Pablo me ajuda a carregar os livros que comprei para usar em sala e com eles nas mãos continua a falar.
— Não acredito que fez isso, você prometeu que eu iria com você. Tem alguma noção do perigo que correu? Poderia estar morta agora. A gente tem que ir à polícia denunciar o que ele fez.
— Não vou à polícia — respondo, ajeitando a sacola com mais um tanto de livros que estão nos meus braços.
— Você vai. Esse cara sabe onde você vive, o que te garante que ele não faça coisa pior da próxima vez. E pode tirar essa ideia idiota de achar aquele livro. Esquece! Se fizer alguma estupidez eu juro por Deus que vou chamar a sua mãe.
— Vamos parar naquele café — aviso, caminhando mais rápido para chegar à mesinha disposta na calçada.
— Está me escutando? — ele pergunta, colocando a sacola que carrega sobre a mesa.
Sento-me e ajeito os meus livros ao pé da mesa.
— Escute também. Eu não vou denunciá-lo à polícia, se eu fizer isso posso condená-lo à morte. Você não tem ideia do que Nolasco é capaz, mas eu sei.
— Você está pensando na segurança de um homem que não é nada seu em detrimento a sua. É isso? — questiona, estupefato.
Inclino a cabeça à medida que suspiro e fecho os olhos.
— Pablo, é claro que eu me preocupo com a minha segurança. Mas eu sei que ele não vai fazer nada contra mim, se quisesse já teria feito. Ele é um prisioneiro de Nolasco, como eu também poderia ter me transformado. Se não fosse por Egan, você não teria me conhecido. Eu não seria a Blanca de hoje, não teria estudado e crescido num meio totalmente diferente daquele que eu mesma um dia fui procurar. Você tem alguma noção disso?
Pablo franze os lábios e desvia o olhar de mim, antes de voltar a falar.
— Eu só acho que essa história está tomando um rumo preocupante. Você está colocando a mão num enxame, e o pior de tudo é que está fazendo isso consciente de que pode ser picada.
Ele se levanta para pedir nossas bebidas, enquanto aguardo sentada olhando para suas costas. Pablo não entende o que é viver sem perspectiva de como será o próximo dia. Mesmo que hoje nossas realidades sejam parecidas, ainda assim, ele veio de uma família com dinheiro, sempre estudou nos melhores colégios, viajou o mundo todo antes mesmo de completar vinte anos.
E se ele quiser largar essa vida de professor, pode fazer isso sem a preocupação de como será o dia seguinte. Como pode entender uma realidade tão diferente como a de Egan? Por mais que eu diga de onde vim, ainda serão só histórias que ouviu contar.
Ele volta com um chá gelado para mim e outro para si e senta-se contrariado.
— Não se preocupe tanto assim, eu juro que não estou procurando confusão. Desculpe por não ter esperado você para procurar por ele, mas a única coisa que fiz foi ficar sentada numa praça.
Pablo exibe um sorriso sarcástico.
— E mesmo assim ele te encontrou, sequestrou e drogou. Que coisa, não é? Um cara tão gente boa como ele.
Sorvo um grande gole do meu chá antes de responder.
— Você tem razão nisso. Não faço a menor ideia das coisas que ele faz com Nolasco. Mas depois de analisar tudo, sei que ele não queria me fazer mal, só queria saber quem eu era.
Pablo meneia a cabeça em negação.
— É muito difícil explicar para você como eu sei disso, Pablo. Mas eu sei reconhecer alguém que pratica o mal e alguém que está nessa por desespero.
— Desisto. Eu desisto de você — fala, balançando as mãos na altura do rosto. O sol atinge seus cabelos ruivos, fazendo-os faiscar como fogo.
— Eu vi um dos meus alunos pegando alguma coisa com um dos seguranças da comunidade do Esperanza. E eu não sei se ele começou nessa agora ou se já está há tempos. Mas eu sei que se ele ainda está na escola é porque não foi completamente corrompido.
— É diferente, Blanca. Como pode comparar seu aluno com um homem criado no crime? — indaga, descrente.
— Porque um dia Egan também teve a idade de Lorenzo.
— Meu Deus, eu sinceramente não sei o que fazer com você — fala, meneando mais uma vez a cabeça. — A voz da sua mãe está martelando dizendo Pablo, cuide bem dela eu confio em você, mas estou vendo a hora em que vou ter de ligar para ela dizendo que você foi morta por alguma gangue do tráfico de drogas. — Ele termina a frase beirando a exaltação.
— Isso não vai acontecer — respondo, enfática.
Terminamos nossas bebidas e decidimos pegar um táxi, porque o volume de livros começa a pesar para caminharmos até em casa. No carro, Pablo se mantém em silêncio, e conhecendo seu temperamento ficará assim por mais uns dois dias.
Minha mãe não deveria ter dito aquilo para ele antes de se mudar para o interior, porque se Pablo já agia como um irmão mais velho — mesmo que tenhamos a mesma idade —, depois das palavras dela ele se tornou o irmão mais velho superprotetor.
Chegamos em casa e ele me ajuda a colocar todos os livros sobre uma poltrona e diz:
— Você vai ter que pegar um táxi para a escola no dia em que for levá-los, é impossível andar de ônibus pela manhã com todo esse volume.
— Sim, vou fazer isso.... Quer ver um filme? Vou fazer pipoca doce. — Sei como ele ama pipoca com caramelo e essa é minha estratégia para adocicar as coisas.
— Tenho que preparar um plano de aula interdisciplinar e vou encontrar Luz mais tarde — diz, saindo da minha casa sem nem dar tchau.
Ofego, ciente de que tem suas razões para ficar preocupado, mas eu não posso fazer o que diz, não posso ir à polícia e colocá-lo em risco. Se existisse uma forma de denunciar Nolasco e livrar Egan dessa gaiola, com certeza eu seria a primeira a denunciá-lo.
Com passos lentos vou até meu quarto e abro a primeira gaveta da minha cômoda, vendo o bilhete que Egan me deixou saltar aos olhos, tomo-o nas mãos e leio suas palavras mais um par de vezes.
Tento controlar a raiva que sinto por ele ter roubado meu livro, pensando que se aquele livro abriu um novo mundo para mim, possa fazer o mesmo por ele. E tendo esse pensamento em mente, despeço-me mentalmente do meu amuleto. Nisso Pablo tem razão, seria muita estupidez eu ir atrás dele novamente.
***
Acabo de me arrumar e passo uma mensagem para Pablo dizendo que vou chamar um táxi, se ele quer dividir a corrida comigo, já que sua escola fica no caminho para minha.
Ele diz que já saiu de casa porque tem uma reunião pedagógica e precisa chegar à escola mais cedo. Torço os lábios, não sabendo se diz a verdade ou se está criando uma desculpa para não me encontrar. Desde o sábado ele não me manda nenhuma mensagem e nem passa aqui em casa. Hoje ele não escapa, vamos terminar com essa rincha.
Bebo uma xícara de café, além de comer algumas torradas quando ouço um buzinar em frente de casa. Saio apressada pegando minha bolsa da semana e as duas sacolas repletas de livros para levar ao carro, com dificuldade abro a porta e assim que o motorista nota que estou carregada de coisas, desce do seu carro para me ajudar.
Ele tira de mim as duas sacolas, deixando minhas mãos livres, assim que vou trancar minha porta vejo uma sacola e papel ao lado dela. Ergo-a e vejo um cartão do lado com meu nome escrito. Não preciso perguntar quem colocou-a ali, porque reconheço a caligrafia de Pablo. Levo-a comigo para o carro e me ajeito no banco traseiro, dizendo o endereço de onde preciso ir.
O motorista franze os lábios quando ouve de mim o endereço.
— É perigoso ir até lá, moça. Vou te deixar duas quadras antes desse endereço, é o máximo que vou entrar nesse bairro.
— Eu trabalho na escola de lá.
Ele dá de ombros e eu aceito sua condição, sabendo que vou ter de carregar esse peso por duas quadras.
— Tudo bem — respondo por final.
O motorista começa a dirigir e então me concentro em saber o que tem na sacola deixada por Pablo e assim que a abro, pisco várias vezes sem entender.
— O que é isso? — pergunto a mim, erguendo um dos itens.
— Moça?
— Nada, eu só pensei alto — digo, e ele volta sua atenção ao trânsito.
Começo a ler o rótulo do primeiro produto Aerossol Spray de Pimenta Piperina Advanced.
É o quê? Pablo enlouqueceu.
Guardo o produto de volta na sacola e então noto uma caixinha menor que diz Alarme de Defesa Pessoal Antiestupro. Abro a caixa e encontro um chaveiro mesmo, pequeno, preto e em formato oval, com um botão no centro e um pino com um cordãozinho cinza, se parece com uma minigranada.
Enquanto manuseio o produto, sem querer acabo por puxar o pino e um som agudo e estridente ressoa dentro do carro. O motorista do táxi se assusta e freia de súbito, fazendo meu corpo ser jogado para frente e em seguida para trás. Com as mãos tremendo consigo encaixar o pino de volta no seu lugar e o alarme silencia.
O motorista se vira para trás com os olhos esbugalhados pelo susto enquanto olha para as minhas mãos.
— Moça, não faz mais isso — diz, sério.
— Desculpe, eu não sabia que isso iria acontecer — falo, devolvendo tudo para a sacola.
Assim que o carro volta a seguir, tiro meu celular da bolsa e digito uma mensagem para Pablo perguntando o que são essas coisas. Ele responde dizendo que é o mínimo que pode fazer depois dos últimos acontecimentos, para eu deixar ambos os produtos na bolsa, mas carregar o chaveiro nas mãos sempre que estiver andando sozinha. Contesto dizendo que quase provoquei um ataque cardíaco no motorista do táxi com o barulho do chaveiro e ele devolve a mensagem com um hahaha!
Encerro as mensagens e guardo os dois produtos na minha bolsa. Em mais alguns minutos o motorista encosta dizendo que é o máximo que seguirá. Olho ao redor e vejo que ele me deixou exatamente duas quadras antes da escola, entrego-lhe o dinheiro da corrida e pego todas as minhas sacolas.
Começo a andar, carregando todo o peso e penso em como esse dia nem começou e já se tornou uma odisseia. Espero que pare por aqui, e nada mais aconteça hoje.
***
Oi, meus amores! Como estão?
Vocês nem imaginam o que está por vir... essa história está tirando meu juízo.
Beijos
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sem revisão