OS MISTÉRIOS DE ELIZA GUNNING...

By autoralotorino

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❝ Confiem em mim, leitores. 1832 será um bom ano. - Srta. Silewood. ❞ Lady Eliza Gunning não é nem de longe u... More

SINOPSE COMPLETA
DISCLAIMER
EPÍGRAFE
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
Capítulo sem título 18
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
C A P Í T U L O XX
C A P Í T U L O XXI
C A P Í T U L O XXII
C A P Í T U L O XXIII
C A P Í T U L O XXIV
C A P Í T U L O XXV
C A P Í T U L O XXVI
C A P Í T U L O XXVII
C A P Í T U L O XXVIII
C A P Í T U L O XXIX
C A P Í T U L O XXX
C A P Í T U L O XXXI
EPÍLOGO
Notas Finais + Amazon

CAPÍTULO III

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By autoralotorino

Eu não sou uma mulher má, acreditem em mim. Porém tampouco tenho inclinações para condescendência. Não compreendo Londres, acima de tudo. Quero dizer, o jornal de Stanley é comprado por toda a sociedade, e pode ser prepotência minha, mas acredito que muitas damas — e certamente cavalheiros também — estão mais interessados em meus comentários do que em política, filosofia ou anúncios de vendas. As edições esgotam-se rápido, minhas palavras são comentadas no salão, as pessoas parecem gostar...

Até que eu mencione seus nomes.

Recebi ameaças. Ameaças graves, porém nulas já que ninguém sabe quem sou. Eu tampouco faço questão de revelar minha identidade, não por medo, mas o anonimato traz liberdade de várias formas. Sendo assim, não compreendo as duas facetas da sociedade londrina. Adoram fofoca, adoram escândalos, adoram uma pessoa que diz o que pensa, mas quando a própria hipocrisia é apontada recuam. Palavras afiadas são boas apenas quando não lhe ferem.

Não é minha intenção prejudicar ninguém — na maioria das vezes, confesso. Tudo o que comento tem um propósito maior. Ás vezes apenas compartilhar momentos de alegria, mencionar algum fato curioso, ou gerar reflexão. ''As fofocas de Silewood'', como muitos chamam minha coluna, na verdade não passam de considerações despretensiosas sobre viver, a sociedade e moral. Meus dedos não se calarão por ameaça alguma. Nunca. E que esteja dito.

Deste modo continuemos com a programação inicial. Vocês souberam que a caçula do Sr.Collins aparentemente caiu de cavalo em Bath? Sinto muito por ela, mas acho uma tremenda coincidência que tenha sido as vésperas do sarau da família. Uma lástima, pois há alguns anos escutei...

(...)

Srta. Silewood Stanley Journal, abril de 1830.

— Oh meu Deus! Se eu contar vocês nem conseguirão acreditar...

A Srta. Bridget Hawkins aproximou com entusiasmo da mesa onde lady Eliza e Samantha Duncan descansavam. Elas estavam no baile de lady Flemming em um sábado à noite. Era um bom evento, lotado e certamente divertido, ao menos para qualquer um que não fosse Eliza ou Samantha. Há bons minutos elas haviam desistido de conseguir uma dança e direcionaram-se para uma da mesa, onde se concentraram apenas em comer todos os aperitivos de uma bandeja que pegaram no balcão. Bridget, por outro lado, parecia extremamente disposta a fazer qualquer coisa para chamar atenção de algum rapaz. Qualquer um.

Com a aproximação de Bridget, tanto Samantha quanto Eliza contraíram os músculos. Elas conheciam bem a Srta. Hawkins e conheciam melhor ainda os perigos de seu entusiasmo. Bridget puxou uma cadeira, alisou o vestido de musselina após sentar-se e continuou fitando as amigas com um fervor duvidável. Lady Eliza por fim deu de ombros, pegou mais um doce e esforçou-se para parecer minimamente interessada na história da amiga.

— Se nós não vamos acreditar não há porque contar, não é mesmo?

— Pare de besteira, Liz — Bridget sorriu — dancei com Aaron Crosby.

Eliza assentiu. Samantha ergueu o olhar, estupefata.

— Como você conseguiu?

Hum, certamente com meu sorriso — a Srta. Hawkins sugeriu.

— Lady Crosby está desesperada para ver o filho casado... — Eliza explicou — tanto que está obrigando-o a participar de todo baile em que eles são convidados. Arrasta-o pelos cantos e o obrigada a dançar com todas as moças disponíveis pela frente. Aaron parece ser um rapaz agradável, mas não tenho certeza se está pronto para um casamento.

O sorriso de Bridget desapareceu no mesmo instante. Samantha voltou-se para os doces novamente. Esses eram os males indispensáveis do oficio de lady Eliza: ela sabia de tudo e de todos. O maior talento de Eliza certamente era escutar. Escutar, escutar e nunca ser notada. Ela apropriava-se do que ouvia para escrever sua coluna, mas outras informações — geralmente comentários casuais sobre a vida pessoal de alguém — não serviam para muita coisa além de seu arquivo interno de maridos em potencial. Lord Crosby foi devidamente descartado.

A Srta. Hawkins não ficou contente com as palavras da amiga. Emburrou-se na cadeira, cruzou os braços e fitou lady Eliza como se ela tivesse cometido um crime. Eliza não deu muita importância. Há anos havia deixado de se preocupar com os dramas dela.

— Em momento algum eu disse que ele tinha interesse em me pedir em casamento, Eliza — Bridget defendeu-se sem necessidade alguma — eu apenas sugeri que ele poderia ter gostado de meu sorriso. Por Deus, sou tão feia assim que a ideia de um homem se atrair por mim causa tanta estranheza?

— Você não é feia, Bridie. — Samantha disse. — Nenhuma de nós é.

Eliza assentiu. Sim, Bridget definitivamente não era feia, apenas não era a beldade de Londres. Ela tinha grandes olhos azuis, bochechas coradas e cheias — o que a conferia um ar mais imaturo do que deveria — e cabelos loiros muito claros. Não era alta, mas com certeza era maior do que Liz. Samantha tinha ainda mais altura do que Bridget. A Srta. Duncan também tinha uma aparência consideravelmente agradável. Cabelo loiro-escuro, olhos esverdeados e apesar de estar alguns quilos acima do peso, Eliza não via isso como um empecilho para a exaltação de sua gracilidade. Em geral Eliza considerava-se a mais excêntrica do trio. Achava-se sardenta demais, considerava seus olhos azuis demais e com certeza bem mais baixa do que deveria ser.

E por que elas não eram populares? Havia várias teorias. A que lady Eliza fielmente acreditava era que havia uma mistura de vários fatores. Tudo havia começado errado. Na primeira temporada Samantha havia assustado metade de Londres com sua falta de talento musical, Bridget havia se mostrado tímida e desastrada em demasia e a única opção que a restou foi tomar chá de cadeira pelo resto do ano, e Eliza... Bem, ela era a Louca dos Cães.

Lady Eliza considerava o apelido completamente injusto, visando o fato de que o acontecimento de Mayfair não tinha sido sua culpa. Primeiro, ela estava andando com Veniamin Stanislav — seu amável poodle — quando por um pequeno descuido ele escapou. Veniamin Stanislav soltou-se das mãos de Eliza e decidiu que correr atrás de um homem a cavalo era uma boa ideia. Eliza, porém, também decidiu que correr atrás do homem de cavalo e do poodle era uma boa ideia. Ambos estavam errados. O cavalo desapareceu, mas Vieniamin percebeu que a liberdade era algo que valia a pena ser desfrutada. O poodle continuou correndo por Mayfair e lady Eliza, sem opção ou ajuda alguma, correu atrás dele.

Tudo isso estava indo consideravelmente ruim, mas Eliza não acreditou que seria capaz de piorar. Ao virar uma esquina Vieniamin Stanislav encontrou-se com mais três cachorros. Não, não apenas um, nem dois, mas sim três. Tudo isso apenas para que lady Eliza se desse conta do quão azarada era. Os três novos caem correram atrás do poodle e Eliza desesperou-se. Apertou o passo para salvar o pobre cãozinho de estimação, porém logo houve uma reviravolta. Eliza e seu espalhafatoso vestido de babados eram o novo alvo. Os cães — inclusive Vieniamin! — começaram a correr atrás dela. Eliza, em total desespero, continuou sua corrida pelas ruas de Mayfair enquanto gritava por ajuda.

Demorou um bom tempo até que uma boa alma a tirasse daquela situação. Enquanto ela passava — gritando — pela calçada, alguns moradores abriam as janelas ou as portas para ver com clareza o que estava acontecendo. Lord Abbey abriu a porta de sua casa e compadeceu-se da situação. Acalmou os cães, deixou que Eliza entrasse e ainda conseguiu encontrar um dos sapatos que ela havia perdido na rua. Lady Eliza ficou sem reação. Encarou as irmãs de lord Abbey — que moravam com ele — morrendo de vergonha. Elas se conheciam, faziam aulas juntas e isso não poderia ser pior.

Por fim Eliza voltou para casa. Superou, é verdade. Hoje ela olhava para Vieniamin sem ressentimento algum, pois até conseguia esquecer a situação ás vezes. Mas Londres não. Eliza Gunning, filha daquele glorioso conde, correndo de uma alcateia de cães pelas ruas de Mayfair... Não, não. Isso não poderia ser esquecido. Nunca.

Assim havia ficado marcada sua primeira temporada. As que vieram em seguida não foram melhores da mesma forma. Ela derrubou limonada ou vinho em outras pessoas importantes, pisou no pé do herdeiro de um duque e passou mais tempo do que deveria tomando chá de cadeira. Seu alento era que nem Bridget nem Samantha estavam em uma situação diferente. Aos poucos a sociedade passou a naturalmente considerá-las impopulares. Não importava se haviam recebido pedidos de casamento, não importava o quanto o nome da família estava em evidencia ou o quanto elas se esforçavam para serem bonitas, graciosas e carismáticas. O lugar delas já havia sido selado.

Havia algumas pessoas que não eram tão cruéis assim, entretanto. Apesar de todas as limitações que colocavam em Eliza — e as que a própria abraçava a si — muitas pessoas consideravam-na uma garota extremamente agradável para manter por perto. Ela era cuidadosa com as palavras, aparentemente não tinha inclinação para a fofoca e era filha de lord Gunning, um homem muito querido pela sociedade. Uma dessas pessoas era lady Veronica, ou melhor, Ronnie.

Eliza conseguia vê-la dali. Ronnie estava há horas dançando, tentando cumprir corretamente todo o seu cronograma e ainda conversar com quem cruzasse seu caminho. Diferente de Eliza, Ronnie era alta, magra e não tinha timidez alguma na hora de envolver-se em círculos de conversa. Talvez fosse por isso que ela chamasse tanta atenção. Ronnie também não era a garota mais popular da temporada, mas muitas pessoas — principalmente os rapazes — gostavam de conversar com ela. Alguns até tinham aspirações românticas em relação à Besset, mas Ronnie não dava brechas para outras interpretações.

Seu coração já tinha dono.

— Reynard Paine. — Bridget murmurou fitando os dois — Vocês realmente acham que ele vai se casar com ela?

Samantha não tinha ideia do que a amiga estava falando. Eliza concordou com a cabeça.

— Tenho certeza. Qualquer um pode ver o quanto eles estão apaixonados.

— Não consigo ver.

— É o amargor... — Samantha comentou.

Eliza riu. Bridget não.

— Vocês estão insuportáveis hoje — a Srta. Hawkins resmungou.

— Mas é verdade, eles vão. — Eliza afirmou. — Só que ainda não oficializaram.

— Eu oficializaria logo... — Samantha escolheu um doce com nozes — há ao menos meia dúzia de homens esperando qualquer deslize do Sr. Paine para cortejar Ronnie.

Bridget negou com a cabeça, cedendo-se aos docinhos também. Eliza as acompanhou.

— Não, nunca. — A Srta. Hawkins afirmou. — Não há mais ninguém interessado em lady Veronica além do Sr. Paine.

🕎🕎🕎

— E aquela é quem? Estou interessado.

— Lady Veronica Besset. — Aaron Crosby sorriu. — Não tive oportunidade conversar com ela, mas disseram que lady Veronica é muito agradável e uma ótima companhia para uma conversa ou uma dança. Lembra-se de Neil Barnett? Eles são amigos. Garantiu-me que é uma das poucas mulheres que conquistaram verdadeiramente sua amizade. E ainda é bonita.

— Perfeita — lord Morley sorriu — irei me apresentar para ela. 

— Desistiu de Chesterfield?

— Ela é inegavelmente bonita, mas é impossível manter uma conversa saudável com ela por mais de três minutos. Além de que seria uma missão suicida tentar cortejar uma pessoa de nosso círculo.

Frederick estava decidido que desde o primeiro baile iria começar a analisar suas noivas em potencial. Começou por Ruby Chesterfield, pressionado obviamente por sua beleza imensurável e pelo lastro de admiradores que a cercavam. Pensou que havia de ter algo de muito especial com ela, mas não. Ruby era apenas uma menina rica que havia tido a sorte de nascer bonita também. Um dos pré-requisitos para o casamento de lord Morley era justamente que a noiva fosse agradável. Não apenas em aparência, mas também como uma companheira. Já que era desesperançoso em relação ao amor, esperava ao menos uma amizade sincera e uma esposa no qual pudesse confiar e passar momento agradáveis ao lado.

Ele a amaria? Provavelmente não, porém tampouco seria necessário. Uma boa convivência era mais do que maior parte dos casais de Londres poderia contar.

Sendo assim lady Veronica aparentava ser a candidata perfeita. Tinha uma aparência agradável, vinha de uma família de renome e aparentemente era uma ótima companhia. Frederick ainda teria que constatar pessoalmente a simpatia da moça, mas não estava preocupado. Enquanto ele se aproximava notou um largo sorriso surgindo no rosto da lady. Frederick reparou em seus olhos escuros, nos cabelos castanhos que cintilavam entre o vermelho e o azul e na doce expressão de uma jovem que exalava carisma.

Lord Morley fez uma mesura. Ronnie retribuiu imediatamente.

— Lady Veronica Besset.

— Sim, — ela sorriu — temo que ainda não tenhamos sido apresentados.

— Lord Morley, marquês de Normanbury. Retornei a Londres há poucos dias.

Ah, sim... — Veronica estendeu seu cartão de dança com naturalidade — Ouvi falar sobre sua chegada. Sua irmã é lady Cordelia Morley, certo? Realmente muito amável. Minha dança número oito está disponível.

Frederick estreitou os olhos, mas por fim aceitou o cartão e escreveu seu nome. Ela já estava tão costumada com a situação que nem esperava o pedido para dançar, pois já sabia que viria em seguida? Ou será que, de certa forma, sentiu uma inclinação imediata para Morley? Pouco provável. Ele tinha consciência de que era um homem elegante e que por vezes seu efeito nas mulheres poderia ser rápido e letal, porém conseguia identificar inclinações românticas imediatas. Eram traços específicos no sorriso, nos gestos, no olhar... Tudo o que não havia em Veronica. Ela estava sendo simpática, sem dúvida, mas Frederick constatou logo que isso era inerente dela. Lady Veronica apenas era agradável. Sempre.

— Pronto, — lord Morley entregou-a novamente o cartão — a oitava dança é minha.

Cartão de danças de lady Ronnie Besset. Quase lotado.

— Agradeço — ela fez uma mesura — agora devo ir. Não posso me atrasar. A número sete é com... Hum, lord Hume.

— Até breve, milady. — Frederick sorriu em gentileza.

E lady Ronnie desapareceu entre a multidão. Bem, até agora ela havia cumprido com os pré-requisitos. Apesar da conversa ter sido breve e apressada ela se mostrou uma boa companhia e certamente lord Morley teria o prazer de conhecê-la melhor dentro de alguns minutos.

Sendo assim, Frederick permaneceu estático. Ele iria atrás de Aaron e seu circulo de amizades depois, agora ele tinha prioridades e dessa vez estava decido a dedicar-se inteiramente a sua missão. Ele pôde ver lord Crosby há alguns metros, aproximando-se de Ruby Chesterfield com um livro de sonetos shakespearianos na mão. Morley agradeceu a Deus mentalmente por não estar fazendo companhia para os dois nesse instante. Por hora a última coisa que Frederick queria ouvir eram os murmúrios renascentistas do companheiro. Ele precisava mantar a mente fria, racional e focada.

Ele precisava de uma esposa.

Não tardou para que Ronnie retornasse. Ele estendeu a mão e os dois caminharam em direção à pista de dança. Logo de inicio os dois chamaram muita atenção, principalmente dos membros mais velhos da sociedade que certamente sabiam quem ele era — ou ao menos sabiam quem foi seu pai. Os murmúrios espalharam-se rapidamente pelo salão. Lady Veronica está dançando com lord Morley. O marquês retornou. Ele realmente está procurando uma esposa.

Os sussurros não foram uma surpresa para Frederick, mas ele não pôde negar o razoável incômodo com a situação. Não gostava que comentassem sobre sua vida pessoal. Ele tinha completa ciência de que não era o local correto para queixar-se disso, pois eles estavam em Londres. Ainda assim lord Morley não entendia qual era o sórdido prazer londrino em comentar sobre a vida alheia. Era como a irmã havia dito mais cedo. Até o jornal de Stanley que possuía uma ótima reputação e costumava trazer assuntos pertinentes relacionados à politica havia cedido à repulsiva tentação de criar uma coluna de fofocas. Era deprimente.

— Oras, parece que lord Morley é um tanto popular aqui em Londres. — Ronnie comentou sorridente em meio à valsa.

Frederick deveria se lembrar de agradecer a irmã pelas aulas de dança. Ele definitivamente não teria sido capaz de lembrar-se desses passos sozinho. Veronica não era uma exímia dançarina, mas seguia o ritmo corretamente. Ele também tentava. Considerou-se bem até, levando em conta que não conseguia apontar com clareza a última vez que havia dançado valsa em um salão. Durante os últimos anos ele havia ido a festas, com certeza, mas nenhuma se assemelhava as que ele seria obrigado a frequentar desse dia em diante.

Eram festas geralmente organizadas por homens e jovens. Se não, por mulheres que não tinham muito apego à própria reputação. Eles dançavam, apreciavam a orquestra, comiam, mas raramente embalavam-se ao som de uma valsa. A última mulher que havia feito-o dançar esse ritmo havia sido Francesca Olligari, e ele lembrava-se claramente de suas feições a meia luz, iluminada apenas pela luz do luar que invadia o quarto. Porém, não conseguia lembrar-se em que ano ou mês aquilo havia acontecido.

Há tempos, ele tinha certeza. Localizava-se mais ou menos em sua linha de tempo pensando em suas mulheres. Há quatro anos ele não via mais Francesca. Há três havia deixado Clémence. Há dois partiu da Espanha escutando os maldizeres de Paloma. No último ano, enquanto se preparava para retornar, sentiu os afetuosos abraços de Inês. E, há alguns meses, teve Waverly em Bristol. Nenhuma, porém, era especialmente inesquecível. Guardava-as com muito carinho em seu coração, — inclusive Paloma que o atirou a louça inteira — porém nenhuma era uma retenção para seu casamento. Lord Morley havia tido várias mulheres, mas nunca experimentara o amor verdadeiro. E tampouco achava que experimentaria.

Eram bobagens românticas. Ele chegou a essa conclusão após ouvir Aaron Crosby ler dezenas de poemas amorosos em voz alta. Culpa de lord Byron, John Keats, Shelley e até mesmo Shakespeare, que apesar de não ter a mesma influencia dos atuais, certamente foi certeiro na hora de descrever sentimentos idealizados e irreais. Eram exagerados. Não correspondiam a realidade. Frederick não gostava de pronunciar aquela frase: eu não acredito no amor. Achava-a muito forte, quase carmíca, mas era a verdade. Tudo o que ele conhecia sobre o amor havia sido destrutivo, não bom. Por essa razão tanto almejava um casamento com uma mulher apenas suportável. Ele não tinha nenhum devaneio romântico como Crosby, para ele a realidade era somente dura e cruel.  O amor não existia. Ele não precisava de uma esposa que amasse. Precisava de uma esposa que o respeitasse e fosse sua amiga. Uma boa relação seria o bastante.

Ele não poderia estar exigindo demais.

— Milady gosta de dançar ou apenas o faz porque é obrigada? — Frederick perguntou, realmente interessado na resposta.

Ronnie estreitou os olhos. Girou. Era uma pergunta incomum. Presumia-se que as jovens gostassem de dançar em regra.

— Bem, lord Morley... — Ela aproximou-se de seu ouvido — Eu gosto de dançar. Sei que muitas garotas não suportam e estão aqui apenas porque a mãe as obriga, porém não é meu caso. Tenho liberdade para escolher não dançar, mas eu gosto. É divertido. Gera prazer.

Frederick assentiu. Outra observação para a ficha de lady Veronica: ela gostava de se divertir. Seria animada. Se Frederick realmente quisesse se casar com ela deveria estar certo de que teria ânimo para acompanhá-la nos bailes seguintes. Talvez ele pudesse ter. Sem as preocupações relacionadas a adquirir um matrimônio aquelas interações sociais poderiam ser mais agradáveis do que no momento.

— E milorde? — Ronnie tentou fitar os olhos escuros de Frederick — Gosta mesmo de dançar ou está aqui porque está sendo obrigado?

— Eu seria obrigado por quem, lady Ronnie?

— Isso eu não sou capaz de responder, pois não conheço vossa árvore genealógica — Ronnie sorriu — apesar de que às vezes a nossa própria consciência nos obriga a fazer algumas coisas...

— Então talvez seja a minha consciência — respondeu — e ela não estava errada. São bons momentos. Há anos eu não dançava.

Ela estreitou os olhos. Riu.

— Eu nunca imaginaria. Milorde dança tão bem.

— Minha irmã me ajudou mais cedo. Achou um prazer ter um companheiro para ensaios.

Ronnie girou novamente. Quando retornou lord Morley segurou ainda mais firme em sua cintura. Se Veronica sentiu-se incomodada ela não disse nada, mas sequer inclinou-se mais em sua direção. Continuou no mesmo ritmo de antes.

— Escutei-a cantar há alguns dias. Tem uma voz adorável... — Ronnie comentou — Vocês irão ao sarau dos Duncan na próxima semana?

Duncan... Duncan...Duncan...Frederick demorou a lembrar-se de quem se tratava. O homem rico, sem título algum, mas que ganhava muito dinheiro com suas fábricas e importações. Além de que tinha filhas muito bonitas. Lord Morley não sabia como estavam elas em 1832, mas há bons anos conseguiu admirar a beleza de algumas delas.

— Provavelmente. — Frederick respondeu — Não costumo recusar convites.

— É um bom homem, lord Morley. A maior parte das pessoas corre de saraus, — Ronnie riu — mas estou certa de que o reportório desse ano será maravilhoso.

— Eu conseguirei encontrá-la nesse sarau?

Veronica estreitou os olhos, mas logo em seguida assentiu com um sorriso.

— Sem dúvida. Não será muito difícil, milorde. Eu costumo ficar circulando, pois não gosto muito de ficar parada em um só lugar. Posso apresentá-lo a novas pessoas também. Chegou a Londres há pouco...

Lord Morley não precisava de novos amigos, mas agradeceu a bondade de Ronnie. Ele já tinha o suficiente. Os rapazes dos tempos de Cambridge sempre estavam por ali, Aaron Crosby certamente o apresentaria para outras novas trinta mil pessoas, e no final ele sairia do salão sem conseguir lembrar-se do nome nem de dez. Não era porque estava afastado de Londres que ele havia deixado de ser londrino. As coisas só estavam um pouco mudadas.

A dança acabou. Lady Ronnie fez uma doce mesura e não demorou muito com os cumprimentos finais para por fim poder se afastar. Ela também havia preenchido a dança número nove. Lord Morley, por outro lado, não. Mas deveria. Suspirou, ajeitou o paletó e aproximou-se da primeira moça que viu. Cabelos castanho-claros, alta e com nariz aquilino, há alguns metros. Não tinha ideia de quem era, mas logo saberia. Alguma família com C ao julgar pelo brasão em seu peito. Não importava agora. Ele estava em uma missão.

Precisava conhecê-las. Todas.

Precisava encontrar alguém.

•••

Postando na quinta para quem quiser ler no feriadão poder aproveitar. A propósito, estou pensando em postar mais de uma vez por semana. Sou ansiosa demais hahah.

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