O que escolhemos esquecer - d...

By Ju-Dantas

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Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8

Capítulo 2

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By Ju-Dantas

Quando acordei de novo, me recusei a abrir os olhos. Minha mente registrando os últimos acontecimentos insólitos. E, por um momento, achei que tivesse sonhado. Que estava no meu quarto, na minha casa e a qualquer momento meu pai entraria dizendo que eu estava atrasada para a aula, ou que havia alguma ligação do Toby a minha espera.

Mas mesmo antes de abrir os olhos, eu sabia, bem lá no fundo, que não adiantava me enganar.

Aquela realidade não fazia mais parte da minha vida.

Há sete anos.

Casa, família, Toby.

Senti um aperto no peito. Tudo ficou perdido nos sete anos que minha mente apagou misteriosamente. E no lugar havia apenas um estranho de cabelo escuro, olhos verdes intensos e beleza deslumbrante. Que dizia me conhecer todo esse tempo. E sabe Deus de que tipo de conhecimento estava falando!

Antes que eu conseguisse achar uma saída na minha mente obscura para aquela confusão, a porta se abriu e o mesmo médico que havia conversado comigo ontem entrou.

— Olá, Ella, como se sente?

— Perdida.

Ele sorriu complacente.

— Eu entendo. Mas estou aqui para tentar ajudá-la.

— Estou mesmo com... amnésia?

— A partir do momento que não se lembra de nada que aconteceu durante sete anos da sua vida, sim, está.

— E isto é... permanente?

— Não temos como saber. Você pode lembrar as coisas aos poucos, ou tudo de uma vez, ou lembrar apenas algumas coisas. Ou até mesmo...

— Nunca lembrar — murmurei.

— Sim, é possível. A mente humana ainda é um total mistério. Mas a boa notícia é que não há nenhuma sequela física. Está com algumas escoriações e vai se sentir dolorida por mais alguns dias. Estará nova em folha em pouco tempo.

— E sem lembrar de nada.

— Ainda lembra quem é... Algumas pessoas nem isso.

Então devia me sentir grata por ainda saber meu nome e lembrar dezoito anos da minha vida?

Suspirei, desalentada.

Deus, eu não tinha mais dezoito anos! Aquilo era muito, muito estranho. Quantas coisas mais eu perdi? O que tinha acontecido na minha vida durante aqueles sete anos? Por mais que tentasse havia apenas um buraco negro na minha mente. E nada mais.

No entanto, eu podia perguntar, não podia? Alguém iria me contar. A imagem do estranho me veio à mente. Seria ele a única pessoa que poderia me dar as respostas?

Antes que eu seguisse minha linha de raciocínio, uma enfermeira entrou no quarto.

— Olá, já se sente bem? Acho que gostaria de tomar um banho?

Eu sorri agradecida. Banho. Coisas normais. Acho que ia fazer me sentir melhor. A enfermeira me ajudou a ir até o banheiro e percebi o quanto estava debilitada. Eu mal consegui me apoiar nas minhas pernas.

Enquanto ela me ajudava a ficar de pé e tirar a horrível camisola do hospital, mirei minha imagem no pequeno espelho na parede e o reflexo de algo azul no meu braço chamou minha atenção.

— O que é isso? — Abaixei o olhar para meu ombro e perdi o fôlego ao ver uma borboleta azul pousada sobre minha pele.

Uma tatuagem.

Que eu sequer me recordava de ter feito.

— O que foi, algum problema? — a mulher perguntou solícita e engoli a súbita vontade de chorar.

— Eu apenas não me lembro disso — sussurrei e notei a pena em seu olhar enquanto me levava para o chuveiro.

Depois que voltei para o quarto, com minha nova camisola de hospital, me perguntei onde estariam minhas coisas. E onde estaria minha família? Por que eles ainda não estavam ali?

— Por favor, será que você pode conseguir um telefone? — indaguei estranhando que não houvesse um no quarto. Mas aí me lembrei que estava em coma há duas semanas. Na certa concluíram que eu não precisava de um.

E sabe Deus onde estaria meu celular. Se é que eu tinha um.

— Claro que sim. Eu já volto.

Assim que a enfermeira saiu, ele entrou. O estranho.

Prendi a respiração ao vê-lo. Parecia mais bem recomposto do que no outro dia. Havia trocado de roupa e feito a barba.

— Olá. — Sorriu meio inseguro e me vi sorrindo de volta, da mesma forma insegura.

Era esquisito que, no intervalo de poucas horas, ele houvesse meio que se transformado no meu único porto seguro. Ao menos até alguém que eu realmente conhecesse aparecesse. Esse pensamento me fez ficar séria novamente.

— O que está fazendo aqui? — Não consegui evitar o tom meio afrontoso da minha voz.

Ele ficou sério também. De novo notei um lampejo de angústia em seu rosto e me senti culpada.

— Me desculpe. É que é tão... esquisito. Sei que me disse que nos conhecemos, mas... ainda preciso me adequar a isso tudo.

— Eu sei. Não quero que se preocupe.

Eu sorri sem humor.

— Impossível. Acordei de um coma achando que estou com dezoito anos quando na verdade sete anos se passaram. Sete anos dos quais eu não me recordo de nada!

— Você vai se lembrar.

Havia convicção em sua voz.

— Vou? — Não consegui conter a ironia. — O médico disse que há a possibilidade de eu nunca... — Me calei, respirando fundo. A dor que aquilo me causava era enorme.

— Ella...

Meu nome saiu de sua boca com pesar e tive a impressão que queria me tocar, mas se continha, é que isso era difícil para ele.

E o pior era me dar conta que havia uma parte minha, talvez aquela parte inconsciente dentro de mim, a parte que se lembrava, que também ansiava por isso. E de novo eu me perguntei quem era ele. Eu podia perguntar de novo. Podia exigir respostas. Mas tive medo. Medo do que eu iria ouvir. Medo de não gostar do que eu ia ouvir.

— É... Luke, não é?

— Sim — Ele riu.

E senti algo se mexendo dentro de mim com aquele riso.

— Certo... Luke. Eu queria saber... Eu preciso, na verdade. Falar com a minha família. Por que eles não estão aqui? — De repente um medo cego me tomou. — Está tudo bem com eles? Minha mãe? Meu pai? — Deus, tanta coisa acontecia em sete anos...

— Sim, estão bem.

Respirei aliviada.

— Então por que não estão aqui?

— Porque eles estão longe.

— Como assim? Estamos em Seattle? Não é tão longe assim.

— Ella, estamos em Nova York.

— Que diabos eu estou fazendo em Nova York?

Antes que respondesse eu segurei a cabeça com as mãos.

— Como eu posso não me lembrar? O que estou fazendo aqui é só uma das perguntas, não? Tem tantas outras! Eu não sei nem quem eu sou mais!

— Você ainda é a mesma Ella.

— Não tenho mais dezoito anos... — lamentei.

— Algumas pessoas achariam isso bom. — Ele sorriu.

— Eu quero falar com a minha família. Não importa que esteja em Nova York. Eu sofri um acidente! Eles têm que estar aqui!

— Eles virão, assim que possível.

— Eu falarei com eles por telefone então. Eles devem querer saber como eu estou.

— Eu já falei com eles.

— Você conhece minha família?

— Sim.

Mordi os lábios com nervosismo. Estava na hora de fazer a pergunta. Aquela que eu temia.

— Luke... quem é você? — indaguei num fio de voz.

— Meu nome é Luke St. James.

St. James? Ele disse St. James?

— Eu estava indo fazer uma entrevista para a St. James Corporation... — Eu o encarei, arregalando os olhos. — Você é um St. James da St. James Corporation?

— Sim, Ella.

— Então... Oh meu Deus, eu consegui o emprego?

Ele sorriu, parecendo divertido.

— Sim.

— Então foi lá que nos conhecemos... — murmurei tentando forçar a minha mente a lembrar, mas não havia nada.

Eu não me lembrava de ter conseguido o emprego. E muito menos de ter conhecido aquele homem. Mas antes que pudesse continuar com minhas perguntas a enfermeira entrou no quarto e disse que precisava tirar minha pressão. Eu concordei de má vontade.

— Onde estão minhas coisas?

Ela sorriu para Luke. Era impressão minha ou ela parecia... deslumbrada? Revirei os olhos, irritada, sem nem saber por que.

— Eu trouxe suas coisas, Ella, não se preocupe — ele respondeu.

Certo. Luke St. James tinha acesso as minhas coisas. Era perturbador, para dizer o mínimo.

— Quando irei embora daqui?

— O médico disse que terá alta em poucos dias.

Respirei aliviada.

Sim. Teria alta e voltaria para Aberdeen.

— Está se sentindo melhor? — a enfermeira indagou solícita.

— Sim, bem melhor. Gostaria de vestir algo meu.

Ela sorriu complacente.

— Claro.

— E onde está o telefone que eu te pedi?

Ela trocou um olhar com Luke e franzi os olhos ao vê-lo sacudir a cabeça afirmativamente.

— Eu já vou buscar.

Ela saiu do quarto.

— O que foi isso?

— Isso o quê?

— Ela te pediu permissão?

— Claro que não.

A enfermeira voltou minutos depois e me deu o telefone.

Hesitei antes de ligar. Será que ainda era o mesmo número? Disquei ligeiramente trêmula.

Ninguém atendeu. Tentei não me desesperar, quando liguei o número do celular da minha mãe. Era mesmo muito estranho que eu me lembrasse de coisas tão triviais e outras simplesmente estavam se escondendo dentro de mim.

Senti grande parte da tensão indo embora quando ouvi a voz conhecida do outro lado do telefone.

Chloe.

— Mãe!

Ella! Você está bem, querida?

— Claro que não! Como é que eu sofro um acidente e vocês nem estão aqui?

Estávamos tentando! Mas estamos em meio a um caos aqui, com o tornado e tudo o mais. E Luke nos tranquilizou hoje quando disse que já acordou...

— Tornado? Em Aberdeen?

Minha mãe hesitou do outro lado da linha.

Querida, não estamos em Aberdeen.

— Onde estão?

Em Moçambique.

— Na África? Meu Deus, o que diabos estão fazendo aí?

Oh Deus, claro que você não sabe! Luke nos contou que está com a mente confusa. Ella, eu e seu pai nos mudamos há alguns anos para a África, para trabalhar com o médicos sem fronteiras.

Fiquei sem fala por um momento.

Meus pais eram médicos e até onde eu sabia, trabalhavam no hospital de Aberdeen. Meus pais sempre tiveram o sonho de se juntar aos médicos sem fronteira, mas com meu nascimento, eles adiaram este sonho. Sempre achei que eles tinham desistido, mas aparentemente estava enganada.

Estamos tão aliviados que tenha acordado! Está muito difícil conseguir sair daqui, no momento! Mas iremos voltar assim que possível. Como está se sentindo?

— Péssima — murmurei com vontade de chorar. — Não consigo me lembrar dos últimos anos, mãe... Nem sequer me recordo que foram para a África.

Não fique assim. Isso é passageiro. Vai se lembrar de tudo, tenho certeza.

— Mãe, é sério este negócio de sete anos? — Eu ainda tinha a impressão que tudo fosse uma grande brincadeira, ou algo assim.

Eu sinto muito, Ella. Você sabe que é. E eu também acho que sua mente só está confusa. Daqui a poucos dias tudo passa.

— É tão horrível, mãe...

O importante é que está fora de perigo. Nós iremos em poucos dias ver você.

— Mas eu preciso saber tanta coisa! O que eu estou fazendo aqui para começo de conversa!

Por que não pergunta ao Luke? Tenho certeza que ele responderá todas as suas questões, até que a sua amnésia passe.

Meu olhar cruzou com o dele, tensos.

— Porque eu não o conheço — sussurrei querendo que ele não ouvisse meus temores. Mas é claro que ele tinha ouvido.

Desviei o olhar. Minha mãe deu um suspiro cansado.

Ella, confie nele, ok? Tudo vai ficar bem.

— Eu o conheço mesmo há sete anos?

Conhece sim.

Queria perguntar mais, mas não na frente dele. Quando fosse embora, eu podia ligar para minha mãe de novo.

— Tudo bem. Eu esperarei. O médico disse que terei alta em poucos dias.

Isso e ótimo. Agora preciso desligar. Deve descansar.

— E, mãe...

Sim?

Lá vinha a questão mais difícil.

— E o Toby? Eu... nós ainda?...

Não, Ella. Você pode não se lembrar agora, mas já se passaram sete anos e muita coisa mudou.

Fechei os olhos com força. Sabia que Luke me fitava, mas não queria ver o olhar dele.

— Desde quando? — questionei, mas já sabia a resposta, antes mesmo de minha mãe responder.

Sete anos.

Toby não era mais meu namorado. Fazia sete anos. Era estranho pensar que ele não estava mais na minha vida.

— Tudo bem — murmurei, mas nada estava bem.

Amo você, querida, tudo vai se resolver.

Eu desliguei. Não iria discutir mais. Não na frente "dele".

Minha mãe dissera para confiar. Mas era difícil confiar sem saber de nada. Não, nada ia ficar bem. Eu queria voltar no tempo. Só isso. Queria esconder o rosto entre as mãos e chorar.

Mas engoli o nó na garganta.

— Se sente melhor agora? — Luke indagou. Havia suavidade em sua voz.

Eu o fitei incisivamente.

— Eu quero que me diga, agora, sem rodeios. O que você é para mim? Por acaso eu e você... nós... nós temos algum tipo de... relacionamento?

— Sim, nós temos.

Então meus temores eram verdadeiros. Este cara que eu nunca tinha visto na vida, não só me conhecia há anos, não só fazia parte da minha vida há anos. Nós tínhamos um relacionamento.

— É... esquisito. Eu não... não me lembro de você. Como pode? — sussurrei. — Se nós somos... de alguma maneira... íntimos... por que eu não me lembro?

— Acha que eu também não gostaria de saber? Acha que e fácil para mim? Ficar aqui olhando você me tratar como um estranho?

De novo aquela dor. Era quase insuportável.

— Sinto muito — eu me vi dizendo. E realmente sentia. De repente eu queria saber tudo. Tudo o que tinha perdido. Cada detalhe daquela história. Da nossa história. — Você vai me dizer? Vai me contar o que aconteceu nesses sete anos?

— Não.

— Por que não? Não é justo! Eu posso nunca me lembrar!

— Eu sei. Mas tenho que acreditar que você vai lembrar.

— Então é assim? Vai me deixar no escuro até que eu me lembre? Se é que eu vou me lembrar um dia?

— Não. Eu a ajudarei a lembrar.

Eu me recostei nos travesseiros, de repente me sentindo muito cansada para entender aquela lógica.

— Você precisa descansar.

Sim, eu já sentia minhas pálpebras se fechando.

— Você vai embora?

— Eu não vou a lugar algum.

E me senti bem com aquilo. Eu não queria que Luke se fosse. Não ainda. Não quando eu não sabia quem ele era para mim.

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