La Petite Mort [FLEURMIONE]

By FernandaRedfield

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Por cinco longos anos, Fleur Delacour e William Weasley formavam o casal mais querido da pequena cidade de Ot... More

Prólogo: O que lhe pertence?
Capítulo 1: Primeira impressão
Capítulo 2: Sobre as ressacas de cada um
Capítulo 3: Território inimigo
Capítulo 4: O destino e suas manipulações
Capítulo 5: As verdades de uma derrota
Capítulo 6: Entre tapas na cara e goles de vinho
Capítulo 7: Coragem líquida e devassidão francesa
Capítulo 8: O irracional, o certo e o perfeito
Capítulo 9: Desejo, sentenças e certezas
Capítulo 10: Veredictos - Parte I
Capítulo 11: Veredictos - Parte II
Capítulo 12: Possuir e pertencer
Capítulo 13: A arte de cuidar
Capítulo 14: Sobre amar e, somente, amar
Capítulo 15: Unilateralidade
Capítulo 16: O passado e seus fardos - Parte I
Capítulo 17: O passado e seus fardos - Parte II
Capítulo 18: Épines
Capítulo 19: Entrée
Capítulo 20: Accompagnement
Capítulo 21: Plat principal
Capítulo 22: Dessert
Capítulo 23: Romantismo bucólico - Parte I
Capítulo 24: Romantismo bucólico - Parte II
Capítulo 25: La petite mort
Capítulo 26: Lar
Capítulo 28: La vie en rose
Capítulo 29: O sabor de uma vida com amor
Epílogo: Ter e pertencer

Capítulo 27: Fazer sentir

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By FernandaRedfield

Homens e mulheres são criaturas de hábitos, mesmo que uma determinada mudança na rotina seja inicialmente ameaçadora, ela logo poderá ser superada e, até mesmo, agregada, isso com o devido tempo. Aliás, tempo é o instrumento chave para que rotinas mudem, circunstâncias se transformem e hábitos sejam adaptados.

Fleur Delacour sabia disso mais do que ninguém. Afinal, o mesmo tempo que pareceu infinito durante os anos aclimatando-se à fria e chuvosa Inglaterra e à balbúrdia nunca acolhedora dos Weasley também foi necessário enquanto ela reunia a coragem necessária para se divorciar - e dar a liberdade que Bill precisava e merecia - e quando resolveu voltar a França e aos pais.

Talvez, uma das poucas exceções à máxima de que o tempo resolve tudo, fosse o seu relacionamento com Hermione... Elas não precisaram de muito para se apaixonar e nem de tempo para se resolverem, ainda que tivessem precisado de algum tempo para se compreender.

Mas, ainda assim, elas não eram uma particularidade tão grande assim diante dessa "regra". Porque, depois de dias dormindo e acordando juntas, Fleur estava muito sensível à ausência da morena entre os seus braços e ao seu lado na cama.

Os lençóis estavam frios e vazios. Na verdade, naqueles curtos segundos que precedem o despertar e o abrir dos olhos, Fleur teve a impressão de que todo o chalé estava mais frio do que ela se lembrava. Talvez, ainda não estivesse acostumada ao clima da Inglaterra ou, provavelmente, ela apenas tivesse despertado pela falta de calor ao seu lado na cama.

Os olhos azuis estavam frios, assim como a pele, e piscaram sonolentos antes de certo despertar começar a iluminá-los. Fleur espreguiçou os braços até a palma das mãos tocarem os lençóis ao seu redor, o seu lado da cama morno pelo seu corpo e o outro, frio pela ausência. A ponta dos dedos franceses encontrou uma superfície desconhecida, áspera que a fez abrir os olhos.

Em suas mãos, um papel dobrado cujo verso tinha letras impressas. Frases que Fleur reconheceu serem do processo que Molly Weasley tinha movido contra ela. Porém, ela sabia que o que interessava era o que estava na parte branca e dobrada do papel. Fleur, então, o abriu e mesmo sem ter lido, sorriu quando reconheceu a caligrafia caprichada de Hermione. No papel, eram poucas linhas, mas, a francesa deliciou-se com elas:

Bom dia, senhorita!

Eu acordei atrasada, exatamente como esperava depois da nossa noite...

Espero que não fique chateada por ter que abrir esses olhos e não me ver do seu lado. Mas, o trabalho chama!

Nos vemos no almoço, no restaurante.

Eu amo você.

HG

Imediatamente, a francesa abraçou o próprio corpo e sorriu para si antes de

fechar os olhos e suspirar. Agora, estava preenchida pelas palavras da morena que, mesmo tão dela, eram cheias de muita coisa.

De amor, essencialmente.

Aparentemente, era muito fácil dizer que amava alguém depois da primeira vez.

- Bonjour, mon amour...! - Fleur respondeu preguiçosa, no silêncio do quarto. O seu olfato estava preenchido pelo leve perfume amadeirado de Hermione que permanecia entre os lençóis mesmo na ausência de sua dona, a francesa prendeu-se nele e abraçou o travesseiro ao lado de seu, respirando profundamente junto ao tecido.

Ela sabia que aquele perfume amadeirado misturava-se ao seu de lavanda na superfície de sua pele pálida, porém, não era o mesmo cheiro que ela aspirava junto ao travesseiro nem o mesmo que ela sentia quando respirava de encontro aos cabelos castanhos de Hermione.

Fleur tinha consciência do seu vício pela morena. Mas, não era como se tivesse tentado resistir a isso.

Aos poucos, a preguiça e a sonolência abandonaram o corpo pálido e ela se levantou. A luz do sol estava fraca, penetrando através das surradas cortinas do quarto do chalé. Ainda fazia frio e ela, imediatamente, correu para o banheiro e despiu-se para tomar um banho quente. Demorou mais do que deveria, tentando fazer o calor da água penetrar em sua pele para aplacar a saudade que sentia do corpo de Hermione. Quando, finalmente, saiu, existia uma névoa de vapor circulando-a.

Fleur escovou os dentes ainda enrolada na toalha e voltou ao quarto, ao abrir a porta do guarda roupa para escolher as suas roupas do dia - uma calça jeans escura, botas de cano e salto baixo, uma blusa de lã e um pesado moletom de tricô verde musgo - um som contínuo e desconhecido rompeu o silêncio do chalé.

O som vinha do térreo e pela acústica, parecia estar próximo à porta do local. As rugas de confusão tomaram a testa pálida e a francesa terminou de se vestir enquanto perguntava-se da onde vinha aquele som. O mesmo parou por alguns minutos, o necessário para que Fleur se vestisse, antes de voltar a ecoar no silêncio do chalé à beira mar.

Dessa vez, a chef não perdeu tempo e correu pelo quarto e pelas escadas. No térreo, os olhos azuis vasculharam os pequenos cômodos enquanto a audição apurava-se para descobrir a origem do toque. Meros segundos tinham passado até que Fleur localizou o brilho da tela de um celular que não era seu. As sobrancelhas douradas franziam-se e ela se aproximou a passos lentos que divergiam, totalmente, da pressa anterior.

O celular de Hermione que ela esquecera, na pressa ao sair de casa, no início da manhã.

Fleur sabia que não existia espaço para aquilo, agora, mas, a insegurança voltou a tomar conta dela. Não uma insegurança em relação ao que sentia por Hermione ou ao comportamento da morena e sim, algo incontrolável que podia ser desencadeado ao atender aquela chamada. Uma chamada que, para agravar, não era destinada a ela.

A curiosidade, naquele momento, uniu-se à insegurança. Fleur tinha plena consciência de que as suas atitudes não eram as mais corretas, - atender ao telefone de alguém era uma invasão de privacidade, a francesa não queria ser uma daquelas mulheres que sufocam seus parceiros - contudo, a força que a magnetizou até a mesinha ao lado da porta foi mais forte, irresistível. O celular ficou preso nas mãos de dedos longos por mais uns segundos, na tela, brilhava o código de telefone de Londres.

Poderia ser algo relacionado ao trabalho, uma mentira que soou como verdade na mente ansiosa de Fleur. Sem pensar muito, ela aceitou a chamada e levou o telefone ao ouvido.

- Finalmente! Eu achei que, de novo, ninguém fosse atender!

- Pois não...? - Fleur respondeu cautelosa diante da voz feminina e desconhecida que a recebia. Não era a voz de Astoria, ela sabia que seria capaz de reconhecer o escárnio contido nas cordas vocais daquela mulher em qualquer lugar. Era um timbre mais maduro, ainda que aparentasse guardar certa jovialidade nele. Fleur não soube mais o que dizer e esperou alguma interação do outro lado da linha, tudo que podia escutar eram os cochinhos afastados do microfone até que a mesma voz perguntou:

- Esse ainda é o telefone de Hermione Granger?

- Oui! Digo, s-sim...! - As palavras saíram bagunçadas diante do nervosismo de Fleur. Aparentemente, a mulher do outro lado da linha conhecia Hermione, isso era um alívio assim como podia ser uma preocupação. Fleur não era ingênua diante da vida que a morena levara antes de Astoria e dela, também, não era surpresa que ela tivesse tantas moças interessadas. Hermione era apaixonante. Os suspiros do outro lado da linha trouxeram Fleur de volta e a pergunta incisiva pegou-a de surpresa:

- E com quem eu falo? Com certeza, a minha filha não fala francês.

- Filha?! Você é a mãe de Hermione...? - Fleur repetiu debilmente como se as palavras novamente ditas pudessem fazer um sentido melhor do que na primeira vez. O suspiro pesado no outro lado da linha lembrou e muito os impacientes que a francesa sempre escutava quando Hermione estava particularmente ansiosa por algo. Fleur respirou fundo e fechou os olhos, o seu rosto estava quente enquanto ela jogava os cabelos loiros para longe do rosto. - Eu sou a-amiga dela...

- Amiga? Também acho que não. Hermione não tem o costume de ter amigas mulheres, por mais que seja ótima em namorá-las... - Não havia como determinar se existia divertimento ou brincadeira nas palavras porque aquela era o tipo de informação que exigia uma expressão para determinar do que eram feitas. Dessa forma, Fleur apreendeu-as como duras, por mais que sentisse suas bochechas corarem como resultado de escutá-las. A francesa levou a mão à testa e massageou a região entre os olhos, depois, respirou fundo e lutou contra as suas emoções para responder seriamente:

- Eu acho que é melhor você perguntar diretamente a sua filha. Porém, quer que eu anote algum recado ou algum número para que ela entre em contato?

- Não será necessário, querida. Nem proveitoso, acredito. Hermione não dará atenção a algum recado meu nem ligará para mim... - Novamente, palavras que não tinham como ser perfeitamente compreendidas sem dar um rosto para quem as dizia. Entretanto, Fleur apreendeu, ainda que minimamente, certa angústia na voz da Sra. Granger. Mesmo assim, não sabia como reagir diante daquela situação inesperada. - De qualquer forma, foi um prazer falar com você, senhorita. Espero que possamos nos conhecer no futuro.

Sem mais, nem menos, a linha caiu e Fleur se viu segurando o celular de Hermione junto à orelha sem ter com quem falar. O silêncio no chalé, naquele momento, era perturbador porque trazia consigo algumas dúvidas. A francesa não sabia se deveria falar sobre aquela conversa, tampouco, sabia se deveria ter atendido o celular da morena em primeiro lugar... Tudo era dúvida porque Fleur se tocou, naquele momento, que Hermione não falara sobre a família em momento algum.

Na ausência de sons do chalé, enquanto se preparava para mais um dia de trabalho, Fleur se perguntava qual era o motivo por trás de tudo aquilo.

Papéis e mais papéis, documentos armazenados de forma desorganizada por anos... Uma verdadeira caça ao tesouro. Pelo menos, era dessa forma que Hermione pensava enquanto lia páginas e mais páginas, algumas amassadas e outras, já sem a tinta impressa legível. Ela não estava acostumada com aquele tipo de trabalho, ainda mais levando em conta que aqueles tipos de documentos estavam armazenados digitalmente, pelo menos, em Londres.

Porém, a advogada duvidava que a pequena e reclusa cidadezinha de Ottery St. Catchpole tivesse um arquivo digital para todo o tipo de documento, incluindo aqueles que envolviam imóveis, justamente, os que ela examinava naquele momento.

Arthur Weasley descrevera resumidamente pelo que Madame Rosmerta, amiga e dona da pensão mais requisitada do povoado, passava. Aparentemente, ela corria o risco de perder o terreno com tudo que possuía porque o mesmo fora herdado do homem com o qual vivera durante muitos anos, mas, jamais casara. A propriedade ainda estava no nome dele e ela recebera um comunicado solicitando uma resolução quanto a isso. Madame Rosmerta não sabia se existia um documento do homem transferindo a propriedade para ela e por isso, Hermione estava sentada no arquivo da pousada com pilhas de pastas e papéis ao seu redor.

Caso não encontrasse alguma espécie de testamento, a advogada sabia que precisaria reunir todos os comprovantes de impostos e pagamentos de todos aqueles anos, assim como testemunhas capazes de dizer que Madame Rosmerta tivera, de fato, um relacionamento com o dono morto da propriedade para só então começar a transferência para colocar tudo no nome da dona do hotel.

Era uma tarefa morosa e difícil, que existia atenção e concentração. Hermione costumava gostar e muito desse tipo de processo... Porém, naquele dia, estava distraída.

A sua cabeça estava em outro lugar, mais precisamente, em outra pessoa.

Os olhos castanhos liam as contas de luz e água, separando-as e colocando-as em ordem cronológica. Contudo, emocionalmente, a dona desses olhos estava distante, lembrando-se de toques, olhares, suspiros e beijos que preencheram a sua noite e parte da madrugada. Hermione começava a acreditar, verdadeiramente, que Fleur era capaz de tirar a sua razão, tamanha era a intensidade do que ela provocava.

Era algo que a marcava no instante e ainda ardia depois de algum tempo, não era comum.

Os cabelos castanhos estavam mais compridos do que na primeira vez em que Hermione pisara naquele povoado, os fios refletiam as mudanças e crescimentos pelos quais ela passara naqueles últimos meses. A sua vida transformara bruscamente, a solidão abandonara os seus dias e, em seu lugar, Fleur ocupava todos os aspectos da sua vida. Incluindo a sua decisão de permanecer e recomeçar, mesmo quando tinha tudo estabelecido em Londres. Diferentemente de Astoria, Fleur lhe dava a segurança necessária para tentar, algo que uma pessoa como ela - tão realista e pé no chão - precisava.

Aquele trabalho era uma mera conseqüência da sua relação com Fleur e por mais cansativo que pudesse parecer, valia a pena como tudo relacionado à francesa.

- Desculpe incomodá-la, querida... Mas, trouxe chá! - A voz naturalmente prestativa da proprietária se fez ouvir em meio aos farfalhares dos papéis e os baques secos das pastas. Hermione tirou os óculos de leitura enquanto erguia os olhos das folhas brancas e amareladas, sentiu-os arder, os fechou e massageou as pálpebras. Ao abri-los novamente, Madame Rosmerta entrou em foco enquanto equilibrava uma bandeja de prata com um conjunto de chá antigo e lascado, o aroma era convidativo e a morena sorriu realizada para isso. - É uma forma de recompensá-la e pedir desculpas pela minha bagunça... Está pior do que imaginava?

- Na verdade, já tive casos mais complicados, senhora... E temos tempo, de qualquer forma! - Hermione respondeu educadamente, de imediato. Não era de sua personalidade ser rude com pessoas mais velhas, ainda mais com clientes, sem contar que Madame Rosmerta fora bastante compreensiva quando se hospedara ali. A senhora lhe sorriu torto que beneficiou as suas belas feições amadurecidas e estendeu uma xícara fumegante enquanto respondia simpática:

- Não me faça sentir-me mais velha com esses pronomes, por favor! E fico feliz que tenha tanto tempo assim, eu estou bastante envergonhada pela confusão que deixei acumular.

- Não pretendo deixar Ottery St. Catchpole por enquanto, fique tranqüila, Rosmerta. - Hermione assegurou com um sorriso que chegava aos cansados olhos castanhos e com palavras que não deixavam espaço para dúvidas, a sua posição em relação à permanência era inquestionável. A morena apanhou a xícara e tomou um gole, agradecendo por aquela nova dose de calor em seu corpo. Ela voltou-se para os documentos e pensou que Madame Rosmerta voltaria a deixá-la sozinha, mas, a senhora permaneceu, deliciando-se com o próprio chá.

Alguns segundos com os olhos nos papéis foram necessários para que a concentração de Hermione voltasse, ainda mais diante da proximidade com o horário do almoço em que, enfim, poderia reencontrar Fleur. Essa promessa silenciosa injetou uma dose de urgência de esforço em sua mente, ela se viu mais determinada do que antes. Porém, também sentiu os olhos da sua cliente sobre si, estudando-a. A morena estava acostumada com pessoas observando-a enquanto trabalhava, Harry tinha esse péssimo hábito e, por isso, não se incomodou. Ela finalizara mais uma pasta quando Madame Rosmerta pigarreou e disse gentilmente:

- Nosso povoado é pequeno, mas, estamos muito felizes de tê-la aqui... Deus sabe como precisávamos de um advogado melhor do que Ernest Macmillan!

Hermione apenas riu da constatação da mulher. Ela tivera contato com aquele colega de profissão no processo envolvendo Fleur e Molly e, realmente, ele não era dos melhores, muito pomposo, talvez. Só que ela não podia condenar a sua categoria, então, deixou que a sua concordância se manifestasse pelas suas reações sem palavras. Rosmerta sorriu compreensiva para ela e continuou:

- Mais do que isso, eu estou particularmente feliz por você ter conseguido apaziguar a guerra entre Molly e Fleur. Nenhuma das duas merecia aquilo pelo que se faziam passar.

- Nisso eu posso opinar e digo que foi um alívio saber que a Sra. Weasley retirou o processo e as duas se resolveram... - As palavras realmente flutuaram diante dela, o seu coração era mais leve por ter conseguido resolver aquilo sem desfavorecer duas das mulheres que chegaram a sua vida. Rosmerta acenou com a cabeça, concordando enquanto tomava mais um gole de seu chá. Hermione depositou mais uma pasta examinada na mesa e suspirou. - As pessoas recorrem à justiça na maioria das vezes quando, na verdade, uma simples conversa poderia resolver tudo sem maior estresse.

- Eu gostaria de poder conversar com ele... - Rosmerta suspirou saudosa, olhando ao redor de si como se pudesse encontrar, em meio às pastas e aos papéis, a presença do homem que fora levado de si. Depois, os olhos dela voltaram a buscar Hermione e sorriram mesmo tristonhos. A morena apenas retribuiu o olhar, imaginando aquele sentimento como semelhante ao que sentira quando Astoria a deixou pela última vez, contudo, daquela vez não doeu... Era impossível que doesse quando já se estava curado. - Só que o desgraçado foi embora antes que pudéssemos nos preparar. Típico dele! Ouso dizer que essa despreocupação foi uma das razões pelas quais me apaixonei...

- Você o amava, isso é perceptível. E mesmo com essa bagunça, eu ouso dizer que ele a amava também... Seria um absurdo se ele não retribuísse da mesma forma. - Hermione completou com delicadeza, abandonando de vez as pastas ao seu redor e concentrando-se na sua cliente. Elas tinham tempo para resolver aquilo e nem sempre teriam momentos como aquele. A morena gostava de conhecer as pessoas por trás do auxílio judicial, no fim, a justiça era feita de e para pessoas. Conhecê-las era um requisito no trabalho, algo que a deixava cada vez mais apaixonada pelo que fazia.

Afinal, onde mais poderia ouvir sobre uma história de amor?

Rosmerta voltou a olhar para as pastas, os olhos claros dela brilhavam umedecidos e Hermione deixou que as lembranças a tomassem. Não sabia se a senhora deixara de pensar sobre aquilo ou se, simplesmente, não tivera tempo, por isso, respeitou. Um amor quando era real marcava e se fazia presente, a morena sabia disso agora. Os olhos claros se voltaram para os castanhos e, com uma risadinha, Rosmerta comentou:

- Agora, eu entendo porque Fleur deixou você chegar próxima para que ela pudesse se apaixonar... Você tem um jeito com as palavras, garota!

Hermione corou da cabeça aos pés, ela também engasgou com o chá e tossiu algumas vezes enquanto escutava as risadas de sua cliente. Não esperava por uma reviravolta na conversa, nem mesmo esperava que mais pessoas em Ottery St. Catchpole soubessem sobre a natureza de seu relacionamento com Fleur... Não era como se quisesse manter em segredo, a verdade era que não tinha boas lembranças quando se tratava de expor um relacionamento na Inglaterra.

Mesmo sem querer, ela lembrou-se de Astoria.

- Não morra por isso! Ninguém me contou, eu só sei porque eu as vi no Festival Anual e, também, porque o meu hotel não fica tão distante assim do Shell Cotage. - Madame Rosmerta explicou bondosa e, mesmo com a expressão preocupada em suas feições pelo pequeno ataque de Hermione, ela sorria compreensiva. A morena enxergou naquela mulher até então parcialmente desconhecida para ela, um respeito e uma admiração que gostaria de ter enxergado nos olhos de outras pessoas de sua vida. Rosmerta esticou a mão e envolveu uma das de Hermione, que abandonara a xícara e estava trêmula, entre as suas. - Não se envergonhe disso. Como eu disse, eu estou muito feliz que você tenha ficado pela nossa chef... Assim, você resolve os meus problemas e, também, os dela. Fleur é difícil, mas, merece ser feliz como qualquer um.

E aquelas também eram palavras que Hermione gostaria de ter ouvido de mais pessoas quando se tratava da forma que amava e de quem amava. Eram palavras de compreensão e, principalmente, de respeito. As palavras de pessoas que realmente queriam dizer o que falavam; de quem respeitava e de quem acreditava que o amor assumia várias formas, algumas delas, diferentes do que era considerado convencional.

A advogada não escutava e nem via aquilo muitas vezes, por isso, não soube bem como responder ou como agir. A sua fala se perdeu no silêncio assim como as suas atitudes perderam-se no olhar brilhante que destinou a sua mais nova cliente e que, depois disso, ousava chamara de amiga.

Rosmerta pareceu compreender o que provocara porque continuou a sorrir e afagou a mão de Hermione mais uma vez, antes de recolher as xícaras de chá e a bandeja. Porém, antes de sair do arquivo, ela voltou a olhar para a morena e, com uma piscadela, disse:

- Eu acho melhor trabalhar bem até o almoço... Nós duas sabemos que você tem aonde ir.

Hermione voltou ao trabalho escutando as risadas de sua cliente. E eram sons com os quais ela poderia conviver durante o tempo em que trabalhasse ali. O seu relacionamento com Fleur poderia ser algo que a tirava de sua persona profissional, porém, ela não ligava de ser motivo de riso por causa disso. Não quando amava daquela forma, com aquela intensidade.

Eles ririam dela porque ela estaria tão orgulhosa que seria incapaz de esconder o que sentia. Afinal, um amor daquele tamanho expiava-se, como a própria Rosmerta pontuara. Não existia como esconder algo assim.

# # # # #

A campainha soou aguda no interior da cozinha do La Petite Mort e mesmo com todos os sons vindos do salão movimentado, foi escutada pela audição bem treinada e aguçada de Cedric. O garçom abaixou-se na altura da janelinha que dava para o cômodo em que a magia acontecia e os pratos eram preparados. Fleur o recepcionou, sem um sorriso no rosto e distração nos olhos, Cedric a observava com indagação, aguardando as orientações dela. A chef leu, novamente, o papel com o pedido e, cansada, sussurrou:

- Pardon, Cedric... Coelho, mesa número 6.

- Á caminho, Fleur. - Cedric respondeu profissional, apanhando o prato e colocando-o em cima da bandeja que, elegantemente, portava. Fleur abaixou a cabeça quando ele retomou o serviço, não enxergando quando o garçom mexeu as sobrancelhas escuras para Bill que estava em seu tradicional local no salão, atrás de um balcão de madeira, aguardando os pagamentos e gerenciando.

Imediatamente, Bill se levantou e tomou o caminho da cozinha, Cho ocupou o seu lugar. O ruivo respirou profundamente quando os mais diversos aromas e temperos preencheram o seu olfato, Neville e Luna auxiliavam naquele dia, cortando, temperando e seguindo, com atenção, todas as orientações que Fleur, aérea, procurava dar.

Bill percebeu que algo realmente estava errado com a francesa quando ela demorou mais do que cinco minutos para bronqueá-lo. A chef limpava as migalhas dos últimos pratos preparados na bancada de metal para finalização com afinco e destreza, entretanto, ela estava evidentemente desatenta porque não ergueu os olhos, de imediato, quando o ruivo parou ao seu lado. Bill, então, pigarreou para chamar a atenção e, para sua surpresa, Fleur sobressaltou-se. Carinhosamente, o ruivo segurou e afagou o braço dela, perguntando preocupado:

- O que está acontecendo, Fleur?

- Não é nada... Eu acho que perdi o ritmo nessas férias, chérie. - A francesa respondeu mecanicamente, trazendo um sorriso teatral aos lábios finos e evitando, ao máximo, os olhos castanhos astutos do ex-marido. Bill franziu a testa para o comportamento de Fleur. A intensidade da observação de Bill foi o bastante para chamar, novamente, a atenção da chef. Ela voltou-se para ele enquanto jogava os guardanapos e migalhas no lixo e ajeitava o avental azul escuro na cintura. - E você realmente precisa começar a prender esses cabelos ao entrar na minha cozinha, estão mais compridos do que eu me lembrava.

- Eu prometo obedecer você se você responder a minha pergunta. - Bill respondeu de imediato, não se deixando enganar pela brusca mudança de assunto e nem pelo olhar de Fleur que tentava afastá-lo. Ainda assim, o ruivo alcançou um amarrio de cabelos no bolso da calça social que usava e prendeu-os de forma simples. A chef afastara-se dele, caminhando pela cozinha enquanto orientava Neville e Luna, evitando-o.

Bill não desistiu e suspirou, ele conhecia Fleur bem demais. Entretanto, ele não a forçou e apenas esperou que ela voltasse para ele, os olhos azuis vasculharam o teto, depois o piso e as pálpebras os esconderam quando, por fim, a francesa voltou a abri-los e suspirou. Em silêncio, Fleur alcançou o braço de Bill e o conduziu para os fundos, o local reservado para que eles pudessem conversar em paz.

Mesmo nos fundos, na segurança e no silêncio da familiar parede de tijolos, com as bitucas dos cigarros esporádicos entre os pés de ambos, Fleur continuara calada. Ela cruzara os braços, apenas para descruzá-los e ajustar as dobras nas mangas - na altura dos cotovelos - do dólmã. Ela também ajeitou a bandana azul escura sobre os cabelos loiros e, por fim, disse insegura:

- Aconteceu algo essa manhã.

- Claro que aconteceu! Você passou à noite com Hermione! Pensei que já tivessem feito isso antes... Não me diga que é tão puritana a ponto de ter se assustado com a experiência dela nas relações sáficas? - Bill disparou espontâneo, o riso era evidente em seus lábios, mesmo que ele quisesse contê-lo. Contudo, Fleur não entrou e nem, ao menos, se irritou com as suas palavras. Tudo que o ruivo teve dela foi um revirar de olhos que ele não se lembrava e que parecia pertencer a Hermione, não a ela. Bill suspirou e tentou dispersar os pensamentos brincalhões. - Okay... Então, pelo visto, o que aconteceu foi ruim por si só e não porque algo deu errado.

- Oui, é algo muito ruim! Na verdade, eu não sei o que foi pior: atender o celular de Hermione ou ter, do outro lado da linha, a mãe dela. - Fleur falara rápido e Bill teve certa dificuldade em compreendê-la, ele podia imaginar como estava sendo difícil para ela permanecer no inglês. Afinal, ele já presenciara momentos como aquele em que Fleur estava absorta demais pelo que sentia, a ponto de não pensar racionalmente em como se manifestar de outra forma que não fosse pela língua materna. A francesa, agora, andava de um lado para o outro. - Uma mãe que, agora, eu me toco que nunca foi mencionada. Nem o pai dela.

- É óbvio que ela tem pais, você pensou que ela tivesse crescido sozinha, Delacour? - Bill perguntou sarcástico, sorrindo de lado para o desespero de sua antiga companheira. Ele não conseguia imaginar qual era o problema com toda aquela ligação, Fleur era uma das pessoas mais corajosas que ele conhecia e depois de tudo que passara com Hermione, ele tinha certeza de que elas superariam qualquer coisa juntas.

Então, por que todo aquele drama?

A francesa parou de andar de um lado para o outro, encarando Bill em silenciosa exasperação. Depois de uma intensa troca de olhares, - e sem sorriso algum - Fleur chacoalhou a cabeça e a abaixou, as mãos dela tatearam os bolsos do dólmã em busca de cigarros, nesse momento, Bill teve noção da ansiedade dela. Fleur só fumava quando estava extremamente nervosa ou emocionalmente quebrada.

Ele não sabia qual dos dois ápices emocionais ela enfrentava naquele momento, mas, sabia que ela precisava de todo o apoio que pudesse ter. E Bill faria qualquer coisa para retribuir tudo que ela tinha lhe dado.

- Você não precisa de um cigarro, querida. - Bill estava, finalmente, sério. O ruivo aproximara-se com cuidado, segurando as mãos afoitas de Fleur com delicadeza e procurando os olhos azuis dela, ao encontrá-los, ele sorriu e suspirou, preparando-se para o que pudesse vir dela. - Você precisa conversar e sabe que eu estou aqui para isso.

Talvez, a segurança e a força contidas naquelas palavras simples provocaram algo em Fleur porque, no instante seguinte, as mãos da francesa circundaram o corpo de Bill e eles se encontraram abraçados, nos fundos do La Petite Mort, respirando na mesma freqüência e em um silêncio que era tenso, apenas preparando-os para o que viria depois. Bill a esperou por segundos, talvez, minutos... Até que sentiu Fleur soltar uma respiração em seu peito que ele não a vira segurar, depois, ela afastou-se delicadamente e, olhando-o nos olhos, respondeu abalada:

- Além da invasão de privacidade, eu estive tão absorta nos meus problemas familiares que sequer pensei naqueles que Hermione poderia ter... Ela nunca me contou sobre os pais, Bill! Eu não sei o que fazer!

- Eu acho que, mesmo que não saiba o que fazer, precisa saber que deve agir com sinceridade... Ela nunca agiu de outra forma contigo, nem mesmo quando vocês sequer tinham algo. - Bill pontuou de forma sábia, atraindo totalmente a atenção da francesa, o ruivo até mesmo se sentiu realizado quando percebeu certo alívio e relaxamento na postura da francesa em seus braços. - Eu sei que, ás vezes, uma mentira dita para o bem é melhor do que uma verdade pura... Mas, esse não é o caso. Uma família precisa ser baseada em sinceridade. Você precisa dizer a ela que atendeu ao telefone dela e que era a mãe dela ligando.

- Merde! Eu tinha medo que você me aconselhasse a fazer isso! - Fleur exasperou-se, desvencilhando-se dos braços de Bill e voltando a andar de um lado para o outro, respirando rapidamente. De forma abrupta, ela parou e voltou os olhos marejados e desesperados para Bill, o coração do ruivo apertou-se ao vê-la daquele jeito. - E se ela me afastar por causa dessa intromissão?

Bill, daquela vez, devolveu o olhar que recebia de forma atônita. Será que Fleur ainda duvidava do tamanho do sentimento que dividia com Hermione? Era engraçado que sua ex-esposa não conseguisse enxergar um sentimento que estava bem diante dos olhos dela. Dessa forma, o ruivo não conteve o sorriso brilhante e sonhador que brotou em seus lábios, Fleur observava ofendida e ele apressou-se para dizer, calmamente:

- Se ela não foi capaz de afastar você nem mesmo no início disso tudo, acha que será capaz de fazer isso agora? Hermione pode ser uma pessoa difícil, mas, ela não é cruel... E, principalmente, ela está apaixonada e ama você, Fleur!

A francesa permaneceu calada diante das palavras, como se, no silêncio, elas fizessem mais sentido do que se ousasse contrariá-las. E, provavelmente, o sentido daquele sentimento veio no silêncio e nas lembranças que ela tinha relacionadas a ele. Aos poucos, as feições tensas de Fleur relaxaram e um sorriso pequeno surgiu nos lábios finos, ela ergueu os olhos azuis brilhantes para Bill e, como se quisesse uma comprovação, perguntou:

- Você realmente pensa isso?

- Eu não penso, eu vejo, ma belle! - Bill respondeu divertido, adiantando-se para abraçar Fleur apertado e girar com ela em seus braços. Quem não os conhecesse, diria que formavam um belo casal naquele momento. Os dois pararam ofegantes, mas, o ruivo a manteve, próxima ao seu corpo, tentando passar para ela um pouco da coragem que ela mesma lhe entregara há anos. - Eu tenho certeza que ela não a afastará e se fizer isso, será por pouco tempo. Não existem muitas coisas que podem separá-las agora e isso não me parece fazer parte desse tipo de coisas...

Fleur olhou emocionada para ele, os olhos brilhando mais do que antes, parecendo safiras azuis àquela luz. Bill sorriu, sabendo exatamente que ela agradecia, mesmo estando incapaz de dizer algo, naquele instante. Ele beijou-lhe a testa e a guiou, de volta, para o interior do La Petite Mort.

Era bom que Fleur duvidasse do que dividia com Hermione porque aquilo tornava tudo mais especial, dessa forma, elas fariam de tudo para que resistissem a qualquer ameaça. A dúvida era uma forma de mantê-las atentas para que insistissem e, jamais, desistissem.

Ainda era cedo para que o arder nos olhos se manifestasse, mas, Hermione já podia sentir o cansaço em seu corpo, sobretudo, pela dor de cabeça instalada desde que abandonara as pilhas de documentos de Madame Rosmerta há alguns minutos. Talvez, aqueles belos dias de folga na França e mesmo em Ottery St. Catchpole estivessem deixando-a desacostumada.

Hermione arrastara os pés durante a maior parte do caminho entre a pousada de Madame Rosmerta e o La Petite Mort, por isso, foi com bastante alívio que os seus olhos encontraram a porta do restaurante. As cortinas das janelas da fachada estavam fechadas, o que indicava que o expediente tinha terminado e que, provavelmente, Fleur estava sozinha no local.

O coração da advogada acelerou empolgado diante dessa possibilidade, ficara tantos dias gravitando ao redor de Fleur que a ideia de ficar sozinha com a francesa, mesmo que por algumas poucas horas, já a satisfaziam o bastante para que Hermione se esquecesse de todo o cansaço por voltar a trabalhar. Com muita felicidade, a morena percebeu que Fleur estava tornando-se muito do que precisava para seguir em frente...

O completo oposto do que, um dia, Astoria Greengrass significou.

Com um sorriso no rosto e uma excitação latente nos movimentos, Hermione ignorou a placa de "Fechado" na porta e entrou no local. O interior do La Petite Mort estava mais morno do que o lado de fora e extremamente acolhedor, uma música instrumental tocava baixinho no sistema de som e um discreto perfume delicioso vinha da cozinha. Porém, quem Hermione procurava não estava em seu tradicional ambiente de trabalho.

Fleur estava de cabeça baixa, lendo algo sentada a uma das mesas do salão, bebericando uma taça de água e parecendo concentrada o bastante para não perceber a recém-chegada. Por isso, Hermione conteve-se em silêncio, apenas observando a francesa com um sorriso nos lábios.

A advogada sabia ser redundante e repetitivo falar a respeito da beleza de Fleur, mas, não conseguia evitar. Ainda mais em um momento como aquele, em que a francesa não estava preocupada em parecer bonita aos olhos dos outros e que parecia tão alheia à própria aparência.

Hermione não era uma pessoa superficial nem mesmo fez escolhas dessa natureza nos relacionamentos que teve... Porém, ali estava Fleur. Os cabelos loiros compridos soltos, o rosto desprovido de maquiagem, a testa levemente franzida pelo que lia, os lábios entreabertos e úmidos pela água que bebia... Ela estava presa na rotina e, ainda assim, parecia divinamente bela.

Os minutos de silêncio foram dedicados à contemplação. E só foram interrompidos quando a barriga de Hermione roncou e a morena grunhiu, provocando um erguer de cabeça apressado em Fleur. As belas feições rapidamente dissolveram a preocupação e desenharam a expressão apaixonada, a francesa sorriu deliciada e espreguiçou-se, enquanto colocava os papéis sobre a mesa, em seguida, perguntou interessada:

- Há quanto tempo está aí?

- O bastante. - Hermione respondeu de forma enigmática, mas, mantendo o sorriso que se abriu quando Fleur fez o mesmo, anteriormente. Os olhos azuis entregaram a curiosidade e a morena não a respondeu verbalmente, e sim, aproximou-se e depositou um beijo nos lábios finos que sorriram sobre os seus. A francesa observou quando a recém-chegada sentou-se ao seu lado e comentou divertida:

- O bastante para a sua fome se manifestar, não é?

- E também para outras coisas. - A morena respondeu e Fleur agitou a cabeça, antes de se aproximar e roubar outro beijo que Hermione entregou de bom grado. Em seguida, a francesa se levantou e juntou os papéis, deixando-os no balcão que Bill utilizava enquanto caminhava até a cozinha.

Minutos depois, o perfume da cozinha de Fleur voltou a tomar o salão do restaurante e Hermione o inspirou profundamente. Ela acostumara-se com os aromas que a francesa trazia consigo, mas, isso não queria dizer que ainda não se surpreendia pelo que a francesa podia criar em uma cozinha. Hermione passara a admirar aquela arte quando, antes, nem sequer pensava em sua existência.

Perdida em seus pensamentos, a advogada foi tirada deles quando um prato foi depositado em sua frente.

O aspecto visual era extremamente atrativo, uma carne com o interior rosado e as extremidades mais opacas, destacando o ponto da carne que não era nem bem e nem mal passado, com um molho escuro e espesso que exalava um aroma alcoólico. A carne era acompanhada de batatas em rodelas, temperada por cebolinhas e com alho além de uma discreta salada verde.

As porções eram generosas e a boca de Hermione encheu de água quando o visual juntou-se ao olfato, com o aroma do assado, do molho e das batatas seduzindo o seu paladar. Mesmo em momentos mundanos como aquele, a morena sentia a paixão que guiara toda a vida de Fleur nos pratos e nos gestos... A francesa era feita de amor e o fazia ser sentido em tudo que fazia.

O som abafado da rolha soltando-se da garrafa de vinho atraiu a atenção da advogada que voltou os olhos para Fleur, a francesa serviu duas taças e entregou uma para Hermione, degustando a própria quando ainda estava em pé e depositava a garrafa sobre a mesa, entre elas. Hermione esperou que ela sentasse e aspirou, novamente, os perfumes que atiçavam a sua fome e perguntou curiosa:

- Com o que você irá me mimar hoje?

- Uma carne diferente que os franceses amam... E um vinho que casa perfeitamente com ela. - Fleur respondeu de forma evasiva, divertindo-se com o sentimento de insatisfação manifestado nas feições de Hermione. A francesa forrou o guardanapo de pano sobre o colo e sorriu apaixonada para a morena que, no momento, aspirava o perfume do vinho da forma como fora ensinada. - Magret de Canard com redução de vinho, acompanhado por batatas e um pouco de verde. E harmonizado com um bom Bordeaux da margem esquerda.

- Sabe que metade disso que me disse é grego, certo? - Hermione comentou com um sorriso no rosto enquanto apanhava os talheres e cortava um pedaço da carne, levando aos lábios e fechando os olhos para o sabor avassalador que tomou conta de sua boca. Mesmo de olhos fechados, ela escutou o risinho satisfeito de Fleur. - De qualquer forma, eu nem sei se quero saber o que estou comendo diante desse sabor.

- Ainda assim, é um peito de pato feito da forma que pede a gastronomia francesa... Eu jamais seria capaz de tentar algo diferente sem pedir a sua opinião, fique tranquila. Dessa forma, você está salva dos escargots... - As palavras de Fleur estavam descontraídas, mas, foram ditas de uma forma rápida demais que contrastava com o humor que a francesa, até então, manifestara. Hermione observou-a atentamente, porém, os olhos azuis estavam presos ao prato enquanto a sua portadora mastigava silenciosamente.

O silêncio chegou, novamente, a elas. Por mais que Hermione procurasse conforto nele, podia sentir tensão crescendo lentamente, esgueirando-se enquanto mastigavam e se olhavam. A advogada não conseguia pensar no que ainda podia atingi-las depois de tudo que passaram e tinha a crença que, independente do que fosse, seriam capazes de enfrentar. Assim, ela esperava.

A refeição prosseguiu sem palavras e quando, finalmente, elas terminaram a garrafa de vinho e limparam os pratos, Fleur deixou que o nervosismo preenchesse o seu corpo e Hermione percebeu. As mãos pálidas remexiam-se inquietas, os olhos azuis brilhavam elétricos enquanto procuravam no que se focar e existia um rubor leve nas bochechas alvas.

Fleur respirou fundo e mexeu-se, procurando algo nos bolsos da calça que usava. Segundos depois, o achado foi depositado à mesa e Hermione arregalou os olhos castanhos para o celular que, aparentemente, esquecera no chalé e que não dera falta enquanto trabalhava. A francesa suspirou e com uma culpa sem motivo no rosto, sussurrou:

- Você esqueceu no chalé e recebeu uma ligação que eu atendi sem pensar nas conseqüências. É a sua privacidade e eu deveria...!

- Eu não tenho quero e nem tenho o que esconder de você, Fleur... Não há porque se sentir intimidade por ter atendido o meu celular. - Hermione respondeu aliviada, com a compreensão fazendo casa em seus olhos castanhos de uma forma que ela esperava que fizesse Fleur sentir-se melhor. Porém, o resultado foi exatamente o contrário. A chef procurou uma posição melhor,\ sentada à mesa e, não a encontrando, levantou-se e andou de um lado para o outro por duas vezes antes de, mais calma, dizer:

- Era a sua mãe, chérie.

Hermione, como ávida leitora, jamais duvidou do poder das palavras. Entretanto, ela se surpreendeu com o que aquela junção entre um pronome possessivo e um vocativo provocara em si. Já fazia algum tempo desde que escutara aquela expressão e desde que falara com quem a representava. A morena, portanto, encontrava-se entorpecida, num estágio em que não sabia o que deveria fazer diante daquela informação.

O tempo a fizera esquecer-se de como agir diante de sua pequena família assim como abrandara, um pouco, a dor daquilo que os separara.

Lembranças impalatáveis, escondidas e silenciadas há algum tempo, emergiam no interior da cabeça de Hermione, praticamente levando-a para longe da realidade. Ela lembrou-se dos julgamentos, dos olhares reprovadores, da primeira e única vez em que elevou o tom de voz para os pais e, também, da primeira e última vez em que foi punida, com um tapa, por eles.

Tudo aquilo trouxe um gosto amargo a sua boca que, primeiro, mascarou e, posteriormente, eliminou qualquer sabor delicioso que a comida de Fleur pudesse ter deixado em seu paladar. Hermione sentiu o estômago doer e respirou fundo antes de apanhar a taça de vinho pela metade e virá-la de uma vez.

O vinho não ajudou, tonteando tudo ao seu redor e tirando a referência de seu equilíbrio - como se ainda existisse algo em que pudesse se segurar no meio daquele vendaval que se instalara na sua vida até então, calma -, ainda tonta, ela abriu os olhos e encontrou Fleur observando-a exasperada, tentando alcançá-la. Hermione, contra a sua vontade e cedendo aos seus instintos de sobrevivência, recuou e enxergou a dor nos olhos azuis que empalideceram na fraca luz ambiente do La Petite Mort. A francesa suspirou pesado, um suspiro arrependido e que a morena não queria que ela sentisse, em seguida, desculpou-se ferida:

- Pardon, mon amour... Eu não queria invadir a sua privacidade dessa forma, eu achei que fosse algo do trabalho já que a ligação vinha de Londres e...

- Você não precisa se desculpar, nada disso é culpa sua. - Hermione sentenciou inabalável, olhando para os olhos azuis, tentando eletrocutá-los para revivê-los. Ela levantou-se e, trêmula, alcançou o corpo de Fleur trazendo-a para perto. A intenção era reassegurar as suas palavras para a francesa, contudo, a morena sentiu-se embalada e protegida no abraço que iniciara. O perfume de lavanda de Fleur cheirou como casa e Hermione abrigou-se nela, desejando não ser mais encontrada por ninguém. - Esse só é um assunto delicado para mim... Meus pais não falam comigo há algum tempo e eu não sei se estou pronta para falar sobre isso, ainda mais, depois de ser pega de surpresa por essa ligação.

Para nova surpresa de Hermione, a chef voltou a afastar-se dela. Os olhos azuis não estavam elétricos, mas, brilhavam uma intensidade pálida, apaziguadora... A morena viu-se atenta a eles, mais do que gostaria, tanto que demorou a perceber o sorriso discreto nos lábios finos. Fleur segurou suas mãos e, afagando-as com os polegares, perguntou delicada:

- Precisa de um tempo, sozinha, para pensar neles?

Hermione não havia pensado nessa possibilidade, contudo, agora, ela parecia fazer absoluto sentido. A morena precisava mesmo apaziguar a tempestade iniciada por aquela ligação, assim como também precisava recolher os escombros dela e reerguer-se. Caso não fizesse tudo isso, a sua relação com Fleur poderia ser seriamente influenciada - para pior - por tudo que não pensara desde então. Sem perceber, Hermione acenou positivamente com a cabeça.

Fleur separou-se dela, sem antes depositar um beijo na testa morena. Depois, apanhou o casaco que repousava na cadeira e jogou-o sobre os ombros da morena que, anestesiada, iniciou a sua caminhada para fora do santuário que, até então, era o La Petite Mort. Um pigarro delicado chamou-lhe atenção quando chegara à porta, ela se virou e encontrou Fleur sorrindo abertamente, dessa vez. A francesa respirou fundo e, comovida, sussurrou:

- Eu estarei aqui quando você voltar, eu prometo.

A morena não respondeu, mas... Acreditou.

# # # # #

Nuvens enegrecidas e ameaçadoras começavam a tomar conta do céu de Ottery St. Catchpole, escurecendo o final de tarde na pequena cidade. Alguns dos postes elétricos já estavam acesos e, através da janela do restaurante, Fleur podia ver que as correntes de vento tornavam-se cada vez mais intensas. A tempestade estava às portas do vilarejo.

A francesa poderia comparar a confusão daquele dia àquela tempestade inesperada, mas, ela preferia acreditar que o que tinha com Hermione ainda não chegara àquele ponto. Claro que estava preocupada com a morena que desaparecera desde a hora do almoço - até ligara para Madame Rosmerta apenas para saber que Hermione fora trabalhar e que passara a maior parte da tarde distraída antes de sair mais cedo -, contudo, sentia-se na obrigação de conceder a Hermione o tempo que lhe fora dado.

A morena respeitara o seu segredo familiar e até apoiara quando ele viera à tona, protegendo-a de Othon quando tudo ameaçou sair do controle. Portanto, era sua obrigação fazer o mesmo... Ainda que estivesse desesperada a ponto de não conseguir levantar os números da dispensa e de não conseguir organizar a cozinha, coisas que se comprometera a fazer naquele dia. A angústia tirava a sua concentração e a preocupação a deixava distraída, Fleur conseguia imaginar o que Hermione sentira quando a deixara às cegas.

Era doloroso saber que quem amava estava sofrendo e que não havia nada a ser feito para remediar isso.

Fleur passara à tarde, a qual deveria trabalhar, revezando-se em lidas e relidas de papéis que Bill achava que ela deveria estar ciente - e não entendendo nenhum deles no processo -, revezando taças de vinho e de água, escrevendo receitas em um de seus cadernos e arrumando a disposição de mesas e cadeiras no salão para o horário do jantar que ela não mais sabia se seria capaz de servir...

Ela só queria que aquela tempestade passasse.

As árvores da praça começavam a inclinarem-se ameaçadoramente diante da força do vento e a francesa franziu a testa para o que via, preocupada e amedrontada. Ela saiu de sua inércia, levantando-se com a taça de água em mãos, disposta a achar um local ventilado onde pudesse fumar para aliviar a tensão. Porém, antes que pudesse, a porta do La Petite Mort foi destrancada e aberta, as risadas masculinas e roucas de Bill e Cedric tomaram o ambiente e, mesmo tão melancólica, Fleur sorriu para a alegria deles.

Só que ela deveria saber que aqueles dois a conheciam melhor do que ninguém, os resquícios da alegria ruidosa deles se perderam quando ambos tornaram-se cientes da presença dela e a francesa se sentiu culpada por tirar algo que os dois lutaram tanto para conseguir. Fleur encolheu os olhos e bebericou mais um gole da taça antes de abaixar a cabeça e dar às costas ao casal. Contudo, antes que pudesse sair, Bill pigarreou e, preocupado, perguntou:

- Onde a senhorita pensa que vai?

- Eu preciso terminar o levantamento da nossa dispensa antes de iniciar os preparativos para o horário do jantar... - Fleur respondeu de forma evasiva, de costas para eles enquanto tentava percorrer a distância até os fundos do salão em tempo recorde. Os passos apressados atrás dela deixaram-na indecisa entre correr e deixá-los perceber que tinha algo errado ou, simplesmente, dissimular. Ela não teve tempo para decidir, mãos gentis a alcançaram e a fizeram voltar e quando ela tentou não olhar para eles, toques ainda mais delicados ergueram o seu rosto e Fleur estava frente a frente com Cedric. Os olhos acinzentados, que não remetiam às nuvens do lado de fora, estavam angustiados, ainda assim, ele sorria ao comentar:

- Você não fez isso durante todo o tempo que ficou aqui... Não precisa fazer. Um dia sem checarmos a dispensa não fará com que falte algo.

- Sem contar que você está ainda pior do que quando eu deixei você aqui... - Bill completou com delicadeza, puxando-a para ele e a abraçando apertado. Fleur sentiu que Cedric também se juntara ao abraço, a sensação de que seria levada por aquela tempestade diminuiu e ela sentiu-se firme ao chão, no meio daqueles perfumes masculinos e daqueles músculos mais acentuados. Os dois se afastaram, mas, Bill ainda manteve-se perto o bastante para arrumar os fios loiros que saíam do lugar. - Não foi como pensamos anteriormente?

A pergunta pairou entre os três. A confusão nos olhos de Cedric indicava que ele não sabia sobre o que acontecera, a ansiedade nos olhos de Bill refletia a preocupação dele e o vago, nos olhos azuis, podia tanto indicar preocupação quanto tristeza. Fleur não sabia o que sentia e nem o que, supostamente, deveria sentir... Ela só queria que Hermione voltasse, tivesse pensado ou não nos pais e no que eles significavam para a sua vida.

Depois de alguns minutos, a francesa manifestou os primeiros sinais de que responderia àquela pergunta, mesmo sem saber se estava certa em relação à resposta. As mãos dela seguraram a mão de Bill mais próxima e, depois, a de Cedric. Os dois a olhavam preocupados e foi mais por eles do que por ela mesma que respondeu insegura:

- Ela não condenou o que eu fiz, nem brigamos por causa disso... Ela simplesmente precisava pensar e mesmo que não tivesse dito, eu dei isso a ela. Mas, ela desapareceu, eu não consigo encontrá-la. Eu não sei o que está acontecendo, eu não sei se ela precisa de mim... Não saber o que fazer e o que esperar torna tudo mais difícil!

- Seja bem-vinda ao nosso mundo, chefinha... Na maior parte do tempo, os apaixonados realmente não sabem o que está acontecendo e nem o que esperar do que sentem! - Cedric foi brincalhão em suas palavras e a francesa enxergou zelo nos olhos cinzentos. Ela esforçou-se para ser envolvida naquela aura quente e protetora que os dois exalavam, ela lutou para ser otimista porque, depois de tudo que passara com Hermione, não era possível que fosse o início do fim ou o fim propriamente dito. Algo tão forte não podia acabar por causa de um passado distante... Ela sentiu o seu corpo sacudir nos braços de Bill e o procurou em meio a sua confusão e desolação emocional, encontrando--o ao seu lado, como sempre. O ruivo sorriu encorajador e perguntou animado:

- E o que acha de abandonar tudo isso e sair conosco? Eu, Cedric e os demais ruivos, mais Harry, vamos ao pub assistir a uma final de algum campeonato de um esporte que eu não sei qual é...

- É a final da Copa da Inglaterra de futebol, amor... Quantas vezes eu preciso repetir isso a você? - Cedric completou em tom brincalhão, levando um beliscão do namorado indignado na barriga, provocando risos contidos em Fleur. Ainda que pequenos, os risos amenizaram a preocupação nos olhares de ambos e, agora, eles a observavam com carinho, esperando uma resposta.

Deixando de lado as suas vontades de confraternizar - que não existiam -, Fleur lembrou-se muito bem do que dissera para Hermione antes da morena desaparecer, desabalada, do restaurante. Ela havia feito uma promessa e só a descumpriria se algo igualmente forte a intimidasse e, no momento, não existia algo que pudesse ser páreo para o seu amor. Por isso, a francesa inclinou a cabeça, agradecida, em seguida, beijou a bochecha de cada um dos rapazes - os seus anjos da guarda naquela terra tempestuosa - e respondeu:

- Eu não posso, eu prometi que ia ficar e esperar.

- Nós entendemos. - Bill foi imediato em suas palavras quando apreendeu a essência presente nas de Fleur. Ele retribuiu o beijo na testa, sendo seguido por Cedric que fez o mesmo antes de darem-se as mãos e saírem do La Petite Mort.

Novamente só, Fleur os observou afastarem-se até tornarem-se sombras difusas pelas ruas ladeadas de lampiões em Ottery St. Catchpole. Eles mal tinham desaparecido na esquina quando a chuva, finalmente, caiu no pequeno povoado.

Do lado de fora, as gotas chegavam à terra de forma tenra e delicada, quase que pedindo passagem e contrastando completamente com o céu diabólico que a precedera.

Fleur sabia que, logo, aquela chuva se tornaria mais pesada e tudo que ela esperava, sozinha no restaurante que, antes de Hermione, fora a sua vida, era que o mesmo não se acontecesse na sua vida.

Ela não precisava de uma tempestade quando tinha sentido o gosto de ter um horizonte ensolarado em sua face.

Os pensamentos eram capazes de carregar uma pessoa para longe, ainda que ela tivesse os pés firmes ao chão. Hermione, no entanto, nunca encaixara nessa categoria de pessoas que se deixava levar pelo que passava em sua cabeça, pelo contrário, ela raramente entregava-se aos sonhos e desejos, pautando as suas escolhas e a sua vivência na razão e nas opções que tinha em mãos.

Porém, o quadro invertia-se quando se tratavam de suas lembranças tão significativas e dolorosas relacionadas aos seus pais. Por isso, ela precisara de tempo para digerir aquela nova tentativa de contato e, principalmente, para entender quais eram os seus sentimentos diante daquela virada de mesa. Antes de tudo isso, ela estava feliz com Fleur, satisfeita por ter sido recebida pelos Delacour e por ter um lugar entre os Weasley, mesmo sem ter feito muito para recebê-lo. Até mesmos e apegara à ideia de escolher a sua nova família... Só que agora, ela sentia um buraco enorme no peito porque, mesmo tão devastada, ela queria os seus laços de sangue de volta.

E mesmo que quisesse, era teimosa o bastante para tentar resistir e orgulhosa para assumir, em voz alta, que sentia falta da mãe e do pai. Hermione não estava pronta para admitir, em voz alta, - nem mesmo para Fleur - que queria ser compreendida e aceita pelos pais.

Mais dolorido do que ter os pais de volta era ter que deixar a francesa de fora de tudo aquilo e a morena ousava pensar que essa era a parte que mais incomodava. Porque ela sabia que Fleur entregara tudo, inclusive todas as feridas do passado, em suas mãos para que, juntas, tentassem seguir em frente. Não era justo que não fizesse o mesmo, portanto, a sua dor era incômoda, mas, deveria ser enfrentada... Pelo amor que sentia por Fleur.

E era por isso, pelo sentimento que tinha no peito e não pelas memórias que tinha na mente - e que machucavam o seu coração - que Hermione caminhava embaixo da chuva fina que salpicava em Ottery St. Catchpole. As gotas contínuas eram de pequeno volume e, mesmo intermitentes, não a molhavam completamente de forma que Hermione erguera a gola do sobretudo até o pescoço e prendera os cabelos para não chegar em um estado tão deplorável onde ela suspeitava que Fleur ainda estivesse.

Afinal, o La Petite Mort era o refúgio de Fleur naquele povoado e, por que não poderia começar a ser o porto seguro da própria Hermione? Contanto que a francesa estivesse lá, esperando e disposta a abraçá-la, a morena sabia que qualquer lugar poderia assumir essa função.

O significado das últimas palavras de Fleur, antes que Hermione saísse do restaurante, acentuava-se à medida que se aproximava do local, porém, ao chegar à porta, a morena sentiu toda a sua coragem esvair-se e o temor do passado a paralisou. Através do vidro da janela, ela enxergou o salão deserto e escurecido pela tempestade e pela noite que chegava, a única luz vinha da cozinha e delineava a silhueta de Fleur.

Hermione suspirou diante daquela visão, estava paralisada pelo medo, debaixo da chuva fria e, ainda assim, era como se o calor da simples visão de Fleur fosse capaz de derreter todas aquelas barreiras que se erguiam em volta dela, mesmo tão distante de Londres.

Segundos se passaram, minutos também e a morena não os contou. Apenas viu quando mais luzes se acenderam do lado de dentro, em meio ao seu torpor, observou Fleur se aproximar e abrir a porta do restaurante, tentando permanecer forte por mais que os seus olhos entregassem a sua preocupação irracional. Hermione se viu confrontada pelas lembranças do passado e pelos atos do presente, ela não se mexeu, mas, sentiu a mão quente envolver o tecido úmido de seu sobretudo e puxá-la para dentro. Ela mal entrara e já tinha a peça molhada removida, Fleur olhou-a nos olhos após pendurar o sobretudo no gancho ao lado da porta.

Um olhar totalmente diferente dos que dividiram outras tantas vezes no La Petite Mort. Era um olhar de necessidade, mas, não carnal e sim, emocional. Era o olhar de quem amava e de quem estava disposta a fazer tudo pela felicidade de quem amava... Hermione não se lembrava de ser vista daquela forma nos relacionamentos que tivera, a eletricidade contida naquele azul produziu efeitos apaziguadores no seu interior atribulado. Inconscientemente, a morena sentiu o seu corpo pedir pelo de Fleur e assim foi abraçada e apertada, protegida.

A chef cheirava a temperos, a vinho, cigarro e lavanda... Uma mistura tão curiosa e, ao mesmo tempo, tão familiar. Um aroma que Hermione começava a relacionar com casa, proteção... Os braços de Fleur eram um local onde ela podia abaixar a guarda e respirar para, enfim, voltar a enfrentar o que a esperava. Ela não chorou e sim, respirou fundo para ter mais daqueles perfumes, para, embriagada neles, fechar os olhos. Os dedos finos e delicados de Fleur encontraram o seu couro cabeludo e afagaram ali, em seguida, um beijo foi depositado entre os fios castanhos, seguido de uma pergunta sussurrada:

- Tudo bem, ma brune?

- Não, mas, ficará... Com você, aqui e com a conversa que teremos. - Hermione respondeu ainda de olhos fechados, com o rosto pressionado de encontro aos seios de Fleur e tentando respirar na mesma freqüência que a outra. Ainda desprovida de visão, a morena sentiu o corpo que a abraçava tensionar-se. A francesa estava nervosa quando, na realidade, deveria ser o contrário. Os olhos castanhos, enfim, foram abertos e procuraram os azuis, ansiosos. - Eu sei que ficará.

Fleur não respondeu verbalmente. Ela apenas segurou a mão morena e guiou sua dona para as mesas ao fundo do salão, aquelas próximas da cozinha. Algo estava sendo preparado e o aroma delicioso preencheu o olfato de Hermione, funcionando como um despertar aos demais sentidos porque agora, a morena enxergava a preocupação dissimulada de Fleur com mais clareza, assim como escutava a melodia delicada e a voz forte que soava através do sistema de som do restaurante. Fleur queria que se sentassem, mas, a morena quis ficar em pé. Os seus braços contornaram a cintura delgada e ela continuou:

- Eu deveria ter contado sobre os meus pais assim que nos resolvemos com os seus, peço desculpas... Mas, não pensar neles, além de não os visitar com freqüência, tem sido a minha melhor estratégia nos últimos anos.

- Você não precisa me contar agora, se não quiser. Eu escondi muitas coisas e tenho uma dívida impagável com você... Eu disse e reafirmo, eu posso esperar. - Fleur respondeu com convicção, arrancando um sorriso orgulhoso e apaixonado de Hermione. Quem imaginaria que a francesa, sempre tão arrogante, pudesse ser capaz de privar-se daquela forma por outra pessoa? A morena levou uma das mãos ao rosto pálido e afagou a bochecha perfeita, beijando-a em seguida. Depois, respirou fundo e voltando a olhar para quem a amparava, respondeu:

- Eu quero contar agora... De qualquer forma, não há muito que falar. Os meus pais simplesmente não me aceitaram quando eu me assumi e ainda me puniram por isso. Por muito tempo, eu sequer os visitava. Mas, desde que terminei a faculdade, eu tenho tentado, pelo menos, cumprir os meus deveres como filha mesmo que tudo tenha piorado quando decidi tentar de novo e contar a eles sobre um dos meus relacionamentos. Nós só não convivemos por causa das crenças deles e foi uma surpresa tê-los de volta.

Fleur não soube o que dizer e Hermione entendeu isso através do olhar desolado que lhe foi dedicado. A morena continuou a sorrir porque ela aceitava aquela pena vinda da francesa, era forte e obstinada, mas, não era invencível e os braços de Fleur eram o único local em que ela permitiria ser digna de pena. Hermione voltou a aconchegar no abraço e as suas mãos subiram pelo corpo que conhecia tão bem, chegando ao pescoço alvo e encaixando-se ali, satisfeitas.

Contato físico era algo que, durante algum tempo, tentara substituir o que perdera com os pais. E essa evidência ardeu os olhos de Hermione, ela escondeu o rosto junto à pele do pescoço de Fleur. A francesa percebeu a umidade em seus olhos porque o abraço se apertou, assim como os beijos plantados em cada superfície da pele morena que os lábios finos conseguiam encontrar. Ofegante, Fleur sussurrou no ouvido Hermione:

- As crenças deles não deveriam ser mais importantes do que a sua felicidade. Nada deveria ser maior do que a felicidade de um filho para um pai ou uma mãe, eu sei disso agora. Você não deve sentir-se triste pelas decisões que foi forçada a tomar, você é extraoirdinaire, Hermione... A pessoa mais corajosa que eu conheço! E nada mudará isso aos meus olhos. Nada.

Hermione se afastou. O castanho parecia derretido entre as lágrimas e o calor que o possuía, ela tinha a boca entreaberta porque não sabia como responder aquela declaração. Mesmo tão atônita, ela conseguiu enxergar-se no interior do azul de Fleur. Mesmos em dizer, a francesa elencava tudo pelo que passaram na França e antes dela. Aquelas lembranças a reerguiam e faziam com que ela sentisse o que importava.

Fleur a amava e passava tudo aquilo naquele olhar. As duas se amavam e o que viria depois deveria ser enfrentado como duas e não, como uma.

Sem palavras - algo que era raro para Hermione Granger -, a morena viu-se ansiosa pelos lábios finos sobre os seus e assim fez, aproximando-se com certa falta de jeito até que, enfim, ambas encontraram o ritmo e a familiaridade, embaladas pela música que parecia enfatizar o que elas tinham sentido.

The storms are raging on the rolling sea

And on the highway of regret

Though winds of change are throwing wild and free

You ain't seen nothing like me yet

I could make you happy, make your dreams come true

Nothing that I wouldn't do

Go the of the Earth for you

To make you feel my love

- Deixe que eles venham, mon amour... Nós vamos mostrar a eles que somos mais do que qualquer coisa que eles já viram. - Fleur novamente prometeu, segurando o rosto de Hermione entre suas mãos e a olhando com intensidade, de forma que a morena apenas acenou, concordando e acreditando nas palavras, no sentimento e naquele momento.

E como o destino costuma ser crucial em momentos que marcam, como esse, o celular de Hermione voltou a tocar. No identificador de chamadas, o mesmo número com o código de Londres. A morena afastou-se, mas, manteve a sua mão ligada a de Fleur, permaneceu presa ao solo quando, naquele momento, ela flutuava nas nuvens de seu sentimento.

Hermione olhou para Fleur antes de atender o celular e, enquanto levava o aparelho à orelha. Aquele mesmo olhar, aquele mesmo sentimento... A morena foi atingida em cheio pelo amor que não mais se fazia sentir e sim, que transbordava de Fleur.

Ela não precisava de mais e, então, ela os deixou vir.

# # # # #

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