"Um fio invisível conecta aqueles que estão destinados a encontrar-se, independente do tempo, lugar ou circunstância. O fio pode esticar-se ou emaranhar-se, mas nunca romperá."
— O que você está desenhando, querida? — perguntei agachando pra ficar na altura da baixinha.
— É um céu, e eu estou aqui no meio das estrelas porque também sou uma. — ela apontou para o centro do desenho onde dava para vê-la, ou pelo menos eu supunha que aquela cabeçona apoiada em dois palitinhos tortos fosse ela. — Sabe o que eu acho professora?
— O que você acha? — coloquei a mecha que voava no meu rosto atrás da minha orelha.
— Que quando as pessoas olham a gente do céu nos veem como estrelas, igual a gente as vê daqui da terra. — ela sorriu sem tirar o olho do desenho enquanto terminava de pintar o fundo. Para ela poderia não significa nada, mas achei aquelas palavras muito sábias para uma criança da idade dela.
— Espero ser uma estrela bonita quando eu morrer. — digo sorrindo e ela finalmente para de pintar e olha pra mim.
— Você vai ser a mais brilhante! — ela dá uma risadinha e me envolve a também fazer.
Me levanto e deposito um beijo na cabeça na mesma, em cima de seus longos cabelos negros. Saiu andando voltando ao centro da sala e me apoiando na minha mesa. Em um gesto rápido puxo meu celular do bolso e desbloqueio o celular pronta para ver que hora era, mas nem preciso já que o sinal toca e observo várias crianças passarem correndo por mim.
— Tchau crianças, até amanhã e não se esqueçam da lição de casa. Ei não corram! — aceno enquanto as observo.
São a primeira classe do terceiro ano infantil que dou aula, já que costumava ficar com o maternal. Tem sido um grande desafio, mas também muito emocionante, eles são ótimas crianças e sabem bem como animar uma pessoa em um mal dia.
Eu sou Ashlee Mitchell uma professora recém-formada e que se mudou a pouco tempo para o Alabama. A minha família é mora em Londres então tem sido diferente viver em uma cidade pequena em outro país, mas assumo que é maravilhoso não ser acordado todos os dias de manhã por barulhos insuportável de carros parados no engarrafamento. As pessoas do interior também são bem mais tranquilas, e eu me sinto ótima na cidade, como se tivesse nascido pra isso.
Recolho as minhas coisas na mesa as guardando na bolsa, em seguida chegando a sala e saindo da mesma. Me despeço rapidamente de todos ali e então saiu da escola acenando ao porteiro.
Todos os dias eu vou a mesma cafeteria depois da aula, parece até que faz parte da rotina pois é sempre a mesma coisa. Eu não sou uma pessoa que curte muito mudanças então isso realmente não me incomoda nem um pouco, até porque o café de lá é maravilhoso, é um lugar muito confortável, é na mesma rua da escola e os funcionários ia me conhecem muito bem.
Conto meus passos até a cafeteria, exatamente 30 passos como no dia anterior. Ajeito a bolsa no meu ombro e empurro a porta adentrando a mesma; era uma cafeteria bem pequena e nunca estava lotada, tendo sempre vários lugares para sentar, tinham muitas janelas deixando o local bem claro e arejado, é tudo tinha detalhes de madeiras o que eu amava porque combinava muito com meu estilo vintage.
— O mesmo de sempre, senhorita Ashlee? — o balconista me pergunta assim que me aproximo, ele se chamava Robert.
— Você já me viu mudar alguma vez, Robert? — retiro os meus óculos de grau colocando em cima da cabeça, deixando a mostra minha sobrancelha arqueada.
— É claro que não. — ele deu um riso pelo nariz e viro seu corpo para o fundo, olhando para os outros funcionários. — Um latte simples para a moça.
— Acha que eu deveria ser menos previsível? Quer dizer, todo mundo sabe o que eu vou fazer sempre. — pergunto fazendo o mesmo rir.
— Sabe o que eu acho, Ashlee? Que deveríamos sair uma hora dessas. — ele diz e agora é a minha vez de rir.
— Eu não te desejo esse mal, Robert, eu sou horrível.
Antes que ele possa responder entregaram para ele o meu copo com latte, fazendo com o que mesmo coloque a tampa e escreva meu nome no protetor de mão em letra cursiva e com um coração exagerado do lado. Agradeço baixo, deixando o dinheiro no balcão e me virando para procurar um lugar pra sentar, quando sinto algo quente cair sobre meu pescoço descendo ao meu busco. É, alguém tinha esbarrado em mim e derrubado chá quente em minha roupa.
— Que merda! — digo irritada levantando um pouco a minha blusa para tentar limpar minha pele com a mesma que também estava encharcada. — Você não olha por onde anda não? Por acaso é cego?
— Sinto em lhe informar que sim. Eu sinto muito senhora. — o mesmo diz com um tom de voz assustado e eu solto uma risada abafada.
Encaro o mesmo por um segundo após o que ele diz e noto que o mesmo usa óculos escuros. Desço um pouco meu olhar e vejo que ele segura um bastão em sua destra, daqueles que cegos usam para conseguir "ver" para onde está indo... Droga, ele é realmente cego.
— Não tá tudo bem, não foi nada demais, eu que peço desculpas. — falo meio sem jeito, já ignorando completamente minha roupa molhada pois esse não é o maior dos problemas.
— Não é você quem tem que pedir desculpas sou eu, será que tem alguma forma de eu te recompensar? — ele pergunta e eu torço o lábio.
— Qual é o seu nome?
— Kile. — ele ajeita o óculos no rosto. — E o seu?
— É Ashlee, um prazer te conhecer. — sorriu de canto. — Sabe Kile, seria um prazer se me acompanhasse enquanto eu bebo meu latte.
— Seria um prazer. — ele diz e sorriu.
Saiu um pouco na frente sem certeza se o mesmo vai me seguir, por isso pauso um minuto olhando pra trás para ver se ele me acompanha, e sim, acompanha. Não sei direto como funciona essa coisa de cegueira, sinceramente nunca tive que pensar nisso até conhecer um de verdade, parece loucura imaginar que ele segui suas direções e sentidos atrás do tato, só faz com que eu me surpreenda ainda mais com o que o ser humano é capaz.
— É aqui. — digo parando de andar e me sentando, Kile faz o mesmo e se senta na cadeira em minha frente, apoiando seu bastão no encosto. — Eu sempre me sento aqui.
— Noto que vem muito a essa cafeteria então. — ele diz.
— Todos os dias, nesse mesmo horário depois da aula. — digo simplesmente como se citar minha rotina para um desconhecido parecesse normal.
— Então já sei onde te encontrar. — ele sorri e eu murmuro uma confirmação. — Com o que você trabalha, Ashlee?
— Sou professora. — dou uma pausa para beber um gole do meu latte antes que ele esfrie e então continuo: — Na escola no fim da rua, eles são da terceira série, uns pestinhas. E você?
— Eu tenho uma irmã da mesma idade então sei o que quer diz. — ele diz em tom de brincadeira fazendo nos dois rirmos. — Eu sou pintor.
— Pintor? — digo tentando não parecer impressionada, mas tenho certeza que o tom em minha voz deixou isso explícito. — Desculpa, quer dizer hm... Uau isso é incrível!
— Tudo bem, todo mundo fica assustado quando digo isso, eles pensam "como um cego consegui pintar?" mas não esquenta até que sua reação foi a mesmo exagerada que já presenciei. — ele respondi fazendo eu me sentir péssima e envergonhada. — Não sou um pintor profissional mas eu vendo alguns dos meus quadros.
— Devem ser lindos. — sorriu de canto.
— Espero que sim. — ele diz bem humorado. — Sabe as pessoas acham que precisamos enxergar para ver e entender as coisas, mas isso não é verdade, graças a Deus que não porque eu estaria perdido. — ela ri e eu apenas observo sorrindo. — Eu pinto aquilo que sinto, meus sentimentos fazem eu enxergar as coisas talvez não da forma certa, mas da minha forma.
— Eu adoraria ver algum dos seus quadros um dia. — digo me encostando no apoio do assento e dando mais um gole no meu latte. — É sério o seu discurso me deixou curiosa.
— Curiosa? Poxa, era pra te fazer chorar. — ele solta mais uma das suas piadinhas e dessa vez eu tombo a cabeça pra trás soltando um riso escandaloso.
— Vai ter que tentar mais na próxima, Kile. — ajeito meu casaco que escorrega do meu ombro.
— Então quer dizer que vai haver uma próxima?
— É claro. — digo afastando a proximidade da cadeira com a mesa com a ajuda do corpo. — Na próxima você vai me levar para ver seus quadros e eu não preciso que me convide.
— Você mesma já fez isso né? — ele pergunto e eu assinto, logo depois me sentindo estranha porque acho que ele não vai me ver assentir. — Tudo bem, feito Ashlee
— Então... — me levanto segurando meu copo com a destra. — Até a próxima, Kile.
— Até a próxima!