O tipo certo de amor (DEGUSTA...

By SophiaMuller

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Mia sempre sonhou em encontrar seu príncipe encantado. Abandonada quando criança pelos pais a uma tia abusiva... More

Prólogo
Capítulo 01
Capitulo 02
Capitulo 04
Capitulo 05

Capítulo 03

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By SophiaMuller

Música do capítulo: You and I - One Direction

* * *

Meses depois

Andre



Estava perdido em pensamentos. O cursor piscava na tela do computador. O prazo era para aquele dia, mas nada o fazia se concentrar. Há quase um mês que Mia apareceu no seu apartamento, com uma expressão apavorada que o assustou como um inferno, pedindo para ficar com ele por alguns dias até encontrar um novo lugar para morar.

Ele ficou tão empolgado por ter sua amiga morando com ele. Sentia falta dela. Há anos ela desapareceu sem ao menos dizer o motivo e ele nunca entendeu. Sabe que aconteceu alguma coisa. Eles sempre foram muito ligados e não seria algo bobo que os afastaria.

Mas ela aparecendo no apartamento, sem ao menos avisar, foi, no mínimo, surpreendente. E a curiosidade estava corroendo seus pensamentos. Até agora ele não sabe o que aconteceu com ela.

Mia está fechada como uma concha.

Não tinha se incomodado tanto. Talvez fosse pelo olhar dela, quando entrou na cozinha pela manhã, para tomar seu café: era perdido, sem vida, como se estivesse em qualquer outro lugar, menos ali. Ele queria perguntar para ela o que havia acontecido, mas além de estar atrasado, estava com medo do que poderia ouvir.

Um tremendo de um covarde, isso sim.

Tentaria chegar mais cedo do escritório e a esperar em casa. Por sorte, a última aula do curso. Há alguns meses, decidiu mudar sua vida que até então, se baseava em trabalho, festas regadas a muita bebida alcoolica e mulheres. Principalmente mulheres. Precisou ele ter uma parada cardíaca para tudo mudar. Mas dizer que o 'quase morte' faz mudanças na vida das pessoas, não é mesmo? Foi num domingo, vendo Lucas e Clara apaixonados pela filha, Cecília, para que ele tomasse uma decisão: adoção.

Claro que ele poderia tomar outro rumo, encontrar uma doida, se casar com ela e ter seus filhos de sangue, mas nada o impede de que isso aconteça. A questão não era apenas ter uma família: era fazer diferença na vida de uma pessoa que viveu ou vive a mesma coisa que ele passou.

E Deus sabe o quanto foi ruim crescer sem uma família.

Não fez muito alarde sobre isso, nem sequer para o seu amigo Lucas. Era uma coisa sua, apenas sua. Procurou a vara da infância e juventude num dos dias que precisou ir ao fórum para uma audiência, protocolou a petição com pedido de habilitação para inscrição para adoção e aguardou a intimação para que pudesse iniciar o curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção, que havia acabado no dia anterior.

Algumas vezes ele olhava para aqueles homens e mulheres na sala com ele, com histórias diversas sobre o motivo para adoção ou não e se perguntava se houveram pessoas assim enquanto ele estava no abrigo. Ou será que ele não se encaixava no perfil por vir de uma família de viciados? Pelo que se lembra, a responsável pelo abrigo um dia lhe contou sobre isso, mas Andre nunca quis se aprofundar.

Apesar de todo o sofrimento de ser uma criança órfã, ele teve a dona Marta como seu anjo da guarda e hoje, conseguiu conquistar coisas que muitas pessoas não conseguiam. Independentemente de serem órfãos ou não.

Ele esfregou o rosto e pensou em Mia. Há alguns dias ela começou a trabalhar numa escola perto de casa. Por causa disso, só a encontrava algumas vezes quando acorda ou vai dormir. Talvez com a desculpa de uma comemoração, sair para jantar, ou ir a algum barzinho. Um ambiente neutro para ela se sentir à vontade. Assim, teria uma desculpa para que ele pudesse entender o que estava acontecendo com ela.

O duro era se esquivar da Julie.

Amava sua amiga. Ela sempre foi e sempre será mais importante que qualquer pessoa que tiver em sua vida. Ela foi a primeira pessoa que conheceu e que podia dizer que seria sua família. Não seria agora que as coisas mudariam, apenas porque ele estava namorando.

Mas desde que Mia veio morar com ele, tem tido sérios problemas com sua namorada, Julie, que antes era tranquila e independente. Foi ela colocar os olhos em Mia que se tornou uma mulher extremamente controladora, ciumenta e que briga por qualquer motivo.

Uma mulher cansativa.

Encostou sua cabeça na cadeira que estava e fechou os olhos. Como explicar para Julie que ele precisou jantar com a Mia sem que ela esteja presente?

Se Julie tivesse feito o mínimo para conhecer Mia, para serem amigas, ele não teria esse problema nas mãos agora. Mas depois da segunda vez que elas se encontraram e que Julie não se cansou de jogar indiretas para Mia, a deixando visivelmente desconfortável, ele tem evitado ao máximo que Julie não esteja muito próxima de Mia.

— Dormindo em pleno expediente?

— Tentando exorcizar os problemas.

— E como se faz isso? — Ouviu Lucas sentar na cadeira a sua frente, mesmo assim manteve seus olhos fechados.

— Imaginando que eles não existem e que o mundo é melhor. — Lucas deu uma gargalhada tão alta que foi impossível ignorar seu amigo.

— Cara, para de ser insensível! Eu estou com problemas de verdade.

— E o que seriam seus problemas de verdade? — André esfregou seu pescoço tentando evitar a tensão que estava acumulando ali.

— Nunca pensei que diria isso, mas estou tendo problema com as mulheres. — Isso bastou para seu amigo rir ainda mais.

Bufando, André levantou de sua cadeira e foi até a cafeteira que fazia questão de ter em sua sala. Era um viciado em café e dava muito trabalho ir para a cozinha do escritório a cada meia-hora apenas para buscar uma nova xícara.

— Isso ainda vai te matar.

— Não cara, a Julie me mata antes, sem dúvidas.

Lucas fez uma careta com o nome da melhor amiga de sua esposa, Clara. Seu amigo não gostava nada da ideia de André estar namorando-a, mas acabou aceitando.

— O que aconteceu?

— Mia aconteceu.

— Jesus... Ninguém merece uma bagunça dessa! Mulher quando invoca com a outra, nunca é bom sinal.

— Você acha que eu não sei?

— Já tentou conversar com Julie? Ou com a Mia?

— Conversar com a Mia? A mulher não abre a boca para reclamar nada! Nem resmungar quando Julie aparece em casa. Basta ela chegar, que Mia se tranca no quarto para nos dar privacidade. Tanto que eu chego a esquecer que ela está em casa. Agora quanto a Julie... minha nossa! Basta à mulher olhar para Mia que começa a bufar. Isso quando não para de jogar indiretas na Mia ou para mim. Estou enlouquecendo cara.

— Como eu disse, tentou conversar com ela?

— Claro que sim! Expliquei toda minha história com a Mia, mas foi como entrar por um ouvido e sair pelo outro. Parece que não guardou informação nenhuma e se guardou, foi apenas para beneficiar a ela. Tenho certeza disso.

— E você já pensou na possibilidade de pedir para Mia arrumar outro lugar para morar? — André ficou olhando para Lucas como se tivesse crescido chifres nele. Odiou que ele cogitasse essa possibilidade.

— Isso não vai acontecer. Antes disso eu termino com Julie.

— Você está zuando que vai fazer essa merda! — Lucas levantou e foi até a janela, olhando para ela e cruzando os braços. — Isso vai acabar mal e vai sobrar pra mim — a expressão de Lucas ficou sombria antes de ele caminhar para a porta. — Faça qualquer coisa que tenha que fazer, só não ferre para o meu lado. — E com isso ele saiu, batendo a porta.

André voltou a olhar para a tela do computador e logo depois virou sua cadeira para vista da janela.

Depois que foi envenenado por um de seus clientes, o Humberto —, um político influente que não aceitava a possibilidade de perder seu poder —, e ficou entre a vida e a morte, André começou a pensar sobre sua vida. Tentou voltar ao ritmo normal, aonde haveria muita festa e mulheres, mas nunca foi a mesma coisa.

Ele estava cansado.

As mulheres, sempre fúteis e sem assunto algum além de roupas e compras. Os amigos queriam saber de quantidade e apostavam sobre quem pegava a mulher considerada mais gostosa da noite. Depois da sua experiência quase morte, tudo isso se transformou em algo fútil. Não suportava mais nada daquilo e queria algo diferente, queria uma família. Queria o que seu amigo Lucas conquistou.

Talvez seja por este motivo que acabou se envolvendo com Julie. Ela sempre estava nos jantares que Clara e Lucas organizavam, era divertida, inteligente e linda. Gostava de sua companhia e era ótima na cama. Mas desde que Mia chegou, André estava repensando muito seu relacionamento e o quanto realmente valia a pena continuar com ele.

Ficar com Julie era agradável, confortável. Gostava dela, mas não a amava. Acreditava que com o tempo o amor viria, mas aquilo ainda não havia ocorrido. Provavelmente fosse o motivo que ela mudou drasticamente de atitude quando Mia chegou.

Porque ele amava Mia. E não fazia questão de esconder isso de ninguém, muito menos de Julie.

Sabia que Mia não estava confortável com toda aquela situação. A expressão triste que ela tinha toda vez em que Julie aparecia era suficiente para incomodar muito André.

Respirou profundamente e tomou um gole de seu café.

Precisava terminar o quanto antes seu prazo para poder conversar com Mia. A situação estava insustentável e ele não passaria mais um dia nessa agonia sem saber o que estava acontecendo.

Depois dava um jeito de se acertar com Julie.

Ligou para sua secretária, pedindo que reter todas as ligações e evitar que qualquer pessoa entrasse em sua sala. Colocou Madness, da banda Muse para tocar alto e se concentrou em seu trabalho. Nada como uma música boa para concentrar no que deveria ser feito.

Algumas horas depois, chegou em casa exausto e morto de fome. Quando abriu a porta de casa e encontrou Mia sentada no sofá com seu pijama de bichinhos e vendo televisão, reprimiu um sorriso.

— Ah! Oi Dé... chegou cedo hoje. — Ela virou a cabeça para vê-lo chegar. Não passou despercebido por ele que ela procurou com os olhos se ele estava acompanhado.

— Tudo bem?

— Uhum. — Aquele momento que ela se fecha, toda vez. Voltou a prestar atenção na televisão, o ignorando completamente.

— Estava pensando em sair para jantar ou um barzinho, o que você acha? — Ela voltou a me olhar, talvez tentando entender aonde ele queria chegar com isso.

— Estou tão cansada Dé, que tal nós pedirmos alguma coisa para comer aqui?

— Pizza, pode ser?

— Por mim está perfeito.

André fez o pedido da pizza e foi tomar um banho rápido. Queria outro lugar para conversar, mas talvez, ficar em casa seria uma melhor opção. Sabe-se lá Deus que bomba que Mia pode jogar nele.

Quando voltou, Mia estava no mesmo lugar e ele foi até a adega pegar uma garrafa de vinho e taças. Logo que sentou ao lado dela, a serviu. Precisava fazer com que ela relaxasse e se deixasse a opção de ela não beber, isso poderia complicar as coisas.

Não demorou muito para a pizza chegar.

Enquanto comiam e bebiam, conversaram sobre a escola que Mia estava dando aula. Ela falava com tanta paixão sobre as crianças com que estava trabalhando que ele ficou encantado. Fazia tempo que não encontrava alguém com brilho nos olhos por causa de seu trabalho. Mesmo assim, aquele resquício de seu olhar triste pela manhã, conseguia permanecer.

Pouco depois de terminarem a pizza e abrir a segunda garrafa de vinho, viu o quanto Mia estava relaxada, suas bochechas estavam rosadas, parecia feliz. Se sentia horrível por fazer aquilo, mas precisava conversar com ela sobre o que estava acontecendo.

— Sabe que tem uma coisa que está me incomodando muito.

— O que é? — André viu que a expressão dela mudou na mesma hora. Uma sensação ruim tomou conta dele.

Mia sempre foi um anjo de pessoa. Desde criança. Ele sabia que devia protege-la da maldade do mundo, mas quando ela foi adotada, pensou que poderia estar segura. Acabaram mantendo contanto, mas não suficiente para que ele pudesse cuidar bem dela.

E agora, pelo olhar que havia em seu rosto, sabia que havia falhado.

— Estou preocupado com você Mia, não tem como começar essa conversa sem perguntar o que diabos está acontecendo?

Ela passou a olhar para o tapete da sala. André pensou que ela começaria a falar, mas logo viu lágrimas caindo de seus olhos.

Deus, não.

Chorar não.

Ele não podia ver mulher chorando. Pegou a mão dela e a puxou para seu colo, a abraçando, fazendo carinho enquanto ela chorava copiosamente. Não sabia o que fazer muito menos o que falar. Então continuou fazendo carinho, reconfortando, enquanto a segurava até que as lágrimas cessassem.

— Desculpe — disse ela depois de um tempo em silêncio.

— Não tem o que desculpar. Quer um pouco de água? — Ela acenou concordando e desceu de seu colo, voltando a sentar no sofá, enquanto ele levantava para pegar um copo de água para ela.

Ele entregou o copo para ela, que bebeu quase toda água do copo antes mesmo que ele voltasse a se sentar.

— Mais calma?

— Sim. Me desculpe.

— Já falei que não tem o que se desculpar. Consegue conversar agora?

— Estou com tanta vergonha Dé.

— Sou eu, lembra? Não tem que ter vergonha de me contar o que aconteceu.

Ela o olhou por segundos, que pareceram horas.

— O Eduardo, meu namorado, começou a me agredir no dia do meu aniversário, porque eu saí com a Camila. E depois voltou a me agredir, quando ele percebeu que eu iria abandoná-lo. Eu pensei que não iria sobreviver desta última vez.

— Filho de uma puta.

— Ele jogou todas minhas coisas no lixo. Se não fosse por um dos homens que faziam minha segurança, pegá-las e entregar para Camila, eu não teria nada.

— Mas isso foi há muito tempo...

— Sim. Eu tenho poucas marcas ainda —, ela levantou sua blusa do pijama para mostrar sua barriga, que ainda haviam marcas. André sentiu uma fúria inexplicável naquele momento. Nenhum homem tem direito a agredir uma mulher. Nenhuma pessoa, para falar a verdade, mas uma mulher. Isso de maneira alguma.

Ela abaixou a blusa envergonhada e continuou.

— Depois disso, eu e a Camila viajamos para o litoral. Os pais dela têm casa lá e acharam que seria uma boa opção para que eu pudesse me curar. E foi perfeito, mas logo que voltamos para a cidade, ele foi atrás de mim. E como não me encontrou na casa da Camila, ele agrediu ela. Ela ficou pior que eu Dé. Entrei em desespero quando cheguei em casa e a encontrei caída no chão, toda ensanguentada e com dificuldades para respirar. Eu chamei a ambulância e seus pais, mas não foi suficiente. Minha amiga, meu anjo da guarda não aguentou. Depois de tudo que ela fez por mim, eu a matei.

Ela voltou a chorar, fazendo com que André a puxasse novamente para seu colo. Ficou pensando sobre o que ela havia contado e não conseguia acreditar. Mia poderia ter morrido nas mãos daquele idiota e ele nem saberia o que aconteceu.

— Tenta se acalmar meu anjo. Nada de mal vai acontecer com você agora, você está me ouvindo?

— Eu a matei Dé. Se tivesse fugido disso tudo sozinha, nada de mal teria acontecido com ela.

— Você não a matou Mia, tem que entender isso. Aquele idiota que o fez. E ele faria isso, independentemente de qualquer coisa, porque a maldade está nele. Você tem que pensar que foi abençoada por estar viva.

— Eu preferia ter ido no lugar dela. — Isso fez com que ele a segurasse ainda mais forte. Não conseguia pensar na possibilidade de perder Mia. Só de ela pensar isso fez com que ele tremesse de raiva.

— Nunca mais pense numa besteira dessas, está me ouvindo Mia? — Ela não respondeu e ele a afastou de seu peito, para que pudesse olhar em seus olhos. — Está me entendendo?

— Sim. — Satisfeito, ele voltou a apertá-la em seus braços. Ela continuou chorando por um tempo, até que adormeceu.

Depois de ter certeza que ela não acordaria, a carregou para seu quarto, deixando ela descansar, enquanto cuidava de algumas coisas.

Ligou para farmácia, pedindo remédios para dor de cabeça e um calmante e sentou no sofá da sala. Enquanto esperava, terminou com o vinho esquecido, enquanto remoía a raiva que sentia naquele momento. Sentia tanta raiva do cara quanto dele, que deixou Mia cuidar da própria vida, sem ele saber o inferno que ela estava passando.

Pelo menos ela recorreu a ele.

Ainda precisava saber o que aconteceu com o tal Eduardo e se ela conversou com a polícia. Quais os procedimentos que foram tomados até o momento, se o inquérito já se tornou processo e como ele está encaminhando. Sua cabeça fervilhava de possibilidades.

Depois de organizar tudo e preparar os remédios para caso ela acordasse durante a noite, ele deitou ao lado dela, trazendo seu corpo junto ao seu, que se encaixou perfeitamente. Ele passou a noite toda em claro, velando o sono dela, que dormiu calmamente. André se sentia culpado por não ter a protegido corretamente.

Era pouco mais de oito horas da manhã quando seu celular começou a vibrar e ele saiu da cama rapidamente, para que não acordasse Mia. Era sábado e deixaria que ela descansasse tanto quanto pudesse.

Quando viu que era Julie ligando para ele, deixou que a ligação caísse na caixa postal antes de desligar o celular. E logo depois desligou o telefone de casa.

Conhecia Julie o suficiente para saber que ela insistiria algumas vezes no celular antes de ligar para sua casa. E depois disso, iria encher o saco de Clara, para que Lucas ligasse para ele e ela saber se André estava ou não a ignorando.

Lucas ia esfolá-lo vivo.

Preparou o café da manhã e para passar o tempo, ligou o notebook e começou a trabalhar em alguns prazos. Assim passou boa parte de sua manhã, até que sentiu a presença de Mia na sala. Olhou para cima, para encontrá-la com o cabelo todo bagunçado, o rosto dizendo que ainda estava com sono e seu bendito pijama de bichinhos.

E ela nunca esteve tão perfeita.

Pela primeira vez, André reparou em Mia como mulher, e não como sua amiguinha do tempo do abrigo. E uma linda mulher. Mesmo com todos os problemas que estava e o rosto limpo, sem maquiagem e ainda com marcas de cansaço, ela estava perfeita. Tão perfeita que André quase deixou cair o notebook de seu colo.

Tentou disfarçar a perturbação que sentiu enquanto ela caminhou em sua direção e sentou ao seu lado, colocando a cabeça em seu ombro. André sentia que havia corrido uma maratona de tão rápido que seu coração batia naquele momento.

Controle-se.

— Está melhor?

— Sim, obrigada. Fazia muito tempo que eu não conseguia dormir tão bem.

— Ótimo. Quer tomar seu café da manhã agora?

— Sim, obrigada.

Ele levantou e foi preparar um pão na chapa com peito de peru e queijo, que ela tanto gostava. Também fez um para ele e logo estavam tomando café e conversando tranquilamente, como se o pesadelo de ontem nunca tivesse existido.

Também sentiu que Mia estava mais leve, como se não carregasse o peso do mundo em suas costas. E, apesar de toda raiva que ainda sentia por não ter cuidado dela direito, pela primeira vez em muito tempo, se sentia feliz e em paz, com ela ali ao seu lado.

O maior problema disso tudo é que ele não sabia como explicar o quanto se sentiu bem por dormir com Mia em seus braços. Não era sexo. Mas nunca se sentiu tão bem em toda sua vida. O problema seria convencê-la a dormir com ele todos os dias.

Mia insistiu em arrumar a cozinha, já que ele tinha cuidado do café. Aproveitou a deixa para enfrentar o resto do mundo. Sem dúvidas, Julie já teria enchido a paciência da Clara e Lucas estaria a ponto de vir para meu apartamento, só para me obrigar a falar com a ela e deixa-lo em paz.

Foi para o quarto e ligou o celular, esperando enquanto pipocava de mensagens de texto e da caixa postal. Queria tanto ter errado em pensar mal de Julie, mas a cada mensagem que apitava mais se frustrava.

Bastou ver uma ligação de seu amigo para que retornasse. Começaria a apagar o fogo com quem não tinha nada relacionado ao assunto.

— Que porra que você está fazendo, para sua namorada não parar de nos incomodar desde ontem à noite?

— Cara, foi mal.

— Mal? Foi péssimo! Eu avisei que não queria que essa merda ferrasse para o meu lado! Não deu nem vinte quatro horas que eu dei o aviso e você já deu mancada comigo.

Depois de escutar alguns minutos a frustração de Lucas (que ele entendia perfeitamente), André pode contar o que aconteceu na noite anterior e, principalmente, o que ele sabia do caso da Mia. Enquanto ela estava dormindo, aproveitou para pesquisar sobre o inquérito e pode entender melhor o que aconteceu, sem incomodar ainda mais sua amiga.

— Merda!

— E eu não sei? Pensei que ela teria um colapso nervoso ontem cara. Eu entendo sua frustração, pois eu estou puto da vida com a Julie por fazer isso, mas a merda era muito séria.

— Entendi. Clara vai fazer um dos seus jantares hoje. Por que você não vem com a Mia?

— Não sei se é uma boa ideia — André passou a mão no seu rosto cansado.

— Claro que é. Você mesmo disse que ela estava fechada como uma concha. É bom para ela se relacionar com outras mulheres e com pessoas que ela sabe que pode confiar.

— Está certo. Vou falar com ela.

— Ótimo, espero vocês mais tarde.

André queria manter Mia em sua bolha particular. Somente os dois. Mas sabia que isso não aconteceria. E se passasse mais um dia sem ver Julie, a mulher poderia surtar e tudo que ele não precisava neste momento, era mais dor de cabeça.

— Você sumiu! — Disse ela logo que atendeu o celular.

— Bom dia para você também Julie. Eu tinha que resolver alguns problemas. Você está bem?

— Preocupada só, você desapareceu. Ninguém sabia de você, que não atendia nenhum telefone, como você pode fazer isso comigo?

— Notícia ruim é a primeira que chega, não é mesmo? — André tentou rir, mas estava cansado e ter que aguentar aquele drama por nada estava sendo demais.

— Sim.

— Então se tivesse acontecido alguma coisa, você saberia rapidamente.

— Nossa André, não precisa falar desse jeito. O que eu fiz para você me tratar dessa maneira, além de se preocupar com você? É a sua amiguinha, não é? Será que ela bateu o dedo na quina da porta e machucou? Isso que foi tão importante que você tinha que fazer para não dar atenção para sua namorada? Porque basta ela abrir a boca para você me tratar como um lixo, né?

— Julie, entenda uma coisa — disse depois de tomar uma respiração profunda e se acalmar —, não se atreva a falar de Mia assim novamente, ou as coisas não ficarão bem entre nós. Pode ter certeza que o problema dela é muito mais que bater o dedo em algum lugar, ou ficar carente por falta de atenção. Se você não sabe de nada, melhor ficar quieta. Sabe, eu gostaria muito que você tentasse, ao menos tentasse, se dar melhor com a Mia, porque ela é minha amiga e eu a conheço desde criança. Ela foi e sempre será importante para mim. Aprenda isso, ou as coisas entre nós não vão funcionar.

— Credo André...

— Não se faça de vítima Julie, que eu te conheço. Outra coisa que está me incomodando muito: não ligue para a casa do meu amigo para atormentar sua esposa para saber de mim. Se eu quisesse que você soubesse, eu teria te ligado. Eu odeio que nossos problemas passem para eles, como se fossemos dois adolescentes.

— Você não pode esquecer André, que a Clara é minha amiga. Eu só liguei para desabafar, pois estava preocupada com você.

— Me desculpe por não avisar, mas uma coisa que eu odeio é isso que você tem feito. Receber ligação do meu amigo para dizer que a minha namorada não os deixa em paz, realmente não é algo que me agrade.

— Você está fazendo tempestade num copo d'água.

— Não. Eu estou expondo uma atitude sua que está me incomodando.

— Duvido que você não conte as coisas para seu amigo.

— Pode ter certeza que não. As coisas não funcionam assim com os homens. Se eu tenho um problema, eu tento resolver. E assim com ele. Eu não preciso de opinião de ninguém, muito menos incomodar ele com algo que não tem nada a ver. É assim que as coisas funcionam.

Ela ficou um tempo em silêncio e ele pensou se estava sendo muito grosso. Precisava descansar. O sono estava o deixando irritado. Não queria ser tão firme assim com Julie, por mais que desgostasse de suas atitudes.

— Está certo, me desculpe por isso.

— Tudo bem, me desculpe por falar assim com você. Eu preciso descansar um pouco. Lucas nos convidou para um jantar na casa deles a noite, quer ir?

— Mas a Clara não me falou nada...

— Sim ou não?

— Claro! Você poderia passar aqui mais cedo né? Assim podemos matar saudades. Faz tanto tempo que não ficamos sozinhos.

— Não dá. Lucas convidou a Mia também.

— Ela vai? — Sentia irritação em sua voz, mas estava cansado de falar com ela. Se ela não o escutasse dessa vez, pensaria seriamente em acabar com aquilo tudo.

— Sim.

— Tudo bem. Mas será que você pode passar em casa antes de ir?

— Claro que sim.

— Então nos vemos mais tarde.

Ela sequer esperou ele responder antes de desligar o telefone. André esperava que ela pensasse em tudo que ele disse, pois estava receoso de levar Mia para casa de Lucas. Por mais que adorasse sua esposa, Clara, ela é amiga de Julie e o medo delas deixarem Mia desconfortável era grande.

Só esperava que aquela noite não fosse um verdadeiro desastre.

Depois de convencer Mia a sair para jantar com eles, André deitou para descansar um pouco. A noite foi agitada e precisava descansar, ou sua irritação só pioraria.

Estar com Julie funcionava bem até aquele momento, mas com a chegada de Mia e a mudança de atitude de sua namorada, fazia com que toda perspectiva mudasse. Não parecia tão certo continuar aquele namoro mais. Precisou estar perto de Mia para entender que Julie merecia muito mais do que ele estava lhe dando.

Quanto a Mia...

Não sabia muito bem o que fazer. Tinha certeza que não queria que ela saísse de seu apartamento. Gostava de chegar em casa e saber que ela estaria ali. Gostava de saber que ela precisava dele e, por mais que não quisesse admitir em voz alta, talvez ele também precisasse dela, tanto quanto ela nunca poderia imaginar.

Estava tão feliz em saber que ela o procurou quando teve necessidade. Ela poderia fugir para qualquer lugar, ainda mais não tendo problemas de dinheiro, pois seus pais adotivos tinham lhe deixado uma quantia razoável para que ela pudesse viver bem o resto de sua vida. Mas não, ela estava ali, na casa dele. Quando queria chorar, era para o colo dele que ela ia e isso trazia o homem das cavernas que existia nele.

Era bom pra cacete ter esse sentimento.

Foi pensando nisso que adormeceu com um sorriso bobo nos lábios.

Pouco antes de saírem de casa para buscarem Julie, André recebeu em seu e-mail a cópia do inquérito sobre o caso da Mia. Conseguiu ler rapidamente enquanto Mia se arrumava e sentiu o estômago embrulhar com as fotos anexadas da agressão anterior com a Mia e depois, de sua amiga.

Ainda não conseguia acreditar que sua amiga, tão calma, conseguiu vivenciar uma coisa daquelas. Aliás, mulher nenhuma devia passar por aquilo.

Quando Julie entrou no carro, tomou conta da conversa e ela logo ignorou Mia, que ficou em silêncio no banco traseiro do carro.

E André odiou isso.

Clara foi uma surpresa. Protegeu Mia como uma mãe-galinha, a tratando como se a conhecesse a vida toda e que fosse sua melhor amiga, não Julie. Que por sinal, estava visivelmente hostil quanto à presença de Mia ali e pela atenção que estava recebendo de sua amiga. Depois do jantar, vendo que as mulheres finalmente pareceram se entender, Lucas levou Andre até seu escritório para que pudessem conversar em particular.

— Depois que você me contou a história de sua amiga, eu resolvi pesquisar. — É claro que Lucas faria aquilo. O bendito extinto de advogado adorava procurar problemas para se meter.

— Então Sherlock, conte-me o que encontrou.

— Cara, pensa numa coisa grande? Por isso não foi muito difícil de encontrar. Bastou você falar a cidade que ela morava e o nome dos envolvidos e pronto, milhares de notícias sobre o caso.

— Eu estou sabendo. Hoje no final da tarde o delegado me enviou o inquérito para que eu pudesse olhar.

— E aí?

— Eu não tenho estômago para isso. A fúria assassina que eu sinto cada vez que eu li o nome do idiota, não me faz nada parcial. Tudo que eu quero é fazer o mesmo que ele fez com as meninas. Será que você me faria o favor de cuidar disso?

— Pode ter certeza que eu sinto a mesma coisa. Mas faço sim cara. Mande para mim o inquérito que você recebeu e converse com ela sobre isso.

— Sem problemas.

Eles voltaram para sala onde as mulheres estavam. Clara e Julie conversavam, sentadas no sofá, enquanto Mia estava sentada no tapete da sala, com a Cecília nos braços, brincado de serrador...

"Serra, serra, serrador

Serra o papo do vovô

Quantas serras já serrou?

Já serrou vinte e quatro...

Uma... duas... três... quatro!"

Quando terminava de cantar, ela levantava os braços e Cecília a imitava, fazendo com que ambas soltassem uma gargalhada gostosa. Andre paralisou ao ver a cena, sentindo um formigamento na pele. Até que Lucas o cutucou.

— Se eu fosse você, eu disfarçava melhor. — Resmungou e indicou com o queixo o olhar matador que Julie estava lhe lançando.

— Merda.

— Pode ter certeza.

Naquela noite, Julie não deixou Andre ficar sozinho em casa com Mia, depois de deixar sua amiga em casa, eles foram para casa de Julie. Não queria deixar Mia sozinha, mas ele não tinha muita opção no momento.

Não sabia explicar os sentimentos que estava desenvolvendo em torno de Mia. Sempre a viu como sua irmãzinha menor e agora, este pensamento sumiu completamente de sua cabeça.

Ele precisava decidir o que fazer.

E urgente.


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