4 - MANJAR TURCO

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– Mas o que é você? – tornou a rainha. – Por acaso um anão que cresceu demais e resolveu cortar a barba?

– Não, Majestade; eu nunca tive barba, sou ainda um menino.

– Um menino! Quer dizer, um Filho de Adão?

Edmundo ficou parado, sem dizer nada. Já se sentia todo confuso.

– Seja lá o que for, acho que se trata também de um débil mental. Responda logo, se não quer que eu perca a paciência. Você é humano?

– Sou, sim, Real Senhora.

– E como conseguiu entrar nos meus domínios?

Quero saber!

– Por um guarda-roupa, Majestade.

– Por um guarda-roupa? Que história é essa?

– Abri a porta e de repente estava aqui.

– Ah! – disse a rainha, falando mais para si própria do que para ele. – Uma porta! Uma porta no mundo dos homens! Já ouvi falar de coisas parecidas. Pode ser o princípio do fim. Mas ele é um só, e resolverei isso com facilidade.

Levantou-se e fitou Edmundo com olhos afogueados; no mesmo instante, ergueu a varinha. Edmundo sentiu que ela ia fazer qualquer coisa de terrível, mas não foi capaz de dar um passo. Já se considerava perdido, quando ela pareceu mudar de opinião.

– Meu menininho – disse ela, com uma voz muito diferente. – Está gelado! Sente-se aqui no trenó, perto de mim; cubra-se com a minha manta. Vamos conversar um pouco.

Edmundo não gostou muito do convite, mas não teve coragem de desobedecer. Pulou para o trenó, sentando-se aos pés da rainha, que colocou uma dobra da manta em torno dele.

– Que tal uma bebidinha quente? Seria bom, não seria?

– Seria, Majestade – respondeu Edmundo, batendo o queixo.

Lá de dentro dos agasalhos, a rainha tirou uma garrafinha que parecia de cobre. Levantando o braço, deixou cair uma gota na neve. Edmundo viu a gota brilhar, como um diamante, durante um segundo no ar. Mas, no momento em que tocou na neve, produziu um som sibilante, e logo surgiu um copo cheio de um líquido fumegante. Imediatamente, o anão o apanhou, passando-o a Edmundo com uma reverência e um sorriso afável. Depois de ter começado a beber, Edmundo sentiu-se muito melhor. Era uma bebida que nunca tinha provado, muito doce e espumante, ao mesmo tempo espessa, que o aqueceu da cabeça aos pés.

– Beber sem comer é triste, Filho de Adão – disse a rainha. – Que deseja comer?

– Manjar turco, Majestade, por favor – disse Edmundo.

A rainha deixou cair sobre a neve outra gota da garrafa; no mesmo instante, apareceu uma caixa redonda, atada com uma fita de seda verde, que, ao se abrir, revelou alguns quilos do melhor manjar turco. Edmundo nunca tinha saboreado coisa mais deliciosa, tão gostosa e tão leve. Sentiu-se aquecido e bem disposto.

Enquanto ele comia, a rainha não cessava de fazer-lhe perguntas. A princípio, lembrou-se de que é feio falar com a boca cheia, mas logo se esqueceu, absorto na idéia de devorar a maior quantidade possível de manjar turco. E quanto mais comia, mais tinha vontade de comer. Nem quis saber por que razão a rainha era tão curiosa. Aos poucos, ela foi-lhe arrancando tudo: tinha um irmão e duas irmãs; uma das irmãs já conhecia Nárnia e tinha encontrado um fauno; ninguém mais a não ser ele, o irmão e as irmãs sabiam da existência de Nárnia. Ela parecia especialmente interessada no fato de eles serem quatro, voltando sempre ao assunto.

– Tem certeza de que são só quatro? Dois Filhos de Adão e duas Filhas de Eva, nem mais, nem menos?

Edmundo abriu a boca cheia de manjar turco, repetindo:

O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa | As Crônicas de Nárnia II (1950)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora