.

— Kwamis conseguem pressentir o caos vindo, ainda mais quando ele é ocasionado por um de nós. É por isso que precisamos ajudá-lo.

Olho ao redor. As pessoas estão entretidas demais, preocupadas demais e conectadas demais em seus smartphones, iPhone e iPad para notarem aquela criaturinha menor que a palma de uma mão quase berrando em meu ouvido.

Eu não podia continuar me lamentando, tinha que ser ainda mais forte agora que o estado de mamãe está cada vez mais debilitado.

Saio da sala para espairecer longe dela, me sento na poltrona e encaro meu celular para verificar as notificações. Meses atrás eu tinha me inscrito para uma escola francesa, faria intercâmbio por um ano e depois voltaria para casa e traria orgulho aos meus pais… Só que um deles se foi e meu sonho foi junto.

Eu não queria sair…

Não conseguia.

Só que hoje tomei coragem para olhar minha caixa de entrada, enfim, teria a minha resposta e poderia descansar em paz. Seja uma resposta ruim ou não.

A resposta?

Meus esforços foram atendidos com uma bolsa de estudos na França, justamente em Paris. Conquistei a chance de estudar em Jacques de Trémeuse, Mixxy me dizia que o destino interligava tudo e nunca falhava em suas decisões, mas eu não acredito mais nessas baboseiras.

— Está na hora. — disse ela, pesarosa.

Isso será difícil.

— Certo… — declarei impedindo a vontade de chorar, me levanto da poltrona e me vejo no reflexo na parede de vidro. Limpo e mexo em meu cabelo bagunçado, os fios ondulados caem ainda mais rebeldes e a franja espessa bate de vez em quando em meus olhos verdes. — Está na hora. — repito, mas o mantra é mais para me dar coragem do que reafirmar o óbvio.

Eu tenho que me despedir.

— Eu vou te dar espaço. Me chame quando estivermos no aeroporto. — avisou a kwami se aconchegando na mochila.

Volto o meu foco para a vidraça, mais precisamente a pessoa do outro lado, Taiane. Ela dormia como uma princesa, tão linda que poderia estar prestes a acordar a qualquer instante, eu ainda tinha esperanças disso.

Suspiro. Entro no quarto e fecho a porta lentamente, caminho em sua direção e me encorajo a continuar avançando. Me abaixo até colar nossas testas.

— Mamãe, eu irei sair. Não se preocupe comigo, eu ficarei bem... — sussurro com a voz trêmula. — Só se preocupe na sua recuperação, ok? Porque eu rezarei de onde estiver para que você fique boa logo. Eu vou sair, mas rapidinho voltarei para ficar com você e eu te prometo que jamais sairei de seu lado... — decreto ao tocar em meu miraculous, uma tiara prateada.

E eu sempre cumpro as minhas promessas, ou não me chamo Lady Cheetah.

Eu saio com o coração na mão e a garganta ardendo por causa do choro contido, mas eu tinha que fazer aquilo senão mais pessoas teriam que arcar com as consequências de minha negligência. Embora eu conteste a minha kwami paranóica, eu também acreditava fielmente de que ela sabia o que estava fazendo e segui rumo a minha casa.

E de lá, destino: Paris.

Em poucas horas termino de arrumar minhas malas, decidi colocar meu celular em modo avião para que não recebesse nenhuma mensagem desnecessária… Tipo do doutor Silva. Ele com certeza iria me ligar pedindo explicações, mas não posso me distrair agora.

Peço que minha vizinha cuide da minha gata, a Ranguinho, já que não vou conseguir fazer isso enquanto estiver estudando em outro país. Preciso ter o foco completo.

Pego meu passaporte, minha passagem e meus documentos. Coloco tudo em minha mochila, além de comida e meu dinheiro. Por sorte, esse ano o euro está mais barato.

2018 tem suas vantagens.

— Acho que é isso. — resmungo, observando e relembrando o que já guardei. — Mixxy, é melhor sair se quer comer. Depois que entrarmos no avião vai ser difícil te alimentar.

— Wooaaaw! — ela ruge sonolenta. — Era pra me acordar no aeroporto, Maya!

— Se eu obedecesse tudo o que me pede estaríamos fudidas.

Ela rosna como um gatinho e me mostra sua fina língua avermelhada.

— Vai demorar muito ainda? Tô com fome. — resmunga a rabugenta.

— Aqui, come. — ofereço um pote cheio de juçara que é prontamente devorado por ela.

Observo de soslaio minha kwami engolir ligeiro as frutinhas. Mixxy é espelhada num animal longe de ser brasileiro, eu a encontrei por acaso quando tinha doze anos e mestre Fu a encontrou depois que já tínhamos um laço. Ele me entregou a responsabilidade de cuidar e zelar por ela, além de protegê-la.

Mixxy poderia ser uma onça, tucano, ou até mesmo uma capivara, são animais bem característicos daqui, mas nosso "acaso" não foi um momento amigável e ela não era uma kwami nativa do Brasil.

Encontrei ela perdida e escondida na praia, seu antigo portador se chamava Adila Nkosi, um turista africano que veio visitar as belezas dos Lençóis Maranhenses. Ele era da Cidade do Cabo, uma cidade costeira da África do Sul.

Coincidentemente, eu fui banhar por lá. Queria visitar a cidade próxima da praia e comprar algum souvenir. Mixxy se escondia como uma gata desconfiada até de sua própria sombra.

De primeira, achei mesmo que fosse um filhote de gato, mas após vê-la flutuar percebi que estava longe de ser um animal comum. Desde então eu tenho sido sua nova portadora, apesar de que eu gostaria de ter conhecido seu antigo usuário.

Mixxy não gosta de falar sobre esse assunto, talvez Adila tenha sido assassinado e ela presenciou tudo sem poder fazer nada.

Kwamis até podem lutar com seus poderes, mas seria catastrófico. Imagine um suco de maracujá batido no liquidificador, ainda que ele por completo já esteja triturado, ele também precisa ser filtrado para podermos beber. A magia bruta dos kwamis funciona exatamente assim e, por isso, eles precisam de um portador.

Eu posso imaginar sua impotência. Eu senti o mesmo com meu pai.

Nós duas meio que… Compartilhamos de uma mesma dor, embora com pessoas e situações diferentes. E por essa razão, acho que nós temos esse laço tão forte… Acho também que é por isso que ela é uma kwami tão paranóica.

— Na verdade, já terminei. Vou só trancar a casa e deixar a chave na vizinha, caso ela precise pegar mais comida pra Ranguinho. — sorrio olhando-a de relance.

Pego meu celular e retiro do modo avião, recebendo o que era previsto: uma chuva de mensagens, ligações e outras notificações. Flávio é um pé no saco quando quer.

Pra variar, ele está discutindo sobre como estou sendo irresponsável outra vez. Argh, mas que homem insistente! Além disso, não tem nenhuma notícia sobre minha mãe, então… Arquivar.

Procuro pelo contato do Daniel Cooper, um carioca que se tornou meu amigo em uma das viagens que fiz ao sudeste do Brasil ano passado. Quem vê pensa que ele é um turista que veio visitar a cidade, mas é brasileiro até a alma.

Entre mandar mensagem e ligar, opto por fazer a chamada de vídeo e ver no que daria. Não gosto de dar notícias assim por palavras, quero fazer olho no olho. Até porque em poucos dias estaria em águas estrangeiras e não vou poder manter contato com ele outra vez.

Você está sendo um péssimo filho! Está me ouvindo? Um péssimo filho! — escuto sua mãe, Manuela, gritar enquanto fungava o nariz.

— Dan, tá tudo bem aí? — indago notando que o áudio está ligado e ele não parecia ter percebido. — Sua mãe tá possessa.

May? Foi mal. Hoje não é um dos melhores momentos pra me ligar…

— Na França, Daniel! Você me mete uma história dessas indo lá pra puta que pariu?! — ela continua gritando e se aproxima dele com os olhos vermelhos e o rosto inchado.

Mãe! A Mayara tá aqui. — diz entre dentes.

— Oi, tia. — digo acanhada.

Ah… Oi, meu bem! — ela me saúda, enxugando as lágrimas, e ignora as reclamações do filho. — Como é que você tá? E sua mãe, ela tá melhor?

— Estamos bem na medida do possível. O que tá acontecendo? — continuo, minha curiosidade e preocupação ficam em alerta.

Caminho até a porta do quintal e tranco com cadeado, faço o mesmo em todas as outras portas enquanto não obtenho as respostas de nenhum dos dois.

É que esse abençoado aqui decidiu ir pra Paris e ficar por lá por um ano, acredita nisso?! Um ano! — berrou, jogando as roupas dele em cima da cama e as dobrando para colocar na mala. — Podia ser em qualquer lugar, pelo menos por aqui perto, mas lá?! Num lugar tão longe!

Ela voltou a resmungar sobre como seria perigoso um rapaz de dezesseis sozinho numa cidade estrangeira, mas Dan garantiu que seu treinador estaria lá e iria ser seu guardião neste período.

Seu maior sonho é participar das olimpíadas e representar o Brasil, mesmo não tendo uma quantia de dinheiro na família isso não significou que não conseguiria alcançar os seus objetivos, talvez fosse por causa dos incentivos de seu pai que desde cedo o instruiu a correr atrás de seus desejos.

Ela me contou que essa loucura começou quando as datas de inscrição foram anunciadas, Daniel já estava diante do computador pondo seu cadastro e dias depois das inscrições acabarem a lista de convocados foi divulgado nas redes sociais.

Seus amigos de natação anunciaram no Instagram que seu nome estava entre os aceitos para os torneios aquáticos de Paris.

Dan emendou que a comoção foi gigantesca em sua casa e a despedida previsível de todos chorando foi inevitável, ainda mais vindo de seu pai.

A dona Manuela é a única que não deu o braço a torcer, ela pedia que o filho renunciasse e continuasse em casa, ele por outro lado não se deixou abalar pelos prantos e disse que no futuro ela ficaria feliz por ele não a ter ouvido.

Meus ouvidos já estavam doendo de tanto ouvi-la tagarelar, mas quero entender até onde isso chegou. Pego meu fone e minhas malas em cima da cama, levo-as para fora de casa e peço por um carro.

Eu ainda queria saber mais dessa fofoca, então pedi um Uber e continuei escutando o desenrolar da história até o Aeroporto Marechal Cunha Machado.

Sim, mãe eu já disse que estou levando tudo! — ele dizia em frente a câmera e o áudio ligado, acho que ele esqueceu como que desliga. Dona Manuela tinha saído de cena, mas voltou a falar enquanto se afastava do quarto e ele a respondia. — Claro, cueca, sunga, equipamentos de natação, meus documentos de matrícula... Dona Manuela está me ouvindo? Eu tô levando tudo! Ah, não. Eu não vou discutir sobre... Sobre preservativos com a senhora! — disse completamente constrangido.

Escuta aqui, Daniel! Tá me ouvindo? Eu não quero saber de você entrando em confusão lá fora não! Se eu te pegar naqueles sites de fofoca te juro que pego o primeiro avião e te afundo na porrada! — gritou aborrecida.

Dan já beirava o roxo de tanta vergonha que sentia, ainda mais pelo meu olhar divertido. Ele sorriu envergonhado e se afundou mais do que poderia ser possível no estofado da cadeira de rodinhas.

Sim, mãe. Eu já entendi. — respondeu pausadamente.

O Uber estacionou em frente ao aeroporto, paguei devidamente ao sair do veículo com as malas na mão. Flávio tentou me telefonar, mas não posso falar com ele agora. Não enquanto estiver em águas brasileiras. Sei que ele não vai me entender, mas tudo o que estou fazendo é necessário.

Todas as vidas estão em jogo.

Continua...

Olá pessoal!!  😻
O que acharam da primeira parte dos novos personagens? Uma diferença gritante de realidades né? Vai haver ainda mais, se preparem e fiquem atentos a novas postagens hein!

•••

PRÓXIMO CAPÍTULO: (DES)CONHECIDOS PARTE 2

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