A Dama das Camélias (1848)

By WattpadClassicosLP

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Obra do francês Alexandre Dumas, filho. More

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De volta à minha casa, pus-me a chorar como uma criança. Não existe

homem algum que não tenha sido traído pelo menos uma vez e que não saiba o

quanto dói.

Eu disse a mim mesmo, sob a influência daquelas resoluções febris que

sempre pensamos ser capazes de manter, que era preciso romper imediatamente

com aquele amor e esperei com impaciência pelo dia, para retomar o meu

lugar, voltar para perto de meu pai e de minha irmã, duplo amor sobre o qual não

pairavam dúvidas e que, esse sim, não me enganaria.

Mas eu não quis ir embora sem que Marguerite soubesse por que eu partira.

Apenas um homem que realmente não ama mais a sua amante a abandona sem

nada escrever-lhe.

Na minha mente, fiz e refiz vinte cartas.

Eu metera-me com uma moça semelhante a todas as moças da vida.

Romantizara demais. Ela tratara-me como a um colegial, empregando, para me

trair, uma estratégia de uma simplicidade ofensiva, era evidente. Meu amorpróprio

levou a melhor. Era preciso abandonar aquela mulher sem dar-lhe a

satisfação de saber de tudo o que aquela ruptura me fazia sofrer, e eis aqui o que

escrevi a ela com o meu estilo mais elegante, e com lágrimas de raiva e de dor

nos olhos:


Minha cara Marguerite,

Espero que a sua indisposição de ontem tenha sido coisa de pouca

importância. Fui, às onze horas da noite, saber notícias suas, e me responderam

que a senhorita não havia voltado. O senhor de G... foi mais feliz que eu, pois ele

se apresentou alguns instantes depois e, às quatro horas da manhã, ainda

encontrava-se na sua casa.

Perdoe-me algumas horas aborrecidas que lhe fiz passar, e tenha certeza de

que não esquecerei jamais os momentos felizes que lhe devo.

Teria ido saber notícias suas hoje, mas devo voltar para perto de meu pai.

Adeus, cara Marguerite. Não sou nem rico o suficiente para amá-la como eu

gostaria, nem pobre o suficiente para amá-la como você gostaria. Esqueçamos,

então: você, um nome que deve lhe ser quase indiferente; eu, uma felicidade que

me é impossível.

Devolvo-lhe sua chave, que de nada jamais me serviu e que lhe poderá ser

útil, se costuma ficar doente como estava ontem.


Veja bem, não tive a força de terminar aquela carta sem uma ironia

impertinente, o que bem provava que eu ainda estava apaixonado.

Li e reli dez vezes aquela carta, e a ideia de que ela causaria dor a

Marguerite acalmou-me um pouco. Tentei convencer-me dos sentimentos que a

missiva forjava, e quando, às oitos horas meu empregado entrou no meu quarto,

dei-lhe a carta, para que a entregasse logo.

– Devo aguardar por uma resposta? – perguntou-me Joseph (meu

empregado chamava-se Joseph, como todos os criados).

– Se perguntarem se é caso de uma resposta, diga que não sabe e espere.

Eu atinha-me à esperança de que ela iria me responder.

Como somos infelizes e fracos!

Durante todo o tempo em que meu empregado esteve fora, eu fiquei em

uma agitação extrema. Lembrando-me de como Marguerite se entregara a

mim, eu me perguntava com que direito eu lhe escrevia uma carta impertinente,

quando ela podia muito bem responder-me que não era o senhor de G... que me

enganava, mas que eu é que enganava o senhor de G... – raciocínio que permite

a muitas mulheres terem vários amantes. Em outros momentos, recordando-me

dos sermões daquela moça, eu queria convencer-me de que minha carta era

ainda doce demais e que não continha expressões fortes o suficiente para atingir

uma mulher que ria de um amor tão sincero quanto o meu. Então, dizia a mim

mesmo que eu teria feito melhor não lhe escrevendo e indo à sua casa durante o

dia, e que, deste modo, eu teria me regozijado com as lágrimas que a teria feito

derramar.

Enfim, perguntava-me o que ela responderia, já pronto a acreditar na

desculpa que me pudesse dar.

Joseph voltou.

– E então? – perguntei.

– Senhor – disse-me –, a senhorita estava deitada e ainda dormia, mas

assim que acordar entregarão a sua carta e, se houver resposta, mandarão

alguém trazer.

Estava dormindo!

Vinte vezes estive a ponto de mandar buscar de volta aquela carta, mas me

dizia, sempre: "Talvez já lhe tenham entregue, e parecerei estar arrependido".

Quanto mais se aproximava a hora em que se poderia esperar que ela me

responderia, mais eu me arrependia de ter escrito.

Dez horas, onze horas, meio-dia soaram.

Ao meio-dia, estive a ponto de ir ao encontro marcado, como se nada se

tivesse passado. Enfim, não sabia o que pensar para sair daquelas correntes de

ferro que me oprimiam.

Então, pensei, com aquela superstição característica das pessoas

esperançosas, que, se eu saísse um pouco, na volta encontraria uma resposta. As

respostas impacientemente aguardadas sempre chegam quando não estamos em

casa.

Saí com o pretexto de ir almoçar.

Em vez de almoçar no café Foy , ao fim do bulevar, como eu tinha o

costume de fazer, preferi fazer a refeição no Palais-Roy al e passar pela rua

d'Antin. Cada vez que eu avistava uma mulher ao longe, eu pensava ver Nanine,

trazendo-me uma resposta. Passei pela rua d'Antin sem encontrar um

mensageiro sequer. Cheguei ao Palais-Roy al, entrei no Chez Véry . O garçom

serviu-me alguma comida ou, melhor, serviu-me o que bem entendeu, pois não

comi nada.

Involuntariamente, meus olhos fixavam-se sempre no pêndulo.

Voltei para casa, convencido de que iria encontrar uma carta de

Marguerite.

O porteiro não havia recebido nada. Esperei ainda pelo meu empregado.

Esse não vira ninguém desde a minha saída.

Se Marguerite tivesse intenção de me responder, ela já o teria feito há

muito tempo.

Então pus-me a lamentar os termos da minha carta. Eu deveria ter

silenciado completamente, o que sem dúvida transformaria a inquietação dela

em uma iniciativa. Pois, vendo que eu não comparecia ao encontro, teria

indagado a razão da minha ausência, e só então eu a daria. Desse modo, ela não

teria podido fazer outra coisa senão desculpar-se, e o que eu queria era que ela se

desculpasse. Eu já pressentia que teria acreditado nas razões que ela me desse, e

que preferiria tudo do que não voltar a vê-la.

Cheguei a pensar que ela viria em pessoa à minha casa, mas as horas

passaram-se, e ela não veio.

Decididamente, Marguerite não era como todas as mulheres, pois são

poucas as que, recebendo uma carta como a que eu escrevera, não respondem

alguma coisa.

Às cinco horas, corri à Champs-Ély sées.

"Se a encontrar", pensava eu, "bancarei o indiferente, e Marguerite se

convencerá de que não mais penso nela."

Na rótula da rua Roy ale, a vi passar em seu carro: o encontro foi tão brusco

que fiquei lívido. Ignoro se ela percebeu minha emoção: quanto a mim, eu estava

tão perturbado que nada mais vi além do veículo.

Não continuei o meu passeio na Champs-Ély sées. Fui olhar os cartazes de

teatro, pois tinha ainda uma chance de vê-la.

Havia uma primeira apresentação no Palais Roy al. Marguerite,

evidentemente, deveria assisti-la.

Às sete horas, eu estava no teatro.

Todos os camarotes lotaram, mas Marguerite não apareceu.

Deixei, então, o Palais-Roy al e entrei em todos os teatros que ela

costumava frequentar: o Vaudeville, o Variedades, a Opéra-Comique.

Ela não estava em lugar algum.

Ou a minha carta causara-lhe desconforto demasiado para que ela se

ocupasse com espetáculos, ou ela temia encontrar-se comigo e queria evitar uma

explicação.

Eis o que minha vaidade assoprava-me ao ouvido no bulevar, quando

encontrei Gaston, que me perguntou de onde eu vinha.

– Do Palais-Roy al.

– E eu, da Ópera – disse-me. – Pensava que fosse encontrar você lá.

– Por quê?

– Porque Marguerite lá estava.

– Ah, ela estava lá?

– Sim.

– Sozinha?

– Não, com uma de suas amigas.

– Mais ninguém?

– O conde de G... esteve por um momento no seu camarote. Mas ela foi

embora com o duque. A todo instante eu esperava vê-lo aparecer. Havia ao meu

lado uma cadeira que permaneceu vazia toda a noite, e eu estava convencido de

que estava reservada para você.

– Mas por que eu iria aonde Marguerite vai?

– Porque é seu amante, ora!

– E quem lhe disse isso?

– Prudence, quem encontrei ontem. Parabenizo-o, meu caro. É uma bela

amante, não é para qualquer um. Fique com ela, vai dar-lhe status.

Aquela simples reflexão de Gaston mostrou-me como minhas

suscetibilidades eram ridículas.

Se eu o tivesse encontrado na véspera e ele tivesse falado daquele modo, eu

certamente não teria escrito a carta estúpida da manhã.

Estive a ponto de ir à casa de Prudence e de mandar dizer a Marguerite que

eu precisava falar-lhe. Mas temi que, para se vingar, ela dissesse que não podia

receber-me, e voltei para casa depois de passar pela rua d'Antin.

Perguntei novamente ao meu porteiro se havia alguma carta para mim.

Nada!

"Ela provavelmente quererá ver se vou tomar alguma nova iniciativa e se

retirarei hoje o que escrevi na carta", pensei, ao deitar-me. "Mas, vendo que não

lhe escrevo, ela me escreverá amanhã."

Naquela noite, especialmente, arrependi-me do que eu fizera. Eu estava

sozinho na minha casa, não conseguia dormir, era devorado pela inquietação e

pelo ciúme quando, tivesse deixado as coisas seguirem seu verdadeiro curso,

poderia estar perto de Marguerite e ouvir pronunciar as doces palavras que eu

ouvira apenas duas vezes e que, na minha solidão, faziam arder os meus ouvidos.

O que havia de pavoroso na minha situação é que o raciocínio mostrava que

eu estava errado: de fato, tudo me dizia que Marguerite me amava. Primeiro,

aquele projeto de passar um verão comigo, sozinhos os dois, no campo; depois,

aquela certeza de que nada a forçava a ser minha amante, pois minha fortuna

era insuficiente para as suas necessidades e até mesmo para os seus caprichos.

Então, não houvera em Marguerite nada mais do que a esperança de encontrar

em mim uma afeição sincera, capaz de fazê-la descansar dos amores

mercenários em meio aos quais vivia, e desde o segundo dia eu destruía aquela

esperança, eu cobria com impertinente ironia o amor aceito durante duas noites.

O que eu fazia era, desse modo, muito mais que ridículo. Era indelicado. Pagara

eu por aquela mulher, para ter o direito de culpá-la por sua vida? E não me

assemelhara, ao ir embora no segundo dia, a um parasita de amor que teme que

não lhe deem seu vale para a refeição? Como! Fazia trinta e seis horas que eu

conhecia Marguerite. Fazia vinte e quatro horas que era seu amante, e eu

bancava o suscetível. E, em lugar de dar-me por satisfeito que ela compartilhasse

comigo, eu queria tudo só para mim e queria obrigá-la a romper repentinamente

as relações do seu passado, que eram a garantia do seu futuro. O que eu tinha

para criticar-lhe? Nada. Ela escrevera-me dizendo que passava mal, quando teria

podido me dizer, cruamente, com a terrível franqueza de certas mulheres, que

tinha de receber um amante. E, em vez de acreditar na sua carta, em vez de ir

passear por todas as ruas de Paris à exceção da rua d'Antin, em vez de passar a

noite com meus amigos e de apresentar-me no dia seguinte à hora que ela

indicara, eu bancava o Otelo, a espionava e pensava poder puni-la, não mais a

vendo. Mas, ao contrário, ela devia estar alegre com aquela separação. Devia

achar-me soberanamente idiota, e seu silêncio não era sequer rancor: era

desdém.

Eu deveria ter dado então a Marguerite um presente que não deixasse

nenhuma dúvida sobre a minha generosidade e que, tratando-a como uma moça

da vida, me permitisse considerar-me desobrigado para com ela. Mas temi

ofender, pela menor aparência de comércio, senão o amor que ela tinha por

mim, pelo menos o amor que eu tinha por ela, e já que esse amor era tão puro

que não admitia partilha alguma, ele não podia pagar, com um presente, por

mais belo que fosse, a felicidade que lhe fora dada, por mais curta que tivesse

sido essa felicidade.

Eis o que eu me repetia, à noite, e o que, a todo instante, eu estava pronto a

dizer a Marguerite.

Quando o dia nasceu, eu não estava mais dormindo. Tinha febre. Era-me

impossível pensar em outra coisa que não Marguerite.

Como você bem entende, era preciso tomar uma atitude decisiva e

terminar ou com a mulher, ou com os meus escrúpulos – isso se ela ainda

consentisse em me receber.

Mas, você sabe, retardamos sempre uma decisão definitiva. Assim, não

conseguindo ficar em minha casa e não ousando apresentar-me na de

Marguerite, tentei um meio de aproximar-me dela, um meio que meu amorpróprio

poderia pôr na conta do acaso, no caso de dar certo.

Eram nove horas. Corri à casa de Prudence, que perguntou-me a que se

devia aquela visita matinal.

Não ousei dizer-lhe francamente o que me motivava. Respondi-lhe que eu

saíra cedo para reservar um lugar na diligência que ia para C..., onde morava

meu pai.

– O senhor é bem feliz – disse-me ela – de poder deixar Paris neste tempo

tão lindo.

Olhei para Prudence e me perguntei se ela estava brincando comigo.

Mas seu rosto estava sério.

– Vai despedir-se de Marguerite? – perguntou, ainda séria.

– Não.

– Faz bem.

– Acha?

– Naturalmente. Já que rompeu com ela, de que serve revê-la?

– Sabe, então, do nosso rompimento?

– Ela mostrou-me a sua carta.

– E o que ela disse?

– Ela disse: "Minha querida Prudence, seu protegido não é educado.

Imaginamos cartas assim, mas não as escrevemos".

– E com que tom ela falou-lhe isso?

– Rindo, e acrescentou: "Ele jantou duas vezes em minha casa e sequer me

faz uma visita digestiva".

Eis o efeito que minha carta e meus ciúmes haviam produzido. Fui

cruelmente humilhado, na vaidade do meu amor.

– E o que ela fez, ontem à noite?

– Foi à Ópera.

– Isso eu sei. E depois?

– Jantou em casa.

– Sozinha?

– Com o conde de G..., creio.

De modo que meu rompimento nada mudara nos hábitos de Marguerite.

É por circunstâncias como essas que algumas pessoas dizem: "Não se deve

pensar em uma mulher que não o ama mais".

– Ora, fico feliz em ver que Marguerite não se entristece por mim –

continuei, com um sorriso forçado.

– Ela tem absoluta razão. O senhor fez o que tinha de fazer, foi mais

razoável do que ela, pois aquela moça lá o amava, não fazia outra coisa que falar

no senhor e teria sido capaz de qualquer loucura.

– E por que ela não me respondeu, se me ama?

– Porque compreendeu que estava errada em amá-lo. E, depois, as

mulheres às vezes permitem que traiam o seu amor, jamais que firam o seu

amor-próprio, e fere-se sempre o amor-próprio de uma mulher quando alguém,

dois dias após se tornar seu amante, a abandona, sejam quais forem as razões

para essa ruptura. Conheço Marguerite: preferiria morrer a responder-lhe.

– O que é preciso que eu faça, então?

– Nada. Ela o esquecerá, o senhor a esquecerá, e nada terão a censurar um

ao outro.

– Mas, e se eu lhe escrevesse, para pedir perdão?

– Abstenha-se disso: ela o perdoaria.

Quase pulei no pescoço de Prudence para abraçá-la.

Quinze minutos depois, eu estava chegando em casa e escrevia a


Marguerite:

Alguém que se arrepende de uma carta que escreveu ontem, que partirá

amanhã se você não o perdoar, gostaria de saber a que horas poderia depositar o

seu arrependimento aos vossos pés.

Quando estará sozinha? Pois, a senhorita sabe, as confissões devem ser feitas

sem testemunhas.


Dobrei aquele madrigal[5] em prosa e enviei-o através de Joseph, que

entregou a carta à própria Marguerite, que, por sua vez, disse a ele que

responderia mais tarde.

Estive fora apenas por um instante, para ir jantar, e, às onze horas da noite,

ainda não obtivera uma resposta.

Então, resolvi não sofrer mais tempo e partir no dia seguinte.

Como consequência dessa resolução, convencido de que não dormiria, caso

me deitasse, me pus a fazer as malas.



[5]Madrigal: tipo de poesia de conteúdo terno e galante, destinada a ser

musicada, e que surgiu no século XIV, na Itália. (N.T.)

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