Souvenir | Romance Lésbico (C...

By LilyMDuncan

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Eleonora Baudelaire está no auge dos seus vinte e seis anos, mas acha que já viveu todas as suas aventuras. S... More

Apresentação
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By LilyMDuncan

"Não, eu não quero me apaixonar"

| WICKED GAME, Chris Isaak |

Ellie

Eu coloquei as crianças para tocarem juntas. Eles eram muito pequenos para o piano, e mesmo que eu houvesse pedido para iniciar com meu teclado, que era menor e encaixava bem, os dois quiseram continuar no instrumento grandalhão. Eu não reclamei, porque ao menos poderiam trabalhar a parceria. E eles estavam fazendo um excelente trabalho.

Enquanto um não conseguia alcançar todas as notas, o outro vinha e completava. Eles posicionavam os dedos certinhos, apesar da dificuldade por conta das mãos pequenas. Eu estava em pé ao lado do piano, observando-os de perto. Eles preferiam assim, porque se achavam especiais quando acertavam a sequência com precisão e eu elogiava o desempenho. Eles realmente precisavam ficar orgulhosos.

Ainda era a minha quinta aula com os pequenos, mas eu já conseguia reparar algumas coisas. Christopher, por exemplo, preferia músicas mais agitadas e cheia de poder, como Moonlight Sonata. Ele não sabia tocá-la, mas se demonstrava muito interessado no ritmo. Eu achava extremamente engraçado e curioso seu jeito paculiar de tocar: sentado sobre os joelhos, cabeça baixa para que os olhos estivessem próximos das teclas e ombros levemente tortos. Delilah, por sua vez, adorava a delicadeza. Ela tinha uma filosofia muito particular sobre algumas melodias, mas quase nunca queria falar sobre elas. Eu prezava demais sua atenção e comprometimento, ainda que estivesse ansiosa para ouvi-la mais. Sabia que ela seria uma excelente compositora algum dia.

Eu não estava interessada em corrigir a postura de ninguém agora, tampouco começar com a teoria musical completamente tediosa para alguns. Eu gostaria de saber como eles se expressavam, como se envolviam como a música, como se dispunham nas aulas. Desse jeito, conseguia me manter atenta em detalhes específicos e saber com clareza o jeito mais fácil de atraí-los.

Em uma nota errada, Delilah esboçou uma careta e Christopher riu baixinho, mas os dois continuaram. Eles seguiam a partitura simplificada, a qual eu descobri que haviam aprendido com o meu melhor amigo. Felizmente não precisaria ensiná-los algo do zero, porque eles estavam bem encaminhados.

— Bom. Muito bom — falei no término. Dei a volta no piano e agachei atrás deles. Eu tinha um bom alcance das teclas dali. — Mas vocês poderiam inverter a primeira parte. Chris é mais rápido, mas a Delilah tem a suavidade necessária. Vamos combinar as habilidades?

— Tudo bem — Chris concordou.

— Certo — Delilah veio no apoio.

Ergui-me para retonar à posição anterior. Eles trocaram de lugar e reiniciaram a música. Fiquei impressionada em como tudo se encaixou ainda melhor. Eles tinham muita conectividade e sabiam o tempo exato do outro, como se fossem uma única pessoa. Geralmente era difícil pegar as deixas do outro e tornar a melodia tão milimetricamente encaixada sem nenhum desvio. Se eu estivesse gravando e mostrasse para qualquer outra pessoa, dificilmente diriam que quatro mãos — pequeninas — estavam tocando.

— Ótimo! — exclamei assim que eles apertaram a última tecla. Eles sorriram, animados. Sentei entre os dois, porque queria fazer parte daquela evolução tão rápida. Eu deveria aproveitar a animação deles. — Agora me acompanhem.

E eles seguiram os próximos dois minutos na mesma precisão, embora eu estivesse tomando conta da maioria dos acordes. Fiquei verdadeiramente impressionada — e orgulhosa — que cheguei a agarrá-los no final da música. Eu não era muito de contatos, mas eles precisavam saber o quão feliz estava em vê-los assim.

— Estamos tão bons assim? — Chris subiu o queixo para fitar meu rosto. Ele ajeitava os óculos enormes.

— Bons? Estão ótimos. Mas eu não quero que o ritmo diminua, certo? Então os dois vão treinar todos os dias pelo menos quinze minutinhos — avisei.

— Não dez? — Chris tentou.

— Quinze — fixei.

Delilah sorriu. Ela era tímida, pequena e calada, mas seu sorrisinho dizia muita coisa. Eu devolvi o ato, porque já gostava dos dois e não poderia recusar uma simpatia tão fofa. Ela parecia disposta a perguntar algo, mas a questão morria dentro de si.

— Será que... — a garotinha pensou. — Será que vamos conseguir tocar no West of Calhoun final do ano?

— Bom, vocês podem tentar. Mas precisam ter foco e treinar todos os dias. Eles não têm nenhuma piedade, sabe? Depois de tantos músicos, eles querem algo novo e surpreendente, mas vocês têm muito talento — falei, sincera.

— Você acha? — Delilah estava incerta.

— Eu tenho certeza! — apertei sua mãozinha.

O teatro West of Calhoun fazia audições todos os finais de ano para selecionar alguns músicos que pudessem se apresentar ao longo do próximo ano. Era um ritual para todos os amantes de música. Eu mesma já performei no teatro algumas vezes, e tive muitos estudantes que fizeram o mesmo, mas a seleção era demasiadamente complicada e eu não gostava muito desse ambiente.

Mas eu precisava fazer a minha parte como professora e não desmotivá-los unicamente em base da minha experiência. As pessoas podiam ter diferentes reações passando pela mesma situação. Eu não bloquearia o desejo de Delilah, porque se apresentar em West of Calhoun poderia ser uma das melhores coisas que ela faria ainda na infância.

— Mas você só vai poder voltar ano que vem, não é? — Chris segurou em meu cotovelo, a região mais próxima que ele encontrou para apertar.

— Sim, mas vocês já têm bastante material para treinar.

— Você poderia vir antes... Só para termos certeza que vamos conseguir — Delilah considerou.

— Mas vocês vão! — falei, encarando-os bem para que entendessem isso. Eu não estava mentindo; jamais iludidaria alguém desse jeito. — Eu ainda vou sentar na primeira fileira.

— Tem certeza? — Christopher murmurou.

— Vocês têm medo do quê? — indaguei. Eles sacudiram os ombros sem saber o que responder. — De não conseguir subir no palco e tocar a música que vêm ensaiando nas últimas semanas? De não passarem na seletiva?

— Tudo? — Delilah disse.

— É normal ter medo, ok? E isso é bom, porque vocês se demonstram humanos, cheios de vulnerabilidades. Significa que podem melhorar e aprender. Nunca temos de ficar satisfeitos com um caminho, porque toda experiência é válida. Até mesmo quando não conseguimos aquilo que esperávamos.

— Mas vulne... vulnerabilidade não é ruim? — Christopher atropelou a pronúncia.

— Não! Nós queremos humanos tocando piano, e não robôs — ponderei. — Isso serve para tudo.

— Então tudo bem se eu chorar antes de subir ao palco? — Delilah perguntou timidamente.

— E também sentir medo? — Christopher completou.

— Está tudo bem, pessoal. Vocês podem usar tudo o que estão sentindo e depositar na música — sorri para dar força ao meu discurso.

— Então, se eu estiver bem irritado, posso fazer isso? — Christopher entortou o corpo para frente e bateu com força nas teclas. Ele devia ter tentado alguma nota, mas ela não saiu bem colocada.

— Melhor assim — soltei dois acordes cheios de emoção fúnebre.

— E para chorar? — Delilah sentou sobre os joelhos também.

— Talvez assim — completei com outro arranjo mais suave.

Eles riram e bateram palmas. Permiti que se juntassem a mim e, assim, tocássemos mais uma vez a música de antes. Eu estava ansiosa para mostrar a versão estendida, mas só poderia fazer isso no ano que vem. Eles ficariam muito ansiosos com novas atividades, de modo que preferia que treinassem várias vezes aquilo que sabiam até beirar a perfeição.

— Isso é lindo — uma voz na porta nos acordou.

Eu tirei minhas mãos do piano e elevei minha cabeça para encarar a nova companhia. Srta. Ewing entrava no cômodo sem permissão, afinal a casa inteira era dela. Ela desfilava com seu bonito vestido acinturado e saltos de sola vermelha. Se antes apenas o piano estivera ressoando pelo espaço, agora uma sinfonia completa explodia pelos cantos. Eu ficava meio tensa na frente da dona da residência, mas era uma sensação boa.

— Mamãe! — Christopher exclamou, animado.

Srta. Ewing parou na nossa cola. Ela acaricou os cabelos loiros do menino e desenhou um encantador sorriso em seus lábios recheados. Automaticamente fiz o mesmo, esticando o canto da boca para cumprimentá-la. Srta. Ewing detinha de cabelos ondulados e loiros um pouco acima dos ombros. Embora os fios fossem curtos, dava para perceber o cuidado que a mulher tinha para ajeitá-los tão bonitinhos no topo da cabeça.

Eu apostaria que ela passava um bom tempo na frente do espelho se arrumando. A roupa sempre alinhada, bonita e elegante. Sem contar a maquiagem tão bem conservada no rosto experiente, mas nunca carregada demais. Ela estava no ponto exato em todos os meus critérios de beleza.

— A aula foi boa? Desculpa aparecer assim — Srta. Ewing se direcionou a mim.

— Os meninos que precisam dizer — virei-me para os dois. Eles assentiram no mesmo momento. Talvez eles não me condenariam assim que eu fosse embora. — Então foi boa.

— A Ellie disse que temos chance de entrar no West of Calhoun! — Delilah comentou. Eu queria mesmo que ela continuasse com a animação, porque o sentimento poderia inspirá-la. Ela segurou minha palma com firmeza, quase na possessividade. — Mas só vamos vê-la ano que vem...

— Eu garanto que vocês vão se sair bem. Eu não deixei os exercícios? — referia-me à apostila que havia desenvolvido especialmente para os dois.

— E se não for o suficiente? — ela abriu um biquinho.

— Mas será, querida — Srta. Ewing respondeu, mas sem tirar seus olhos brilhosos de cima de mim. — Daqui a pouco até eu mesma vou querer algumas aulas com a Srta. Baudelaire.

Seria possível que algum clima estivesse pintando na sala? Ela não desviava sua atenção do meu rosto tímido. Às vezes a pegava com suas orbes amendoadas muito atentas em mim. Ela podia só querer me conhecer melhor, afinal eu estava começando a ter contato com seus filhos agora e o maior dos cuidados era pouco. Mas meu sexto sentido raramente falhava, e era interessante poder observá-la em suas possíveis intenções oblíquas, porque pessoas no geral me instigavam a curiosidade e eu adoraria poder fantasiar algo com uma mulher mais velha.

Não, não, não. Parei e respirei. Eu precisava parar enquanto ainda era tempo, porque era muito errado nutrir pensamentos sensuais com a mãe dos meus alunos. Principalmente porque eu sequer sabia de verdade o que seus olhos demorados significavam. Tudo bem que ela passara várias vezes pela sala de música apenas para nos ver, mas sua prioridade não era a professora, e sim os filhos. Ela podia só me analisar daquela forma porque queria ter a certeza que eu era a pessoa certa para ensinar as crianças.

— Tenho certeza que a senhora será uma excelente aluna — garanti. Eu estava sendo simpática, porque não a conhecia bem para saber se ela estaria apta a aprender. Algumas pessoas eram difíceis alunas, assim como outras poderiam ser complicadas para darem aula. Precisava ter um encaixe para que funcionasse. 

— Não me incentive, Srta. Baudelaire — ela falou em tom ameaçador, mas divertido.

— Por que não? Eu sempre quero novos alunos — abri meu sorriso.

Ela estava tão à vontade na minha frente que eu mesma estava começando a ficar tranquila.

— Eu não sou velha demais para aprender?

— Ninguém é velho demais para aprender algo, Srta. Ewing.

— Então eu sou velha demais? — ela desafiou.

Eu engoli em seco e, por um instante, não sabia o que dizer. Srta. Ewing estava brincando com a minha cara, mas eu era fraca. Eu mal a conhecia e falar algo de errado poderia me comprometer. Ela devia ter seus bom quarenta anos, mas eu não diria nada a respeito — algumas pessoas não eram seguras o bastante com a idade.

— Se não tem idade para ser minha mãe, então não é velha demais — admiti.

Ela pareceu gostar da minha resposta. Talvez pensasse em uma réplica só para me ver titubear, mas felizmente fui salva de qualquer constrangimento quando Christopher resolveu falar por cima:

— Mas você tem idade para ser minha mãe, porque é minha mãe. Então você é velha demais?

Eu não consegui evitar de soltar um risinho. Srta. Ewing me olhou feio. Eu parei no mesmo segundo, mas logo ela também riu e suavizou o clima pesado que podia aparecer. As crianças eram mil vezes mais impulsivas, e a mãe multiplicava meu nervosismo, tanto que passei a rir sem jeito.

— Por que tão espertinho? — Srta. Ewing o beijou cheia de ternura. — Bom, por que os dois não saem para eu conversar um pouquinho com a professora?

Eu não queria que eles me deixassem sozinha com uma presença tão forte quanto de Elisabeth Ewing. Eu preferia que as atitudes precipitadas fossem das crianças e não minhas, porque elas teriam a desculpa que eram jovens demais e passíveis a erros.

— Mas nem nos despedimos... — Delilah comentou.

Eu estendi meus braços. Se eles já gostavam de mim, então podia me considerar vitoriosa. Precisei apenas de cinco aulinhas para fazer o fantasma Phill desaparecer. Ambos saltaram para me envolver em um abraço apertado. Eu vi pela visão periférica que a mãe estava nos observando, por isso tentei ser o mais genuína possível no contato.

— Prontinho. Agora estão preparados para o final do ano em West of Calhoun — falei assim que soltei os dois.

— Por que você não passa o Natal conosco? — Delilah, que estava ansiosa com a audição, apertou minha mão com força. Era a segunda vez que ela repetia o ato.

— Ah, eu... — fiquei um pouco sem graça. Eu não queria negar, mas também não queria aceitar o convite. Seria estranho comparecer no Natal deles, uma família já cheia de intimidades.

— Acho que ela passará com a própria família, meu amor — Srta. Ewing comentou ao perceber minha hesitação.

Na realidade, eu não tinha ninguém para passar o final do ano. Phill viajaria para ficar com os pais, e, embora ele houvesse me convidado, preferi não atrapalhar de novo. Eu me sentia pouco disposta nessas datas festivas que reuniam familiares. E eu já havia ido outras vezes na casa dele. Achava melhor ficar no meu apartamento e usar alguns dias de folga para relaxar. Poderia assistir a um bom filme e comer milhões de porcarias.

Mas eu não queria dizer isso e ser obrigada a aceitar só para não decepcioná-los. Delilah queria a professora de piano o mais próxima possível até que passasse pelas audições.

— Ah, por favorzinho... — a garotinha me sacudiu.

— O convite está feito, Srta. Baudelaire — Srta. Ewing garantiu. Ela me olhava com certa expectativa. Eu estava ficando louca? — Se não for passar com ninguém e quiser vir, prometo que será legal e não a assustaremos.

— Só no Halloween — Christopher piscou.

— Obrigada a todos. Caso aconteça algo, posso aparecer aqui — assenti.

Eu já havia me decidido que ficaria em casa. Apesar de achar um pouco tentador passar o Natal em uma mansão com um bando de gente cheia da grana e um banquete magnífico e inesquecível, não podia abandonar minhas séries e filmes.

— Agora vão! — Srta. Ewing pediu aos filhos.

Eles acenaram para mim.

— Tchau, Ellie! — Christopher se despediu já na porta.

— Tchauzinho! — Delilah me deu o último abraço e saiu correndo atrás do irmão.

— Até depois — balancei minha mão em compasso.

A porta bateu e eu senti frio mesmo com o aquecedor ligado. Agora eu estava sentada na frente do piano, meu único salvador, mas desprotegida e propensa a receber todos os atritos. Mantinha o redemoinho rebelde somente dentro do meu estômago, mas estava com medo de fazer o número dois nas calças com tanto esforço.

Srta. Ewing encaminhou-se à imensa porta de vidro. Abriu-a como quem não tinha medo da geada. Eu só entortei a cintura, sentada e tensa, para observá-la tirando um cigarro de uma caixinha de metal. Ela o acendeu usando um isqueiro pequeno e guardou os objetos dentro do bolso da frente, enquanto soprava a fumaça para longe.

Havia deixado meu casaco pendurado, de tal modo que a minha epiderme se arrepiou com o vento intruso. Srta. Ewing parecia não sentir o frio, porque fumava despreocupadamente com a cara no exterior.

— Você quer? — ela perguntou.

Finalmente passei as pernas pelo banco e levantei-me. Eu não era muito de fumar, mas claro que, às vezes, o cigarro aparecia inesperadamente na minha mão. Avizinhei-me. Eu estava um pouco receosa, mas ela estava tão à vontade do meu lado, dando-me a impressão que talvez nos conhecêssemos há anos.

Será que ela convidava meu amigo Phill para fumar também? E se demorava com os olhos sobre ele exatamente como ela estava fazendo agora?

Ela estendeu o cigarro e eu o peguei de sua mão. Mantive o olhar sobre seu rosto jovial apesar de seus anos de experiência andando sobre a Terra. Eu estava literalmente muito confusa e hesitante sobre o que estávamos fazendo. Nunca em minha vida como professora tomava a liberdade de fumar como velhos amigos com os pais dos meus alunos. Afinal a maioria tinha mais de sessenta anos e eram bastante conservadores para gostar de enfeitiçar o corpo com tabaco. Mas eu estava precisando de um nova aventura.

— Não sou de fumar — falei ao dar o primeiro trago. Cruzei os braços e mantive o cigarro perto de mim. A atitude só mostrava que minha fala era muito contraditória.

— Eu também não. Dois ou três por dia — Srta. Ewing sorriu, cúmplice.

Meu sorriso era fraco, quase morto, mas estava ali. Eu também a observava com certo fascínio. Abaixei a mão para devolver o cigarro, movimento perfeito para que eu percebesse o filtro borrado pelo batom dela. Senti-me atraída de repente. Eu já a estava achando bonita, elegante e aparentemente cheia de mistérios guardados, uma vez que seu rosto sagaz não dizia nada além do superficial. Mas ali, mirando a ponta do cigarro um pouco roseada, acordei a magia que escondia dentro de mim.

Srta. Ewing o pegou de volta em um movimento rápido e cego. Nossos dedos roçaram levemente, mas se afastaram na mesma velocidade. No mínimo pude senti-los e guardaria o toque singelo até que tivesse a oportunidade de intensificá-lo. Seja em casa nas minhas fantasias noturnas ou seja transformando o desejo em realidade.

Eu não queria pensar a respeito, porque continuava com a ideia que não era muito legal ter reações assim com um pai de alunos. Mas seria era errado achá-la atraente? Eu pensava que não, que estava liberado pensar com carinho, desde que eu não passasse dos limites e não chegasse no ponto da loucura. As pessoas me atraíam mesmo, logo não havia nada o que eu pudesse fazer para esquecer que, em um momento, a fagulha de luxúria passara pelo meu corpo.

— Acho que não é o suficiente para matá-la — falei sutilmente. Péssimo comentário, mas ele já estava feito e não rolava apagar.

— Ou talvez seja, porque meu avô morreu de câncer no pulmão — Srta. Ewing sugou tão forte o cigarro que eu tive medo que ela o engolisse.

Eu arregalei os olhos, espantada.

— Eu sinto muito!

— Não tem problema — ela riu da minha expressão. — Foi há muito tempo. Mas não estou aqui para dividir um cigarro e falar sobre minha vida. Eu quero ouvir sobre a senhorita!

— Sobre mim? — tencionei os joelhos.

— Sim, claro. Eu sei que a recomendaram porque deve ser boa, mas a senhorita está lidando com os meus filhos. Eu preciso saber o mínimo — ela informou.

Então eu estava sendo emocionada demais ao pensar que ela estivesse interessada em mim de outras maneiras. Ela só queria tirar suas dúvidas acerca do meu caráter e ter certeza que eu não sequestraria seus filhos no processo de aprendizado.

— O que a senhora gostaria de saber?

— Elisabeth, por favor — ela me corrigiu. — Chamar-me de "senhora" me deixa tão mais velha! E mesmo "senhorita", que seria o correto nesse caso, acrescenta alguns anos extras na minha certidão de nascimento. "Elisabeth" ou "você", por favor.

— Em troca, você — dei uma pausa para vê-la reagir. Ela piscou, moendo-me um pouquinho. — pode me chamar de Eleonora.

— Pois bem, Eleonora. O que me diz sobre você?

Eu pensei a respeito, porque precisava ponderar algumas informações sobre mim. Eu não queria que a mulher ouvisse alguns casos acerca da minha vida; seria vergonhoso demais. Ela não poderia pensar que eu nutria o espírito rebelde, porque este estava adormecido há bastante tempo. Eu havia aprontado no passado, mas sempre graças às influências. Eu mesma nunca chamava meus amigos para causarem alguma, porque sempre era o contrário.

— Eu sou formada em Música & Arte Lírica — comecei. Era o mais importante, visto que o meu trabalho dependia quase exclusivamente daquilo. — E dou aulas de monitoria na universidade em que me formei. Pretendo me tornar professora titular daqui a alguns anos, mas agora também estou fazendo Psicologia. Então estou com um tempo curto.

— Psicologia? — ela me devolveu o cigarro que estava quase no final.

— Sim — dei uma tragada errada, porque a fumaça entrou com rapidez na minha garganta, sufocando-me. Tossi umas duas vezes e fingi que nada havia acontecido. Meus olhos lacrimejaram em um instante. — Eu já era fascinada antes, e agora preciso de algo para completar minha renda.

— Compreendo — a mulher assentiu. Ela compreendia mesmo? Eu duvidava que ela precisava fazer alguns trabalhos extras para conseguir pagar as contas no final do mês. — É uma área muito, muito envolvente. Eu mesma fiz por um tempo, mas parei.

— Sério? — fiquei empolgada. Nunca pensei que ela teria cursado algo como a Psicologia, mesmo que por algum tempo. — Por que a senhora parou?

Eu não conseguia evitar de chamá-la de "senhora", porque a formalidade comia minhas veias. Talvez em um futuro pudesse me desprender de tanta amarras sociais e citá-la em minhas frases apenas como "Elisabeth". Ou outra coisa.

— Meu pai achou melhor gastar dinheiro com algo mais "promissor" — Srta. Ewing soltou um suspiro pesado, o qual condensou o oxigênio perto dos nossos corpos. Eu fiquei imóvel, imaginando o quão errado era desmerecer uma profissão tão incrível e importante quanto a Psicologia. — Claro que ele não sabia de nada. Talvez os nossos "promissor" tenham significados diferentes.

— Talvez sim — fiquei um pouco sem jeito.

Ela já havia recuperado o fumo e jogado o resto no lixo ali próximo. Eu ainda sentia a fumaça queimar meu interior, mas não comentei nada. Havia ficado tímida ao ouvir um relato tão íntimo dela.

— Mas está gostando? — ela resolveu perguntar.

— Sim, sim! É incrível mesmo. A senhora deveria voltar. Acredito que seu pai não vá ligar muito agora, né? — sorri, esperançosa.

— Não, porque ele morreu também — Sra. Ewing disse, séria. Eu abri a boca só para mostrar que gostaria de dizer algo, mas não soltei nenhuma palavra. Ela riu da minha atitude, algo que me deixou ainda mais encabulada. — Está tudo bem. Bom, talvez possamos conversar ainda mais depois, certo? Eu tenho uma consulta daqui a pouco e não posso me atrasar.

Era a minha deixa para concordar e sumir dali. Ela retirou um envelope saliente do bolso do sobretudo e entregou-me. Apenas precisei abri-lo um pouquinho para perceber que se tratava do meu pagamento referente às últimas semanas. Eu sorri, porque o dinheiro me ajudaria em algumas coisas para o meu apartamento.

— Obrigada, Elisabeth — frisei o nome.

Ela sorriu e andou em sentido à porta. Eu estava em sua sombra, porque gostava do perfume que ela liberava conforme andava.

— Eu que agradeço em seu lugar — piscou e adiantou-se comigo até a saída. Era incomum que ela estivesse me acompanhando, mas eu não estava ali para reclamar de algo que eu gostava. — E sobre o Natal: veja, meus filhos a convidaram primeiro, mas isso não significa que eu não queira você aqui. Na realidade, estou contando com sua aparição.

Eu mordi meus lábios em puro reflexo. Meu interior dizia para agradecer, para recusar, para aceitar uma outra vez. Qualquer coisa assim. Mas eu só maneei a cabeça como uma pessoa sem reações normais e sai de encontro à minha moto. Provavelmente a mulher não estava se importando com minhas atitudes pouco amigáveis, mas eu estava sem ânimos perto dela. Achava-a extremamente atraente, porém não era como se eu quisesse me casar ou algo do tipo. Entretanto, meu nervosismo interior graças à presença de uma mulher tão inteligente e cheia de poses, permitia que ondas explosivas de demência escorressem.

Fui-me embora tentando não pensar nisso. Alcancei uma rua amarrotada de carros e motos, logo precisei arrastar o meu veículo para um lugarzinho mais vazio e aguardar. Eu queria ocupar minha mente nebulosa e evitar que incertezas batessem, mas ali eu estava pensando no meu breve bate-papo com a mãe dos meus alunos.

Se ela tinha tantos cigarros guardados naquela caixinha, por que resolvera dividir uma única unidade comigo? Será que ela desejava sentir meus lábios mesmo que indiretamente? Eu estava ficando um pouco pirada com a ideia, mas meu corpo borbulhava. Seria uma excelente experiência, não? Eu até imaginava Phill comemorando com a minha aventurinha sensual.

Olhei para o lado e avistei uma espécie de antiquário cheio de peças interessantes. Se eu comparecesse lá na próxima semana, precisava arranjar alguns presentinhos. Eu tinha receio em comprar algo, porque eles eram ricos e possivelmente já possuíam tudo. Mas eu não queria surgir de mãos vazias, porque seria pior. O importante era a minha intenção de presenteá-los, mesmo com apenas um souvenir.

Então isso significava que eu estava considerando passar o Natal com a Sra. Ewing e sua família.

Eleonora, meu amor? Ela é muito emocionada. Eu fico rindo de nervoso, porque às vezes quero ser assim também. Por que enrolar tanto quando gostamos de alguém? Sem joguinho, por favor hahahahaha.

Eu já avisei na Apresentação que o capítulo quatro coincidirá com o Natal aqui fora. Eu não sei se muitas pessoas estarão lendo, mas eu vou postar pela tarde também. Assim podemos aproveitar a véspera. Inclusive nem sei o que vou fazer na minha. Estou sozinha! E cancelaram minha viagem. Alguém me convida para algo?

Bom, então até terça-feira, meus cheirosos. E bom final de semana!

(Cada vez que releio Souvenir, a minha vontade de roubar a Beth fica maior)

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