Do Corpo ao Pó

By Cristina_Oliveira79

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2° lugar em Conto no concurso Lighted Papers Victória Palmer teve a fama e o sucesso que sempre sonhou. Porém... More

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Do Corpo ao Pó

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By Cristina_Oliveira79

- E a vencedora é... Victória Palmer! - anunciava o apresentador do programa de celebridades.

Subindo no palco, a jovem e elegante senhorita Palmer distribuía sorrisos e beijos ao público que aplaudia de pé. Uma multidão de pessoas que ela nem conhecia chorava e erguia os braços histericamente na sua direção. Em uma competição com inúmeras concorrentes, ela se utilizou de todas as artimanhas que uma mulher ambiciosa e compulsivamente vaidosa poderia arquitetar. Seus lábios vermelhos em seu sorriso triunfal diante das câmeras ocultavam o caminho sombrio que trilhara até então. Victória havia apostado um preço muito alto em uma rede de intrigas, sedução, magia negra e dinheiro para alcançar o topo. Agora que estava lá, desejava manter sua condição e faria qualquer coisa para não perder a beleza e o poder que acreditava possuir.

Sentindo seu ego inflar como um balão de ar quente, ela, com sua beleza e juventude, trazia inveja a muitas mulheres. Ao mesmo tempo, encantava e seduzia muitos homens, com seus olhos felinos e famintos. 

Aproximando-se do microfone, Victória falou palavras genéricas de forma decorada e mecânica, para terminar aquilo de uma vez e poder conferir nos jornais e blogs na internet o que os críticos estavam comentando a seu respeito. Ela vivia obcecada pela fama e pela vida de celebridade. Porém, também cultivava sentimentos compulsivos de perseguição. Temia paparazzis e homens assediadores. Temia as mulheres que a invejavam e queriam ser como ela. Temia até mesmo aqueles que diziam ser seus amigos.

A jovem mulher de pele alva e cabelos ruivos já ganhara muitos prêmios de novelas, reality shows e cinema. Não que fosse uma boa atriz, mas sua fama era devido à beleza fabricada e quase inalcançável que consumira cada centavo das suas posses e economias.

Jogando a franja do cabelo para trás, numa posição fotogênica para as revistas e tabloides da moda, desceu as escadas que se ocultavam atrás do palco. Mudando suas feições sorridentes para um olhar impaciente e leviano, saiu às pressas pela porta das estrelas. Caminhou ligeiro por um lindo tapete vermelho, cercado pelos fãs e a imprensa alternativa. 

Sem querer saber de distribuir autógrafos, entrou em uma limusine alugada e equipada com muito luxo. Apesar de todo o conforto, sentia-se desconfortável e só. Na cabine do automóvel gelado pelo ar condicionado, sua pele se arrepiou como o presságio de um mau agouro.

A limusine partiu do meio da multidão de fãs que corriam inutilmente atrás do veículo. Acelerando cada vez mais, na medida em que se afastavam do teatro, o carro rumou em direção à autoestrada. Em algumas horas, estariam na casa de campo de Victória.

Já era tarde da noite quando começou a chover. A estrada encharcada lançava uma onda de lama a cada carro que passava. As enormes poças formadas pela tempestade faziam com que a limusine derrapasse seguidas vezes durante o percurso. Por pouco, eles não bateram numa caminhonete em alta velocidade, no sentido contrário da estrada. Victória se assustou com o som da buzina e o balanço da inércia dentro do carro, de modo a bater com a cabeça no vidro.

- Que droga! Vai ficar um galo no meio da minha testa! – resmungou a mulher, toda emplumada, para o motorista. - Você não acha que está indo rápido demais para uma pista molhada?

- Não se preocupe, senhorita. Faltam apenas 90 km para chegarmos a sua casa de campo!

Sentindo-se com raiva e frustração pela situação, suspirou forçadamente. Perturbada pela impaciência, recostou-se no banco traseiro, torcendo para que chegasse viva em seu refúgio.

Enquanto Victória dormia profundamente no banco de trás, o motorista ouviu um estrondo na capota, acima de sua cabeça. Sem dar muita importância ao barulho - pois pensou ser algum galho caindo de uma árvore na estrada - ele prosseguiu pela pista molhada, aumentando ainda mais a velocidade para compensar o atraso.

O rádio não sintonizava as ondas de FM. O chiado se misturava ao crepitar da chuva no para-brisa, cujo limpador oscilava rapidamente de um lado ao outro. Até que conseguiu sintonizar músicas clássicas, a 5ª sinfonia de Beethoven. 

Em alguns instantes, houve uma interrupção para um aviso urgente sobre a previsão do tempo. O locutor anunciou uma noite de tempestade com ventos até 100km/h, devido à aproximação de um ciclone extratropical. 

A música voltou e, no mesmo instante em que a 5ª sinfonia chegava ao seu auge, o motorista, distraído, viu um braço esquelético descendo rapidamente pelo para-brisa. Sem compreender a imagem decrépita que se descortinava à sua frente, perdeu o fôlego quando uma cabeça humanoide desfigurada, completamente apodrecida, apareceu logo em seguida.

Com um grito de pavor, o motorista horrorizado com a bizarra criatura perdeu o controle da limusine. O veículo derrapou em uma curva em declive desenhando o asfalto com os pneus. Antes que conseguisse voltar para a estrada, o carro escorregou por um barranco, no qual capotou uma, duas e três vezes. A chuva caía torrencialmente, e os trovões iluminavam, desafiadoramente, a escuridão da noite.

Despertando de sua inconsciência, Victória estava confusa. Seu ombro doía e ela estava deitada no forro do teto interno do carro. Desnorteada, tateou ao redor e percebeu que a limusine estava de cabeça para baixo. Quando se deu conta da real situação em que se encontrava, entrou em pânico e tentou, desesperadamente, livrar-se dos destroços do veículo. 

Suas pernas estavam presas e se esforçou ao máximo para conseguir livrá-las das ferragens. As portas de trás estavam trancadas e o desespero a fez quebrar o vidro com o salto metálico do próprio sapato. Se arrastou para fora, através do vidro quebrado, raspando a coxa de modo a cortar a pele. Quando finalmente conseguiu sair pela janela de trás, ela correu assustada em direção à porta do motorista.

Abrindo-a com dificuldade, ela viu o corpo robusto daquele que um dia fora seu motorista cair no seu colo, com um pedaço de vidro atravessado em seu crânio. Com um grito histérico, a mulher de maquiagem borrada parecia uma pequena criatura indefesa e desprotegida, sozinha naquela furiosa tempestade.

Suas mãos vermelhas cheias de sangue mancharam o vestido branco de seda chinesa. Ela gritou, chorou e se desesperou, mas ninguém podia ouvi-la. Nem as almas moribundas à beira daquela estrada mortal ousaram atende-la. Nem todos os dólares que acumulou no banco ou os homens com quem viveu a luxúria em troca da fama serviam-na naquele momento. Sua ardilosa arma de sedução, riqueza e favores demoníacos não a salvou do seu destino.

Vendo que não havia outra saída, a mulher outrora confiante voltou mancando para a estrada, com a esperança de conseguir uma carona que pudesse tirá-la daquele pesadelo. Com seu caro vestido rasgado, ela caminhou por muito tempo na borda da estrada lamacenta. Porém, não chegou a lugar algum. De braços à mostra e com frio, sentiu uma ponta de alívio quando a chuva parou. Um nevoeiro se espalhou na noite e não haviam sequer postes de luz. O medo tomou conta de sua mente e seus mais profundos pesadelos pareciam se tornar realidade.

E se não aparecesse ninguém? E se alguém a violentasse? E se algo sórdido acontecesse com ela naquele fim de mundo assombrado?

Não deveria estar longe da casa de campo. Quem sabe, poderia chegar logo...

Mas nenhum carro passou. E, também, ela não chegou em sua casa de campo.

Já perdendo as esperanças, a mulher atormentada com os cabelos sujos de lama e o fino vestido banhado em sangue exprimiu um tímido sorriso no canto da boca ao perceber uma construção na beira da estrada. Era uma grande e velha mansão que parecia estar abandonada.

O velho casarão lembrava muito os castelos e burgos medievais, principalmente, por causa de suas torres e gárgulas ao lado das janelas no andar superior. Na entrada, projetavam-se três aberturas grandes em forma de arco decorado com afrescos de gesso já desgastado pelo tempo. Atravessando o arco do meio, ela entrou num grande hall que levava a uma imensa porta de carvalho.

Victória bateu na madeira com a mão e esperou alguns segundos. O som macabro do vento ecoou pelos pilares, arrepiando os cabelos da nuca. Porém, ninguém respondeu. Tentou empurrar a pesada porta de madeira e, curiosamente, estava aberta. Com frio e tendo suas células tomadas pelo medo, decidiu entrar e procurar um lugar para se abrigar durante a noite. Na manhã seguinte, poderia procurar ajuda.

Dentro do casarão, havia um salão amplo e oval que aparentava estar há muito tempo sem uma presença viva. Os antigos móveis abandonados estavam cobertos por uma camada densa de teias de aranha e poeira. As paredes podres ostentavam pratos de porcelana e o piso de azulejos portugueses era decorado com fina tapeçaria oriental, desgastada pelo tempo. Do outro lado do grande salão, uma longa escada de corrimão se dividia em dois.

Lentamente, subiu os degraus de madeira que rangiam estridentes a cada passo. Chegando até a metade, olhou em dúvida para os dois lados e decidiu seguir o caminho esquerdo. A escada levava a um corredor comprido, com assoalho de madeira e que terminava em frente a uma velha porta de mogno escuro. Ao invés da maçaneta, uma cabeça de uma terrível serpente esculpida em ferro se projetava em seu centro, com uma grande argola saindo da boca. Erguendo a mão suja e ensanguentada, Victória levantou a pesada argola e bateu com força duas vezes.

O eco percorreu a mansão inteira. Retumbou pelos corredores vazios e sem vida. Porém, não houve resposta. Empurrando a porta, conseguiu abri-la a uma distância suficientemente grande para que seu corpo voluptuoso pudesse passar. Com o suor escorrendo pelos poros de sua face suja, ela entrou.

O aposento era decorado com móveis antigos. Um sofá de couro vermelho e uma bergere verde de veludo contrastavam em meio às prateleiras de livros e bibelôs. Tudo muito empoeirado. Na parede à direita da entrada, havia uma outra porta pequena que levava a um banheiro.

"Finalmente, um espelho!", foi seu primeiro pensamento quando entrou. Victória Palmer era daquelas mulheres que perdiam horas na frente de um espelho, conferindo cada poro do rosto, cada espinha e marca fora do lugar. Ela nem imaginava que sua maior vaidade seria sua maior perdição.

Da janela quebrada, surgiu um pássaro negro que pousou sobre a pia. Ele a fitou com olhos negros e misteriosos, movendo a cabeça para que olhasse no espelho. Ao encarar o reflexo da sua própria imagem, feia e decadente, a mulher chorou. O pássaro negro se aproximou, como se quisesse enxugar as lágrimas que teimavam em rolar. 

Mas ao invés de ampará-la, ele a bicou no rosto.

- Pássaro do Inferno! – lamentou ao perceber a abertura de uma grande ferida maculando seu rosto que já fora motivo de inveja e cobiça.

Apertando as bordas da ferida com os dedos, viu que um espirro de pus jorrou do corte. O líquido amarelo e pútrido acertou em cheio o centro do espelho. Com um pedaço de pano velho, limpou a superfície com dificuldade. Ao olhar o seu reflexo novamente, notou que a pele em volta da ferida estava murcha e enrugada. Mostrava sinais avançados de decomposição.

Desesperada, ligou a torneira e esfregou rapidamente a água gelada sobre seu rosto, torcendo para que o que acabara de ver fosse mero fruto de sua mente alterada. Bebera diversos cálices de champanhe durante o evento e mais alguns drinks com ansiolítico dentro da limusine. Aquilo deveria ser alucinação, não poderia ser verdade. Logo ela iria acordar em sua cama perfumada com lençóis de cetim e tudo não passaria de um sonho ruim. Um terrível pesadelo daqueles que se deseja nunca mais visitar.

Respirando profundamente, ela abriu os olhos. Para seu completo pavor e desespero, o corte não apenas havia aumentado. Tinha pedaços de carne putrefata e pele pendentes em suas bochechas.

- NÃO! Meu rosto está apodrecendo!

Tomada pelo pavor, ela deu um forte soco no espelho e cortou sua mão. Um caco afiado perfurou a carne e o sangue escorreu pelo antebraço e cotovelo. Com um grunhido de dor, ela retirou o caco cravado na pele, que saiu acompanhado por um córrego de sangue venoso purulento e fétido.

Saindo do banheiro às pressas, percorreu de volta para o comprido corredor aos berros. Não queria mais ver o seu rosto, que já fora motivo para prêmios e capas de revistas. Ela não queria mais tocar na sua pele, que já fora tão macia e delicada quanto o dinheiro e a tecnologia estética pudessem fabricar.

Atordoada pelo desespero, Victória escorregou no assoalho e caiu, arrastando suas mãos no chão para amortecer a queda. Estatelada no meio do corredor, levantou com dificuldades, até que sua mente foi dominada pelo mais terrível e real pesadelo.

- Meus braços, NÃÃÃÃOOO!!!

Havia apenas tocos no lugar das mãos, rodeados de carne mutilada. Aquela cena macabra era, peculiarmente, piorada pelo terrível odor que se espalhou com um cheiro pútrido pelo corredor. No assoalho, jaziam dois rastros daquilo que um dia foram as suas delicadas mãos.

- AAAAHH!!!

Seu grito de desespero não durou por muito tempo. Seu maxilar caiu no chão e rolou até atingir a parede, manchando-a de uma mistura macabra de sangue, sombra e morte.

Finalmente amanheceu. Os passarinhos cantavam nas árvores tortuosas que haviam no cemitério atrás da antiga mansão. O sol que batia através dos vidros estilhaçados na janela iluminava todo o corredor, que parecia calmo e monótono. A brisa que passava pela fresta em baixo da porta arrastava um montinho de pó que havia no canto da parede. Era como se ninguém, há muitos anos, tivesse passado por ali.

Para Victória Palmer, nem toda a fortuna e o poder acumulados em sua vida fake pagaram o preço da sua ganância e vaidade. No mundo sombrio em que ela se envolveu, as dívidas não se pagam com dinheiro.


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2292 palavras

Figura de inspiração: Opção 11

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