POV Zayn.
Estivemos à conversa durante imenso tempo, sempre com Rose deitada sobre os meus braços. O cheiro dela estava por todo o lado. Quando lhe perguntei por que razão cheirava a guloseimas ela respondeu que usa uma loção de brilhantes com cheiro a bolos.
Escusado será dizer que isso teve um efeito catastrófico na minha imaginação, e tive de me controlar para não lhe arrancar a roupa só para comprovar a eficácia do tónico dos brilhantes.
- Está a ficar tarde. - Se eu fosse um jovem como os outros, eu não diria isto. Ou se dissesse, era somente para a arrastar da casa abandonada até ao meu loft desorganizado e pouco familiar para fazer coisas igualmente desorganizadas e pouco familiares. Mas eu vivo numa casa com triângulos de silicone nas esquinas dos armários, com proteções nas tomadas e com estrelas que dão luz no escuro coladas por todo o lado.
Eu sou o tipo de rapaz de 25 anos que não pode convidar uma rapariga para dormir em sua casa.
- Oh, ok. - Ela levantou-se com demasiada rapidez o que me deixou a pensar que talvez seja só eu a querer prolongar este momento, mas assim que vi a sua expressão desiludida senti-me mais tranquilo.
- Eu não posso ficar porque eu...
- Porque tu vives com a tua irmã e ela precisa de ti.
A minha irmã...Pois, eu não devia mentir-lhe mas eu não quero que ela descubra sobre a Emma, não para já.
- Sim, é isso. - Sorri-lhe e envolvi o seu corpo magrinho com os braços, enterrando o rosto na curva do seu pescoço. Bolos e brilhante, que combinação explosiva. - Eu prometo que vamos ter mais oportunidades.
Assim que proferi essa frase senti-a estremecer, desembaraçando-se rapidamente dos meus braços. Foi a mesma reacção de afastamento que tivera no carro quando lhe dissera aquilo que me fazia sentir. É quase como se ela tivesse medo de cada vez que me tento aproximar...emocionalmente.
- Vamos? - Perguntou ela um pouco nervosa.
- Sim.
*
Parei junto à entrada do seu prédio, e desliguei o carro.
- O Louis e a Tris devem estar loucos para saber como correu o teu dia. - Falei sugestivamente, esperando que ela me dissesse o que achou da nossa tarde.
- Vão ficar desiludidos quando lhes disser que não foi nada de especial. - Respondeu ela com um sorriso divertido.
- Oh. Lamento não te ter levado a passear numa limo e a jantar num restaurante chique.
- Não sei se o consigo perdoar por isso, M.Malik. - Ela aproximou-se e beijou-me carinhosamente a bochecha.- Obrigado, foi perfeito. E para que conste, eu não gosto de restaurantes chiques.
Eu ri e acariciei levemente o seu rosto, sem desviar o olhar do dela.
- Porra, Rose. És terrivelmente linda.
Ela corou de imediato, embaraçada, fazendo-me rir.
- Vai lá, amanhã à hora do costume.
- Dorme bem, Zayn.
Ficou subitamente nervosa e eu percebi que ela estava à espera que a beijasse, mas decidi divertir-me um pouco.
- Até amanhã, dorme bem. - Rodei a chave na ignição, fazendo o motor arrancar ruidosamente.
Ela abriu a porta, preparando-se para sair e eu puxei-a de volta, beijando-a com alguma violência. Senti uma das suas mãos agarrar-me o cabelo e sorri contra os seus lábios. Assim que nos separamos, de respiração ofegante, ela saiu do carro, corada e sorridente, preparando-se para se afastar quando eu baixei o vidro, fazendo um gesto para que se aproximasse. Ela baixou-se, confusa, e eu sussurrei ao seu ouvido.
- Eu acho que o mel resultou na perfeição.
*
(Dias mais tarde)
POV Zayn
- Então, Zayn, como estás?
Fixei o olhar na psicóloga pois já ando aqui há tempo demais para perceber os supostos “sinais subtis” que nos dizem quando estamos a mentir. Esta é mais uma das consultas rotineiras que tenho de fazer de vez em quando pois Niall e Susan, após a morte de Jullie, acharam que eu “não estava bem” e que deveria falar com alguém. É claro que não lhe contei que matei alguém, apenas lhe dei uma visão romantizada dos acontecimentos: eu apaixonei-me por uma pessoa que traiu a minha confiança.
Depois da morte de Jullie, quando todos pensaram que ela partira subitamente para uma viagem pela Europa, deixando-me perdido (e partido) de amores por ela, toda a gente dizia a mesma coisa: é uma questão de tempo até tudo ficar bem. Pressupunham apenas que era a dor já costumeira de um amor não correspondido, talvez, quem sabe, fruto de uma traição qualquer, diziam eles, ignorando o facto de ela estar três palmos abaixo da terra por ter raptado a minha pequena Emma, o que só fazia com que essa dor fosse infinitamente maior, e esse tempo infinitamente mais longo. “É uma questão de tempo” é a pior expressão inventada até hoje, e todas as suas tristes variantes que fazem com que o tempo pareça uma espécie de medicamento milagroso capaz de curar o mal em toda a sua extensão. Sem querer descredibilizar o poder curativo do tempo…eu quase perdi a minha filha, fui enganado pela mulher que amava e levei um tiro, tudo no mesmo dia. Não é uma questão de tempo até tudo ficar bem porque nunca, nem com todo o tempo do mundo, eu vou voltar a ficar bem.
O tempo não apaga a dor, apenas a torna menos prioritária, por isso talvez eu venha algum dia a ficar menos-mal, ou um-pouco-mais-perto-de-bem.
É por isso que eu espero.
Clareio a voz e respondo com firmeza:
-Estou bem, obrigado.
*
- Flash back on -
- Mr. Malik, é quase cruel trabalhar para si.
Ergui os olhos do computador e olhei de forma interrogativa para Jullie que me sorri provocadoramente. Ela está sentada mesmo à minha frente, deslizando os dedos cheios de anéis pelo tablet. É realmente deslumbrante. Trabalha aqui há algumas semanas e eu sei que estou profundamente vidrado nela, o que não pode ser bom.
- Porquê? – Perguntei, sorrindo de volta.
- É desconcertante trabalhar com alguém tão bonito.
O meu sorriso alargou e arregalei os olhos perante a sua ousadia:
- Miss Candess, costuma dizer isso a todos os seus patrões? – Perguntei, divertido.
- Não, só aos que conduzem o meu carro de sonho. – Respondeu, fazendo uma careta.
- E aos que a convidam para jantar?
Esse foi o primeiro de muitos.
*
(meses mais tarde)
Jullie está sentada num banco do jardim com uma revista sobre as pernas: vai levando o dedo à boca para virar a folha mais facilmente, e apesar do meu plano original passar por observá-la mais um pouco, acabei por não resistir, caminhando na sua direção e surpreendendo-a com um beijo.
- Olá. – Cumprimentou ela, sorrindo.
- Olá. – Respondi, estendendo-lhe um ramo de flores.
Ela levantou-se num ápice e lançou os braços em torno do meu pescoço.
- Oh! Obrigado por esta surpresa maravilhosa! São lindas!
Eu sorri e dei-lhe a mão conduzindo-a pelo parque. Falamos um pouco de tudo, como sempre…Jullie é uma pessoa com é fácil de falar: é tão compreensiva, tão paciente, tão dedicada… como se tivesse todo o tempo do mundo para prestar atenção a cada pessoa. Contei-lhe sobre Elaine e Peter e ela tem-me ajudado a lidar com tudo de uma forma que eu nunca julguei ser capaz.
- Julles?
- Sim, Zayn.
- Namora comigo.
Ela estacou no centro do parque, junto a uma fonte, e olhou-me de forma expressiva.
- O que disseste?!
- O que tu ouviste: namora comigo.
Ela deu uma gargalhada:
- Porquê?
Ok. Essa não era a resposta que eu estava à espera, mas eu já sei que não posso esperar nada de Jullie, ela é a pessoa mais imprevisível que conheço.
- Porque eu quero que sejas minha namorada. – Respondi, aproximando-me e tentando envolve-la com os braços. Ela afasta-se, rindo, enquanto segura o ramo de flores contra o peito.
- Quero uma razão válida e um pedido decente.
É fim de tarde de uma sexta-feira e por isso o parque está repleto de pessoas que, como nós, decidiram fazer uma pausa depois do trabalho.
- Segura. – Passei-lhe o telemóvel para a mão, afastando-me.
- Zayn?! Zayn, o que vais fazer?!
Aproximei-me da fonte e sentei-me na borda, passando as pernas para o seu interior. Sinto a água inundar-me o fato, começando a pesar, e as pessoas em volta a olhar-me fixamente.
- Zayn?! - A voz de Jullie sai entrecortada com as gargalhadas e eu rio também. Apoio-me na estátua de uma sereia e dou impulso para subir para o segundo patamar da fonte, deixando a água cair livremente sobre mim.
- Zayn, tu és tolo!
Assim que chego ao topo, ergo-me sobre mim mesmo, completamente encharcado, e grito cá para baixo:
- Julles, eu quero que sejas minha namorada porque sim.
Ela ri e grita de volta:
- “Porque sim” não é resposta!
- Julles, eu quero que sejas minha namorada porque és o tipo de pessoa por quem eu entro em fontes com o meu fato preferido.
As pessoas em volta sorriem perante a minha demonstração apaixonada e eu sinto-me feliz. Sinto-me capaz de fazer coisas estúpidas por amor.
- Estragar o teu fato preferido é uma prova, não uma razão. – Explica ela, fazendo-me rir.
- Julles, eu amo-te, isso é uma razão?
Ela fica subitamente apreensiva, como se uma espécie de dúvida atravessasse a sua mente, mas é rapidamente substituída por um sorriso alargado.
- Parece-me o suficiente.
Então ela entrou para a fonte, trepou até junto de mim, e beijou-me apaixonadamente até à polícia nos alertar que há sítios mais propícios a espalhar o amor. Como um quarto... e eu segui a dica.
*
(meses depois)
- Dona Leila? O que se passa? – Saí discretamente da reunião e vim para a entrada falar. Era a 7ª chamada de Leila e tinha de ser algo urgente.
- A Jullie…
Suspirei de alívio, reduzindo o tom de voz.
- Sim, sim, eu sei, a Julles foi buscar a Emma ao infantário, deve-se ter esquecido de avisar e…
Julles está a viver em minha casa: ela e Emma são muito próximas e eu finalmente penso que posso endireitar a minha vida e formar uma família. Não podia estar mais feliz.
- Menino Zayn! – Só nesse momento percebi que a velha senhora estava a chorar compulsivamente. – Não está a perceber… a Jullie…ela fugiu.
O meu coração acelerou descompassadamente e senti-me perder as forças.
- Isso não faz sentido…
- As coisas dela…desapareceram. E a menina Emma… ela fugiu com a Emma, menino Zayn! Ela raptou a Emma e está a pedir um resgate.
Nesse momento senti que o meu coração parou e só voltou a bater horas mais tarde, quando recuperei a minha filha, e quando o coração da mulher que amava já não batia mais.
- Flash back off. -
*
Nessa manhã fumei dois maços de cigarros. Fazia algum tempo que não ia à psicóloga e sempre que por lá passo acabo por sair pior do que entrei, recordando toda a história que passei com Jullie e a forma trágica como ela terminou.
- Não o vejo a cumprir a sua parte do acordo, Mr. Malik. – Rose apareceu pelas minhas costas, roubando-me o cigarro da boca e dando uma longa passa para logo de seguida expirar uma nuvem de fumo na minha direção.
- Miss Everdeen, provocar o patrão dessa forma não é aconselhável. – Olhei em volta para ver se havia alguém por perto, e uma vez que não vi ninguém, enrolei os meus braços em torno da sua cintura, puxando-a para junto de mim. Deixei-me ficar junto dela uns momentos, envolvendo-a num abraço gigante. Ela acalma-me de uma forma estranha, ao mesmo tempo que me faz sentir em permanente alerta com medo de me aproximar demais como o que aconteceu com Jullie. Ela encostou a cabeça no meu peito, fechando os olhos.
- Não estás muito bem hoje. – Disse ao fim de uns segundos.
- Não. – Confirmei, beijando o todo da sua cabeça onde um elástico com uma flor prendia os longos cabelos cor-de-rosa.
- O que posso fazer por ti? – Sussurrou ela contra a minha camisa.
- Aceito um Kebab. – Respondi, fazendo-a rir.
- Podemos ir comer quando sairmos.
- Não posso, Rose, tenho a minha irmã e… Amanhã. Amanhã vamos sair. Quero que me leves ao teu lugar.
- Ao meu lugar? – Perguntou, confusa.
- Sim, todas as pessoas têm um lugar… assim um sítio que lhes seja muito especial. Eu mostrei-te os meus, agora quero ver os teus. – Expliquei, ainda com os braços em torno do seu corpo magrinho. Está imenso frio cá fora e eu sinto-a tremer levemente mas não posso correr o risco de que alguém lá dentro nos veja e ao mesmo tempo não faço intenções de a largar nos próximos minutos.
- Hmm, percebo. Então fazemos assim, saímos do trabalho, eu levo-te ao meu sítio e depois faço o jantar para nós.
- Oh meu deus, Rose, sou tão novo para morrer! – Exclamei dramaticamente, fazendo-a rir.
- Está a duvidar das minhas capacidades para a cozinha, Mr. Malik? Em último caso, estou certa que o Gato não se importará de dividir o jantar consigo…espero que goste de cereais com sabor a salmão. – Respondeu, exibindo um sorriso divertido. Num gesto impulsivo deposito um pequeno beijo na ponta do seu nariz rosado, devido ao frio, fazendo-a corar.
- Adoro ver-te corada. – Sussurro, acentuando a cor das suas bochechas.
- Vamos trabalhar! – Protestou, embaraçada, libertando-se dos meus braços. – Se o meu patrão nos apanha…
Eu ri e segui-a até ao gabinete, onde terminamos as tarefas desse dia.
*
POV Rose
- Anda, vamos sair mais cedo hoje! – A versão entusiasmada de Zayn agrada-me mais do que deveria. Desde o início do dia que tem andado eufórico a perguntar onde vamos, embora sem sucesso, já que nem eu faço ideia de onde o irei levar.
Toda a gente tem um lugar, certo, menos eu. É claro que adoro a minha cidade, e é claro que há sítios que me marcam, mas é como se não me sentisse inteiramente ligada a nenhum deles. Sempre a mesma história: sempre asas, nunca raízes. Eu queria ser uma pessoa com um lugar para mostrar a Zayn, mas eu não sou.
- Podemos ir só dar uma volta a algum lado que tu queiras? – Perguntei tristemente. Rapidamente ele se recompôs e sentou-se ao meu lado, levantando-me o rosto na sua direção.
- Ei, que se passa? – Perguntou, preocupado.
- Zayn, eu não tenho um lugar. – Eu sei que pareço ridícula, eu sei. Mas talvez quanto mais cedo ele descobrir o quão ridícula eu sou, talvez menos se apegue, e será mais fácil quando eu me fartar dele. É uma coisa horrível de se dizer, mas é a verdade.
Ele arregalou os olhos e depois riu, fazendo-me sentir estúpida. Cruzei os braços sobre o peito, numa atitude infantil, e ele pegou-me na mão, puxando-a para si, e beijando-a carinhosamente.
Oh caramba, isto é sexy. Ele é sexy. Respira, Rose.
- Muito bem…não tens um lugar, então vamos arranjar-te um.
Eu arqueei a sobrancelha, numa expressão confusa e ele sentou-se no sofá, puxando-me para o seu colo, o que me fez corar violentamente.
- Muito bem, então, tu gostas de desenhar, e gostas de ler, gostas de gatos e …
- Gosto de chá.
Ele riu e entrelaçou a mão na minha, fazendo pequenos círculos com o polegar.
- E gostas de neve.
- Como sabes!? – Perguntei, abismada.
- Eu vi os teus desenhos, tonta. E o facto de passares a vida a olhar pela janela nestes últimos dias?!
Eu anui, confirmando. Eu realmente adoro neve e espero que não demore muito até começar a nevar este ano…deve estar para breve!
- E gostas de ananases.
- E gosto de ananases. – Repeti, lembrando o nosso primeiro beijo.
- Eu confesso que agora gosto um pouco mais de ananases. – Disse ele com um sorriso maroto. – E de mel.
Eu voltei a corar e Zayn continuou a lista das coisas que eu gosto:
- Gostas de pássaros. – Ele fez uma paragem solene e depois continuou. – Correção: gostas da representação metafórica dos pássaros.
- Certo. – Um sorriso desenhou-se no meu rosto ao perceber que ele não esquecera estes pequenos pormenores das nossas conversas anteriores.
- Bom, estes elementos devem chegar para definirmos um sítio para ti. – Rematou ele, convicto da sua decisão em arranjar-me um “lugar”.
Pensou durante uns segundos e de repente levantou-se, deixando-me cair sobre o sofá.
- Zayn! – Protestei, às gargalhas, perante o seu entusiasmo.
- Rose Everdeen, eu encontrei o teu lugar.
Apeteceu-me dizer-lhe que não, que não é possível ele ter-me encontrado um lugar porque eu não sei pertencer a lugar algum, porque mesmo estando em algum sítio eu estarei sempre a pensar no próximo ou no anterior, e isso faz com que eu seja sempre uma espécie de nenúfar com raízes cortadas. Mas acenei como incentivo e deixei que ele me conduzisse até ao lugar que ele acha ser o meu.
*
- Voilá. – Zayn tirou as mãos dos meus olhos e aos poucos habituei-me à claridade. Olhei em volta e reparei que estamos no terraço de um edifício do qual se vê a cidade toda. Zayn explicou que é um dos terraços da empresa mas que a este ninguém mais tem acesso, a não ser eu.
- Hmm… este é o meu sítio?
Confesso que esperava algo mais grandioso…
Ele riu da minha incredulidade e abanou a cabeça.
- Espera um pouco. – Ele consultou o relógio e para meu espanto ordenou que me deitasse no chão.
- O quê?!
- Deita-te no chão! – Ele fê-lo e eu, apesar de confusa, imitei o gesto, ficando deitada ao seu lado.
- E agora? – Perguntei, encostando-me mais ao seu corpo por causa do frio. E não só.
- Agora, esperamos.
Senti-me um pouco ridícula a olhar as nuvens cada vez mais densas, mas não o suficiente para chover, o que promete a queda de neve em breve.
- E agora? – Repeti, num sussurro, temendo estragar a solenidade do momento, qualquer que ele seja. Ele voltou-se de lado, fixando os olhos nos meus e começou a fazer contagem decrescente:
- Dez…nove…oito…sete…
- Zayn, eu não acho que este seja o meu lugar. – Sussurrei, sem desviar o olhar dele. – Eu não acho que pertença a algum lado, como tu pertences e…
- cinco…quatro…três…
- Eu não me identifico com as coisas….
- Dois…um…
Um sorriso rasgado abriu-se nos seus lábios e voltou-se de novo de barriga para cima, fechando os olhos. Nesse momento um avião passou por cima das nossas cabeças, tão baixo que fez com que uma onda de ar atravessasse o terraço, atingindo-nos com uma violência espetacular. Gritei ao sentir a adrenalina percorrer o meu corpo e comecei a rir juntamente com Zayn, que entretanto entrelaçara a sua mão na minha.
Assim que o avião se afastou, alcançando uma maior altitude, ergui-me até estar sentada, com o cabelo completamente despenteado e com as maçãs do rosto afogueadas. Zayn fez o mesmo, e ao vê-lo tão despenteado e corado apeteceu-me beijá-lo logo ali, mas contive-me. Afinal estamos no meu lugar, e é preciso respeito.
- Oh. Meu. Deus.
- É… eu sei…O avião é uma metáfora.
Eu ergui a sobrancelha e esperei que ele continuasse.
- É como se fosse sempre uma nova partida…sem lugar onde aterrar de forma definitiva. Quando falam em coisas abstratas, como a alegria e a liberdade, dizem que não podemos senti-las…mas eu acho que aqui se sente a liberdade, vês? – Ele tocou-me no rosto com a mão gélida e trémula, e eu percebi o que ele queria dizer. Aquela sensação…sim, aquilo é liberdade, e é concreta. – Eu não acho que não-pertencer seja mau, ou não ter um lugar… é só algo muito teu. E assim este passa a ser o teu não-lugar.
Senti-me comovida com as suas palavras e encostei a cabeça no seu ombro, fechando os olhos.
- Eu gosto de não-lugares. – Respondi, consciente que nunca ninguém chegara tão longe na tarefa de me conhecer como ele. Isso é perigoso, mas eu estou a gostar. Nesse momento começou a nevar a eu estiquei a mão para o primeiro floco, que nada tem a ver com aquelas coisinhas que aparecem nos filmes que parece açúcar esculpido pelos Deuses… é mais como uma ponta de um cotonete.
- Rose, eu quero ser um dos teus não-lugares.
Nesse momento Zayn beijou-me apaixonadamente e por um momento eu pensei que talvez eu possa vir a pertencer a algo, e talvez esse algo seja ele.