Coração Pirata

By GiuliaPereira9

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Elizabeth Salazar foi encontrada no ano de 1700 ainda bebê por pescadores. Ninguém soube ao certo como ela so... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Aviso
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21

Capítulo 3

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By GiuliaPereira9

Zachary.

Meu pai. Baile de aniversário. Noivado. Londres. Aquilo estava consumindo meu cérebro. Chutei uma pedra, daquelas pequenas e típicas que ficavam na areia da praia. O vento marítimo passava pelo meu cabelo, bagunçando-o e o frio da noite me fez segurar as rédeas de Torrão mais forte. Deveria estar bastante escuro, mas, não estava. Era noite de lua cheia, eu conseguia enxergar tudo muito bem.

Não havia voltado para o jantar, eu estava sem fome e com motivo. Eu sabia que não me casaria aos 17, teriam de esperar até eu chegar a maior idade que seria quando eu herdaria as terras que meu pai havia me separado. No entanto, a minha viagem a Londres não seria adiada e só de pensar que eu teria de me prender a uma pessoa... Matava-me lentamente. Eu não conseguia entender a lógica de meu pai. Ele dizia que queria que eu fizesse as minhas próprias escolhas e estava me obrigando a viajar e a noivar com uma garota que, na cabeça dele, iria aparecer instantaneamente nos jardins da nossa fazenda com um vestido de baile.

Sim, ele havia me deixado escolher o que estudar em Londres. E sim, eu escolheria a noiva. Era um luxo que outras pessoas não tinham. Mas, eu havia sido criado para questionar, entender o porquê das coisas. Eu sabia que aquela era a fórmula da felicidade na cabeça das famílias tradicionais. Ter um emprego lucrativo, ser inteligente o suficiente para multiplicar a sua herança, casar e repetir a mesma coisa com seus filhos.

O problema era que ninguém havia me perguntado se era aquilo o que eu queria! Será que não era possível ser feliz sem viver naquele molde?

Desviei meus olhos para o mar, imaginando todas as coisas que ele reservava todos os lugares que ele poderia me levar. Havia considerado a ideia de fugir e ela me parecia muito boa. Poderia viver do meu peculiar dom de concertar coisas que estava aprimorando e das estranhas invenções que eu fazia no confortável e isolado quarto. Ou podia me candidatar na marinha real britânica. Ambos os planos, como tantos outros, me agradavam muito mais do que seguir uma vida cheia de ordens e assustadoramente comum.

Entretanto, desapontar meu pai me parecia tão assustador quanto e aquilo não me deixava escolhas, apenas me transformava em mais um jovem frustrado. Havia passado as últimas duas horas descontando minha raiva com a espada, depois segui caminho para a praia onde eu sabia que ninguém me encontraria.

Estranhamente, no meio da caminhada, percebi que uma moça se aproximava. Eu não consegui avistar direito de longe, mas percebi os traços à medida que chegava mais perto. Era magra e da minha altura. Os cabelos eram loiros pálidos, não distingui o comprimento exatamente, pois eles estavam agitados em suas costas pelo vento marítimo. O vestido era o que mais me intrigava. Tinha a saia e as mangas longas, tão branco quanto as nuvens no céu em dia quente. Era simples, sem nenhum detalhe, além de ser reto e de um tecido esvoaçante. Não era o tipo de vestido que as garotas da vila costumavam usar, principalmente pelo fato de estar molhado, assim como todo o corpo dela, percebi quando fiquei realmente próximo.

Segurei o cabo da arma em minha cintura. A garota parecia uma alma penada de tão branca que era. Eu nunca tinha sido o tipo de garoto que sentia medo de fantasmas, não que eu já tivesse visto algum, no entanto, algo na expressão dela me fez ter um arrepio na espinha.

- Boa noite, jovem rapaz tristonho. – Ela cumprimentou com uma voz cadenciada e doce. Aparentava ser pouca coisa mais velha que eu.

- Boa noite. – Respondi parando. – Posso ajudá-la?

- Sim, pode sim. – Ela disse entrelaçando as mãos e soltando um sorriso cintilante. – Você poderia me dizer para que lado fica Santa Cruz das Flores? Acho que eu estou perdida.

- Fica ao norte. Você está seguindo o caminho errado senhorita. – Falei. Observei seus traços delicados e a pele macia. Eu nunca tinha visto uma garota tão bonita. – Eu vou seguir o mesmo caminho, não quer que eu te acompanhe? – Nem sei por que eu perguntei aquilo, o cavalheirismo tinha simplesmente surgido de algum lugar profundo. Quando ela sorriu foi como se de repente eu estivesse hipnotizado e não tivesse vontade nenhuma de questionar seu nome, suas roupas molhadas ou qualquer coisa que envolvesse algo comprometedor.

- Seria muita bondade da sua parte, obrigada. – Olhei para a areia e percebi que ela estava descalça. – Acho que se eu voltar sozinha eu não acharei o caminho.

- Eu também me perdia quando criança. – Não era mentira. – Nunca te vi, você é nova aqui?

- Pode-se dizer que sim. – Ela falou sorridente, se distraindo com uma mexa do cabelo. – Estou em uma missão, assim que terminar irei embora. – Ela disse rindo.

- Não está com frio? – Perguntei.

- Não, não. Estou ótima. – Ela disse, mas eu já havia tirado a casaca para lhe cobrir. Nesse gesto sem querer toquei na pele de seu ombro. Estava fria, como gelo. Literalmente. Ela levantou os olhos, esbugalhados e assustados, e disfarçou a expressão com outro sorriso.

- Obrigada. – A garota disse e o encanto voltou.

- Você disse uma missão?

- Sim, procuro por uma pessoa. – Ela comentou. – Seu nome é Elizabeth Drummond, você a conhece? – A visão de um par de olhos azuis claros tomou conta da minha mente. A pequena Ellie que sempre esteve por perto, a garota que para quase todos os efeitos era minha irmã.

- Conheço uma Elizabeth, mas ela não tem esse sobrenome. – Falei.

- Que pena. – A moça soltou um muxoxo. – O cabelo dela é ruivo? – Perguntou com esperanças contidas. Como fogo. Pensei, todavia, não respondi, porque de repente um sentimento de desconfiança aflorou, quebrando brevemente o sentimento de submissão que havia se instalado em mim desde que ela havia aberto a boca. O que ela queria com Ellie? A minha Ellie?

- Por que a está procurando?

- Minha patroa me enviou.

- E o que ela quer com a garota?

- Eu não sei. Assuntos pessoais. – Ela respondeu. – Fale-me sobre você. – Ela sorriu me capturando de novo. – Por que estás triste? – O rosto bondoso dela me fez querer contar o que acontecia e eu contei.

- Meu pai quer que eu me case.

- Ah! Mas, tão jovem? – Ela murmurou.

- Pois é, e ainda serei despachado de casa para estudar em Londres.

- Londres?

- Sim, já esteve lá?

- É a melhor cidade de todas! – Ela disse entusiasmada. – Você vai gostar!

- Eu espero. – Murmurei.

- Uma viagem e um casamento não são o fim do mundo. – Ela disse.

- Não era bem o que eu esperava para ser sincero. – Falei fixando os olhos nela. Ela torceu os lábios de lado.

- Hm. – Murmurou. – Entendo. – Disse suspirando. – Os jovens de hoje vivem reclamando. – A garota fixou os olhos claros no chão e depois os levantou para mim estendendo devagar a mão. Afastei-me de seu toque frio, percebendo com uma expressão confusa que ela queria tocar meu rosto. – Ei, confie em mim Zachary. Não vou fazer mal nenhum a você. Só vou ajudá-lo. – Só foi ouvir sua voz delicada e cadenciada que fiquei inebriado e deixei que seus dedos me tocassem, escutando o tilintar da pulseira dourada em seu pulso, me questionando em qual momento havia dito a ela meu nome.

E de repente imagens tomaram minha mente. Não pareciam completas, eram nubladas e passavam rápidas como flashes.

- Wow! – Escutei ela exclamar. Ela também estava vendo aquilo? Meus olhos haviam se fechado bruscamente. O cavalo atrás de mim começou a relinchar e se assustar, enquanto minhas mãos soltavam suas rédeas. – Londres vai ser o menor dos seus problemas, rapaz.

Tantas coisas começaram a surgir em minha mente e começavam a se tornar não só imagens, mas, sons, gostos, experiências e sentimentos. O som do mar sempre estava em quase todos os momentos, assim como os constantes sons de disparos e o encontrar de metais se chocando. "Espadas e balas de canhão" algo disse.

Senti o condensado gosto de rum em minha boca, o gosto de água salgada, a sensação do peixe assado se desmanchando em meu paladar e o deleite de provar os lábios de muitas mulheres. Sim, tinham muitas e a maioria era bonita, apenas algumas com um pouco menos de beleza apareciam quando minha visão ficava turva e a palavra "bêbado" surgia em minha mente explicando a situação.

Meu corpo não parava, estava sempre correndo, nadando, me soltando de alguma algema e empunhando armas. Uma das experiências mais estranhas foi à impressão de estar voando, os tons de contraste de azul entre o mar e o céu, a emoção de sentir o vento zunir em meu rosto e a estranha ligação que eu tinha com a coisa que me fazia sobrevoar o oceano. Tinha asas, mas eu não consegui ver o que era.

Em meio a tantas sensações diferentes das que eu vivia e que pareciam tão boas, havia também muitas mortes. Existia o sentimento de fazer muitas amizades, homens com roupas simples, botas e linguajar rude. "Marujos" algo explicou. Eles estavam sempre perto e ficavam muito tempo perto. Entretanto, não supriam o sentimento de perda, angústia e saudade que eu sentia na maior parte dos momentos. Saudades de uma mulher em principal.

Cabelo, cabelo ruivo como fogo. Meu corpo preso em correntes e afundando na água. O ar saindo dos meus pulmões e escapando pela boca se transformando em desespero, enquanto eu via um vislumbre de pele branca nadando rapidamente em minha direção. Mãos me segurando firmemente me levando para a superfície e eu fixei os olhos em algo azul. Dois círculos grandes que acalmaram meus ânimos. Os olhos dela.

Aquelas, eu sentia, não eram experiências de um garoto. Eram cenas da vida de um homem. E assustado eu percebi que eram do homem que eu viria a me tornar...

- Zack! - Acordei puxando o ar com força e batendo a cabeça com a de alguém.

- Ai! – A pessoa reclamou e soltou um palavrão.

- Tio Percy? – Questionei sonolento.

- Olá, sobrinho. – O homem disse com um sorriso travesso. – Esperava ver alguém mais? – Ele perguntou colocando a mão sobre a cabeça.

- A garota... A garota loira...! – Comentei confuso. – Onde ela está?

- Que garota, menino? – Percival quis saber. – Hm, andou se engraçando com as moças da vila, não foi? Não é à toa que está sumido.

Observei o cenário com cuidado. Eu estava encostado em uma das árvores à beira da praia e o cavalo estava deitado próximo a mim, leal e tranquilo. Devo ter pegado no sono depois do treino. Convenci-me. O sol já estava bastante alto e vívido.

- Seu pai está louco te procurando desde manhã.

- Manhã? Que horas são? – Perguntei.

- São duas da tarde.

- O que?! – Exclamei levantando em um pulo e passando a mão sobre a testa. Droga!

- Não me diga que andou bebendo também? Não que eu seja contra, mas seu pai com certeza é. – Meu tio se aproximou de Torrão acariciando sua crina. – Belo cavalo.

Parei alguns instantes tentando raciocinar o que estava acontecendo. Eu havia dormido até às 2 da tarde, aquilo nunca acontecia. Meu relógio biológico me fazia acordar primeiro até que meus criados. Mesmo com o cansativo treino com a espada aquilo não fazia sentido nenhum. Soltei um palavrão alto. Meu tio arqueou as sobrancelhas surpreso.

- Xingando? Ótimo avanço...

- Hoje era o dia em que eu iria com meu pai vistoriar as plantações. – Revelei. Aquilo explicava por que meu pai havia me procurado desde as primeiras horas do dia. Era comum eu não vê-lo pela manhã, já que ele saia com Pedro e só voltava no horário do almoço. Eu havia escolhido o dia mais inoportuno para sumir. Meu tio fazia uma expressão de que não estava se preocupando com meus pensamentos.

- Certo, eu não vou falar sobre a moça e sobre o óbvio fato de você ter bebido noite passada... – Ele começou. -... Se, você me dar esse cavalo aqui. Que animal bonito, não é? – Franzi a testa e fitei Percival de cara amarrada.

- Você mal chegou aqui e já está tentando me dar um golpe, tio! – Ele riu.

- Seu pai não vai gostar nada de saber o que você andou aprontando.

- Como me achou? – Estávamos em uma rota nem um pouco habitável.

- Eu costumava te trazer aqui quando você era menor do que eu. – Ele comentou se levantando e endireitando o corpo. Eu estava muitos centímetros mais alto do que meu tio e muitos quilos mais magro. A corte havia o engordado. Os baldes de cerveja para ser mais específico. Pensei. Estava com uma barriga proeminente que não costumava ficar lá. – Você sempre se perdia. Imaginei que tivesse se perdido de novo. – Estreitei meus olhos percebendo o que ele tinha dito. – Seu pai colocou a fazenda inteira atrás de você. Sentimental como sempre. – Suspirei. Broncas à vista.

- Ah! Que ótimo. – Falei sem entusiasmo.

- Você ainda resmunga. – Ele comentou. – Continua o mesmo de sempre. Mas agora xinga, bebe e fornica com as garotas. – Percival se aproximou de mim quando viu minha testa enrugada. – Ou será que não? Eu suponho que já tenha visitado o bordel da ilha, certo?

- Você continua o tosco de sempre, tio Percival.

- Seu pai é um imprestável mesmo! – Ele exclamou. – Vamos visitar madame Margot assim que eu me acomodar adequadamente na fazenda, não fiz nada nesse lugar além de procurar por você desde que cheguei. – Revirei os olhos. – Bom te ver garoto. – Meu tio colocou as duas mãos sobre meus ombros. – Agora vamos! – O homem exclamou dando um tapinha em minha bochecha. – Antes que seu pai termine de enlouquecer.

Ele virou se encaminhando para seu cavalo. Lembrete: deixar Ellie bem longe de tio Percival. Pensei, enquanto me aproximava de Torrão e pegava suas rédeas. Verifiquei a sela, a ajustei e chequei a bolsa apenas me certificando de que nada estava faltando.

Antes de montar no meu cavalo percebi algo refletindo à luz do sol da tarde. Estava brilhando e ofuscando meus olhos. Pisquei colocando a mão em frente ao reflexo e me agachei para ver mais de perto.

- Você vem, Zachary? – Meu tio perguntou já montado.

Um arrepio tomou conta do meu corpo quando eu percebi que o objeto era a pulseira que a moça loira estava usando na noite anterior. Segurei o bracelete em minhas mãos e franzi a testa. O clima esfriou quando uma nuvem escondeu o sol, um vento frio passou fazendo meus pelos levantarem e meu cabelo balançar.

- Estou indo.

Montei em Torrão querendo sair daquele lugar frio e estranho o mais rápido possível, no instante em que notei que eu estava sem minha casaca.  

2429 palavras

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