Quando entramos no pequeno cômodo, Natally pareceu aliviada. Veio em nossa direção, explicando:
- Ainda bem que apareceram. Eu estava trancada e...
Julie usou a chave que Benny nos entregou e trancou a porta de novo. A expressão da megera começou a mudar, como se estivesse finalmente entendendo que armamos para ela. Vacilei por um instante, mas lembrei do presente de Jonathan que ela havia destruído.
- Olá. – Julie sorriu e pegou a outra pelos braços com força.
Natally começou a se debater, mas minha melhor amiga a imobilizou - poucas pessoas sabem, mas Julie pratica artes marciais desde pequena.
- Me solte!
Antes que a megera começasse a gritar, Julie sussurrou algo no ouvido dela (provavelmente uma ameaça) que a fez ficar calada. Para reforçar que ela deveria ficar imóvel e quieta, mostrei a tesoura para Natally, que arregalou os olhos.
- Lutar não é uma boa ideia. – alertei. – Você pode acabar se machucando.
Aproximei-me e cortei uma mecha do seu cabelo, sem a menor preocupação em deixá-lo alinhado nem nada do tipo. Ela tentou lutar mais uma vez e precisei me afastar, tirando a tesoura de perto do rosto dela.
- Eu disse para ficar parada. – reclamei.
- Por que, Elizabeth? – ela tentava se soltar. – Por quê?
Encarei a megera, sentindo meu rosto ficar quente de raiva.
- Não banque a sonsa. – rosnei. – Você é uma pessoa horrível e merece pagar pelo que fez!
Olhei para minha melhor amiga e ela pareceu entender o recado de imediato. Colocou um dos braços ao redor do pescoço de Natally, dificultando ainda mais o movimento da outra. A megera tentou, então, chutar as pernas de Julie, mas os anos de treinamento a ajudaram a controlar a situação.
Avancei e voltei a cortar o cabelo dela o mais rápido possível. As lágrimas começaram a escorrer pelas bochechas de Natally, enquanto ela tentava lutar. Depois de algum tempo, parou e começou a encarar os fios que caíam aos nossos pés, com um misto de choque e tristeza. Seth disse que o cabelo era realmente importante para ela e, pela reação dela, o garoto tinha acertado em cheio.
Coloquei as luvas e segurei as bisnagas que Seth me entregara.
- Achamos que você gostaria de uma mudança no visual. – comentei.
- Você é tão sortuda. – Julie debochou, ainda segurando a outra. – As tintas vão pegar bem mais rápido nesses lindos fios loiros, então não vamos demorar muito.
Passei o conteúdo de uma das bisnagas em partes aleatórias do cabelo dela.
- Verde como a camiseta que você cortou. – falei.
Natally permaneceu parada e já não chorava mais, era como se tivesse desistido de lutar. Lembrei do começo do ensino médio, quando ela ainda era uma das rainhas da escola e como ela balançava os lindos cabelos loiros de um lado para o outro. Perguntei-me se tinha ido longe demais, mas a dúvida logo desapareceu quando lembrei dela falando que Jonathan não voltaria para mim. Meus amigos estavam certos: ela era cruel e merecia uma lição.
Terminei a primeira bisnaga e mostrei a segunda para ela.
- Estamos quase acabando. – informei.
Enquanto eu pintava o que restou do cabelo loiro dela, Natally encarou a cor escolhida e disse, com a voz carregada de ódio:
- Azul como os olhos de Seth. Ele está envolvido nisso. – não era uma pergunta, ela estava afirmando aquilo.
Encarei minha melhor amiga, mas não falamos nada. Como Natally chegou nessa conclusão? Ela tinha razão nas duas constatações: Seth estava envolvido na vingança e o tom de azul era realmente parecido com os dos olhos dele. Será que ele pedira para Max escolher aquela cor de propósito?
- Terminamos. – informei, ignorando o comentário anterior dela.
Olhei para o estrago final. Seu cabelo estava uma bagunça de azul e verde, sem o menor padrão de onde começava uma cor e terminava a outra; o corte estava desalinhado e horrível, como se uma criança tivesse brincado de cabeleireira com Natally; seu rosto tinha manchas da tinta e seu nariz, ainda machucado, estava coberto com um curativo.
Antes de Julie soltar a garota, disse:
- Se contar isso para alguém ou tentar se vingar, vamos acabar com o resto do seu cabelo e das suas roupas.
- Ou quebrar o seu nariz de vez. – acrescentei.
Natally se aproximou e pegou no meu pulso com força. Se olhar matasse, com certeza eu teria caído morta naquele momento.
- Não se preocupem, ninguém vai saber disso. – ela falou pela primeira vez desde que a ameaçamos. – Sempre falam como eu sou uma pessoa horrível, mas olhem bem para vocês agora. Não são diferentes de mim. Na verdade, nem eu fui tão baixa de mexer com a aparência das duas.
- Destruir um presente importante para alguém é ser bem desumana, caso nunca tenham te contado. – Julie rebateu.
Natally tentou avançar na direção de Julie, que desviou sem dificuldade e apertou a ponta do nariz da megera, fazendo-a soltar um gemido de dor.
- Opa, perdão! – ironizou. – Agora saia daqui antes que eu perca a paciência.
Julie abriu a porta e esperamos a outra sair do cômodo. Ela se afastou apressada, tentando esconder o cabelo com a touca do agasalho e eu juro que consegui sentir a aura pesada dela deixar o ambiente.
Minha melhor amiga sorriu, mas não retribuí. As palavras de Natally me acertaram em cheio. Será que éramos realmente piores do que ela?
- Ela começou com isso, você apenas revidou. – Julie pareceu ler meus pensamentos.
Não respondi, então ela acrescentou:
- Diferente da sua camiseta, o cabelo dela vai crescer de novo.
Concordei com a cabeça, tentando acreditar nas palavras de Julie. De qualquer maneira, já estava feito e não tinha mais como mudar isso.
- Eu só espero que essa guerrinha acabe agora. – comentei.
Ela se aproximou e tocou meu rosto, de maneira acolhedora.
- Você é tão boazinha. – disse. – Como é que somos amigas?
O comentário dela me fez rir. Éramos realmente bem diferentes em vários aspectos.
- Vamos limpar isso antes que alguém apareça. – falei, tirando as luvas.
Recolhemos os fios loiros, tiramos as manchas de tinta e deixamos o lugar como encontramos antes. Em seguida, reunimos todas as provas de que algo tinha acontecido ali e jogamos em uma lixeira do lado de fora da escola.
Pegamos o esfregão e voltamos ao ginásio. Rose pareceu desconfiar um pouco, mas depois de inventarmos alguma desculpa, deu de ombros e voltou a limpar as coisas.
Julie decidiu que faria uma noite de filmes na casa dela para comemorar a vingança final contra Natally. Chamou Benny, Seth e Max, já que eles tinham ajudado com tudo.
Levamos quase uma hora para decidir qual filme assistiríamos. No fim, optamos por uma comédia. Enquanto o pessoal se divertia, rindo e conversando durante o filme, lutei para que meus pensamentos não focassem em Natally e no que tínhamos feito.
Pouco depois do filme acabar, o computador de Julie começou a apitar. Ela soltou um gritinho animado e correu para olhar a tela, onde a foto de Ryan piscava na tela. Uma chamada de vídeo.
- Ele está bem! – ela abriu um sorriso gigantesco. – Calem a boca.
A imagem de Ryan apareceu. Não aparentava estar ferido, mas tinha uma expressão séria que me deixou inquieta.
- Eu estou bem, não se preocupe. – falou, antes que Julie perguntasse. – Estava com saudades.
Os meninos trocaram um olhar e saíram do cômodo em silêncio, dando privacidade para o casal. Eu estava prestes a sair quando ouvi Ryan falando:
- Poderia ficar até amanhã olhando para o seu rosto perfeito, querida, mas preciso falar com a Liz sobre algo importante.
Senti meu coração acelerar e me apressei para o lado de Julie. Ela colocou a mão no meu ombro, conforme Ryan contava o que tinha acontecido:
- O comboio no qual Jonathan estava viajando foi atacado, mas ele sobreviveu e já recebeu os devidos cuidados. Logo ficará melhor.
Levei um tempo para processar aquela informação.
- Onde ele está? – quase não ouvi minha própria voz.
- Descansando. – Ryan respondeu. – Os remédios o deixam bem sonolento.
- Ele... – tentei formular alguma coisa, mas o nó na minha garganta me impediu.
- Ele está bem, Liz. – Ryan assegurou. – Não foi nada grave, ele até consegue conversar, caminhar e comer sozinho.
- Vão mandá-lo para casa? – Julie perguntou. – Até onde eu sei, os soldados feridos são enviados de volta.
- Esse é o problema. – ele soltou um longo suspiro. – Muitas pessoas foram mortas no ataque, por isso, não podemos abrir mão de um único soldado.
Um barulho fez Ryan desviar a atenção do computador para alguma coisa na base. Sua expressão se tornou suave.
- Ele acordou. – contou. Virou-se para o lado e falou: – Ei, cara, estou conversando com a Liz.
- Lizzy? – a voz de Jonathan estava fraca.
Ryan ajudou meu namorado a se sentar, e só então consegui vê-lo. Meu coração doeu ao perceber que um dos lados do seu rosto estava coberto por ataduras. Parecia dopado, o que provavelmente era efeito dos remédios, e mesmo assim tentou me lançar um sorriso.
- JoJo... – um soluço me interrompeu.
- Eu vou ficar bem, Lizzy. – ele garantiu. – Prometi que voltaria e não vou descumprir isso.
- Eu te amo, Jonathan.
- Eu também te amo... Muito. – ele respondeu, sua fala começando a ficar lenta. Os remédios o derrubariam em breve.
- Por favor, volte para mim. – soei desesperada, como de fato estava.
- Ei, não chore... – ele pediu. – Por... Favor...
Ryan ajudou Jonathan a se deitar de novo e eu o perdi de vista.
- Ele dormiu de novo. – o namorado de Julie informou. – Vou cuidar dele. Prometo.
Afastei-me deles, saindo apressada do cômodo. Encontrei os garotos na cozinha, conversando e rindo. Levantaram-se e me olharam, preocupados, quando me aproximei.
- Liz? – Benny segurou meus ombros. – O que foi?
Tudo o que consegui fazer foi chorar. Ele me puxou para um abraço apertado e apoiei a cabeça no ombro dele. Os garotos tentaram falar comigo, mas o som dos meus soluços me impedia de ouvir qualquer coisa.