Capítulo 2

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Quando acordei de novo, me recusei a abrir os olhos. Minha mente registrando os últimos acontecimentos insólitos. E, por um momento, achei que tivesse sonhado. Que estava no meu quarto, na minha casa e a qualquer momento meu pai entraria dizendo que eu estava atrasada para a aula, ou que havia alguma ligação do Toby a minha espera.

Mas mesmo antes de abrir os olhos, eu sabia, bem lá no fundo, que não adiantava me enganar.

Aquela realidade não fazia mais parte da minha vida.

Há sete anos.

Casa, família, Toby.

Senti um aperto no peito. Tudo ficou perdido nos sete anos que minha mente apagou misteriosamente. E no lugar havia apenas um estranho de cabelo escuro, olhos verdes intensos e beleza deslumbrante. Que dizia me conhecer todo esse tempo. E sabe Deus de que tipo de conhecimento estava falando!

Antes que eu conseguisse achar uma saída na minha mente obscura para aquela confusão, a porta se abriu e o mesmo médico que havia conversado comigo ontem entrou.

— Olá, Ella, como se sente?

— Perdida.

Ele sorriu complacente.

— Eu entendo. Mas estou aqui para tentar ajudá-la.

— Estou mesmo com... amnésia?

— A partir do momento que não se lembra de nada que aconteceu durante sete anos da sua vida, sim, está.

— E isto é... permanente?

— Não temos como saber. Você pode lembrar as coisas aos poucos, ou tudo de uma vez, ou lembrar apenas algumas coisas. Ou até mesmo...

— Nunca lembrar — murmurei.

— Sim, é possível. A mente humana ainda é um total mistério. Mas a boa notícia é que não há nenhuma sequela física. Está com algumas escoriações e vai se sentir dolorida por mais alguns dias. Estará nova em folha em pouco tempo.

— E sem lembrar de nada.

— Ainda lembra quem é... Algumas pessoas nem isso.

Então devia me sentir grata por ainda saber meu nome e lembrar dezoito anos da minha vida?

Suspirei, desalentada.

Deus, eu não tinha mais dezoito anos! Aquilo era muito, muito estranho. Quantas coisas mais eu perdi? O que tinha acontecido na minha vida durante aqueles sete anos? Por mais que tentasse havia apenas um buraco negro na minha mente. E nada mais.

No entanto, eu podia perguntar, não podia? Alguém iria me contar. A imagem do estranho me veio à mente. Seria ele a única pessoa que poderia me dar as respostas?

Antes que eu seguisse minha linha de raciocínio, uma enfermeira entrou no quarto.

— Olá, já se sente bem? Acho que gostaria de tomar um banho?

Eu sorri agradecida. Banho. Coisas normais. Acho que ia fazer me sentir melhor. A enfermeira me ajudou a ir até o banheiro e percebi o quanto estava debilitada. Eu mal consegui me apoiar nas minhas pernas.

Enquanto ela me ajudava a ficar de pé e tirar a horrível camisola do hospital, mirei minha imagem no pequeno espelho na parede e o reflexo de algo azul no meu braço chamou minha atenção.

— O que é isso? — Abaixei o olhar para meu ombro e perdi o fôlego ao ver uma borboleta azul pousada sobre minha pele.

Uma tatuagem.

Que eu sequer me recordava de ter feito.

— O que foi, algum problema? — a mulher perguntou solícita e engoli a súbita vontade de chorar.

O que escolhemos esquecer - degustaçãoWhere stories live. Discover now