O Leão, a Feiticeira e o Guar...

By ClassicosLP

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Obra do inglês C.S. Lewis. More

Ordem de leitura para a série As Crônicas de Nárnia
1 - UMA ESTRANHA DESCOBERTA
2 - O QUE LÚCIA ENCONTROU
3 - EDMUNDO E O GUARDA-ROUPA
4 - MANJAR TURCO
5 - OUTRA VEZ DO LADO DE CÁ
6 - NA FLORESTA
7 - UM DIA COM OS CASTORES
8 - DEPOIS DO JANTAR
9 - NA CASA DA FEITICEIRA
11 - A APROXIMAÇÃO DE ASLAM
12 - A PRIMEIRA BATALHA DE PEDRO
13 - MAGIA PROFUNDA NA AURORA DO TEMPO
14 - O TRIUNFO DA FEITICEIRA
15 - MAGIA AINDA MAIS PROFUNDA DE ANTES DA AURORA DO TEMPO
16 - O QUE ACONTECEU COM AS ESTÁTUAS
17 - A CAÇADA AO VEADO BRANCO

10 - O ENCANTAMENTO COMEÇA A QUEBRAR-SE

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By ClassicosLP

Logo que o Sr. Castor declarou que não havia tempo a perder, começaram todos a enfiar os casacos, menos a Sra. Castor, que se pôs a apanhar sacos e a colocá-los em cima da mesa.

– Sr. Castor, passe-me aquele presunto – disse ela. – Aqui também está um pacote de chá, açúcar e fósforos. Um de vocês apanhe dois ou três pães, na arca daquele canto.

– O que a senhora está fazendo? – perguntou Susana.

– Arranjando merenda para todos, minha filha. É bom levar alguma coisa para comer, não é?

– Mas é que não temos tempo! – protestou Susana, abotoando o casaco até em cima. – Ela pode aparecer a qualquer minuto.

– É o que eu digo! – concordou o castor.

– Não sejam bobos! Ela demora uns bons quinze minutos até chegar aqui.

– Mas precisamos ganhar tempo para ver se chegamos à Mesa de Pedra antes dela – disse Pedro.

– É isso – insistiu Susana. – Quando vir que não estamos aqui, sairá atrás de nosso rasto como um foguete.

– Ah, isso vai – concordou a Sra. Castor. – Ela vai de trenó, e nós vamos a pé: nunca chegaremos antes.

– Tudo está perdido, então? – perguntou Susana.

– Deixe de aflições, minha filha, e vá buscar naquela gaveta meia dúzia de lenços. Claro que não está tudo perdido. Não chegaremos antes dela, mas poderemos escolher um caminho diferente daquele que ela pensa. Assim talvez a gente escape.

– Muito bem, muito bem – disse o marido. – Mas a esta hora já devíamos estar a caminho.

– Ai, vida minha, não comece o senhor também a me atrapalhar. Vamos... assim... não, assim.

Aqui estão quatro saquinhos: o menorzinho para a menorzinha; é para você, minha querida! – acrescentou, voltando-se para Lúcia.

– Pelo amor de Deus, vamos – disse Lúcia.

– Estou quase pronta. – A Sra. Castor permitiu que o marido a ajudasse a calçar as botas de andar na neve. – A máquina de costura deve ser um pouco pesada para levar, não é?

– Pesada? – disse o marido. – Pesadíssima! Ou será que a senhora acha que vai ter tempo de costurar pelo caminho?

– A idéia de que aquela bruxa é capaz de mexer nela... quebrar... até roubar...

– Por favor, vamos logo? – disseram em coro os três.

Saíram finalmente. O Sr. Castor fechou a porta a chave ("Isto vai atrasá-la um pouco mais", explicou), e começaram a andar, cada um com seu farnel às costas.

A neve cessara e a lua aparecera. Iam em fila indiana: primeiro, o Sr. Castor, depois Lúcia, Pedro, Susana e, por fim, a Sra. Castor. Atravessado o dique, seguiram ao longo do rio por uma vereda estreita, que se alongava entre as árvores. As encostas do vale alteavam-se sobre as cabeças dos viajantes, banhadas de luar.

– Ê melhor ir aqui por baixo – propôs o Sr. Castor –, pois não há trenó que desça aqui; ela terá de ir por cima.

Teria sido muito agradável estar sentado numa boa poltrona, apreciando a paisagem pela janela. Mesmo assim, Lúcia não deixou de se divertir, a princípio. Mas, pouco a pouco, com o saco pesando-lhe nas costas cada vez mais, ela imaginava se teria forças para chegar até o fim. Não reparou na superfície gelada do rio, nas quedas d'água transformadas em cascatas de gelo, nos montões de neve branca que se acumulavam no alto das árvores, na grande lua resplandecente, no céu crivado de estrelas. Só conseguia olhar para as perninhas curtas do Sr. Castor, tope-tope, tope-tope, como se aquela caminhada pela neve não fosse terminar nunca. Lúcia estava tão cansada que quase dormiu andando. De repente percebeu que o Sr. Castor virara para a direita, afastando-se da margem do rio, levando-os por uma encosta íngreme, onde o mato era mais espesso. Despertou completamente quando o Sr. Castor desapareceu num buraco que os arbustos ocultavam. Quando deu pelo que estava acontecendo, só pôde ver a pontinha da cauda desaparecer pelo buraco.

Ela abaixou-se e começou a rastejar atrás do castor. Ouviu às costas o ruído de quem se arrasta, ofegante. Daí a pouco estavam os cinco dentro da caverna.

– Por que isso? – perguntou Pedro, numa voz que na escuridão soou cansada e pálida. (Espero que você saiba o que é uma voz pálida.)

– É um velho esconderijo dos castores, para situações de grande perigo – explicou o Sr. Castor. – É um segredo nosso. Não é muito confortável, mas aqui poderemos dormir um pouco

– Se vocês não estivessem com tanta pressa, tinha trazido umas almofadas – disse a Sra. Castor, em tom de censura.

Para Lúcia, a caverna não era tão agradável quanto a do Sr. Tumnus – na verdade, era um simples buraco –, mas pelo menos estava seca. No pequeno espaço, eles pareciam um monte de roupas. Mas se sentiam bem aconchegados. Se pelo menos o chão fosse um pouquinho mais liso! Foi aí que a Sra. Castor passou a todos, no escuro, um frasco de onde beberam qualquer coisa que fazia tossir e engasgar. Mas, uma vez bebida, a coisa dava um calor delicioso... e adormeceram instantaneamente.

Lúcia teve a impressão de que tinham passado uns poucos minutos. Na realidade, foram horas. Acordou com frio, o corpo doído, sonhando com um banho quente. Depois sentiu uns compridos bigodes que lhe faziam cócegas no rosto e viu que a luz fria da manhã já entrava pela boca da caverna. Mas estava totalmente acordada, e os outros também. Todos estavam sentados, boquiabertos e de olhos arregalados, dando toda a atenção a um som – aquele mesmo som que estavam imaginando (e que quase chegaram a escutar) durante o passeio da noite anterior. Era o tilintar de muitas sinetas.

O Sr. Castor saiu do esconderijo, rápido como uma flecha. Você pode achar, como Lúcia achou, que foi uma bobagem da parte dele. Pelo contrário, foi uma coisa muito ajuizada. Ele sabia que podia rastejar entre as moitas, sem ser visto, até o alto da montanha. Queria saber, antes de tudo, que rumo tomava o trenó da feiticeira. Os outros ficaram à espera, imaginando o que poderia ter acontecido. Esperaram cinco minutos, até que ouviram algo que os fez estremecer de pavor. Eram vozes!

– Só pode ter sido apanhado! – pensou Lúcia.

Foi grande o espanto geral quando ouviram a voz do Sr. Castor, do lado de fora da caverna:

– Não há perigo. Pode vir, Sra. Castor. Venham todos, Filhos de Adão. Tudo bem! Não é dela!

A gramática estava errada, mas é assim que os castores falam quando estão excitados, isto é, em Nárnia, porque em nosso mundo não abrem o bico, geralmente.

A Sra. Castor e as crianças correram para fora, piscando por causa da luz, sujas de terra, descabeladas, muito desarrumadas, esfregando os olhos de sono.

– Venham! – repetia o castor, quase dançando de alegria. – Venham só ver! Que surpresa para a feiticeira! O poder dela já está balançando.

– Que se passa, Sr. Castor? – perguntou Pedro, ofegante, subindo pela encosta íngreme.

– Não disse a vocês que, por artes dela, era sempre inverno e o Natal nunca chegava? Não disse?

Pois vejam agora!

E, de fato, lá em cima todos puderam ver.

Era um trenó puxado por duas renas, com sinetas tilintando nos arreios. Renas muito maiores que as da feiticeira, mas eram castanhas, e não brancas. No trenó estava alguém que todos reconheceram à primeira vista. Era um homem alto, vestido de vermelho-vivo como as bagas do azevinho, com um capuz forrado de pele, uma barba branca, tão comprida que lhe cobria o peito como uma queda d'água espumante. Todos o reconheceram porque, embora essas pessoas só existam em Nárnia, podemos vê-las em gravuras e ouvir a respeito delas, mesmo em nosso mundo – o mundo que fica do lado de cá da porta do guarda-roupa. Oh! Mas quando se tem a sorte de ver essa gente em Nárnia é muito diferente! Alguns dos postais coloridos de Papai Noel que podemos ver em nosso mundo mostram um velho engraçado e bonachão. Não era bem assim para as crianças. Era tão grande, tão alegre e tão real, que ficaram paralisadas de espanto. E, apesar de todo o contentamento, sentiam também que era um momento solene.

– Aqui estou, afinal! – disse ele. – Ela me impediu de vir durante muito tempo, mas acabei chegando. Aslam está a caminho. O poder mágico da feiticeira já começou a declinar.

Lúcia sentiu-se percorrida por aquele calafrio de alegria que só sentimos nas solenidades imponentes e tranqüilas,

– E agora – prosseguiu Papai Noel – vamos aos presentes! Aqui está uma máquina de costura nova, último modelo, para a Sra. Castor. Vou deixá-la na casa, quando passar por lá.

– Queira desculpar – disse ela, fazendo uma reverência –, mas a casa está fechada.

– Fechaduras e chaves não têm a menor importância para mim – respondeu Papai Noel. – Quanto ao seu presente, Sr. Castor, quando voltar, vai encontrar o seu dique terminado, consertado em todos os pontos onde vazava água e, além disso, uma comporta novinha em folha.

O Sr. Castor ficou tão alegre que sua boca se abriu totalmente, mas então ele descobriu que não conseguia dizer uma palavra.

– Pedro, Filho de Adão – continuou Papai Noel.

– Presente! – disse Pedro.

– Presentes para você. São ferramentas, e não brinquedos. Talvez não esteja longe o dia em que precisará usá-las. Com honra!

E entregou a Pedro um escudo e uma espada. O escudo era cor de prata, com um leão rubro no centro, lustroso como um morango pronto para ser colhido. A espada tinha punho de ouro, bainha, cinto, tudo, e parecia feita sob medida. Pedro recebeu os presentes em grave silêncio, sentindo que se tratava de uma coisa muito séria.

– Susana, Filha de Eva! Isto é para você. – E Papai Noel entregou-lhe um arco, uma aljava cheia de setas e uma trompazinha de marfim. – Só deve usar o arco em grande risco, pois não quero que você tome parte ativa na luta. Raras vezes falha o alvo. Quanto à trompa, é só levá-la aos lábios e tocar: auxílio lhe virá de alguma parte.

– Lúcia, Filha de Eva! – Papai Noel estendeu-lhe uma garrafinha, que parecia de vidro (houve mais tarde quem dissesse que era de diamante) e um punhal muito pequeno. – Esta garrafa contém um tônico feito do suco de uma flor de fogo que cresce nas montanhas do sol. Se um amigo estiver ferido, bastam algumas gotas para curá-lo. O punhal é para a sua defesa, em caso de extrema necessidade. Porque você também não deve entrar na luta.

– Por que não, meu senhor? – disse Lúcia. – Acho que... bem, não sei... mas acho que eu era capaz de não ter medo!

– O problema não é esse. E que as batalhas são mais feias quando as mulheres tomam parte nelas. E agora – continuou, com uma expressão muito me nos solene –, agora aqui está para vocês todos!...

E Papai Noel apresentou-lhes (deve ter tirado do grande saco, mas a verdade é que ninguém deu por isso) uma enorme bandeja, com cinco taças de chá, com os respectivos pires, um açucareiro, uma tigelinha de creme de leite e uma grande chaleira ainda a chiar. E gritou em seguida:

– Feliz Natal! Viva o Verdadeiro Rei! – Estalou o chicote e desapareceram, ele, as renas, o trenó, tudo, antes que os outros se dessem conta de que tinham ido embora.

Pedro mostrava a espada desembainhada ao Sr. Castor quando ouviu a voz da Sra. Castor:

– Vamos deixar de conversa, que o chá esfria. Os homens, vocês sabem, são um caso sério. Vamos, ajudem-me a levar a bandeja lá para baixo e vamos ao chá. Ainda bem que não me esqueci de trazer a faca de pão.

Desceram a encosta íngreme de volta à caverna, onde o Sr. Castor, em meio ao contentamento geral, cortou o pão e o presunto para fazer sanduíches. A festa ainda estava animada quando Sr. Castor anunciou:

– Está na hora, pessoal. Vamos em frente.

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