MULHERES DE CONCRETO E TERRA

By sussabro

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Marcela viaja para a fazenda de seu tio Fábio para passar as férias. No pequeno paraíso rural, ela conhece He... More

#1 - Helena, uma incógnita
#2- Nós e as águas
#4- A despedida

#3- A casa mágica

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By sussabro

— Você gosta de mim? - Sussurrou Helena, me abraçando forte.
— Sim! - Respondi enquanto me virava de frente pra ela.
— E essa lágrima? Gostar de mim é ruim? - Passou levemente o indicador em meu rosto, dissipando a lágrima, mas outras vieram.
— Eu não posso gostar de você. Eu sou hétero, eu nunca quis ficar com uma mulher antes! E...
— E? - Beijou meu queixo, o que fez minhas pernas amolecerem.
— Tem o Mateus, meu namorado. - Falei, querendo não falar.

Assim que eu mencionei Mateus, os braços dela se afrouxaram até me soltarem por completo. A expressão no rosto de Helena transmitia tristeza e raiva.
— Vamos voltar pra casa. - Ela foi até a areia e começou a se vestir. Eu continuei no mesmo lugar. — Vem, Marcela! - Insistiu, impaciente.
— Você não tem que ficar brava comigo! - Gritei, saindo da água.
— Se veste, vamos logo!

No caminho de volta, o silêncio mais impiedoso que já presenciei. Ao chegarmos, desci correndo do carro e corri para meu quarto. Já não conseguia chorar mais, meu estado era de choque. O que estava acontecendo, afinal? Por que razão doía tanto? Pensar em Mateus me gerava muita culpa. Ele era um bom namorado, na medida do possível: me tratava bem, dava certo com meus pais, era engraçado, estudioso... Mas eu nunca senti por ele (por ninguém!) algo na intensidade do que sentia por Helena.

Poxa, eu era hétero?! Desde quando as pessoas mudam sua orientação sexual assim, do nada? Foi do nada? Já vinha acontecendo algo e eu não percebia? Meus pensamentos foram interrompidos por batidas na porta.
— Marcela? - Era a voz de tia Alice.
— Oi, tia. Entra.
— Ainda tem almoço, quer? - Perguntou pela porta entreaberta.
— Não, eu comi. Obrigada!

Quando a porta se fechou, outro tipo de preocupação sobre tudo isso me ocorreu: e minha família? Como reagiriam ao fato de eu amar uma mulher? Tio Fábio e tia Alice acolheram Helena quando foi expulsa de casa por ser lésbica, mas as coisas costumam ser diferentes quando é com gente próxima. Meus pais não eram de ir à igreja, mas também não eram desprovidos de crenças religiosas (material de quase todo preconceito sexual).

Comecei a calcular em quanto tempo conseguiria minha independência financeira, se Helena se mudaria pra cidade comigo, se eu conseguiria viver na fazenda, se tudo isso não ia passar em alguns meses, semanas. Se, se, se... Meu telefone tocou, era Mateus. Não atendi, não conseguiria falar com ele naquele momento. Percebi que, de repente, o via como um estranho.

Na fazenda, não havia acesso à internet, o que me impedia de pesquisar depoimentos ou grupos de pessoas que pudessem me ajudar a entender minha situação. Me senti só, desamparada. Não teria coragem de falar com nenhuma de minhas amigas sobre isso, elas provavelmente ficariam estranhas comigo ou achariam ser bobagem da minha cabeça.

A única pessoa com quem eu poderia falar sobre o que sentia por Helena, era a própria. Respirei fundo, ensaiei algumas palavras e fui atrás dela. A encontrei colocando sal para as vacas (eu não sabia que vacas se alimentavam de sal também). Quando ela me viu, ficou inquieta.
— Helena, a gente precisa conversar.
— Não precisamos. Esquece o que aconteceu na cachoeira, eu achei que tava acontecendo algo entre a gente...
— E estava. Está! - A interrompi. — Eu gosto de você, eu me sinto atraída por você, mas eu não sei lidar com isso! Eu nunca gostei de uma mulher antes!
— Você tem um namorado. Sabe o que acontece quando tem um homem no meio da história? Ele vai ser escolhido no final. Por isso, eu não vou insistir em você. Desde que você chegou, eu fiquei balançada, me senti como eu não me sentia desde a Maria, eu me senti feliz! Eu não posso me permitir sofrer como eu sofri oito anos atrás.
— Maria é quem eu tô pensando? É a filha do seu ex-patrão?
— Sim. Eu me envolvi com algumas meninas depois dela, mas não era nada, sabe? Eu não sentia nada que se comparasse. E até você aparecer, eu pensei que fosse porque o primeiro amor era o único possível, mas não.
— Então, você gosta de mim? - Perguntei, ansiosa.
— Não seja sonsa, Marcela! Claro que eu gosto! Não chega a ser amor, eu acho, eu quase não te conheço, mas eu sinto um negócio forte. Não que isso importe agora... Olha, eu vou ficar longe de você, não quero sofrimento pra ninguém.
— Helena, eu quero tentar. - Falei num impulso, mas com toda certeza que se pode ter.
— Marcela...
— Eu quero tentar! Me deixa tentar! Eu só preciso que você me ajude a entender o que é tudo isso. Eu sinto que se eu não viver isso aqui, não vou me perdoar nunca!
— Eu não quero ser um experimento seu, um caso de férias.
— Você não ficou com outras meninas e deixou pra lá depois? A gente pode tentar assim, algo mais casual. Se parecer insustentável, a gente repensa.
— Eu não sei, cara... - Ela balançava a cabeça negativamente e limpava o suor da testa.
— Não pensa demais, porque aí eu vou pensar demais também e já tô exausta de pensar!

Helena se sentou no capim, escorou no cocho em que as vacas comiam o sal. Eu me ajoelhei de frente pra ela e apoiei minhas mãos em suas pernas. Ela sorriu, meio que de desespero.
— O que você me diz? Hein? - Perguntei.
— Janta lá em casa hoje? A gente conversa melhor, eu ainda tenho que trabalhar.
— Que bom que você fez esse convite, sou louca pra conhecer uma casa da árvore por dentro! Até já apelidei lá, é 'casinha mágica'.
— Você é uma figura, Marcela! Chega lá umas sete e meia, vou tá esperando. - Ela deu dois tapinhas na minha mão e saiu.

Desnecessário dizer que fiquei o resto da tarde enlouquecida de expectativa pra chegar a hora de ir à casa mágica. Gastei mais de uma hora pensando na roupa que usaria, até me tocar de que seria melhor não levantar suspeitas sobre esse jantar. Meus tios já estariam desconfiados? Era melhor nem pensar nisso naquele momento. Sete e vinte eu já estava embaixo da árvore. Gritei por Helena e ela, lá de dentro da casa, gritou de volta que era pra subir.

Escalei as escadinhas até chegar na pequena varanda, cheia de plantas. Bati na porta e Helena abriu, mais linda do que nunca. Trajava uma camisa preta, calça jeans e pés descalços. Mesmo não sendo uma ocasião de trajes finos, me senti mal vestida, talvez porque nada que eu usasse me faria tão bonita quanto ela. Eu, tão comum, uma mulher branca, de cabelo e olhos castanhos, cabelos esses que não são nem cacheados, lisos, nem nada, são apenas uma bagunça que vai até a altura dos meus seios.
— Devo tirar o tênis pra entrar? - Perguntei.
— Eita, aqui não tem dessas coisas não, eu tô descalça porque gosto. Entra! - Seu sorriso era convidativo e, pra variar, encantador.

Ao adentrar aquela miniatura de casa, sem nenhuma divisória, tão charmosa, tão a cara de Helena, estampei um sorriso bobo. Tentei capturar cada detalhe. A cama de Helena era uma de solteiro, posicionado em uma extremidade da casa. Algumas roupas jogadas no chão, que como toda a casa, era de madeira. Havia uma mesa com muitos livros e duas garrafas vazias de cerveja. A cozinha ficava na extremidade de cá, por onde entrei. Tinha apenas uma mesa com duas cadeiras, um fogão e uma caixa de isopor.
— Não tem banheiro? - Deixei escapar, curiosa.
— Uso o banheiro de fora da casa dos seus tios, seria muito complicado fazer o lance de encanamento aqui.
— Ah, sim!
— Muito simples pra você? - Ela perguntou em tom de brincadeira, enquanto puxava a cadeira e me fazia sinal pra sentar.
— Não! Só sou curiosa demais, repara não.
— Reparo. Eu reparo muito em você.

Não pude evitar, enrubesci, as pernas bambearam (eu já estava me acostumando, Helena me causava muito isso). Ela puxou a cadeira e se sentou ao meu lado. Não me contive, passei a mão em seu rosto.
— Seu rosto é tão bonito, Helena! O negro da sua pele, o breu dos seus olhos, sua boca... - Deslizei meus dedos pela boca dela, que fechou os olhos. — Olha pra mim! - Os olhos se abriram.
— Olho, olho sim... Você é linda, Marcela, mas parece não saber disso.
— O que é bonito em mim? Eu me pareço com metade das meninas da minha faculdade.
— Você é besta de dizer uma coisa dessas! Seus olhos são gigantes, seu cabelo é um conjunto de ondas bagunçadas... Sua boca, tão desenhada! As pintinhas no seu pescoço. Eu gosto do jeito delicado e desajeitado que você anda, da sua risada esquisita! - Rimos juntas e eu reparei que minha risada era mesmo estranha.
— Que bom que você me vê assim, é um jeito bondoso de me interpretar.
— É um jeito honesto, eu não gosto de mentir. E é por isso, por não gostar de mentiras, que eu preciso saber o que você pretende fazer.
— A respeito do Mateus, certo?
— Sim.
— Você me dá um tempo? Eu estou morrendo de medo! É difícil abrir mão de todas as coisas que eram certezas pra mim até dias atrás. Eu não posso terminar meu namoro por algo tão... desconhecido, incerto. Você entende?
— Eu vou tentar entender... Eu reconheço que tudo tá acontecendo rápido demais.
— Obrigada!
— A comida tá quase pronta. Você tá com muita fome?
— Não, não. Posso olhar as coisas da casa mais de perto?
— Você é mesmo curiosa, ein? Pode sim.

Fui até a mesa com livros. A maioria tratava sobre política, feminismo, história do Brasil. Havia também alguns romances, gibis e revistas. Enquanto Helena olhava as panelas, peguei uma camisa do chão e, sem pensar muito, a cheirei. Como o cheiro dela é bom! Nunca imaginei que cheiro de suor poderia ser gostoso. As roupas ficavam todas dobradas dentro de uma caixa grande. Como alguém poderia viver de modo tão solto? Tenho certeza que não era por falta de dinheiro, meu tio paga bons salários aos empregados da fazenda. Helena escolhe ser simples e, talvez, só pessoas complexas demais pra esse mundo sejam capazes de fazer tal escolha. Num susto, percebi que ela estava atrás de mim.
— E aí, bisbilhoteira, achou alguma coisa interessante? - Perguntou.
— Você, você é muito interessante. - Ela gargalhou.
— E você é muito engraçada! - Segurou minha mão e foi se aproximando lentamente de mim. — Engraçada e bonita, Marcela.

Nossos rostos estavam muito próximos. Helena começou a fazer carinho em meus cabelos com uma mão e acariciar meu rosto com a outra, enquanto me olhava fixamente nos olhos. "Muito bonita...", repetiu, sussurrando. Foi nesse momento precioso do tempo e do espaço, que nos beijamos pela primeira vez. Com uma mão, ela me abraçava forte pela cintura e com a outra continuava a mexer nos meus cabelos. Eu segurava a gola de sua camisa e passava a mão por seu rosto.

A boca carnuda de Helena, tão suave, tão molhada, era mais macia do que todas as outras bocas que já beijei. Tudo era mais macio! O toque, o rosto, o contato corpo-a-corpo, os movimentos. Sabe quando você beija alguém e sua barriga gela, sua respiração fica a mil e seus batimentos disparam? Meu corpo fervia!

Comecei a desabotoar os botões da camisa preta que a vestia tão bem. Eu queria vê-la inteira, tocá-la, descobrir todos seus traços! Seus seios pequenos, encaixaram-se perfeitamente sob minhas mãos. Beijei seu pescoço, sua clavícula, passeei com a boca até que encontrasse seus seios.

Ela suspirou forte, soltou um gemido contido. Fiquei surpresa, nunca imaginei que causaria tal reação em uma mulher. Com as mãos, subiu meu vestido lentamente, enquanto nos beijávamos. Me sentou na cama e ajoelhou-se de frente pra mim. Afastou minhas pernas uma da outra, beijando meus joelhos, minha coxa. Passou a língua rente à minha calcinha, fazendo com que meu corpo inteiro estremecesse.
— Eu quero sentir seu gosto. - Ela disse, enquanto passava os dedos sobre minha calcinha, que eu logo arranquei.

Sua saliva era quente, os movimentos com a língua, delicados, indescritivelmente precisos, como se ela soubesse exatamente o que fazer. E sabia! Com uma mão eu segurava sua cabeça entre minhas pernas e, com a outra, abafava meus gemidos. Finalmente, eu descobri o que era um orgasmo.

Helena deitou-se ao meu lado e me puxou para abraçá-la. Ali, com a cabeça em seu peito, o corpo dormente e pulsante, eu sabia que não existiria lugar melhor no mundo.
— Você está bem? - Ela perguntou, ainda ofegante.
Eu fiz que sim, ainda não conseguia sequer falar.
— Meu deus, as panelas. Tenho que desligar o fogo.
— Não sai daqui, por favor. - Pedi.
— Ô, minha linda, não pode queimar, eu fiz pra você!

Ela se levantou e eu me sentei na cama. Fiquei a observando mexer nas panelas, provar a comida e pensei em como queria me casar com ela! Sei que soa ridículo, mas tudo estava mágico na casa mágica, eu só queria que não acabasse mais.

*continua*

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