POV Zayn
Estacionei o carro em frente do infantário de Emma e toquei à campainha, aguardando.
- Zayn!
- Olá Susan! - Abracei-a, como de costume, e assim que nos separamos perguntei como tinha corrido o primeiro dia de Emma no infantário depois do acidente.
É claro que eu nunca deixaria Emma num infantário sem que houvesse alguém da minha inteira confiança a olhar por ela. E quem melhor que a tia dela para o fazer? Além de Niall e Leila, só confio em Susan; e são as únicas três pessoas que sabem o meu passado obscuro.
- Ela está muito frágil, ainda. É complicado porque não quer parar quieta e continua a mexer em tudo, mesmo que isso lhe provoque dores. - Explicou ela, tristemente. - Leva-a a fazer algo giro, para a distraíres um pouco.
Senti o meu coração apertar, como sempre sinto quando envolve algum problema com Emma.
- Eu vou pensar em algo. - Respondi. - Podes chamá-la?
Susan foi buscar Emma e quando me viu junto à porta ela correu, cambaleante, para os meus braços. Apanhei-a e elevei-a no ar, deixando-a escorregar para um abraço apertado.
- Olá meu amor. - Cumprimentei, endireitando o travessão cor-de-rosa que prendia o seu cabelo. Peguei nas suas mãozinhas ligadas e, num gesto que repito todos os dias após o incêndio, beijei-as alternadamente.
- Zazza! Vamos passear? - Perguntou, entusiasmada.
- Queres? - Pisquei o olho a Susan que observava a cena com um sorriso.
- Sim!
- Então vamos lá! Até amanhã Susan.
- Xau, Su. - Disse Emma na sua voz adorável, acenando com a mão envolta em ligaduras.
Depois disso fomos até à beira rio, ver os barcos enquanto comíamos um gelado. Emma faz 4 anos na próxima semana, e enquanto lhe ia dando o gelado à boca ia pensando em possíveis prendas para lhe oferecer. Subitamente ela interrompeu o meu pensamento:
- Zazza.
- Diz, Em.
- Eu tenho um namorado.
Rebentozinho do meu coração, repete lá?!
Tossi levemente para aclarar a voz.
- Ora muito bem. Posso saber quem ele é? - Perguntei, mantendo a seriedade. Não quero que ela julgue que não a levo a sério!
- Chama-se Theo.
Oh diabo. Theo, vamos ter uma conversa muito séria sobre as tuas intenções para com a minha miúda.
- Hmm muito bem. - Respondi. - Então e como é que isso começou?
- Ele deu-me um rebuçado cor-de-rosa e um autocolante com um unicórnio. - Explicou ela, levando a mão ao bolso para tirar o autocolante.
Rebuçados e autocolantes de unicórnios? A coisa está séria!
Ao ver que não conseguia tira-lo do bolso devido às ligaduras das mãos, uma expressão triste surgiu no seu rosto perfeito.
- Eu ajudo. - Tirei-lhe o autocolante do bolso e fingi surpresa ao vê-lo. - Uau, Em, é altamente.
- E brilha no escuro! - Acrescentou, entusiasmada. - Eu dei-lhe o meu autocolante dos Pokémons.
- Muito bem, minha querida. O Theo é um bom amigo para te dar um presente tão lindo.
- Não é amigo, é namorado. Nós vamos casar.
- Oh!
Não estou a acompanhar a evolução dos tempos!
- Nós brincamos às casinhas na escola, eu sou a mãe e faço sopa de folhas para o jantar. O Theo vai trabalhar.
- E ele trabalha onde? - Perguntei, entrando na brincadeira.
- Joga futebol. - Exclamou, orgulhosa.
Um sorriso surgiu no meu rosto.
- Ah, percebo.
- Zazza, porque é que tu não tens uma namorada?
Mas que raio?
Fiquei atrapalhado e deixei escapar uma gargalhada nervosa.
- Eu tenho-te a ti, não preciso de mais ninguém. - Respondi, pegando-a ao colo e indo em direcção do carro.
- Mas comigo não podes fazer o amor.
O QUÊ?!?!?!?
- EMMA?! Quem te disse isso?! - Perguntei, em pânico.
- O Theo.
Aquele estrupiciozinho vai ouvi-las...
- Ele disse que o amor é quando dois namorados comem rebuçados juntos, e dão autocolantes um ao outro.
- Oh! - Libertei um suspiro de alívio e de seguida uma gargalhada.
- Queres que te dê um autocolante para arranjares uma namorada?
Apertei-lhe o cinto de segurança e sentei-me no lugar do condutor.
Que raio de conversa!
- Pode ser, Emma.
- Eu só não tenho é mais rebuçados, mas depois vamos comprar.
O resto do caminho até casa foi passado com ela a falar sobre tudo e mais alguma coisa, mas felizmente pareceu ter esquecido o assunto das namoradas. De facto, era só o que me havia de faltar agora, não haja dúvida. Como se a minha vida não estivesse demasiado ocupada para eu ainda me ir meter num projeto dessa envergadura!
Chegamos a casa e enquanto trocava de roupa o meu telemóvel vibrou.
De: Rose
Explica-me o que se passou hoje!
Sorri involuntariamente. Provavelmente ela não se lembra de quase nada do que aconteceu e vai ser bastante divertido relembrá-la.
Para: Rose
Queres que comece pela parte em que quase arruinaste uma rede empresarial com uma sessão de terapia organizativa que envolvia cantar Spice Girls?
- Zazza, estás a rir para o telemóvel porquê?!
Oh Raios.
- Por nada, Emm. – Respondi, atrapalhado. O que se passa com a pelingras hoje?! Não lhe escapa uma!
- Vou brincar.
- Vai lá que eu vou preparar o jantar.
De: Rose
Oh céus, o que fui eu fazer?! Por que é que não me lembro de nada?!
Consigo imaginá-la a andar nervosamente de um lado pela casa e isso dá-me vontade de rir.
Para: Rose
Vai descansar, depois explico tudo. Amanhã temos jantar da empresa, até lá tens o dia de folga. P.s. Tens lasanha no frigorífico para o jantar.
Aposto que neste momento a sua boca se abriu numa expressão de choque. Provavelmente está a abrir o frigorífico para confirmar, e ao ver a lasanha no frigorífico vai pegar no telemóvel e mandar uma mensagem toda aflita.
3…2…1…
De: Rose
COMO?!
Sorri para mim mesmo, culpando-me mentalmente por estar a deixar esta brincadeira ir longe demais.
Para: Rose
Até amanhã, Rose.
Subitamente o choro de Emma chamou-me a atenção, e largando o telemóvel em cima da mesa corri até ao quarto dela.
- Emm?! – Entrei e vi as bonecas espalhadas pelo chão. Emma tentava pegar nelas, mas as mãos ligadas impediam-na de o fazer.
- Zaz, não consigo brincar. – Disse, por fim, com uma expressão frustrada que me deixou sem ar. Os olhos azulados estavam marejados de lágrimas que iam escorrendo pelo seu rosto pálido e perfeitinho. Baixei-me para ficar à sua altura e ergui o polegar, limpando carinhosamente as lágrimas que brotavam dos seus olhos.
- Ei, Emm, lembraste quando a Ariel teve de aprender a caminhar sem as barbatanas de sereia?
Ela acenou silenciosamente.
- Também vai levar algum tempo a habituares-te a ter as mãos ligadas, pelo menos até estarem boas de novo. Até lá vais ter de arranjar outras formas de brincar. – Expliquei. – Eu acho que tenho uma ideia para te alegrar.
Ela sorriu timidamente e eu peguei-a ao colo, trazendo-a até à cozinha para jantarmos. Assim que terminamos, ela estava impaciente para saber os meus planos.
- Então?! – Perguntou.
- Que dizes de irmos dar uma volta até à casa dos pássaros? – Sugeri, sabendo que ela iria adorar a ideia.
- À noite?! – A sua voz saiu num tom que tinha tanto de entusiasmo como de dúvida. – Zazza, tu nunca me deixaste ir à noite!
Eu sorri, acariciando levemente o cabelo loiro e liso que já lhe ultrapassava os ombros. É incrível como nunca deixo de admirar o quão rapidamente ela cresce, e apesar de isso me fascinar, também me assusta. Apesar de tudo o que se possa pensar, tratar de um bebé não é, do todo, complicado… a partir de agora é que começa a parte difícil. Ela começa a ganhar consciência do que a rodeia, a curiosidade passa a ser uma constante, e em breve vai fazer perguntas para as quais eu não sei se estou pronto para responder. Ela vai começar a querer sair da pequena bolha que criei em torno dela, vai querer ir a festas de aniversário dos amigos, em breve vai querer também ir para a escola e certamente recusará as aulas em casa.
Eu deixarei de ter controlo sobre cada pessoa que se aproxima dela e essa ideia deixa-me fora de mim só de a imaginar. Como diz o Niall, vai chegar a uma altura em que eu não poderei mais protege-la de tudo e todos.
Além disso, à medida que ela vai crescendo, novas preocupações surgem no meu pensamento: às vezes pergunto-me se serei suficientemente capaz de a educar como eles pretendiam…
- Mas hoje é um dia especial. – Respondi, sorrindo. – Anda, vamos vestir-te outra roupa.
- Zazza, vou ver as corujas pela primeira vez! – Exclamou, entusiasmada, saltando para o meu colo.
- Pois vais, amor, pois vais.
*
Saímos de casa e fizemo-nos à estrada por algum tempo, até que finalmente chegámos à quinta de Elaine e Peter.
Subitamente lembrei-me de algo.
- Hei, Emm, tenho aqui uma coisa para ti.
Abri a mala do carro e tirei o quadro que Rose pintara, virando-o na direcção dela.
- Para o teu quarto, gostas? – Perguntei, sorridente.
- Zazza, uma andorinha! É o meu pássaro favorito. – Ela esticou uma das mãos envolta em ligaduras e tocou cuidadosamente sobre o desenho. – Quem fez?
Sorri involuntariamente, forçando-me a afastar Rose dos pensamentos.
- Uma amiga minha. – Concluí.
- A tua amiga faz desenhos muito bonitos. – Disse ela. – Devias oferecer-lhe um autocol…
-Olha Emm, já vejo uma coruja!! – Interrompi-a antes que regressasse com a conversa estranha de hoje à tarde. Dei-lhe a mão, tendo o cuidado de segurá-la pelo pulso, e dirigimo-nos à casa dos pássaros.
Como sempre, estava fracamente iluminada por alguns focos vindos do chão que Peter instalara para quando alguém quisesse dar uma volta por lá durante a noite. Era uma coisa que fazia com frequência nos primeiros meses após o acidente, mas depois disso fui perdendo o hábito. Ao regressar, percebi porque me agradava tanto vir aqui para pensar: este lugar tem mesmo alguma coisa de especial, como se fosse talhado por Deuses.
- Zayn, olha. – Sussurrou, apontando em direcção a uma árvore. Uma coruja branca olhava-nos com curiosidade e Emma riu baixinho ao ver que ela seguia todos os seus movimentos com os olhos.
Sentamo-nos num dos bancos de baloiço, observando os pássaros nocturnos que por ali andavam. Falamos um pouco, mas acho que até mesmo Emma se contém aqui, pois é como se este ambiente fosse quase sagrado, e perturbá-lo com as nossas vozes seria quebrar um pouco a magia que o envolve.
Quando vi que estava a ficar tarde, peguei em Emma ao colo e voltamos para casa, sempre em silêncio. Vesti-lhe o pijama com cuidado e aconcheguei-lhe os cobertores, deitando-me de seguida. Estava prestes a fechar os olhos quando um sussurro vindo dela me sobressaltou:
- Obrigado por me levares a ver as corujas, Zayn.
Sorri contra a almofada e acariciei-lhe o cabelo.
- De nada, meu amor.
*