Imortais - O segredo dos deus...

By mariiafada

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PLÁGIO É CRIME - Todos os direitos reservados a Maria Augusta Andrade © Não autorizo qualquer reprodução ou u... More

PRÓLOGO
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Booktrailer especial 💙
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(30)
(31), parte I
(31), parte II
(31), parte III
(32)
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(34)
(35)
SOBRE PLÁGIO.
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(45)
(46)
(47) - Último Capítulo.
EPÍLOGO
• AVISO •

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By mariiafada

[Meu presentinho de ano-novo pra vocês! Feliz 2019, meus amores! Que esse ano nos traga ainda mais leituras e aventuras incríveis! ]

          

           A chuva começou a cair assim que os homens de Erik decidiram bater em retirada. A água parecia ter vindo em boa hora, lavando a grama verde do sangue que restara.

A luta finalmente acabara, e exército de Rollo estava estirado por todos os cantos, suturando feridas, recuperando o fôlego... Contando os mortos.

Observando do alto da outra colina, em seu traje vermelho sujo de lama, Myslein assistiu a tudo em um silêncio introspectivo, a mão descansando sobre o queixo.

Rollo e Liv tinham desaparecido na floresta há um tempo, e Erik foi carregado pelos seus homens não muito depois. Se tivessem sorte, dessa vez, ele sangraria até a morte.

O homem de cabelos escuros que parecia ser o braço direito de Erik foi quem deu o sinal para que batessem em retirada. Aquele embate, eles perderam.

Myslein tentara entender o que tinha se passado no campo de batalha, mas muito daquela narrativa estava além da sua compreensão. Primeiro, o esforço que Lívia Fitzgerald fizera para atrair a atenção de Rollo a fim de salvar o homem de cabelos escuros da morte certa.

E, depois, a coisa mais incompreensível que o árabe presenciara: Rollo.

Será que alguém acreditaria no que os soldados diriam que tinha se passado ali? Um homem sozinho aniquilara de vez uma legião de guerreiros armados, com um simples toque na terra? E que esse mesmo homem depois sobrevivera a uma flechada no coração? E que a única coisa capaz de desviá-lo do seu desejo por sangue fora a voz de uma mulher?

Myslein suspirou. Ele sabia que havia algo de estranho com Rollo no início daquela viagem, mas não esperava tal demonstração de poder. Poder que nenhum homem comum possuía. O viking era mais especial do que ele suspeitava.

Bem, tudo que envolvia a ele e a Lívia Fitzgerald era inexplicável pelas razões lógicas. Só o místico podia explicar o que acontecia entre eles. 

E, se antes a fama de Rollo já era tremenda, depois dessa batalha ele seria considerado imbatível, talvez amado como um dos próprios deuses que o povo viking venerava.

A fé do árabe era diferente, crescera aprendendo sobre o profeta, e a existência de somente um deus, não um panteão deles.

No entanto, não havia como rejeitar que tudo o que seus olhos presenciaram eram uma obra divina, seja lá em qual religião acreditasse.

Sendo um homens de negócios, ele já pensava como poderia transformar a fama de Rollo em algo lucrativo para Skiringuissal...

Algo deixando a floresta chamou a atenção de Myslein. Ele estreitou os olhos, tentando ver do que se tratava com mais clareza. Os homens no campo se agitaram, também notando a mesma coisa... O coração do árabe gelou quando reconheceu a figura de Rollo surgindo entre os arbustos, carregando a inglesa nos braços.

Lívia estava desacordada, pálida como a morte, e seu vestido ensopado de sangue da cintura para baixo. Ela estava... morta?


De repente, Rollo urrou. Um grito de frustração e dor tão fortes que reverberou pela colina inteira. Seus olhos eram fogo e dor dançando juntos, tão intensos que fizeram até mesmo Myslein se encolher.

Ele conhecia aquele viking há muito tempo, sabia da aversão que ele nutria pela Britânia e os saxões desde que fora torturado e obrigado a assistir a morte do próprio pai.

Rollo era um homem que já sofrera demasiado, e quando Myslein descobriu que uma inglesa havia capturado sua atenção... Bem, tinha achado no mínimo irônico.

O árabe nunca duvidou do que Rollo sentia por Lívia, porque para aquele homem conseguir vencer todos os traumas que carregava consigo e se apaixonar pelo sangue inimigo, precisava ser algo forte, arrebatador.

Por isso Myslein se encolheu. Ele acreditava no amor de Rollo, e acreditava mais ainda no seu luto.

Um trovão movimentou o céu de nuvens revoltas, e um raio brilhou intenso sobre o campo de batalha. A chuva começou a cair com mais força, impiedosa.

Para Myslein, se os deuses realmente existiam e permitissem que Lívia morresse, eles tinham um humor de péssimo gosto.

Com um suspiro cansado, ele segurou a barra do seu traje e começou a descer a colina. Se ainda havia alguma remota chance de que pudessem salvar a inglesa, eles precisavam tentar, e rápido.

🦋

         Eles acabaram montando acampamento a alguns quilômetros do rio, onde todos puderam se limpar do sangue e da lama, descansar e esquentar-se perto de uma fogueira, prestar homenagens aos mortos e saudá-los.

O exército de Erik deixara rastros indicando que fugira na direção de Oslo, então não deveriam ser um problema por enquanto.

Myslein se tornara o encarregado de cuidar de tudo que os guerreiros precisassem até que eles pudessem viajar novamente.

Ele estava ansioso para saber qual seria o próximo passo, o que fariam agora que Erik fugira, mas a única pessoa capaz de lhes dar as respostas estava desacordada há três dias, e Rollo permanecia ao seu lado insistindo que a mulher eventualmente acordaria.

O viking não saíra do seu lado desde o momento que a colocaram naquela cama de peles improvisada.

Ele não parecia o mesmo homem com quem Myslein viajara até ali — não que o árabe sentisse falta do viking estranho e intimidante no qual Rollo se tornara quando Liv fora raptada. Estava feliz de ver que Rollo retornara ao seu antigo estado, mesmo que ele ainda continuasse um pouquinho estranho e intimidante, especialmente quando Myslein sugeriu que Liv jamais acordaria e esperar por isso era uma perda de tempo ilógica.

Eu vou arrancar seus olhos e dar de comê-los aos porcos se não sair da minha frente, foi a única resposta simpática de Rollo à sua sugestão.

Não é como se Myslein não se importasse com a inglesa, ele até mesmo ajudou a limpar e enfaixar o ferimento da mulher, mas seu batimento continuava fraco e sua pele gelada, como se ela já estivesse morta.

Lívia sobreviver seria realmente um milagre, já que sofrera dois ataques na mesma região, cortes profundos que lhe roubaram muito sangue.

Bem, se ela decidisse dormir por um mês, Myslein não duvidava que Rollo permaneceria no mesmo lugar que estava agora, de cabeça baixa e olhos fechados, ouvindo a respiração dela e somente a isso, completamente concentrado nela e mais nada.

Toda àquela devoção de Rollo por uma única mulher o deixava um pouquinho enjoado. O árabe já se apaixonara antes, e esse sentimento tolo tinha lhe custado sua casa, seu país, sua vida. Não pretendia se deixar vencer por tais sentimentos nunca mais.

Mais dois dias se passaram e nada mudou. Os homens começaram a ficar impacientes, porém ninguém ousou importunar Rollo naquela tenda.

O clima no acampamento era de pura tensão, e a um certo ponto, parecia que todos estavam ansiosos para que Lívia acordasse, Rollo mais do qualquer outra pessoa.


Quando Myslein fora até ele para trocar o curativo de Liv, percebeu que a mulher continuava com aspecto doentio e cansado, mas a cor estava voltando lentamente as suas bochechas.

Sugeriu que Rollo comesse algo, argumentando que a moribunda ali era Lívia, não ele, mas o homem o mandou embora com um olhar severo.

Ele definitivamente não sabia apreciar o humor nos comentários do árabe. Uma pena.

Mais uma vez, Myslein observava a Rollo entre as fendas da cabana onde ele se encontrava, decidindo ou não se era uma boa ideia ir até lá e convencê-lo a comer alguma coisa.

De qualquer maneira, ele era o guerreiro mais forte e habilidoso que tinham, não podia se dar ao luxo de perder as suas forças também.

Rollo ergueu a cabeça, seu olhar encontrando o de Myslein. Ele se inclinou e arrumou uma mecha do cabelo escuro da inglesa, observando seu rosto adormecido, depois deu um longo suspiro e se levantou.

Myslein ficou surpreso ao vê-lo deixar a tenda e vir na sua direção. Era a primeira vez em dias que o fazia. Ele parecia completamente exausto e abalado.

— Eu preciso de água — Rollo murmurou, os ombros tensos. — Para mim... E para ela.

O árabe prontamente encheu um copo com água do balde que estava mais próximo e entregou a ele.

— Alguma melhora?

O homem coçou a barba.

— O corte continua aberto, mas aquela pasta que você fez está ajudando na cicatrização. Obrigada.

— É uma receita de família — Myslein explicou dando os ombros. — Não vai curá-la, mas ajuda.

Rollo assentiu e agarrou o copo, bebendo do seu conteúdo todo de vez. Ele continuava sem camisa, o torso definido à mostra, e apesar de ter limpado o sangue seco do corpo, as roupas estavam em farrapos.

— Por Deus, você precisa de um banho, está fedendo — O árabe franziu o nariz — Quer que a primeira coisa que a sua amada sinta ao acordar é esse cheiro? É provável que ela desmaie novamente e nunca mais acorde!

Rollo o encarou como se estivesse decidindo se o homem falava sério ou não. Sabia que Myslein tinha um gosto peculiar por humor desagradável, mas às vezes parecia fazer de propósito só para irritá-lo.

Decidiu ignorar o comentário e balançou a cabeça.

— Eu não sei quanto tempo vou suportar vê-la daquela maneira — O viking admitiu, deixando os ombros caírem. — Quanto tempo ela pode aguentar sem comer? Quanto tempo pode aguentar nessa situação? Já estava ferida antes, você mesmo viu.. Liv perdeu sangue demais em tão pouco tempo... Isso não pode ser bom.

— Você nunca me explicou como ela se machucou na floresta — Myslein cruzou as pernas, observando o viking automaticamente ficar tenso com a pergunta e seus olhos escurecerem.

Ele não queria saber realmente, mas a pergunta serviu para distrair Rollo da sua preocupação. Geralmente percebia quando Myslein o manipulava, mas estava tão atordoado que nem notou.

O homem engoliu em seco.

— Eu não quero falar sobre isso.

— Só estavam vocês dois lá, não é?

O peito dele subiu e desceu, captando a acusação sutil da voz do vendedor de escravos.

— Eu jamais a machucaria de propósito.

— Eu não disse isso... Só queria entender o que aconteceu.

— Bem, não tente. Você não acreditaria.

Myslein suspirou. Ele tinha razão, o árabe geralmente era racional demais para levar à sério qualquer coisa mística que pudesse explicar o que acontecera.

Se não atrapalhasse sua vida, ele preferia ignorar, assim como tinha ignorado tudo que acontecera até agora.

— Eu a amo — Rollo admitiu baixinho, deixando escapar para sua expressão um pouco da aflição que sentia. Torceu os punhos e andou em círculos. — Eu... Eu não posso evitar, eu não posso fugir, acredite em mim, eu tentei. Mas eu simplesmente a amo.

— Rollo.

— Se você for me sugerir que Liv nunca mais irá acordar, cale-se. Por que eu não vou a lugar nenhum sem ela.

— Eu não ia...

— Se for necessário esperar uma semana, um ano, mil anos...  Eu espero. Vocês e outros podem ir, se quiserem, mas eu preciso ficar, até ter certeza que ela está bem. Eu preciso ter a certeza que ela vai ficar bem e que não vou perdê-la novamente, Myslein. 

— Eu estou bem — Uma voz suave interrompeu a dele, e o homem congelou no lugar.

Myslein sorriu com malícia, olhando para alguém atrás de Rollo.

— Ah, você deveria ter aceitado a proposta do banho quando teve a chance, meu amigo.

Rollo virou-se, precisando de alguns segundos para acreditar que era mesmo Liv ali, em pé diante da tenda, apoiando seu peso mais em uma perna do que em outra por causa do ferimento. Seu rosto ainda parecia cansado e abatido, mas ela estava viva.

A mulher sorriu timidamente, mas os olhos brilhavam.

— Oi.

Rollo respirou fundo, ainda parado no mesmo lugar, e quando Lívia fez menção de ir até ele, o viking foi mais rápido e venceu a pouca distância que os cobria.

— Cuidado. Você não deveria... — Ele se perdeu nas palavras, passando a mão ao redor na cintura dela para lhe dar apoio. Parecia tão frágil que Rollo ficou aterrorizado com a ideia de qualquer esforço pudesse debilita-la mais ainda. Olhou-a, e sorriu também. — Oi.

Liv ficou na ponta dos pés e passou os braços ao redor do pescoço dele.

— Eu senti sua falta — Ela disse, a voz estrangulada de dor. 

— Eu também — Rollo a abraçou com cuidado, com medo de feri-la. Segurou a cabeça dela e fechou os olhos. — Eu também, Liv.

— Finalmente! — Myslein se ergueu do tronco que estava sentado e sorriu para a mulher. — Cuidado, querida, seu ferimento ainda está aberto.

Ela se desvencilhou de Rollo e colocou a mão sobre o vestido, no centro da sua dor que agora se encontrava enfaixado.

Lívia percebeu quando Rollo engoliu em seco e se afastou um passo. Deveria ter sido angustiante retomar o controle do próprio corpo justamente quando suas mãos enterravam uma faca na mulher que amava.

— Não faça isso, por favor, Não foi sua culpa — Ela começou a implorar.

Não iria suportar se ele tentasse se manter longe pelo o que Thor tinha feito. Rollo não disse nada, mas Myslein se pronunciou:

— Olha, eu não sei o que aconteceu entre vocês, mas tenho certeza que podem conversar sobre isso mais tarde. Já estamos cinco dias atrasados, precisamos nos adiantar.

Myslein — Rollo rosnou em advertência.

— Cinco dias? — Lívia entrou em pânico, seus olhos azuis ficando bem abertos. — Eu dormir por cinco dias?!

— Liv. Calma, você estava cansada...

A mulher balançou a cabeça e tentou e tentou marcar para longe.

— Ei, aonde pensa que está indo? — Rollo a segurou pelos ombros. — Qual o problema? Fale comigo.

— Anneke — Ela sussurrou. — Anneke! Eles a levaram para longe de mim antes da batalha começar. Eles a levaram para Oslo.

Rollo franziu o cenho.

— Se ela está em Oslo, está segura. Ela é a herdeira de Brynja, o Rei jamais deixaria que...

— O Rei está morto — Lívia respirou fundo, as lembranças inundando-a de uma vez só. — Ebbe o matou, para dar o lugar a Erik.

O rosto de Rollo transformou-se em um máscara sombria. Não tinha premeditado esse golpe vindo da Rainha. É claro que jamais duvidara do que aquela mulher era capaz, mas sempre acreditou que os aliados do Rei Aeren não permitiriam tal traição.

Talvez a rainha os tenha convencido que seu marido estava senil, talvez tenha feito parecer que fora um acidente...

— Bem, estamos ferrados — Myslein suspirou com desesperança, sentando-se no tronco de madeira mais uma vez. — A megera ruiva está no controle agora.

Rollo fechou os olhos, precisando de um segundo para raciocinar.

— Por isso Erik fugiu na direção Oslo. Faz sentido.

— Nós precisamos ir até lá, Rollo. — Liv apertou os braços dele, sentindo-se estremecer. — Eu preciso trazer Anneke em segurança.

— Acho que você deve ter desperdiçado o seu juízo com todo o sangue que perdeu! — Myslein riu. — Se fomos para Oslo, provavelmente o exército do rei estará nos esperando, e os homens de Aeren não são como os de Erik, o rei só tinha os melhores ao seu lado, você sabe muito bem disso, Rollo. Ebbe não vai hesitar em mandar nos matar. O que para ela será conveniente, levando em consideração quanto a megera quer colocar as garras em Skiringuissal.

— Nosso exército também é grande, talvez maior — Rollo argumentou, mas parecia em dúvida, sabendo que as palavras de Myslein faziam sentido.

— Seria uma luta difícil, mas não impossível — Liv reforçou. — Por Anneke, eu estaria disposta a fazer isso.

— O que você está pedindo é demais. Não será uma batalha como a que enfrentamos. Será guerra. Guerra! E sabe-se lá quantos outros mais estão apoiando a megera ruiva e o seu sobrinho?

Rollo começou a argumentar, mas Liv colocou a mão em seu braço, apertando-o levemente. Sentiu seu coração gelar com a ideia de Rollo enfrentar uma batalha tão grande, sabendo que essas eram as circunstâncias perfeitas para fazê-lo perder o controle e trazer Thor de volta.

Não queria correr esse perigo.

— Espera — Ela deixou seu olhar deslizar de Rollo até o árabe, tensa. — Você tem razão, Myslein. Por mais que eu odeie pensar em Anneke sozinha com Erik e a Rainha, precisamos ser cuidadosos. A guerra vai ser inevitável, mas temos fazer dela o menos violenta possível. Evitar o combate tem que ser a nossa prioridade, isso pode colocar Anneke ainda mais em perigo. Sabe-se lá o que fariam com ela se sentissem que estão encurralados.

— Você está propondo... Negociar? — Myslein ergueu as pestanas escuras em interesse. — Agora sim estamos falando a minha língua.

— Eu não vou negociar com Erik — Rollo foi taxativo, trincando o maxilar.

Liv o entendia, não conseguiria negociar com aquele homem também, não depois de tudo que ele a fizera passar.

— Não, não com ele. Com os outros condes — Ela explicou. — Precisamos de mais aliados.

— E Anneke? E se Erik machucá-la?

Ele não vai — O semblante de Lívia ficou levemente mais pálido, querendo desesperadamente acreditar nisso. — Ele não machucaria a própria esposa.

Rollo rosnou em nórdico, amaldiçoando a Erik. Andou de um lado para o outro, incrédulo.

Eles se casaram?

Ela concordou lentamente.

— Se Anneke não aceitasse, Erik me mataria... Então — Liv balançou a cabeça, como se fosse doloroso demais lembrar. — Ele me obrigou a assistir o casamento, e eu não pude fazer nada. Nada. Foi tudo culpa minha.

Rollo esqueceu a fúria e andou até ela.

— Liv...

— Não, foi culpa minha. E ponto. Se eu não tivesse rejeitado Erik, ele jamais teria ido atrás dela — Os olhos da mulher se encheram de lágrimas, mas ela as secou e forçou-se a parar. Já estava farta de chorar, queria agir. — Eu me recusei a ser sua esposa e lhe desfigurei o rosto, então ele raptou Anneke só para me torturar.

Nem mesmo Myslein conseguiu elaborar mais um de seus comentários desnecessários diante daquele relato. Os dois ficaram em silêncio, só podendo imaginar por tudo que a mulher tinha passado naquele tempo sendo cativa de Erik.

— Nós vamos trazê-la de volta — Liv disse com a voz determinada, depois de se recuperar. — Eu fiz uma promessa à Brynja, e pretendo cumpri-la. Myslein, nós temos a você. Se nos ajudar a convencer os Condes a ficarem do nosso lado...

— Farei com prazer — O homem se levantou, os olhos brilhando. — Posso convencer qualquer um a qualquer coisa. Eu estou do lado de vocês, Lívia.

Ela sorriu em agradecimento e os dois compartilharam um longo olhar. Era difícil confiar nele quando antes se mostrara tão misterioso e esperto. O árabe era uma caixinha de surpresas, e Liv jamais esperou que ele assumisse lealdade assim.

Ela ainda estava tentando entender o porquê ele viera com Rollo e o ajudara com o exército e a batalha. O que exatamente ganharia com isso?

Lívia finalmente se virou para Rollo e colocou as mãos sobre os seus ombros.

— O que você acha?

Ele respirou fundo e tocou o queixo dela.

— Estou do seu lado. Sempre. Por você, por Brynja e por Anneke, farei qualquer coisa para trazê-la de volta. E tenho certeza que os meus homens concordarão.

— Então... É isso — Myslein juntou as mãos e sorriu diabolicamente. — Que venha a guerra.

🦋

        Anneke pensou que poderiam ter jeitos muitos melhores de se passar o seu aniversário. Ser raptada e forçada a uma viagem longa e cansativa definitivamente não era uma delas.

Muito menos ser recebida pela rainha e seus olhos de cobra, que com as mãos magras e delicadas a envolveram em um abraço protetor e a levaram até um quarto, para longe dos olhos curiosos.

O modo como Ebbe a encarava agora fazia Anneke querer se encolher por dentro, mas a menina pintou no rosto uma expressão apática e cansada, sem precisar se esforçar para esse último.

Elas se encontravam em um quarto escuro, aconchegante e aquecido. Anneke ainda estava com as roupas que usara a viagem inteira, e seu corpo estava dolorido de tanto tempo sentada na garupa de um cavalo.

— Bem — Ebbe colocou a mão sobre o joelho, piscando docemente. Brincos dourados brilhavam em suas orelhas. Não parecia em luto pela morte recente do marido. — Por que não me conta o que aconteceu?

A menina ergueu os olhos assustados, esforçando-se para parecer tola e frágil.

— É... Eu não sei muito.

A rainha franziu os lábios, trocando de posição para esconder a decepção.

— Conte-me sobre o casamento, então — Engoliu em seco, e até tentou disfarçar que aquele detalhe a incomodava, mas Anneke percebeu. — Eu queria ter estado lá para presenciar o meu sobrinho se casar.

— Foi lindo — Ela se permitiu ruborizar. — Erik providenciou colares de flores e um vestido para mim... A festa foi enorme e bonita, um sonho realizado. Eu acho que foi a maneira dele se desculpar pelo o que fez com a... com a minha irmã. Agora eu entendo, ele não tivera outra escolha — Tentou não torcer as mãos enquanto dizia aquele absurdo, mas precisava soar convincente para a rainha, a mulher era inteligente e perspicaz, a atuação de Anneke precisava ser perfeita.

A rainha concordou com um pequeno sorriso condescende no rosto. Anneke podia sentir que a enjoava com seu jeito inocente de uma típica cabeça de vento.

Talvez em outras circunstâncias, Ebbe fosse mais difícil de se enganar, mas depois da repentina morte do rei, as coisas estavam tensas em Oslo.

Nem todos apoiaram a Rainha como ela esperava, e quando a notícia chegasse aos filhos de Aeren, eles voltariam das suas viagens para reivindicar seu lugar de direito... A menos que alguém fosse achado para preencher o cargo desocupado antes, algo que não tão fora do comum assim.

As leis vikings não exigiam que os reis viesse de uma linhagem hereditária, eles valorizavam outras características acima do sangue.

Pelas poucas horas desde que chegara, Anneke foi capaz de perceber a tensão na fortaleza do Rei, e não era difícil adivinhar quem estava do lado de quem. A rainha, por enquanto, estava em maior número de aliados, mas até quando?


A irmã de Brynja pressentiu que estava presa entre o fogo cruzado de uma luta interna de poder, e decidiu que precisava encontrar uma maneira de usar isso ao seu favor.

Com um suspiro leve, Ebbe se levantou e caminhou pelo quarto, ficando de frente à lareira. Seu corpo estava delineado por um gracioso vestido branco, de um material que a menina não conhecia, mas parecia ser suave ao toque e brilhava quando a mulher se movia.

— Os homens que a trouxeram me disseram que Erik a mandou aqui para que não corresse perigo — A rainha se virou para encará-la. — Qual perigo?

Anneke mordeu o lábio.

— O perigo era Rollo.

O rosto da rainha ficou branco, formando a imagem perfeita da descrença quando as chamas da lareira refletiram em sua pele.

— Rollo?

— Ele tem um exército novo, de homens que vieram de todas as partes, e pretende destruir Erik com ele.

A mulher torceu as mãos, andando em círculos, a cauda do vestido seguindo seus pés.

— É mesmo? Um exército... Rollo nunca deixa de me surpreender.

Anneke observou a rainha pensar a respeito com um pequeno sorriso no rosto enquanto se arrastava pelo quarto. Daria tudo para saber os seus planos, para descobrir o que tinha em mente.

— O que vai acontecer agora? — Anneke sussurrou, esperando parecer realmente desolada e prestes a cair em lágrimas. — Eu queria que houvesse um jeito de tudo se resolver sem guerra, sem mais mortes. Eu já perdi a minha irmã, não quero perder o meu marido também!

— Ah, minha criança...


Ebbe veio na sua direção com os braços abertos, e Anneke se jogou neles, deixando-se chorar. Não derramava lágrimas de tristeza ou preocupação por Erik, ela já não era mais essa garota que possuía uma devoção cega por ele.

Eram lágrimas de raiva.

Anneke sabia agora, sentia no fundo das suas entranhas, que aquela mulher envenenara o seu pai e matara uma criança inocente, em nome de quaisquer que sejam os planos dela. Para completar, seu filho assassinara covardemente a Brynja,

Anneke queria uma vingança justa, ao estilo viking — dolorosa e sangrenta —, mas apertou a rainha em um abraço e permitiu que as lágrimas caíssem.

— Vai ficar tudo bem, eu prometo — Ebbe sussurrou, acariciando seu cabelo.

Passaram alguns minutos naquela mesma posição, enquanto a mulher do falecido Rei Aeren dizia palavras doces para acalmar sua mais nova nora. Se acreditava que Anneke estava fingindo, não demostrou tal desconfiança.

— Tome um banho e tente dormir um pouco, querida. As minhas criadas vão ajuda-la com isso, tudo bem? — Ebbe afagou o rosto de Anneke. — Amanhã passaremos o dia juntas, e podemos rezar aos deuses para que Erik volte em segurança, tudo bem?

A menina assentiu, com nariz e olhos vermelhos. Sabia o que a rainha estava fazendo. Iria tentar ter o maior poder sobre Anneke possível, porque ela era a próxima rainha, e manipulá-la seria essencial.

Ebbe era como uma doença que ia alastrando seu poder e influencia a todos que podia, infectando-os. Era manipuladora, mas pretensiosa por acreditar que estava sempre a um passo à frente.

Em breve, ela aprenderia algo que Brynja já tentara lhe ensinar no passado quando pensou que pudesse enganar a Condessa de Skiringuissal: nunca subestime seu oponente, especialmente se esse também for outra mulher. Ela será tão inteligente quanto você.

Depois que Ebbe se foi, as criadas entraram e deram em Anneke banho quente na banheira de madeira, todas muito delicadas e silenciosas.

Foi agradável ter alguém esfregando suas costas e lavando sua pele. Os músculos doloridos de Anneke relaxaram, e quando deitou na cama, não teve nem a oportunidade de repassar seu plano, ou tudo que tinha em mente.

O sono a arrebatou primeiro, e a menina afundou em uma mistura confusa de sonhos.


Ela acordou quando um estrondo alto se fez ouvir, quebrando o silêncio pacífico da madrugada, vindo de algum lugar do andar de baixo. Vozes murmuraram ordens e passos apressados fizeram o chão vibrar. Era um grupo grande, mais ou menos dez homens.

Anneke sentou na cama, ouvindo atentamente, tentando descobrir o que se passava.

Erik!

Era a voz da rainha, alta e clara, cheia de desespero e aflição.

Anneke arregalou os olhos em meio à escuridão, torcendo a barra da camisola que usava.

Erik. Ele estava vivo.

— Levem-no para o meu quarto — Ebbe comandou.

A menina correu até a porta e escutou quando um grupo de homens começou a subir pela escada. Queria saber qual era a gravidade do ferimento.

— Não! — Uma voz fraca protestou. — Eu quero a minha mulher. Levem-me até a minha mulher.

O coração de Anneke falhou uma batida. Era voz de Erik.

— Filho, eu não acho que seja...

— Eu quero ver a minha esposa! — Ele exigiu, e o grito lhe custou uma crise de tosses que já davam uma ideia do quão ferido e debilitado Erik deveria estar.

Poucos segundos depois, a porta do quarto dela se abriu, e quatro homens invadiram o cômodo, carregando o ferido. Eles cheiravam a sangue e suor, seus sapatos deixaram uma trilha de sujeira pelo chão.

Por alguns poucos segundos, Anneke ficou petrificada perto à soleira, enquanto observava o corpo magro do seu marido ser colocado com todo o cuidado na cama.

Quando a rainha se apressou para dentro do quarto, a menina se lembrou de como deveria agir.

— Erik! — Ela sussurrou em agonia, correndo até a cama. Sentou-se ao lado dele, inclinando-se para ver o rosto do homem. — Erik. Eu estou aqui, está tudo bem.

O ruivo piscou, e quando a encontrou, sorriu debilmente.

— Anneke.

Ela tocou seu rosto, o cenho franzido em preocupação. Você não pode morrer, não desse jeito. Ninguém tem o direito de te matar além de mim. Eu não vou deixá-lo morrer.

— Eu não quero que ninguém além de você toque em mim — O homem a segredou. — Você é a única pessoa na qual eu confio para me curar. Eu vi como curou à inglesa. Faça o mesmo comigo.

Ela franziu os lábios, mas depois sorriu.

— Deixe-me dar uma olhada em você, meu amor.

Erik estava febril, ensopado de suor e a blusa de algodão embebida em sangue. Seu cabelo era uma revolução vermelha e suja.

Com as próprias mãos, ela rasgou a roupa do marido e deixou seu peito magro à mostra. A ferida em seu ombro era feia, a flecha tinha dilacerado a carne em volta. Ela nunca vira nada igual aquilo.

Alguém tinha cortado a maior parte da flecha, mas o cabo de madeira continuava enterrado lá. Erik realmente não permitiu que ninguém o tocasse.

— Você não vai morrer — Anneke o garantiu depois de analisar tudo com cuidado. — Eu posso salvá-lo.

— Eu sabia — Ele fechou os olhos e suspirou com sofreguidão. — Eu sempre soube.

— Pode mesmo? — Questionou a Rainha, pairando sombriamente ao lado da cama e observando-a..

Seu olhar prometia a morte caso Anneke não salvasse o seu filho.

— Posso, mas eu preciso de panos limpos, uma bacia de água bem gelada, e todas as plantas e flores que eu vou te dizer para conseguir — A menina ergueu o olhar para a rainha, esquecendo-se de adicionar à sua voz o mesmo ar infantil e tolo de antes. Elas não tinham tempo para isso agora. — Pode me conseguir o que eu preciso?

— Qualquer coisa.

— Ótimo — Anneke prendeu o cabelo em um coque e sentou na cama. — Eu preciso que me ajudem a sentá-lo para remover a flecha. Quando eu retirá-la, preciso dos panos já ao alcance da minha mão, porque vai sangrar. E muito.

A rainha apenas olhou para uma das criadas, e ela se apressou em ir buscar o que Anneke pedira. Enquanto sentavam Erik, ela ia dizendo exatamente tudo que precisava.

Quando terminou, todas as criadas e a maioria dos homens já tinham deixado o quarto, a procura do a menina pediu.

— Me dê a sua faca — Ela pediu ao guerreiro que estava mais próximo de si, o único que restara no cômodo. Seu rosto estava sujo de lama e foi só quando ele ergueu o olhar que Anneke o reconheceu.

Kal.

Sua boca se abriu em surpresa, mas ela se recuperou rápido o suficiente para que ninguém notasse a reação além de Kal.

O olhar do guerreiro era intenso e significativo, ela não sabia dizer ao certo se estava feliz ou furioso em vê-la.

Anneke umedeceu os lábios e esticou a mão.

— Eu preciso da faca para retirar a ponta da flecha.

Sem hesitar, o homem entregou a lâmina nas mãos de Anneke, e ela tratou de esquecer sua presença ali.

A flecha tinha atravessado o ombro de Erik, então ela precisaria cortar a ponta afiada para retirar o objeto por inteiro. Se tentasse arrancar tudo de uma vez, faria um estrago irrecuperável.

— Segurem-no com firmeza — Anneke instruiu, e a Rainha e Kal se posicionaram apropriadamente.

Com a faca em mãos, Anneke se inclinou até as costas de Erik e cerrou a ponta afiada, com cuidado para causar a menor dor possível.

Não que o homem não merecesse cada segundo daquele sofrimento e cada gota de sangue que perdera, mas ela queria parecer cuidadosa e devotada na presença da Rainha.

Erik grunhiu de dor.

— Já vai passar, meu amor — Ela sussurrou, concentrada no que estava fazendo.

Sentiu o olhar de Kal sobre si e torceu para que não estivesse erubescendo.

Assim que terminou de cerrar a ponta afiada da flecha e ela caiu nas suas mãos, os panos chegaram, com mais algumas folhas medicinais das quais precisaria.

— Faça um chá com isso que conseguiu e me traga imediatamente. Precisa estar fumegante, inalar a fumaça vai ajudar com que ele sinta menos dor.

— Certo — a criada assentiu e saiu às pressas.

A rainha observava a tudo solenemente e em silêncio, como que analisando a garota e sua atitude. Não havia dúvidas que a pirralha inocente dera lugar a uma mulher de voz firme e decidida, mas Anneke esperou que Ebbe relevasse isso perante a situação.

— Tudo bem, vou tirar o restante da flecha agora — Ela avisou à Erik. — Quando eu disser três. Um...

Com desenvoltura, ela puxou o pedaço de madeira e jogou-o no chão. Erik uivou de dor e rangeu os dentes, seu corpo estremecendo.

— Você tirou antes da hora combinada — Ele tentou sorrir, e quase pareceu um humano normal à Anneke, não um monstro sem remorso ou decência. Quase. — Foi esperto.

Ela devolveu um sorriso fraco enquanto continha o sangue. Se melou até os cotovelos com o fluido viscoso que saia do ferimento sem parar.

— Onde está a água? Tem que ser gelada! Preciso de uma bebida! Qualquer coisa com álcool! — Anneke gritou, lembrando-se de tudo que Cellíope a ensinara.

O álcool ajudava a limpar a ferida, ela não fazia ideia do motivo, mas seguia as instruções porque parecia funcionar. Era a mesma coisa com água gelada: ajudava a diminuir o fluxo de sangue que saia.

Deu a Erik um pano novo:

— Coloque sobre a boca, agora. O que estou prestes a fazer vai arder.

Ele a encarou sobriamente por alguns minutos, mas obedeceu. Aparentemente, Erik não gostava de receber ordens. Anneke quis gargalhar na sua cara pela situação na qual ele estava, mas se manteve séria.

Você merece, seu porco.

Ela torceu para que tivesse disfarçado bem o prazer em seus olhos quando derramou cerveja no ferimento. Erik mordeu o pano e seus gritos de agonia foram abafados.

E assim passaram a madrugada.  A noite foi longa e difícil, mas a Rainha permaneceu inabalável, acompanhando a tudo de perto com um olhar crítico. Anneke se certificou de ser extra cuidadosa e fazer eventualmente um carinho no rosto do marido, esperando parecer adorá-lo de verdade.

Kal também se ajeitou no canto e cruzou os braços, sem tirar os olhos do casal na cama. Era impossível decifrá-lo.

Pelo menos Erik sobreviveria, a irmã de Brynja tinha se certificado disso. Depois de enfaixar o ferimento e limpar todo o corpo do seu marido com paciência, Anneke secou o suor do rosto e respirou fundo.

— Pronto. Ele não corre mais perigo.

— Minha querida — Erik tomou as mãos dela e a beijou. Estava quase desfalecendo, tão cansado quanto ela. Sua pele adquiriu uma cor amarelada e pastosa, fazendo a cicatriz recente em seu rosto ficar ainda mais repugnante.— Eu sempre soube que tinha que ser você a minha esposa.

Anneke abriu um sorriso doce, mas por dentro sentiu-se enojada. Quanta mentira. A menina sabia muito bem que ele só a raptara para torturar Lívia, e por ser tão pretensioso ao ponto de acreditar que mesmo depois de tudo que fizera, ainda podia ganha-la de volta com o seu charme.

Anneke queria enfiar as unhas em seus olhos e depois arranhar seu rosto inteiro, mas apenas beijou sua bochecha.

— Descanse, meu amor — Chamá-lo assim deixava um gosto amargo na boca, e ela jamais entenderia como poderia um dia ter acreditado em qualquer coisa que aquele monstro desprezível lhe dissera.

Anneke ergueu os olhos para a Rainha.

— Ele está bem agora, você deveria descansar também, minha senhora.

A mulher balançou a cabeça.

— Eu vou ficar aqui.


A Rainha estava prestes sentar-se numa cadeira, quando a voz de Erik a interrompeu.

— Mãe, nos deixe sozinhos.

Ebbe parou, chocada. Anneke não soube dizer se ela estava surpresa por Erik expulsá-la ou chamá-la de mãe na frente dela, expondo o segredo deles. Talvez o fato de que outra pessoa tenha influência sobre ele agora a tenha perturbado mais do que tudo.

— Não se preocupe, ela já sabia. Contei faz muito tempo, e ela nunca me traiu — Ele sorriu para a esposa. — Anneke sempre foi fiel à mim.

A menina abaixou os olhos, fingindo recato e obediência.

Ebbe se ajeitou, piscando.

— Sabia? Oh. Isso é bom, já que ela é da família agora.

Nem em um milhão de anos, Anneke quis rebater.

— Sim, eu sabia, mas não quis ser indiscreta, por isso não comentei, minha Rainha.

Ela assentiu, a epítome perfeita da compreensão, mas Anneke não comprava sua atuação, apesar de ser muito boa.

— É claro, querida... Entendo. Bem, estarei no quarto em frente. Se precisarem, me chamem — Ela sorriu, mas o gesto não chegou aos olhos. — Descansem, vocês dois.

Depois que a porta de fechou, Anneke deixou o peso dos ombros caírem. Era difícil contornar aquela mulher, jogar o jogo no qual ela era a mestre, e sentiu que teria um trabalho enorme se quisesse ganhar sua confiança. Ebbe tinha um ciúmes e cuidado especial em relação ao filho.

— Deixarei vocês dois sozinhos também — Kal se pronunciou, e Anneke levantou os olhos, assustada.

Era fácil esquecer da sua presença, o homem sabia se camuflar no ambiente como ninguém. Ela engoliu em seco enquanto observava o guerreiro deixar o quarto. Kal não olhou na sua direção nem mesmo enquanto batia a porta e desaparecia.

— Venha, deite-se do meu lado. Quero sentir seu cheiro — Erik pediu mansamente, exausto e debilitado.

Anneke engoliu a raiva e foi até ele. Como sempre, submissa. Deitou-se com a cabeça próxima à dele, e não demorou muito para que seu marido dormisse. Perder tanto sangue limitava as forças de qualquer um.

Ela, por outro lado, permaneceu acordada, acompanhando a respiração e o semblante pacífico de Erik. Estava pensando em como o mataria, como o faria gritar de dor, como tiraria tudo que ele apreciava e o deixaria sem nada.

Suas mãos encontraram a faca que escondera embaixo do travesseiro quando ninguém estava olhando e apertou seu cabo entre os dedos.

Ergueu-a próximo ao peito dele, exatamente sobre seu coração. Queria montá-lo e esfaqueá-lo exatamente como ele fizera com a sua irmã, queria quebrar cada osso do seu corpo e regozijar com o seu sofrimento.

Ele merecia. Mais do qualquer outra pessoa que já tenha pisado na terra, Erik merecia aquela morte. E Anneke sabia que era a única pessoa que podia — que tinha o direito — de fazê-lo.

A lâmina tremeu, pronta para atingi-lo, mas Anneke fechou os olhos e recuou, guardando-a debaixo do travesseiro novamente. Não. Não ainda... Primeiro, ela se livraria da Rainha. Precisava dela longe.

E só então, teria a sua vingança.

Contemplou Erik dormir despreocupadamente, querendo arrancar essa paz da sua expressão.

Sonhe enquanto pode, seu porco. Anneke pensou. Logo, logo, começará seu pior pesadelo.

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