Only God can judge you

By rakeool

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Um romance de faculdade. Nenhuma novidade. Acontece toda hora. Mas não com Lorena, cristã fervorosa que nunca... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capitulo 3
Capítulo 4
Capitulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Especial: They call you monster
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo
Agradecimentos

Capítulo 19

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By rakeool

POV Lorena

Havia saído de uma cafeteria, andei em direção a brown, mais especificamente até a biblioteca. Estava com um bom humor revigorante, dei um gole do meu café (Duplo, sem leite, e com quase nada de açúcar), tinha ido à Starbucks pela primeira vez, para ver se sua fama a precedia.

Bem... o café era gostoso, mas sei lá, o que eu costumava tomar em minha casa era melhor. Enfim. Cheguei à biblioteca, e me sentei em uma das mesas para ler meu exemplar de "O código DaVinci" enquanto terminava de tomar meu café.

Fiquei lendo por um tempo, numa vibe boa, até que recebi uma ligação. Olhei o celular, era Jade. Atendi.

- Alô?

- Oi Jade! - respondi, acho que meio animada demais.

- Eai - ela respondeu, dando uma risadinha. Definitivamente animada de mais. Droga. - 'Ta fazendo o que?

- Ah... Lendo, e você?

- Acabei de sair de uma sorveteria.

- Hum - falei, me acomodei na cadeira. - Uma coisa, pra que você queria aquela foto que você pediu mais cedo?!

- Nada não... - disse ela - Ei, 'Ce ta aonde? - Ela mudou de assunto ridiculamente rápido. - Posso ir te ver?

- Pode, eu acho... - respondi. - 'To na biblioteca da Brown.

- Ah... Biblioteca. - suspirou.

Fiz uma careta, segurei o celular que caia pelo meu ombro.

- O que foi?! - Ela tinha falado biblioteca com um pesar estranho.

- Não entro em uma biblioteca tem muito tempo. - Novamente, suas palavras pareciam pesar.

- Por que?! - Dei uma risadinha - Livros te assustam?

- Não é isso, é que... - Jade falou, e de repente, ela não parecia tão bem assim. - Olha, Lobinha, a gente pode deixar isso pra amanhã?!

- Que? Mas...

- ...É que eu esqueci que eu tinha uma atividade importante pra amanhã! Só lembrei agora, é... - Deu uma risadinha, parecia que ela estava arranjando desculpas.

- Ahn... Certeza? - indaguei - Você podia vir aqui na biblioteca e eu te ajudava na sua atividade.

- Ah, não precisa não Lobinha! - a voz dela saia meio tremida. - Amanhã eu te compenso, te prometo, ok?

- Ok, eu acho... - aquilo tudo estava estranho, muito estranho - 'Ta tudo bem com você?

- Que? Claro que 'ta! - respondeu, soava meio falso - Porque não estaria?

- Nada não, só perguntando mesmo.

- Então 'ta... É... Até amanhã, falou!

- Tchau. - ela desligou o telefone.

Ok, aquilo foi... estranho. Mandei algumas mensagens:

[6:12 PM]: Ei

Certeza que ta tudo bem?!

[6:12 PM] Jade: Clr q sim

Rlx

[6:12 PM]: Certeza???

Nada que eu tenha que me preocupar, certo?

Eu falava como se eu fosse a namorada dela, argh.

[6:13 PM] Jade: Sim

Te prometo

[6:13 PM]: Ok então...

[6:13 PM] Jade: :)

Sentia que ela não estava sendo honesta comigo, mas também sentia que ela não ia falar nada agora, não importava o quanto eu insistisse. Então dei de ombros e voltei a ler meu livro, apesar de estar meio... Preocupada.

• • •

No dia seguinte, encontrei-a na aula de Anastácia. Sentei perto dela, mas ela não falou comigo. Ela ficou de cabeça baixa a aula toda, usando um casaco, rabiscando uma folha de papel. Estranho, eu nunca tinha a visto assim...

Eu não podia deixar de me preocupar, ela estava sempre bem, sei lá, e agora, subitamente, ela já não parecia tão bem assim. Será que havia acontecido alguma coisa com ela?! Sei lá, foi aquele negocio da biblioteca ontem? Não sei, eram varias perguntas que ecoavam em minha cabeça. E eu perguntaria tudo aquilo quando a aula acabasse.

Ouvi o sinal anunciando o fim da aula, o tempo tinha passado voando. Reparei que eu não prestei atenção em absolutamente nada a aula toda, basicamente, eu fiquei a aula inteira encarando ela rabiscando aquele papel e pensando sobre isso. Suspirei, eu sempre presto atenção em todas as aulas, não sei o que estava acontecendo comigo. Ou talvez soubesse. "Não, eu prefiro não saber" pensei.

Ela se levantou, peguei minha mochila e fui atrás dela.

- Oi Jade. - falei

Ela se virou e me encarou.

- Ah, oi Lobinha. - respondeu, em um tom um milhão de vezes diferente do normal. Ela não era muito do tipo "oi", geralmente era "Eai" ou "Hey!" sempre bem animada. Mas tudo que eu recebi foi um "oi". Com certeza havia algo errado.

- É... tudo bem? - questionei - 'Cê terminou aquela atividade?

- Ahn? - ela me olhou confusa - AHHH sim... a atividade... - disse ela - terminei sim, é.

Fiz uma careta, depois era eu que mentia mal.

- Você 'ta bem?!

- Que?! Claro - respondeu, fazendo uma careta - porque não estaria?

Arquei em as sobrancelhas, em descrença.

- Claro - Debochei - Agora sério, o que aconteceu?

- Nada, ué - ela deu uma risadinha nervosa - eu 'to de boa.

Cruzei os braços.

- Você vai mesmo mentir pra mim? - indaguei - É isso mesmo?

- Eu não 'to mentindo, eu 'to bem... - ela falou - Olha, eu tenho que ir - ela mudou de assunto, e começou a andar de costas - mas depois eu falo com você, beleza? Falou! - ela virou-se e saiu andando.

- Jade, espera!

Mas ela acelerou o passo e foi mesmo assim.

E pronto, agora ela acaba de me deixar muito mais preocupada do que já estava, ela estava escondendo algo, era obvio. Talvez eu devesse segui-la, só pra ter certeza que ela estava bem.

"Não" pensei "Muito psicopata".

Sai da sala e andei pelo corredor, a vi no final do corredor, cabisbaixa e andando rápido. Não sabia o que fazer, mas quando fui perceber, eu já estava andando atrás dela. Eu não podia simplesmente deixa-la sair por ai desse jeito, eu precisava ajuda-la. Fui atrás dela até os dormitórios, ela andou até a porta dela, e ficou parada ali por um minuto.

Deu um longo suspiro, limpou os olhos, e entrou no quarto.

Ela... 'tava chorando?!

Entrei em desespero por um segundo, preocupada, fui até a porta do quarto dela e parei ali. Esperei um pouco antes de bater a porta, não queria que ela achasse que eu era algum tipo de stalker que a seguia até o quarto dela sem ela saber. Apesar de que, meio que era exatamente isso que tinha acontecido.

Enfim, depois de um tempo razoável, bati na porta. Tiffany abriu.

- Oi... - falei. - É... a Jade 'ta ai? - perguntei, sonsa.

- 'Ta sim. - respondeu - Mas ela chegou aqui meio estranha, parece que ela não quer falar com ninguém.

- Você realmente não vai falar o que aconteceu?! - Ouvi a voz de PJ de dentro do quarto.

- Não! - Ouvi a voz dela de cima do beliche. - Não vou, porque nada aconteceu!

- Quem você pensa que engana? - PJ rebateu.

Tiffany saiu da frente da porta, entrei no quarto. Jade me viu, fez uma expressão confusa.

- Lorena? - indagou. Lorena pensei, ela nunca me chama de Lorena. - O que você 'ta fazendo aqui?!

- Ah... - respondi, por algum motivo, meio envergonhada - ...Eu vim vem como você 'tava.

- Porque ninguém só aceita que eu to bem!? - Declarou Jade, indignada.

- Por que você não 'ta - PJ afirmou - Dã.

- Pois é. - concordou Tiffany

Jade suspirou.

- É serio - insistiu, a feição meio triste. - eu 'to bem...

- Você podia pelo menos descer da ai? - perguntei, ela me encarou. Por algum motivo, imaginei que seria mais fácil convence-la a contar algo se ela estivesse lá em baixo. - Eu vim aqui só pra te ver, e você não vai nem falar comigo direito? nem um abraço... sei lá?

Merda, eu não devia ter dito aquilo. Foi muito gay, ahh eu não devia ter dito. Não mesmo. Merda, merda, merda, merda.

Ela deu uma risadinha, já com uma cara nem tão triste assim.

- Com você pedindo assim - declarou, e começou a descer pela escadinha.

- Ah pronto. - PJ debochou - Pra ela você desce.

Jade deu uma risadinha.

- Prioridades.

Ela andou até mim, e me encarou, senti meu rosto corar. Ela me deu um abraço, como prometido. Um abraço apertado e demorado. Argh, porque abraçar ela era tão bom? Ficamos assim por um tempo, e nos afastamos. Olhei pra ela, seus olhos estavam meio vermelhos.

- Você 'tava chorando?! - perguntei.

E ela desabou.

Ela me abraçou novamente, as lágrimas quentes descendo pelo meu pescoço. Sentamos no chão, PJ e Tiffany também sentaram ali, em volta dela. "Por que ela tava chorando?!" pensei, desesperada. Olhei pra PJ e Tiffany, arqueando uma das sobrancelhas, eles deram de ombros. Aparentemente, ninguém fazia ideia do porquê dela estar assim.

Eu nunca tinha a visto assim, aquilo foi completamente inesperado, e acabou comigo. Eu fiquei devastada, ela chorava no meu ombro, eu nem imaginava que ela triste poderia me deixar tão mal. É idiota dizer que doía mais em mim do que nela, mas era como se uma parte da dor dela, doesse em mim também.

Meu coração estava apertado, tudo que eu mais queria naquele momento era vê-la melhor.

- Jade? - tentei falar - O que foi?

Ela não respondeu, então abracei-a mais forte ainda. E ficamos assim, por um tempo, até que ela se acalmou, e se afastou um pouco.

- Agora, você pode nos falar o que aconteceu? - questionou PJ, preocupado.

- É que... - ela deu uma fungada - ...Eu tenho me lembrado muito do Denis esses dias, e... - ela limpou os olhos - Caramba, eu odeio chorar.

- Ahh - PJ falou - O Denis.

- Quem é Denis?! - perguntei.

- Bem - Jade suspirou, já sem chorar. - Denis era meu tio, de primeiro grau. - explicou. - E a gente se dava muito bem, eu não tinha uma relação muito boa com minha família no geral... Mas com ele era diferente. - Ela sorriu - A gente era bem parecido, na verdade, sempre fomos bem próximos, ele costumava morar lá em casa.

- Ah - falei, já mais calma por vê-la sorrindo. - Não sabia que você não era muito chegada a sua família.

POV Jade

Já havia parado de chorar, pelo menos. Mas não é como se não estivesse doendo, a falta dele era constante, alguns momentos eram mais fácil de lidar que outros. Mas não era como se eu estivesse livre dessa dor.

- É, meus pais sempre me pressionaram muito pra ser que nem minha irmã. - revirei os olhos - Era um saco, mas ele sempre me defendia. Acho que eu teria enlouquecido dentro daquela casa se ele não estivesse lá.

- Nossa. - Lorena falou, acho que era a primeira vez que eu falava do Denis pra ela.

- Teve uma vez que foi muito engraçado... - contei, sorrindo.

• • •

Era uma noite comum lá minha casa, estavamos todos jantando. Eu devia ter por volta de uns 13 ou 14 anos, não lembro bem. Victoria contava sobre seu dia, como sempre, eu estava apenas comendo minha comida em silencio, evitando a conversa.

- ...E tirei um A+ na minha prova de matemática! - ela contava, o rabo de cavalo apertado amarrado com uma fitinha azul dava a impressão que ela tinha saído de uma daquelas propagandas do "American way of life".

- Muito bem, Vic - disse meu pai, sorrindo

- Parabéns - falou minha mãe - E, você Jade?

Arregalei os olhos ao ouvir meu nome na conversa, olhei pra minha mãe.

- O que?!

- Você recebeu alguma prova hoje? - Me perguntou, séria.

- Ah... - mexi na comida com o garfo, hesitante - Eu recebi o resultado de Geografia...

Todos me encararam, inclusive Denis, sentado ao meu lado.

- ...E então?! - perguntou pra minha mãe

- ...Eu tirei - suspirei, já sabia a briga que ia ser. - ...C menos. - Declarei, preocupada.

Denis me olhou preocupado, sabendo o que viria. Minha mãe arregalou os olhos, meu pai bateu na mesa.

- Porra!

- Olha a boca, Jean! - reclamou minha mãe

- Calma ai, velho... - Denis tentou acalma-lo

- C menos?!? - gritou, furioso - Você nunca tinha ficado de recuperação!

- Eu não vou fazer - expliquei - eu compenso próximo semestre, pai, eu prometo.

- Não tem desculpa pra você tirar um nota assim, mocinha! - Reclamou mamãe.

- Eu sei... - abaixei a cabeça, evitando contato visual. - ...Desculpa.

- Não tem desculpa, Jade! - enfatizou minha mãe.

Meu pai balançava a cabeça em negação, os braços cruzados.

- Victoria nunca ficou de recuperação! - Rebateu - Porque você não pode ser mais que nem ela?! - meus olhos se encheram de lagrimas, aquilo acabou comigo.

- OH, PERA AI! - Denis se intrometeu - Pra que ficar comparando a menina?! - Ele fuzilava meu pai com os olhos. - O que a Victoria tem a ver com isso?!

Olhei pra Denis, eu não estava esperando por aquilo, não mesmo.

- Cala a boca! - Berrou meu pai - NÃO se intrometa em como eu crio minhas filhas, seu imprestável!

- Eu não me intrometeria, se você não trata-se ela assim! - Rebateu Denis - Ela não merece que você fique humilhando-a assim! Ela só não é a melhor em geografia, mas ela é boa em outras coisas! - Ele me defendeu - Mas você nunca da valor a o que ela faz bem, acho que todo mundo aqui já notou isso.

- Fica na sua, Denis. - Meu pai continuou - Você não é exemplo pra nada.

- Ah, e você é o exemplo?! - Denis provocou, cruzando os braços. - Suas notas também eram boas, certo. - Ele deu de ombros - Mas se você tivesse pedido sua carta de recomendação ao seu professor de artes, ou de educação física, talvez você não tivesse ido pra Princeton.

Meu pai revirou os olhos.

- Pelo menos eu fui pra uma faculdade. - provocou

- É muito fácil quando seu curso é o que seu pai quer que você faça. - Rebateu - Você queria medicina, papai pagou. - continuou - Eu queria musica, e até passei na Julliard, mas não, papai não quis.

- Não sei exatamente onde você quer chegar com isso. - Meu pai comentou - Querendo dizer que eu não sou exemplo pra minhas filhas.

- Bem, você se paga todo de certinho... - Contou Denis - Mas eu lembro de uma vez que você roubou o carro do papai pra sair com uma namorada.

Ele fez uma cara feia.

- A ideia foi sua! - falou

Denis riu.

- Mesmo assim. - Ele me olhou de canto de olho, também estava rindo. - Ei - Ele arqueou as sobrancelhas olhando pro papai - 'Ce lembra daquela sua fase na faculdade?!

Meu pai arregalou os olhos.

- Ok Denis, chega.

- Que fase foi essa...? - minha mãe se virou pra meu pai, receosa.

- Nada não, querida... - meu pai deu um riso engasgado.

Denis virou-se na cadeira pra mim, e pra Victoria, ao meu lado.

- Meninas, 'ces não sabem o que seu pai fazia na faculdade... - ele ria

- Já deu, Denis. - meu pai tentou, mas Denis não o dava ouvidos.

- Ele ia pras festas, bebia pra caramba. - contou, animado - Uma vez ele voltou pra casa com um moicano, todo colorido. Acho que eu ainda tenho as fotos... - Ele mexeu no celular.

Minha mãe e Victoria estavam boquiabertas.

- Você realmente fez isso?! - questionou minha mãe

- Por que você fez uma coisa dessas, papai?! - Victoria completou

Eu ria muito, entretida com aquela exposição. Eu nunca teria imaginado isso do meu pai.

- Era o primeiro ano da faculdade... - papai justificou - Eu tava meio animado de mais com a faculdade, e...

- Achei! - Denis interrompeu. - Nossa, tão muito boas...

- Denis... - Meu pai falou, ameaçador.

- Ei Jean - ele se virou pra meu pai, com um sorriso sarcástico. - Você se lembra do Kyle?!

Nesse momento, meu pai se levantou da cadeira.

- CHEGA DENIS!!

Ele começou a rir muito, e eu também. Estava tudo um caos, o melhor possível. Nos tínhamos isso em comum, adorávamos ver o circo pegar fogo quando as máscaras das pessoas "certinhas" caiam.

- Kyle?! - Minha mãe perguntou, indignada.

Victoria olhava assustada.

- Foi só uma fase, amor... - ele justificou. - era o primeiro ano da faculdade, e...

- COMO ASSIM, JEAN?! - Minha mãe berrou.

Olhei pra Denis, ele olhou pra mim. Nos dois rindo. Murmurei " Obrigada". Ele deu uma piscadinha.

• • •

- Nossa - Comentou PJ, dando uma risadinha. - É isso que eu chamo de defender alguém.

- Meu deus... - Lorena parecia assustada, mas também ria.

- Eu achei que o nome de seu pai era Edgar. - Tiffany comentou

- E é. - respondi. - Jean Edgar. O do Denis também é Jean Denis. - expliquei, rindo. - Ele odiava esse Jean na frente do nome, não usava nem a pau.

Estava sentada, meio apoiada na Lorena, ela me fazia cafuné. Eu sei que eu não estava bem, mas a presença dela, o toque dela, deixava tudo bem mais suportável.

- Ele parece legal, conta mais sobre ele. - ela pediu.

- Beleza - respondi, fechei os olhos por uns segundos com ela fazendo cafuné. Abri de novo. - Ele era um cara charmoso, saia com varias mulheres. Usava do estilo francês romântico pra sair com as elas, seu sotaque era carregado, também ajudava. - contei - Eu aprendi todas as minhas técnicas de flerte com ele!

PJ deu uma risada abafada.

- Isso explica muita coisa.

Fiz uma careta.

- O que você quer dizer com isso?!

- Que você flerta igual um homem hetero. - explicou.

Fiz uma expressão indignada, bastante contrariada, mas só ignorei.

- Enfim... - continuei - Teve uma vez que ele levou uma mulher lá pra casa, eles tavam se pegando no corredor né, já era tarde da noite - narrei - Ai ela me viu sentada no sofá, vendo um filme. E ela foi embora por que achou que eu era filha dele. - sorri, lembrando - Foi engraçado.

- Caramba - PJ disse, rindo.

- Nossa. - Lorena comentou, rindo.

- Pois é - comentei - Ele saia muito, principalmente quando ele não trabalhava. - expliquei - As vezes, eu só queria que ele não saísse tanto, pra eu não me sentir tão sozinha naquela casa.

Senti um aperto no peito, a falta dele doía demais, mesmo com o tempo passando, persistia, bem lá no fundo. Uma dor que ia me acompanhar por muito tempo.

- E ele não trabalhava?! - Lorena questinou

- Não, ele não se formou em nada - falei - Meu avô não quis que ele fizesse música, então mandou ele pro exército. Mas digamos que ele não era bem... o tipo de cara do exército. - dei uma risadinha. - Ele foi expulso do exército, e foi morar lá com a gente, já que meu avô tinha morrido. - contei, olhando pras minhas coxas. Eu usava sua calça de moletom de estampa militar, ele dizia que era a única coisa legal que ele aproveitou do exército. Sorte a minha ter ficado tão alta quanto ele pra caber em mim. - Mas meu pai ficou puto de mais depois de um tempo sustentando ele, então ele meio que ou arranjava um emprego, ou meu pai ia querer que ele se mudasse. - contei - Então ele arranjou um, na biblioteca.

- Ahhh - Lorena falou - Então é por isso que você ficou daquele jeito ontem.

- Sim, foi mal, por acaso. - ela segurava minha mão acariciando-a, suas unhas pintadas de um rosa bem claro. - É que minha irmã já tinha me feito lembrar dele mais cedo, ai quando você falou...

- Não, ta tudo bem - respondeu, ela sorriu. Sorri também. Ela ficava tão lindinha rindo. Ela desviou o olhar.

- O que era meio irônico. - declarei - Ele era todo animado, cheio de vida. Na biblioteca ele mal fazia nada.

- Denis é o tipo de tio que toda criança queria ter - PJ completou - Aquele tio que te ajuda a fazer coisas escondido dos seus pais, faz as vontades e tal.

Dei uma risadinha, nunca gostei dele só por isso, mas não deixava de ser verdade.

- Conta a historia da cobra pra ela ai, Jade. - Tiffany pediu

- Historia da cobra?! - Lorena indagou, arqueando uma das sobrancelhas.

Ah, essa historia. Simplesmente icônico.

- Deixa eu te contar, foi assim... - comecei - Eu era bem novinha, devia ter uns 8 anos. - contei - Tinha acabado de estudar um pouco sobre animais. E eu fiquei completamente fascinada pelas cobras, e quando eu descobri que algumas pessoas tinham cobras de estimação, eu cismei que eu tinha que ter uma.

- Cobra... - PJ comentou - Achei que você não gostava.

Todos riram, tipo, muito. Eu mesma quase engasguei.

- Boa! - Elogiei, recuperando o folego. - 'ta aprendendo com a melhor, hein?!

PJ revirou os olhos.

- Não mesmo. - ele disse - Mas essa não tinha como deixar passar.

- Enfim. - Falei - Ai eu pedi uma cobra pra meus pais, ai adivinha: eles disseram que não. - contei, Lorena me encarava interessada. - Bem, eu fiquei bem emburrada. Mas ai o Denis chegou pra mim mais tarde daquele dia, e me deu uma cobrinha que ele meio que "alugou". - fiz aspas com os dedos.

- Alugou?! - Lorena perguntou.

- Deixa eu explicar - continuei - Ele tinha um amigo que trabalhava num petshop, ai ele ia me levar lá pra olhar. Só que o amigo dele disse que por um preço lá, ele podia levar uma pra casa pra eu ver, e depois devolver pra ele. - expliquei - Ai ele levou uma lá pra casa escondido, e ela foi minha da metade da tarde até de noite mais ou menos.

- Que loucura... - falou Lorena

- Pois é. - falei - Era uma cobra milho, ela era laranja com umas manchinhas laranja claro. Ela parecia que pregava fogo, só que era pequenininha, tipo uma faísca, daí que veio o nome que eu dei: Spark. - narrei - Foi irado, mas deu merda. Minha irmã achou ela escondida no meu quarto, e contou pros meus pais. - Lamentei, arqueando ambas das sobrancelhas - Deu numa briga do caralho, mas valeu a pena...

- Meu deus do céu... - Lorena comentou - Eu já tive um animalzinho também. Mas autorizado, é claro.

- Ah, é? - perguntei, rindo - Que bicho você teve?

- Eu tive uma gatinha... - ela começou.

- Que nem você! - interrompi

Ela revirou os olhos, e balançou a cabeça rindo.

- Nem comece.

- Por favor. - Enfatizou PJ

- 'Ta bom, ta bom! Parei. - falei, na defensiva. - Continue.

- Enfim. O nome dela era Pangeia, ai quando ela teve filhotes, eu botei o nome de Laurasia e Godwana... - Contou - Não que tenha feito diferença, a gente doou os filhotes depois.

- Que nerdona! - comentei

- Me deixe! - reclamou, irritadinha.

- 'To brincando - abri um sorriso.

- Pronto, começou essa viadagem. - Reclamou PJ

- Logo você reclamando de viadagem. - Zombei.

Ele me olhou feio.

- Viadagem só é bom quando é comigo. - Declarou ele - Ver os outros é... estranho, sei lá.

- Posso te fazer uma pergunta? - Lorena pediu, olhando pra PJ.

Ele fez uma careta confusa.

- Pra mim?!

- Sim - confirmou.

Até eu fiquei confusa, ela mal falava com ele.

- Pode, eu acho... - respondeu, desconfiado.

- Como foi quando você se assumiu?! - ela perguntou.

Ele riu.

- Se você quer ouvir uma historia inspiradora sobre sair do armário pra te inspirar, você perguntou pra pessoa errada. - informou - Eu fui expulso de casa.

- Ah... - Ela respondeu, com uma cara meio emburrada.

- Se você quiser saber de uma historia inspiradora, pergunta a Jade ai. - Sugeriu, apontando pra mim com a cabeça.

Sorri, lembrando. Eu nunca achei que como eu me descobri fosse tão incrível assim. Mas algumas pessoas achavam.

- Então... - Lorena continuou - Como foi que você se descobriu, Jade?

- Bem, essa é uma historia boa...

• • •

A maioria das pessoas que se assumem falam que sempre souberam, no fundo no fundo. Bem... Eu não fazia ideia. Eu achava que era assexual. Tipo, eu achava mulheres no geral mais bonitas que homens, mas eu achei que isso era regra mesmo. Num geral, eu assumi que como eu obviamente não gostava de homem, isso significava que eu não gostava de nada.

Eu não poderia estar mais errada.

Eu descobri tudo numa festa de colegial, na casa de uma menina lá. Eu tinha 16 anos na época, todos da minha sala tinham ido pra aquela festa, um colega meu tinha me convencido a ir também, e lá estava eu, completamente deslocada, me perguntando o que eu estava fazendo ali.

Irônico, eu sei. Justo eu odiando festas.

Eu não tinha nenhum amigo de verdade ali, então eu estava sozinha a festa toda, minha primeira interação real com alguém daquela festa foi com o cachorro da dona da casa, quando ele sentou no meu colo no sofá. Aquilo 'tava começando a ficar meio deprimente.

De repente, começou a tocar "Can't help falling in Love with you" o que foi com certeza o auge da festa.

- Quem foi que botou essa merda?! - ouvi um garoto bêbado genérico gritar.

- Põe uma musica boa nessa porra! - berrou outro garoto

Eles foram tentar tirar a musica, mas a caixa de som tinha travado, pra minha sorte. Fiquei ali, apreciando a musica por um tempo, até cantarolei um pouquinho. Mas eu cantarolei um pouco... alto de mais, e só percebi quando vi que tinha um grupo de meninos me encarando, eles riram, parei envergonhada.

- Qual é a dessa ai?! - um deles perguntou, entre os risos

- Sei lá se é "essa" mesmo. - completou o outro, os outros caíram na gargalhada - Ela só se veste que nem homem!

Abaixei a cabeça, envergonhada. "Será que eles realmente acham que eu não 'to conseguindo ouvir isso?!" pensei "Eles 'tão praticamente berrando". Cruzei meus braços, "Eu não devia ter vindo" pensei. Olhei pras minhas roupas, uma calça preta e uma blusa preta do Pink Floyd, algumas pulseiras em meu pulso. "Eu definitivamente não devia ter vindo"

Peguei meu celular, pensei em ligar pra alguém vir me buscar, até que eu ouvi uma voz.

- Ei.

Olhei pra cima, era Juliet, uma menina de minha sala. Ela usava uma calça jeans de cintura alta e um cropped vermelho, os cabelos bem escuros caindo sobre os ombros. Ela era provavelmente uma das meninas mais bonitas da sala, eu não fazia ideia do porque ela tinha vindo falar comigo.

- Ahn... Eai. - respondi, confusa - o que foi?

Ela olhou pra trás e balançou a cabeça em negação.

- Desculpa por eles ai, eles são uns babacas. - ela apontou com a cabeça pra os caras. - Quer dançar?

Arregalei os olhos surpresa, primeiro achei que ela estava zoando com a minha cara, mas aparentemente ela não estava. Assenti, e levantei-me pra dançar com ela. Não sei o que tinha dado em mim, eu não tinha raciocinado muito para aquilo, acho que eu só segui meus instintos básicos: Menina mais bonita da festa chamando pra dançar, aceitar imediatamente.

Me levantei pra dançar, os corpos colados, eu estava gostando meio que demais daquilo, tipo, estranhamente gostando muito daquilo.

Ela olhou pra mim, sorriu. Senti meu rosto queimar. Parecia que a cada segundo que passava, eu notava um pouco mais o quanto ela era bonita. O que era estranho, muito estranho.

- Por que você fica desviando o olhar? - questionou ela.

- Nada não, é que... - falei, evitando contato visual.

- É por causa deles? - ela perguntou, olhei para o lado, notei que aqueles caras olhavam pra a gente, boquiabertos. - Não liga pra eles não, é só implicância à toa.

Observei-os por um segundo, e de repente lembrei que um deles era ex da Juliet. O Troy. Era o que mais parecia chocado.

- É que... - tentei explicar - Eu nem sabia que gostava disso...

- Como assim disso?! - ela arqueou uma das sobrancelhas, até perceber. - Ahhhh, de mulher?

Bem, não sabia o que responder. Por que até um minuto atrás, minha resposta seria que não, mas agora, com o corpo dela colado ao meu, parecia que alguma coisa tinha mudado dentro de mim. E eu já não tinha tanta certeza se eu era assexual.

- É que...

- Você é BV? - Interrompeu-me

- É... A-acho que sim - gaguejei

- Como assim "acha que sim"?! - Ela riu

- Não, é que... - pensei em alguma coisa pra falar, mas nada me veio a cabeça. - É que eu 'to nervosa, desculpa.

- Não precisa ficar - reconfortou-me - Eu te ensino - ela sorriu pegando minhas mãos.

"Take my hand." Tocava, ironicamente.

- Você coloca suas mãos aqui... - Ela colocou minhas mãos na cintura dela, senti um calor percorrer pelo meu corpo - E eu ponho as minhas aqui... - Ela colocou as mãos dela em volta de meu pescoço.

"Take my whole life too..."

Ela sorriu, senti meu corpo gelar. Eu mal podia imaginar no inicio da festa que isso ia acontecer. Hesitei por um segundo, ela fechou os olhos, respirei fundo, me aproximei...

- PORRA, TROY! - Um dos acéfalos gritou - 'CE VAI DEIXAR?!

- Vou, cara - respondeu o babaca - Pelo menos assim é sexy...

E todos os babacas riram junto a ele. Nesse momento, eu travei. Me afastei dela e sai andando rápido.

- Desculpa, eu não consigo... - murmurei, e sai andando.

- Ei, espera ai! - ela falou, mas eu já ia saindo.

Andei até a porta da frente, bati a porta e sentei no batente da casa. Comecei a chorar, eu não sei exatamente explicar o que eu senti, eu meio que me sentia perdida, confusa. Era muita coisa pra assimilar, e eu nem ao menos sabia mais quem eu era.

"Opção assexual completamente descartada" pensei.

"Não gosto de homem, certo" pensei. "Quer dizer, eu também achava que não gostava de mulher, então talvez eu possa gostar de homem" Ponderei, confusa. "Talvez eu seja demissexual." Pensei. Mas eu mal conhecia ela, então não, não fazia sentido. Nada mais fazia sentido.

Das opções, parecia que só sobrava a pior de todas. Lesbica. Isso se eu realmente não gostasse de homem. Se eu gostasse seria menos pior, definitivamente. Mas era muito mais provável que não.

Se eu realmente for lesbica, não tenho certeza de como seria a reação de meus pais quando eu contasse. Nenhum dos dois era religioso, papai era ateu, mamãe era espírita. Mas isso não impedia nenhum deles de ser homofobico. Era mais um motivo para não ser a filha perfeita deles, eu nem daria netos pra eles sentirem orgulho.

Se eu realmente for lesbica, eu vou ter que passar o resto de minha vida tendo que lidar com a homofobia das pessoas. Vendo algumas pessoas simplesmente tendo nojo de mim, e outras sentindo fetiche. Eu definitivamente não queria ser lesbica, "Só se eu for lesbica, talvez eu não seja" pensei, mas não tinha certeza.

Suspirei, eu já nem sabia mais quem eu era.

Mas de uma coisa eu sabia: Já não tinha a mínima condição de ficar ali no escuro, sozinha, sentada na frente da casa dela. Peguei meu celular, pra pedir pra alguém me buscar. Meu primeiro instinto foi ligar para o Denis, então o fiz.

- Alô?

- Oi tio, é a Jade. - Falei, limpando as lagrimas de meu rosto. - Você pode vir me buscar, por favor?

- Eai, Jade! - ele respondeu - Posso sim, mas a festa não acabava mais tarde?

- Sim, é que... - suspirei - Aconteceu um negocio ruim aqui.

- 'Ta tudo bem?! - perguntou preocupado

- Pra falar bem da verdade... não - informei.

- Depois você me fala o que foi, por que eu to indo agora mesmo te buscar - declarou - Aguenta firme, ok? Já to indo.

- Beleza, falou.

- Falou.

Desliguei a ligação, e logo depois senti meu celular vibrar.

[11:13 PM] Juliet: Jade?

Vc já foi?!

Te procurei pela festa toda, mas n te achei

Vc ta bem?!

Qr conversar?

Apenas ignorei, era demais pra eu assimilar naquele momento. Fiquei ali, esperando por Denis. Minha casa era relativamente longe dali, mas ele chegou mais rápido que o normal, aparentemente ele veio correndo. Ele buzinou quando chegou. Me levantei do batente e fui andando até o carro, sentei-me no banco da frente, abotoei o cinto.

- Eai. - Denis me olhou, e começou a dirigir novamente - O que foi que aconteceu?!

Respirei fundo, lágrimas silenciosas desceram dos meus olhos, ainda bem que eu não tinha ligado pra meus pais, imagina eu tendo que explicar aquilo pra eles. Denis era a pessoa perfeita pra aquilo, falando bem da verdade, ele era a única pessoa que eu confiava da minha família. Na verdade, acho que ele era a única pessoa que podia confiar tipo, de todas. Pelo menos eu tinha alguém que eu pudesse contar pensei. E eu contei, contei tudo, com detalhes.

- Uau... - ele falou, depois de tudo.

- Pois é.

- Bem... - ele estava sem palavras, dava pra ver. Era a primeira vez que eu o via assim - Você sabe que eu te amo mesmo assim, né? Pra mim não faz diferença nenhuma.

- Você eu não duvido. - Declarei - Eu só não sei o que meus pais vão pensar.

- Seu pai não vai ligar não, relaxe - Ele mantinha os olhos fixos na rua

- Por que? - perguntei

- Bem, digamos que ele tenha tido uma fase nem um pouco homofobica na faculdade. - ele riu.

- E minha mãe?

-Ai eu não sei...

- E eu nem tenho certeza de nada. - Desabafei - Tipo, eu gosto de mulher? Não sei. Eu sou bissexual? Lesbica? - suspirei - Não faço idéia, isso tudo é muito novo ainda... - minha voz saia meio tremida, abaixei a cabeça. - Eu não sei o que fazer.

- Não, não, não! - Ele contestou, olhando pra mim - Não fica assim, serio, eu não suporto de ver assim.

Suspirei, joguei a cabeça pra trás no banco.

- Tem alguma coisa que eu possa fazer pra você se sentir melhor? - questionou, preocupado

- Não sei... - respondi - Eu queria não falar sobre isso, tentar tirar isso da minha cabeça. - declarei - pelo menos por um tempinho...

- Hum... - ele pensou - Eu tive uma idéia! - declarou - que horas são?

- Ahn... - olhei no meu celular. - 11:48.

- Beleza... - Analisou - A locadora fecha meia noite, se eu correr da tempo.

- De que?

- 'Cê vai ver... - disse ele, com um sorrisinho.

* * *

Estavamos em casa, Denis tinha alugado "Curtindo a vida adoidado" na locadora. Era meu filme favorito, o dele também. Aquele filme sempre me animava. Comiamos a pipoca que ele tinha feito, rindo. Na TV, passava aquela cena muito boa que tocava "Twist and shout". Estava distraída, mas não é como se eu simplesmente tivesse esquecido, mas pelo menos as coisas pareciam menos pesadas.

- Eai - Denis falou, ele batucava na própria perna ao som da musica - Como que 'ce 'ta agora?

- Mais ou menos... - respondi, dando um gole no refrigerante - Mas um pouco melhor.

- Você ainda ta confusa? - perguntou

- Sim.

Ele ficou em silencio por um segundo, encarando a tela.

- Tive uma ideia! - ele pegou o controle da TV e pausou o filme

- O que?

- Se ligue, você quer saber se você realmente não gosta de homem, né? - perguntou

- É, também. - respondi.

- Olha ai - ele apontou pra TV com o controle - Você acha o Ferris gato?

- Que? Não! - fiz uma careta

- Certeza?

- Absoluta.

- Ok, então provavelmente você não gosta de homem - Declarou

- Porque? - perguntei, peguei um pouco da pipoca na tigela.

- Por que é consenso geral que ele é gato. - Explicou - Até eu pegava. - Brincou

Fiz uma careta.

- Estranho.

Ele riu.

- Agora, fala um homem ai que você acha gatão. - pediu

- Sei lá, você, meu pai. - dei de ombros

- Não, não - balançou a cabeça em negação, o cabelo no rabo de cavalo balançando - bonito de querer pegar.

- Ah... - Ponderei por um tempo, mas não pensei em ninguém. Me esforcei pra pensar em alguém, mas ninguém me vinha a cabeça. - Não consigo pensar em ninguém... - falei - Tipo, não é que eu ache que todo homem é feio, é só que sei lá... homens são estranhos.

- Então você não gosta de homem. - Denis concluiu

- Não sei... - Suspirei, quem eu estava querendo enganar?! - É, não gosto não.

- Pois bem - continuou, apontou pra TV de novo. - E a Sloane?!

Olhei pra tela, Sloane dançava pausada na tela.

- Ela é gata sim. - respondi, rápido. - Pra caralho.

- Então! - entusiasmou-se Denis - 'Ta vendo? Sem hesitar! Assim que é bom.

- É... - Concordei.

- Agora fala uma mulher que 'ce acha gata ai.

Pensei um pouco.

- A Padmé, de Star Wars.

Ele riu.

- Natalie Portman. - falou - Classico.

Não falei nada, só peguei mais um pouco da pipoca. Não tenho certeza se eu queria ouvir a conclusão daquilo tudo.

- Então! - ele continuou - Você gosta de mulher.

Suspirei, não falei nada.

- Ah, 'vamo lá. - Ele falou - Não é tão ruim assim, é? Tipo, eu sei que a sociedade é uma merda. - admitiu - Mas o fato em si, tipo, é só gostar de uma pessoa que é do mesmo sexo. Não tem nada de erra...

- Gosto sim. - Interrompi, aquilo saiu quase que involuntariamente de minha garganta. - Eu gosto de mulher. - Falei, e por algum motivo, aquilo foi meio que libertador. Esquisito, mas libertador.

- Então, se você não gosta de homem, e gosta de mulher - completou - Você é...

Demorei um segundo, mas falei.

- Lesbica.

- Isso! - enstusiasmou-se - Você consegue repetir isso?

- Eu sou lesbica - Disse, calmamente.

- Eai? Como se sente? - perguntou

- Não sei dizer - respondi - Melhor? Não sei... diferente com certeza. - enfatizei - Estranho? Também.

- Livre?

- É, acho que sim... - Era meio libertador saber daquilo, gostando ou não. Eu passei minha vida inteira sem saber o que havia de errado em mim, eu sempre senti que faltava alguma coisa dentro de mim. E agora era como se aquele vazio 'tivesse se preenchido com essa explicação, independente de eu gostar ou não, pelo menos fazia sentido.

Ele sorriu.

- Você devia falar com essa Juliet segunda - comentou - Pra resolver o que ficou pendente de hoje.

- Não mesmo! - constestei - Eu nem sei porque ela quis ficar comigo, pra inicio de conversa.

Denis fez uma cara confusa.

- Ela te quis porque você é fodona! - argumentou

- Não, eu não sou. - rebati

- É sim! - insistiu

- Não mesmo - enfatizei. - Eu sou estranha, e diferente de todo mundo da minha sala. - Joguei minha cabeça pra tras no sofá - Eu sou esquisita, e eles não gostam de mim. Eu mal tenho amigos.

- Olha, eu não sei quem te ensinou a se odiar... - ele falou - Mas é melhor você parar com isso agora, porque você é incrível. E não é por que você é lesbica nem nada do tipo que você é menos foda.

Suspirei.

- Eu sei que eu não sou o melhor com essas coisas. - começou Denis - Mas nunca deixe ninguém te diminuir por isso, nem por nenhum outro motivo, serio. - continuou - Você é foda, tenha ciência disso. E se algum dia alguém te fizer sentir o contrario... - ele estalou os dedos da mão - Me avise, por que ai a coisa vai ficar feia.

Dei uma risadinha.

- Obrigada tio, serio.

- Por nada - Ele sorriu. - E eu to só dizendo, você devia chegar nessa Juliet segunda.

- Vou pensar no seu caso - Brinquei, ele sorriu.

- Sabe? ainda bem que você é lesbica - ele comentou, despausando o filme - Eu também não sei se eu seria o melhor pra ter a conversa sobre camisinha.

Engasguei com o refrigerante.

- Denis! - Reclamei rindo.

• • •

- É... - falei - No final, o Denis me convenceu. - contei - Eu tava quase desistindo, mas eu respirei fundo e fui. Ai eu cheguei nela na segunda, e a gente se pegou. - dei uma risadinha - E essa é a historia de como eu me descobri, como eu perdi meu BV, e como eu comecei a adquirir minha confiança.

- E tudo isso em três dias - PJ enfatizou - Essa é tipo, a historia mais impressionante de todas.

- É, foi foda. - afirmei - Mas no final, depois de um tempo da gente ter ficado, a Juliet voltou pro ex babaca. Então é meio decepecionante também. - Dei de ombros. - Enfim, eu meio que só me assumi pro Denis naquela epoca, e foi assim por um tempo. Ele vivia me dizendo que eu devia me assumir pra meus pais, mas eu prometi que ia depois de fazer 18 anos.

- Nossa... - Lorena falou - Sabe, eu 'tava com medo de perguntar, mas acho que eu já enrolei tempo de mais... - Ela colocou o cabelo pra trás da orelha, não fazia contato visual. - É... o que eu aconteceu com o Denis?

Respirei fundo, a pergunta inevitável finalmente havia sido feita. Essa sempre era a pior parte.

- Ele... - comecei - Bem, ele... - as palavras não queriam sair da minha boca.

- Ele... Morreu? - Lorena perguntou, receosa.

- É. - assenti, morto. Era tão estranho pensar assim. - De vez em quando, parece que a ficha não caiu. - dei uma risada nervosa - Parece que foi ontem que eu tava com ele, conversando, rindo.

- O que ele teve? - Questionou Lorena, acariciando minha mão.

- Bem... - Eu não sei por que, mas a idéia de falar aquilo diretamente sempre parecia tão ruim. - Eu já falei que ele saia com varias mulheres, né? - perguntei, Lorena assentiu - Digamos que ele pegou um vírus que os cientistas não conheciam muito ainda.

Lorena me encarava, ainda assimilando o que eu queria dizer.

- Talvez eu que tivesse que ter tido a conversa sobre camisinha com ele. - Contei, com uma risadinha nervosa. Lorena finalmente entendeu.

- Meus pêsames.

- Obrigada. - agradeci. - A fase dele doente foi a fase mais difícil de minha vida - afirmei - Ele não tinha muita força pra mais nada, foi difícil. - comecei a sentir aquele aperto no peito de novo, Lorena me abraçava.

- Eu não imagino o quanto isso deve ter sido difícil pra você - Lorena confessou

- É, eu lembro como se fosse ontem o dia que eu me despedi dele...

• • •

Quando ele foi ficando mais doente, ele precisou se internar. Geralmente, a família toda ia visita-lo, mas naquele dia, só eu fui. Estavamos hospedados em Nova York tinha um tempo, papai tinha achado um hospital que poderia dar um tratamento melhor a ele lá, então estávamos lá por tempo indefinido. Andei do hotel até o hospital, nem era tão longe, chegando lá, esperei até a enfermeira liberar minha entrada e entrei no quarto.

Denis parecia pior que nunca, ele tinha umas erupções vermelhas por todo corpo, mas principalmente nos braços, ele estava muito mas - muito mais - magro, os cabelos loiros ressecados. Tive que segurar o choro, ele já parecia morto.

- Oi... - falei, hesitando.

- Jade?! - Ele parecia surpreso - Eai...

Ele sorriu, sorri também. Fui até a maca dele, e sentei na cadeira ao lado. Olhei em volta. O hospital era estranho, tudo era muito branco, tentando passar uma impressão calma, mas eu nunca me sentia calma ali dentro, nunca mesmo. Era irônico, tudo que eu sentia naquele lugar era medo. Medo de ser a ultima vez que eu o veria. Pode parecer loucura de minha parte, mas aquele lugar tinha uma vibração de morte pra mim.

- Como você 'ta? - Fiz a pergunta retórica de sempre.

- É... - ele parou por um segundo - Já estive melhor.

Ficamos em silencio, segurei a mão dele, mas ele não segurou com a mesma força. Estava lá por causa de uma pneumonia, mas parecia que ele não estava melhorando.

- Seu pai veio? - ele perguntou

- Não, eu sai por que ele mandou eu ir cortar o cabelo no salão - respondi - Ai eu resolvi passar aqui antes.

- 'Cê vai fazer o que no cabelo? - ele indagou.

- Só cortar.

- Ah... sem graça. - comentou, rindo. Mas acabou tossindo um pouco. - Você devia fazer um moicano, ou coisa do tipo.

Dei uma risadinha.

- Se eu pudesse escolher. - declarei

- O cabelo não é seu?

- Sim...

- Então... - Ele riu, mas a feição seria voltou. - Jade...

- Oi?

- Me promete uma coisa - Pediu.

- Claro - respondi - o que foi?

- Por favor - ele me encarou serio - Me prometa que você nunca vai deixar de ser você mesma por ninguém. - ele segurou minha mão o mais forte que conseguia. - Você já passou tempo de mais de sua vida se reprimindo. Nunca deixe ninguém te dizer que você devia ser igual a sua irmã, ou ao seu colegas de classe... - Falou - Você é única, nunca deixe ninguém tirar isso de você.

Abri um sorriso sem mostrar os dentes, segurei as lagrimas.

- Me prometa - ele pediu - Mesmo que eu não esteja aqui pra te ajudar.

- Eu prometo - prometi, como eu poderia dizer não?

- Olha... - ele disse - Eu 'tava juntado um dinheiro no banco, eu pretendia tentar entrar uma faculdade - Mencionou Denis - Mas eu acho que agora não adianta mais... Então eu queria que você ficasse com ele. - declarou - E com minha guitarra. Não é muito... Mas é tudo de valor que eu tenho hoje.

Fiquei em silencio, não sei se conseguiria abrir a boca e sair alguma coisa além de um choro. Apenas assenti.

- Pega aquele papel ali... - ele apontou, a mão meio fraca - Eu pedi pra enfermeira anotar o numeros do meu cartão ai pra você, o cartão 'ta em baixo do papel.

Obedeci, peguei o papel e o cartão e segurei-os com a outra mão. Fiquei ali com ele por um tempo, os dois sem falar nada, só aproveitando um pouco a presença um do outro, pensando que talvez fosse a ultima vez. Olhei meu relógio, já tinha dado o horário que estava marcado meu corte de cabelo.

- Eu tenho que ir - falei - Deu o horário aqui que 'ta marcado no salão.

- Ah... - ele falou - 'Ta bom.

Nos encaramos, aquilo poderia ser uma despedida...

Mas não parecia com uma.

- Até. - falei.

- Até. - respondeu.

Sai do quarto, confusa. Não parecia uma despedida... por que não era uma. Eu estava certa, aquela não foi a ultima vez que nos vimos... teve mais uma.

* * *

Estava no salão, sentada na cadeira da cabeleireira, já havia lavado o cabelo, esperava ela pegar a tesoura para começar. Encarei as pessoas pelo espelho do salão, depois me encarei, eu sinceramente me achava muito estranha. Era difícil explicar, eu só não me sentia muito bem com minha aparência no geral, as vezes eu sentia que eu não parecia comigo mesma.

- Oi, oi! - a cabeleireira chegou, era uma moça baixinha loira. Meio animada de mais pra alguém segurando uma tesoura com ponta. - Pronta pra começar?

- Sim, eu acho...

- Então... - Ela pegou meu cabelo, e deu uma olhada pelo espelho - Só dar uma aparada nas pontinhas, né?

Ia ficar um merda, como geralmente ficava, mas aquele era o único corte que meus pais me deixavam fazer. Ia responder que sim, até que olhei pra minha mão onde segurava o cartão de Denis e o papel, e por um momento, a voz dele ecoou pela minha cabeça: "Me prometa que você nunca vai deixar de ser você mesma por ninguém." E bem, tecnicamente não era eu que queria aquele corte daquele jeito, eram meus pais. Mas o cabelo era meu, então tive uma idéia.

- Na verdade, não. - respondi, abrindo uma sorriso maroto.

- Não?

- Mudança de planos - falei - Eu vou querer um undercut, raspando esse lado aqui - passei a mão pelo lado da cabeça - e aqui na ponta, eu quero descolorir e pintar de verde.

- Ah... - A moça encarava meu cabelo - Vai ficar mais caro que só um corte.

Abri um sorriso confiante.

- Não tem problema - respondi - Passa nesse cartão aqui - estendi o cartão de Denis com os dedos.

- Tudo bem então - ela deu de ombros, e foi pegar os materiais pra o novo corte.

Esperei por ela. Pela primeira vez, eu estava animada pra ver o resultado final, e não me lamentando pelo corte de cabelo genérico de sempre. Ela chegou, virou a cadeira pro lado contrario do espelho, então não podia ver nada. Esperei ansiosa, mas da melhor maneira possível.

Quando tudo acabou, ela virou a cadeira, e eu finalmente olhei como tinha ficado.

Uau.

O resultado tinha ficado incrível, tinha dado uma impressão meio rockstar, sei lá. Eu só sei que eu tinha amado, e aquela era definitivamente eu.

Me levantei da cadeira, estranhei a falta de cabelo de um lado, mas ao mesmo tempo adorei. Fui até o caixa pagar, a felicidade incontida, a atendente perguntou se eu ia querer comprar o pote de tinta verde, respondi que sim. Olhei a senha do cartão e passei na maquininha. A atendente era uma mulher negra com cabelo loiro, tinha varias tatuagens no braço, e me encarava com aprovação.

- Obrigada e volte sempre - ela agradeceu, ainda me encarava - E garota... ficou foda. - comentou. - É isso ai, arrasou!

- Valeu! - agradeci, sorrindo - Vem cá - me apoiei no balcão - posso te fazer uma pergunta?

- Claro - ela respondeu, um jeito meio atrevido e debochado ao mesmo tempo. - Pode falar, garota.

- ...Aonde você fez suas tatuagens?!

* * *

Voltei ao hospital para visitar Denis, agora animada, mal podia esperar para mostra-lo como tinha ficado. Esperei um pouco na recepção, até a enfermeira me deixar entrar no quarto. Entrei, ele arregalou os olhos.

- Uau... - ele falou, surpreso. Me encarou. - Parece que você levou bem a serio o que eu disse.

- Pois é. - falei, sorrindo - O que você achou?!

- Ficou... - ele não tinha muita força, mas dava pra ver que ele sorria - Foda. Melhor que o moicano.

Dei uma risadinha e me aproximei, ele me encarava boquiaberto, porem deslumbrado.

- E você não sabe da melhor parte... - contei, animada. Levantei um pouco da minha blusa, revelando minha tatuagem de cobra, ainda coberta com um plasticozinho. - Uma tatuagem.

- Caralho. - ele falou, a voz saia rouca. A tatuagem ia do inicio do meu quadril, até minha perna, só dava pra ver uma parte.

- Eu sei, ta?! - falei, entusiasmada - É que nem a cobra que você me deu, eu fiz pra representar.

- E em direção a sua virilha... - ele comentou, fiquei confusa sobre a opinião dele sobre isso, por um minuto. - Irônico.

- Exatamente... - respondi, esperando uma reação.

Ele deu uma risadinha.

- Genial.

Sorri também, sentei na cadeira ao lado da maca. Aquele tinha sido meu maior surto da minha vida, e geraria também as maiores conseqüências

- Eu não mostrei pra meus pais ainda... - comentei

- Não mostre a tatuagem. - ordenou Denis, desesperado. - Espere até a faculdade, ou sei lá. Mas não mostre agora, serio, eles vão surtar.

- É, talvez seja melhor. - dei de ombros - O cabelo que não da pra esconder, então já vou me preparando. Ah, e eu acho que eu vou me assumir pra eles. - declarei - Pra ser um susto só de uma vez.

- Como eu queria ver isso - disse ele, rindo. Mas um tanto quanto melancólico - Nunca se esqueça do que eu te falei, agora eu vi que você captou, mas não se esqueça. - pediu

- Beleza - peguei a mão dele, sorri, ele sorriu de volta. A enfermeira entrou no quarto.

- Eu preciso que você saia do quarto agora - Declarou a enfermeira, seca.

- É a hora do meu remédio - falou Denis

- Ah, beleza...

- Au revoir, mon chéri - Ele brincou.

- Au revoir, oncle - me despedi, sai do quarto.

Andei pelo corredor do hospital, senti uma coisa estranha, fiquei sem entender. Parei no bebedouro pra beber um copo de água, até que finalmente caiu a ficha. "Dessa vez foi uma despedida". Pensei. Não tinha nada que provasse isso... era só a impressão que eu tinha.

Bem, e novamente eu estava certa.

• • •

- É estranho pensar que nossa despedida não foi triste - falei - Olhando pra trás, eu penso em varias coisas que eu poderia ter falado, mas no fundo... Acho que eu não mudaria nada - declarei - Pelo menos, nosso ultimo momento juntos foi feliz.

- Pelo menos - Lorena falou - E como seus pais reagiram?

- Bem, ligaram muito pro cabelo, e nada pra eu ser lesbica - contei - Eles falaram que sempre souberam, e que não tinha problema. Eles também meio que 'tavam muito ocupados ficando putos por causa do cabelo, e depois o hospital ligou, e...

Suspirei, abaixei a cabeça. Lorena me encarava com uma feição triste.

- Eu sinto muito.

- Foda é que... - falei, os olhos enchendo de lagrimas - É difícil pensar que se ele tivesse se protegido, ou descoberto mais cedo, ele ainda poderia estar vivo - minha voz tremia, lagrimas escorriam pelo meu rosto.

Lorena me abraçou.

- Calma! - Lorena tentou - Não fica assim.

POV Lorena.

E ela voltou a chorar, e eu entrei em desespero de novo. Abracei-a forte, eu só queria que houvesse um jeito de que um pouco da dor dela passasse pra mim, vê-la assim era completamente devastador, principalmente pensando que ela guardou tudo aquilo pra ela por tanto tempo.

Eu nem imaginava que ela tinha toda essa dor dentro dela. E ela nunca tinha me falado nada. Eu odiava vê-la chorar, eu só queria coloca-la dentro de um pote e protege-la, mesmo isso sendo muito gay, eu daria de tudo pra vê-la melhor. Os amigos dela também se preocupavam. PJ fazia carinho no joelho dela, Tiffany só observava, preocupada.

Ela chorou no meu colo por um tempo, acariciei-a, esperei até ela se sentir melhor. E eu ia ficar ali o tempo que fosse preciso.

E eventualmente ela ficou melhor.

- Desculpa por... esse surto - Ela enxugou as lagrimas, e olhou pra mim. - Eu já falei que eu odeio chorar? Por que meu deus...

- Que isso! - reclamei - Não é pra você se desculpar.

- É sim - ela suspirou - Eu fiz você me aguentar aqui surtada.

- Te ajudar não é sacrifício. - respondi - E eu 'to aqui se você precisar. - falei, por um momento, eu tive que deixar toda minha aversão a minha viadagem por ela de lado, ajuda-la era mais importante. - ok?

Ela sorriu, os olhos ainda inchados.

- Beleza - notei que nossos rostos estavam muito próximos, ela olhou pra minha boca e olhou nos meus olhos, virei a cabeça rápido, corada.

PJ levantou.

- 'Ta bom, agora que você 'ta melhor eu vou indo viu - PJ fez uma careta de desaprovação, se levantando.

Jade riu.

- Pare de viadagem, vai! - Jade reclamou.

- Pare você! - rebateu ele, Jade riu.

PJ foi pro outro lado do quarto, Tiffany o seguiu. Agora era só eu e ela, tecnicamente. Ela ficou com a cabeça apoiada no meu ombro, segurei a mão dela e acariciei-a.

- Sabe, pelo menos você tem historias legais pra contar - choraminguei - Eu não tenho nada de interessante nem sobre minha infância, nem adolescência pra contar.

- Ah, mentira.

- Pior que não. - Falei - Eu só estudava tecnicamente, era meio chato.

Além de que, as únicas coisas levemente interessantes envolviam obrigatoriamente a Débora e o André, e eu definitivamente não queria falar sobre eles.

- Não é possível que você só estudasse o tempo todo - Jade insistiu

- Você se impressionaria - declarei - Sério, uma vez eu tava vendo um filme do homem aranha com meu irmão...

- Qual homem aranha? - Jade interrompeu, animada.

- Sei lá, não é esse novo não - dei de ombros - Enfim, ai meu pai primeiro mandou eu parar, por que super herói era coisa menino - contei, Jade revirou os olhos. - E minha mãe reclamou que eu não tava estudando, era tipo, um sábado.

Jade fez uma careta.

- Que horror.

- Pois é, ai eu falei pra ela que ia estudar depois - continuei - e ela ficou tipo: Ah mas depois quando? Por que você tem balé terça e quinta, amanhã você vai apresentar com o coral da igreja que não sei o que... - Imitei - Era uma merda.

- 'PERA AI 'PERA AI 'PERA AI! - Jade se afastou, e me encarou. - Repete isso ai.

- O que?! - perguntei, assustada com o drama.

- Repete essa ultima parte. - pediu, me encarando.

- Ahn... - relembrei o que tinha dito - Minha mãe me enchia o saco pra estudar por que eu ainda tinha que ir pro balé e pro coral da igreja.

- Você participou de um coral... - Jade falou, gesticulando - E você nunca tinha me falado isso?!

Fiz uma careta confusa.

- Sim...?

- Que ABSURDO! - Ela balançou a cabeça em negação, abriu um sorriso - Você canta!

- Um pouco - Dei de ombros - Eu nunca fui a cantora, eu só cantava afinadinho junto com as outras crianças. - expliquei - As vezes eu nem cantava, eu só ficava dublando, ninguém nem reparava.

- Da uma palhinha pra eu ver aqui! - Ela pediu, passando o braço pelo meu ombro.

- Não! - virei a cabeça, evitando contato visual. - Por que eu faria isso? Eu já te falei que eu não canto tão bem assim.

- Mas eu quero ouvir, vai! - ela pediu - Por favor.

- Não, eu fico com vergonha... - declarei - E eles ainda tão ai. - apontei com a cabeça para PJ e Tiffany.

- Ah, se for só isso! - ela falou, virou-se pra eles - PJ, Tiffany! - chamou, eles viraram. - Eu 'to insistindo pra ela cantar aqui, mas ela 'ta com vergonha. 'Cês podem sei lá, tapar os ouvidos por um minutinho?

Tiffany assentiu, PJ deu de ombros. Os dois colocaram fones de ouvido.

- Problema resolvido! - Jade vangloriou-se - Então... - ela me olhou sugestiva - Vai, por favoooor....

Suspirei.

- 'Ta bom, 'ta bom! - respondi, derrotada. Jade abriu um sorriso, e desviei o olhar novamente. Estava com essa nova técnica agora, toda vez que ela sorria, ou eu começava a acha-la bonita de mais, eu só desviava o olhar. Até o momento estava funcionando. - Cantar o que?

- Tanto faz. - ela deu de ombros - Canta alguma coisa que você gosta.

Assenti, pensei em alguma musica. Por um momento, imaginei que seria engraçado se eu cantasse uma musica da banda dela, mas desisti na hora. "Eu podia cantar alguma coisa dos Beatles" pensei "Ou gospel mesmo, mas sei lá". Não, ela não ia curtir. Fiquei em duvida ali, sem ter ideia do que cantar, até que tive uma ideia.

Não tinha como errar com Frank Sinatra.

- Beleza. - Respirei fundo, meio nervosa. - ...Fly me to the moon... - Cantei.

Jade colocou a mão no peito, em um gesto dramático.

- And let me play among the stars... - continuei, minha voz estava OK. Mas nada de mais, como já havia falado. - Let me see what spring is like on Jupiter, and mars...

Ela me encarava, não parava de sorrir. Ela ficava muito linda me olhando daquele jeito meu deus do céu.

- In other words, hold my hand... - Minha voz saiu meio desafinada nessa parte. Ela me encarava, os olhos verdes brilhavam. - In other words, baby kiss me... - ela sorria sem mostrar os dentes, a boca não tão distante assim da minha. Eu consegueria beija-la sem dificuldade... se eu quisesse. - Pronto, satisfeita? - conclui, antes que aquilo ficasse romântico de mais. Observei Tiffany e PJ do outro lado do quarto, acho que eles não tinham ouvido, mas talvez sim, por que PJ dava uma risada abafada.

- VOCÊ CANTA TÃO BEM! - Ela sorria - Serio, ahhhhhh - ela me abraçou forte, muito forte. - Você é tão lindinha, meu deus do céu.

- Ai Jade, me solta! - reclamei, rindo. Não sei até que ponto eu realmente queria que ela me soltasse. - Nem foi nada de mais.

- Foi sim! - rebateu Jade, dei uma risadinha, mesmo sabendo que não era verdade. - Deixa eu gravar um cover com você depois, serio.

Revirei os olhos, dei uma risadinha.

- Vou pensar no seu caso. - Respondi, basicamente um não disfarçado.

- Serio, vou até pegar os acordes. - Ela destravou o celular, e mexeu um pouco.

Não pude deixar de notar que o Wallpaper do celular dela era uma foto abraçada com uma menina loira, revirando os olhos. Uma menina até muito bonita. Senti um pouco de raiva por um segundo, quem era aquela?! Não era daqui, disso eu sabia. Eu conhecia os amigos dela, nunca tinha visto aquela menina.

- ...Quem é essa menina com você no seu wallpaper?! - perguntei, a raiva transparecendo.

Jade parou imediatamente, me encarou. Ela deu uma gargalhada, fiquei sem entender, o que me deixou com mais raiva ainda. Ela saiu de todas as abas, mostrando o wallpaper.

- Cara... - ela ainda ria - É minha irmã.

- Ahhh ta - falei, um tanto quanto aliviada, sei lá.

- Eu não acredito que você 'tava com ciúmes da Victoria! - ela continuava rindo.

- Que?! Eu não tava com ciúmes! - contestei, irritada.

- PJ, Tiffany! - ela chamou-os - 'Ces acreditam que ela 'tava com ciúmes da Victoria?!

- Que?! - PJ indagou

- Ahn?!

- EU NÃO 'TAVA COM CIUMES! - Queixei-me. Cruzei os braços e virei na direção contraria a ela, irritada.

- Não! Não fica assim, 'pera - Ela virou-se pra mim, e me abraçou - Eu 'tava só brincando! - ela não parava de rir.

Não falei nada em resposta, emburrada.

- Me desculpa, vai, eu 'tava só brincando!! - Ela pediu, olhei pra ela, desviei o olhar. - E eu tinha colocado essa foto temporariamente, de qualquer jeito. Era só até eu achar alguma coisa melhor. - Jade contou - E eu tava reparando aqui... A gente não tem nenhuma foto juntas. - me olhou, sugestiva.

- E porque eu tiraria uma foto com você agora que você me irritou?! - perguntei.

- Por que vai ser dahora, bora! - respondeu, desbloquando o celular.

- Não! - cobri meu rosto.

- Bora! - Jade insistiu - Por favor, só pro meu wallpaper.

Tirei as mão da frente de meu rosto, olhei pra ela, brava. Ela sorria, arqueando uma das sobrancelhas sugestivamente. Suspirei e assenti. Percebi que a cada vez que eu a via sorrindo, eu me desestabilizava um pouco mais, me tornando cada vez mais vulnerável a ela. Eu definitivamente não estava gostando disso.

- É isso ai! - Jade falou, animada. Posicionou o celular na foto e sorriu, olhei pra ela ainda meio brava, mas sem conseguir conter um sorrisinho.

- Deixa eu ver... - pedi

- Ficou boa, vou botar. - Ela falou, e colocou a foto como wallpaper. Tinha ficado ok.

- Só você mesmo viu. - declarei - Pra me convencer.

Ela sorriu, sorri também, timida. Ela deitou a cabeça no meu ombro e pegou na minha mão, me encarava sorrindo. Engoli em seco, definitivamente tinha ficado um clima entre a gente ali. Ela parou de me olhar, ajeitando-se no meu ombro, e ela começou... a beijar meu pescoço.

PUTA MERDA.

- Ah... - Soltei um gemido, acidentalmente. Nãão, não, não, não, puta merda, não.

Senti meu corpo gelar por um segundo, e no outro derreter. Sentia sua língua em meu pescoço, me beijando repetitivamente, e de repente, parecia que todo meu corpo estava quente. Puta Merda. Eu não podia ficar ali, não mesmo. Tentei sair dali, mas não consegui. Ela não me impedia, mas eu só... não conseguia. Talvez eu não quisesse sair dali.

Seus beijos começaram a subir até minha orelha, senti os pelos de minha perna se arrepiarem. Eu preciso sair daqui eu pensava. Mas tava tão... é até difícil explicar, eu nunca tinha sentindo nada tão bom assim antes, nada nunca tinha sido tão bom assim com o André.

O André. Pensei.

E foi assim que eu tomei coragem e me levantei bruscamente, sai andando rápido, sem explicar.

- Lorena?! - Jade perguntou, confusa.

- Desculpa, é que... - Comecei, mas não tinha condição de falar mais nada. Apenas atravessei a porta, e sai correndo até o meu dormitório, segurando o choro.

Puta que pariu, o que foi isso? eu pensava. Qual o meu problema?! Porque eu só não sai dali? E eu tinha gostado, já não tinha como negar com minha boca se o resto de meu corpo dizia o contrario. Eu gostava dela, não tinha nenhuma outra explicação. Comecei a respirar rápido demais, desesperada. O que que eu fiz pra merecer isso?! Por que eu tinha que gostar dela?! Eu sou uma aberração. Pensava. Nojenta, promiscua. Comecei a chorar muito, mas muito mesmo. Sentia um aperto no peito, eu estava falhando com Deus, com meu namorado, com meus pais, comigo mesma. Eu sou uma decepção. Era isso que eu era, uma decepção para todos.

Eu havia falhado em tudo, eu não servia pra nada. Lagrimas quentes desciam do meu rosto sem parar, eu não consigo imaginar como Deus estaria decepcionado comigo nesse momento. Tentei orar, pedindo perdão, mas o choro excessivo não permitia. Eu me odeio, eu não mereço adentrar o reino dos céus. Lesbica, Por que isso tinha que acontecer justo comigo?! O choro saia completamente fora de meu controle, a sensação era de como se eu me afogasse em minhas próprias lágrimas. Não parava, e a impressão que dava, era de que não ia parar.

Eu só queria morrer.

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