A marca do tapa não ficou por muito tempo, mas não consegui tirar o acontecimento da cabeça. Na hora de ir embora, encontrei Julie em frente aos nossos armários e contei sobre o ocorrido.
- Você só falou o que todo mundo pensa. – minha melhor amiga deu de ombros, enquanto guardávamos os livros.
- Ainda assim, ela me pareceu bem magoada. – argumentei.
Julie bateu a porta do armário e me abraçou.
- Não foi nada demais, Liz. – ela disse. – Eu teria feito bem pior.
Tentei sorrir.
- Pare de se sentir culpada. – Julie revirou os olhos. – Agora preciso ir, tenho algumas coisas para resolver. Qualquer coisa me manda uma mensagem.
Ela saiu da escola andando rápido. Estranhei. Por que ela estava tão apressada? E por que não me contou o que precisava "resolver"? Nada típico de Julie, mas deixei para lá.
Segui meu caminho para o local onde o time de hóquei treinava.
Como de costume, sentei-me na arquibancada e assisti aos meninos treinarem. Seth parecia aluado hoje, errava passes e jogadas. Será que isso tinha alguma relação com todo o drama envolvendo a Natally?
Quando o treino acabou, esperei Jonathan se trocar no vestiário e vir se sentar ao meu lado, como sempre fazia desde que começamos a forjar esse namoro. Não pude evitar o sorriso quando lembrei que agora tudo isso era real.
- Não acredito no que a Natally fez com o Seth. – ele comentou, antes que eu pudesse falar qualquer coisa. – Viu como ele parecia estar em outro planeta?
Concordei com a cabeça.
- Temos um dos últimos jogos nesse sábado. – JoJo parecia irritado. – O ano está acabando, o time irá se desmanchar, cada um seguirá o próprio caminho, e tudo o que queremos é focar no hóquei, não em ex-namoradas que aparecem para nos estapear sem motivo.
Permaneci em silêncio enquanto Jonathan me relatava como tudo aconteceu:
- Estávamos no corredor pegando os livros para o segundo horário quando ela chegou irritada e parou na frente do Seth. Os outros caras do time não entenderam nada, porque ela simplesmente sussurrou algo no ouvido de Seth e lhe deu um tapa.
- E o que ele fez? – questionei, tentando não soar culpada.
- Ela se afastou antes que Seth pudesse falar qualquer coisa. – Jonathan respondeu. – Mas seja lá o que tenha acontecido, deixou ele bem irritado.
- E o pessoal do time?
- Ben começou a fazer piadas sobre "a garota irritada que socou o capitão do time". – JoJo revirou os olhos.
- Benny não aprende nunca. – comentei. Meu vizinho era o campeão em fazer piadinhas com assuntos sérios.
Ficamos em silêncio até Jonathan falar:
- Queria te pedir uma coisa.
Olhei para meu namorado. Ele parecia inseguro, então tentei lançar um sorriso gentil, incentivando-o a falar.
- Meus pais querem te conhecer. – JoJo disse. – Perguntaram se você não gostaria de ir jantar na minha casa hoje.
- Hoje? – senti meu coração acelerar.
E se eles não gostarem de mim? Pensei em uma cena horripilante dos pais de Jonathan me odiando e obrigando o garoto a terminar comigo.
- Entendo se achar muito cedo. – ele acrescentou, provavelmente ao ver minha expressão de pavor.
- Está tudo bem, JoJo. – respondi.
- Eles vão gostar de você, não se preocupe. – ele piscou e beijou minha bochecha.
Abri um sorriso, tentando disfarçar o nervosismo.
- Estarei lá.
A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi ligar para Julie.
- Os pais dele querem me conhecer! – falei, desesperada, assim que ela atendeu.
- Estou indo até aí. – ela desligou.
Enquanto esperava minha melhor amiga vir ao meu resgate, fiz chá de camomila para tentar me acalmar. Não deu muito certo, e quando Julie chegou eu estava andando ansiosa de um lado para o outro no meu quarto.
- É só um jantar, Liz. – ela tentou me acalmar.
- Mas e se eles não gostarem de mim? – perguntei.
Começamos uma discussão sobre isso. Julie afirmava que eu era uma pessoa legal e que Jonathan gostava de mim, então não havia o menor motivo para os pais dele desgostarem de mim; por outro lado, eu tinha medo de não me acharem interessante o suficiente para o filho deles.
Julie se irritou e desistiu de me convencer.
- Se eles vão te odiar, pelo menos quero que esteja linda. – falou. – Sente-se aqui para que eu te transforme em uma princesa. – apontou para a penteadeira no canto do quarto.
Obedeci, e ela começou a me arrumar.
Como sempre, ela deixou minha maquiagem incrível, o cabelo estonteante e o look perfeito para a ocasião.
- Esse vestido é fofo e sério na medida certa. – Julie explicou, levando-me para a frente do espelho. – Vão te achar meiga, mas também madura.
- Se é o que você diz. – dei de ombros.
Encostei-me no parapeito da janela e fechei os olhos, respirando fundo.
- Vai dar tudo certo. – falei pra mim mesma.
- Ah, não. – Julie disse.
Abri os olhos, confusa.
- O que? – mas ela encarava algum ponto atrás de mim.
- Não você. Ali. – ela apontou.
Segui seu olhar até a janela de Benny. Ele estava sentado na cama com uma garota, eles se beijavam com uma intensidade que só poderia terminar de um jeito. Fechei as cortinas.
Julie e eu começamos a rir.
- Lembro da primeira vez que conheci os pais de Ryan. – ela contou, de repente. – Estava muito nervosa, mas eles foram muito gentis comigo. Tenho certeza de que é o que acontecerá com você.
A voz dela estava estranha. Pensei em perguntar como ela andava se sentindo em relação ao Ryan, mas sabia qual seria a resposta: estou bem.
- Espero que sim. – foi o que respondi.
Julie ficou comigo até a hora do jantar, conversando e me mantendo calma. Era realmente a melhor amiga do mundo.
Jonathan veio me buscar.
- Você está linda. – Jonathan falou ao me ver.
Tentei responder, mas estava nervosa demais para isso.
- Ei, fique tranquila. – ele pareceu ler meus pensamentos. – Eles vão te adorar. – me deu um beijo.
Caminhamos até a casa dele em silêncio. O local era bem diferente sem todas as pessoas dançando e bebendo no jardim de entrada. Entrarmos na sala de estar e os pais dele sorriram para mim.
- Quero que conheçam Elizabeth Wright, minha namorada. – JoJo falou, passando o braço ao redor dos meus ombros.
Senti meu rosto corar. A mãe dele se levantou primeiro e me cumprimentou. O cabelo escuro como o de Jonathan estava preso em um rabo de cavalo, os olhos verdes brilhavam e as rugas se intensificavam quando ela sorria.
- Eu sou Anna Marie. É um prazer finalmente te conhecer! – ela parecia alegre. Em seguida, falou baixo o suficiente para que apenas eu escutasse: – Jonathan nos falou tanto de você!
Em seguida, o pai dele se aproximou e apertou minha mão. Era alto e forte, mas tinha olhos escuros gentis, como o filho, e, perto de um dos olhos havia uma cicatriz. Lembro-me de Jonathan comentando que seu pai era um veterano, então a marca provavelmente era uma lembrança permanente das guerras das quais participou.
- David. – apresentou-se. – Vamos jantar, pois estou morrendo de fome. – brincou. – Você vai se apaixonar pela comida que a Anna faz. É a melhor desse país inteiro.
A mulher riu.
Sentei-me ao lado do meu namorado na mesa de jantar. Estava mais calma, pois tive a impressão de que eles gostaram de mim. Tudo seguia de acordo com o planejado.
- Cadê o Josh? – JoJo quis saber.
- Já está vindo. – o pai respondeu.
Jonathan gritou, sem sair da mesa, pedindo para o irmão se apressar ou começariam a comer sem ele.
- Quando Johnny disse que você era bonita, não pensamos que fosse tanto. – Anna Marie comentou.
- Ela é linda. – JoJo me olhou, tímido.
Apenas sorri. Ele me achava linda e me elogiou para os pais dele. Bons sinais.
- É verdade que aqueles quadros que Jonathan me mostrou foram pintados por você? – o pai perguntou.
- Sim. – respondi. – Pretendo ingressar na faculdade de artes da cidade.
- Aposto que vai conseguir, já que é tão talentosa. – a mãe dele sorriu, acentuando novamente as rugas em seu rosto.
O irmão de Jonathan entrou no cômodo, desculpando-se pela demora. Tinha as feições fortes do pai e os mesmos cabelos loiros, mas seus olhos eram verdes como os da mãe.
- Então essa é a famosa Elizabeth? Meu nome é Joshua, muito prazer. – ele sorriu. Diferente do sorriso bobo e espontâneo de Jonathan, o dele era contido.
Josh ajudou a mãe a servir todos na mesa. Comecei a comer e percebi que Anna Marie realmente cozinhava muito bem, não havia um defeito sequer naquela refeição.
- O senhor tinha razão. – falei para o pai de Jonathan. – Essa comida é maravilhosa.
David piscou para mim.
Começamos a falar sobre hóquei e vários outros assuntos.
Tudo estava bem, até tocarem em um assunto delicado: o exército. Senti um aperto no coração e um embrulho no estômago, mas me forcei a abrir um sorriso.
- Estamos muito orgulhosos de você, maninho! – Josh falou, sendo apoiado pelos pais. Busquei a mão dele por baixo da mesa e a segurei.
Conforme Jonathan contava sobre as instalações da base militar e o treinamento que estava recebendo, fui perdendo a fome. Fiquei encarando a comida de Anna Marie, que já não parecia mais tão gostosa, enquanto pensava em todas as coisas horríveis que poderiam acontecer com JoJo caso ele fosse convocado para o exército. Eu sabia que esse era o sonho dele, além de ser um motivo de orgulho para a família Ross, então estaria sendo muito egoísta em ficar chateada com ele por isso, mas também era impossível ficar alegre.
- O que você acha disso, Elizabeth, querida? – a mãe dele me perguntou.
- Eu... – pensei em uma resposta. Não poderia ser sincera, estragaria o jantar. – Fico muito feliz por isso. Que tipo de namorada eu seria se não ficasse orgulhosa, não é mesmo?
Involuntariamente, apertei a mão de Jonathan por baixo da mesa. Ele encarou rapidamente nossos dedos entrelaçados, mas não falou nada, apenas retribuiu o gesto.
A família recomeçou o papo sobre o exército. Coloquei meu melhor sorriso no rosto e permaneci calada, ouvindo enquanto Joshua e o pai de Jonathan contavam sobre suas experiências como soldados. Meu namorado estava tão animado e entretido com a conversa que, sem perceber, soltou a minha mão embaixo da mesa para gesticular.
Depois de algum tempo, Anna Marie me chamou para a cozinha, pedindo que eu a ajudasse com a louça. Quase suspirei aliviada por poder sair de perto daquele assunto.
Em silêncio, começamos a limpar os pratos.
- A senhora não tem medo de perder um deles? – perguntei.
Ela me olhou, séria, durante alguns instantes.
- É claro que tenho. – respondeu. – Primeiro Josh, e agora Johnny... – soltou um suspiro longo e triste. – Não seria justo impedi-los de realizar o sonho, mas eu realmente gostaria que eles tentassem algo menos perigoso.
- Como jogar hóquei?
Ela concordou com a cabeça, abrindo um sorriso, antes de falar:
- Jonathan é um bom menino, e realmente gosta de você. Não quero que ele passe pelo mesmo que Ryan está passando... – ela deixou a frase no ar quando Jonathan apareceu na porta da cozinha, oferecendo-se para ajudar com a louça.
Na hora de ir embora, meu namorado me levou até a porta da minha casa. Ficamos em silêncio durante todo o percurso, apenas caminhando de mãos dadas.
Paramos na porta da minha casa e nos encaramos.
- Durante o jantar, você parecia incomodada com o assunto. – Jonathan começou, trocando o peso de um pé para o outro. – Não vai desistir de mim, vai?
Puxei Jonathan para um abraço. Fechei os olhos, e naquele momento percebei que jamais iria querer abrir mão da sensação de seus braços em volta de mim, do sorriso bobo e gentil, de vê-lo jogar hóquei...
- Não conseguiria nem se eu quisesse. – fui sincera.
- Sei que é cedo para falar isso, mas... – ele começou, mas seja lá o que fosse dizer, foi interrompido por um carro estacionando na entrada de casa.
Eu tinha me esquecido que meus pais também tinham saído para jantar hoje a noite, e estavam voltando agora. Sorriram quando nos viram.