Demorei para pegar no sono. Apenas quando o Sol ia aparecendo no horizonte que meu cérebro desligou e adormeci.
-Acorda Mia! –Despertei aos sustos, levantei rapidamente o que me custou algumas dores nas costelas. Levei a minha mão no local e arqueei soltando um gemido de dor baixo, "Calma, elas já vão se curar você precisa manter a calma" Pensei comigo mesma. –Vamos Mia você já esta atrasada.
Me voltei para entrada de meu quarto, Karias estava encostado no batente da porta com uma expressão severa, para não dizer carrancuda. Trajava vestes pretas que mais parecia um conjunto pois combinavam com a máscara. Suas sobrancelhas se curvaram quando nossos olhos se encontraram.
Acredito que ele tenha percebido que eu o fitava.
-Temos um dia longo pela frente, se apronte o mais rápido possível. –Aquilo era uma ordem, vi um pouco de irritação em seus olhos e seu queixo tensionar quando não movi um músculo para sair da cama e apenas mantive o contato visual, surpresa. –Vai ficar aí sentada me encarando ou vai se arrumar!?
Pisquei diversas vezes para ter certeza de que aquilo não era um sonho ou se era realmente Karias que conversava comigo ou um sargento do exército. O encarei pasma, afinal o que deu nele? O meu espanto impediu a minha resposta a altura que se formava na ponta de minha língua, ele desapareceu no corredor soltando mais ordens para que levantasse e o entrasse na estufa.
Troquei meu pijama colocando uma roupa confortável, passar a camisa pela cabeça fora outra luta com as costelas protestando. Pronta tomei um rápido café da manhã e subi as escadas até o terraço do prédio onde se encontrava uma estufa que cobria boa parte do andar. Deixando apenas uma região no formato de retângulo como caminho para a saída da escada e para a entrada dela.
Rezava internamente para o astral de meu mestre tivesse melhorado, mas assim que cheguei na porta da estufa mudei a minha reza para que ele tivesse pena de mim.
Karias se encontrava do outro lado da estufa, seu anel emitia um brilho forte e observei que runas, escritas no ar, voavam para determinados locais ao redor da estufa. Meu mestre se virou na minha direção quando a última runa foi para o teto de vidro, sua expressão era séria e não havia brilho em seus olhos, era como se não tivesse vida neles. Um temor cresceu dentro do meu peito.
-Por que se atrasou? Eu avisei que teríamos treino bem cedo e você dormia me fazendo penar para te acordar. –Ele fez um sinal para que eu me aproximasse, com passos hesitantes caminhei até o centro da estufa com uma distância bem segura dele. –Que cara é essa?
Voltei meu olhar para ele, essa fora a primeira pergunta que demonstrava preocupação ao invés da irritação naquela manhã. Porém seu rosto ainda exibia a mesma expressão carrancuda, será que ele estava realmente bravo por causa de minha pontualidade ou tinha algo haver com a noite passada ? Ele talvez tivesse se arrependido de ter contado seu passado e agora quer descontar em mim.
-Não é nada... Apenas uma noite mal dormida. –Respondi desviando de seu olhar que se tornara interrogativo e apontei para as runas, em um tentativa de mudar de assunto. –Para que serve isso?
-A estufa será nosso local de treinamento...- Afirmou ele cobrindo a distância que tínhamos um do outro, o temor aumentou. –Não gostaria que minhas plantas e vasos sofressem danos enquanto usamos esse espaço.
-Vamos começar com feitiços simples mas se bem executados poderão salvar a sua vida em alguma eventualidade. –Ele se afastou de mim, pude soltar a respiração que prendia. Olhei para o meu mestre prestando atenção quando chamas brotaram de suas mãos, elas formaram uma bola de fogo. –Magos podem controlar os elementos da natureza... Fogo, água, terra e ar... Eles são bem úteis pois a maioria dos feitiços tem como base esses elementos.
A bola de fogo começou a subir até a altura da cabeça de Karias, a sombra que se formava em seu rosto o deixava mais assustador ainda. Um sorriso de canto de boca cresceu em seus lábios.
-O fogo é chamado de Sekatun, você pode manuseá-lo tanto para ser uma arma quanto para uma defesa ao seu favor. –"Sakatun", repassei essa palavra diversas vezes em minha mente, precisava me esforçar para aprender tudo, agora que a questão se tornara de vida ou morte. –Você quer uma demonstração dessa versatilidade?
Concordei com a cabeça ingenuamente, Karias se movimentou e a bola de fogo foi atirada na minha direção, mais precisamente na altura do meu rosto. Desviei me jogando no chão tempo o bastante para ela não atingir o alvo, a bola se chocou contra a porta de vidro e madeira da estufa mas esta não pegou fogo. Agora entendi a utilidade das runas.
As costelas arderam de dor e pisquei os olhos para afastar as lágrimas, meus olhos semicerrados se voltaram para o de Karias. Sua expressão não revelava nada em relação ao ataque que fizera contra mim, levantei mascarando a minha dor e me coloquei na frente dele novamente.
-Quando você leu no livro sobre a barreira de ar, o feitiço era Araghotos Breneirr Morkes, "Araghatos" é o nome que se dá para o ar, "Breneirr" o nome para escudo e "Morkes" é o nome que se dá para o verbo moldar. –Karias deu alguns passos para o lado e fogo brotou em sua mão, dessa vez as chamas tomaram forma de um pássaro. –Tudo que existe no mundo tem um nome para a magia, mas além deles você deve estar atenta aos verbos que diz. Cada verbo condicionará o feitiço para aquilo que você quiser e deixará a sua criatividade a cargo dos detalhes.
O pássaro voou ao meu redor, quando voltava para perto de Karias ele se transformou em uma raposa, que corria pela estufa até se transformar em um peixe de fogo. E por fim a chama sucumbir.
-Ensinarei para você os nomes da maioria das coisas. –Aproveitando a distração que tive com os animais formados por fogo, Karias se aproximou o bastante para ficar do meu lado, a minha vontade era de se afastar dele mas sua mão pousou em meu ombro impedindo qualquer movimentação da minha parte. –Você vai aprender e quando eu achar que está pronta começaremos a por em prática em alguns duelos.
Duelos...? A palavra reverberou em minha mente, fui capaz de sentir a vida desaparecer pelo meu rosto. Enquanto um sorriso de divertimento crescia nos lábios dele.
O primeiro dia de treino fora um tanto quanto tedioso e se repetiu por duas longas semanas.
Os meus machucados estavam se curando, pois o processo de cicatrização estava mais rápido do que eu imaginava. Os dias que se seguiam era possível acordar sem aquele incômodo nas costelas e já podia tirar as bandagens que envolviam meu abdômen. Fora a única coisa que me deixara realmente feliz.
Karias estava realmente empenhado em me ensinar todos os nomes, empenhado em me fazer memorizar os verbos e empenhado em colocar na minha cabeça as lições que envolviam o poder que chamávamos de magia.
A rotina de treinamento tinha sido estabelecida de modo que me causava um certo aborrecimento pela monotonia. Acordava cedo e ia para a estufa começar alguns encantos com as palavras que aprendia, sempre tentando usá-las junto a minha imaginação conseguindo ter bons resultados ao desenvolver diversos feitiços.
Conforme o tempo decorria havia uma pausa onde almoçávamos juntos, meu mestre não falava muito e na maior parte do tempo ele parecia distante, as vezes pegava Karias perdido em pensamentos com seu rosto demonstrando uma expressão de preocupação. Senti falta de seu bom humor e das conversas diferentes.
A solidão voltava a ser a minha companheira.
Quando chegava à noite meu mestre se recolhia me desejando um "Boa noite" e eu ficava apenas em meu quarto, agora repleto de livros. Estava perseverante em aprender o máximo feitiços que existia para a minha sobrevivência então consequentemente passava a noite inteira lendo até encontrar com o meu mestre pela manhã.
Mas confesso que a vontade de aprender era, em parte, uma desculpa para não dormir. A verdade era que desde o último encontro com Arkenos. Eu sempre ficava desesperada com a chegada da hora de colocar a cabeça no travesseiro, imaginando que ele entraria nas minhas memórias e jogaria mais pedras sobre mim.
Contudo as minhas leituras pelas madrugadas foram cortadas após um almoço com Karias.
-Por que não está dormindo? Faço tanto barulho quando me transformo que impede seu sono? -Foi a primeira vez que meu mestre tocará em um assunto diferente de feitiço, palavras mágicas e de como me defender de uma bola flamejante atirada na minha cabaça. -Anda tão cansada ultimamente, não imaginei que esse treino seria tão pesado, afinal quando eu comecei era obrigado a fazer mais coisas que você.
-Não é isso... -Tentei começar a me explicar quando um bocejo me interrompeu, Karias segurou um riso. -Eu estou bem... Não é nada...
-Não, você não está. -Disse Karias retirando meu prato junto com os talheres e os levando para a pia. -O que está acontecendo Mia?
-Não é nada já disse. -Levantei e comecei a andar em direção às escadarias. -Vamos, eu vou repassar mais alguns feitiços.
Karias veio logo atrás me acompanhado até a estufa. Ao entrar fui para o meu lugar em meio aos livros e voltei a lê-los, mas ao abrir o livro uma mão o tirou de mim. Levantei o olhar e vi meu mestre me contemplando, seus olhos me analisavam registrando cada detalhe.
-Acho que já está na hora. -Afirmou Karias, ele se afastou de mim indo em direção ao lado oposto do meu, todos os livros que estavam dentro da estufa desapareceram. -Vamos Mia, está na hora de seu primeiro duelo.
Me ergui limpando a calça e me preparei, se é que existe uma forma de se preparar para aquilo.
O silêncio se apossou do lugar, a luminosidade da estufa foi diminuindo como se ela fosse iluminada por velas invisíveis, conseguia ver a silhueta de Karias mas era impossível enxergar o seu rosto. Toda esse cenário apenas alimentava ainda mais o clima de tensão.
Sem aviso ele começou atacando.
Uma bola de fogo foi atirada na minha direção, levantei um escudo de água para me defender e lancei um chicote feito de água para atingir o seu peito.
Karias fez uma barreira de ar sólida e depois lançou uma rajada de vento me derrubando. Rolei para o lado quando tentáculos de sombras cresceram embaixo de meu corpo para tentar me aprisionar.
Levantei o mais rápido possível mas não a tempo de impedir o meu mestre de lançar um dardo de energia, fechei meus punhos na frente do meu rosto e deixei que o dardo acertasse meu Gizarks vi a energia sendo absolvido e depois lançada na direção dele. O feitiço de reflexão o pegará de surpresa e ele caiu de costas no chão.
Uma risada escapou de seus lábios.
-Esperta... -Disse ele se colocando de pé. -Muito esperta...
Uma fumaça conjurada nos envolveu, uma névoa preta e densa me cegando de seus movimentos. O suor brotou de minha testa conforme eu caminhava para trás olhando para os lados prestando atenção em qualquer barulho que delatasse a sua posição.
-Vamos Mia a saída para isso é muito fácil. -Cantarolou Karias na minha direta, lancei uma bola de fogo naquela direção mas acertei apenas em vasos de plantas, que caíram no chão em cacos. -Peço que não destrua a minha estufa no duelo.
-Você deveria ter reforçado as runas ao invés de se esconder nessa névoa. Apareça! -Onde ele está? Onde ele está? Onde ele está? Meu coração acelerou quando senti sua respiração no meu pescoço.
-Eu estou aqui. -Meu escudo não foi rápido o suficiente para deter as sombras que me acertaram e me jogaram para longe igual ao que aconteceu a Suprema Maga Branca. Por uma fração de segundos senti pena dela por que a dor do impacto do corpo no chão foi forte. -Ahh Mia, assim você me decepciona.
Formei um círculo de fogo no chão e o liberei formando uma onda que varria toda a extensão da estufa. As chamas não pegaram os pés de Karias, o que significa que ele está flutuando?
-Vamos Mia, qual fora aquele feitiço que lhe ensinei mais cedo. -Algo muito parecido com uma ponta de uma lança veio em minha direção, desviei quando o projétil se aproximou e acertou a madeira atrás de mim. O projétil era feito de gelo.
Vários outros foram atirados em minha direção, ora eu desviava ora meu escudo de ar sólido me defendida. Mas o cansaço começava a se apoderar sobre mim a medida que a rajada de gelo afiado aumentava.
Porém não estava disposta a ir para a cama naquele dia com um novo machucado.
Conjurei um feitiço que me ajudava a olhar pelo nevoeiro, claro que era aquele feitiço que Karias tinha acabado de comentar comigo, vi meu mestre sentado em cima de uma bancada em umas das extremidades da estufa e ele parecia se divertir com a minha situação.
Fiz a bancada se mover e ele cair de bunda no chã, Karias olhou para a madeira sem entender nada então aproveitei sua distração para retirar toda a névoa da estufa e concentra-lá em furacões que se formavam atrás de mim.
O ar rodopiando ao meu lado fazia meus cabelos bagunçarem mas eu me concentrava no rosto surpreso de Karias, ele estava caído e indefeso, sua mão se encontrava levantada na frente do rosto em uma tentativa de se proteger.
Por mais que eu me deliciaria em acabar com a diversão do meu mestre, não tinha intensão de machuca-lo e com certeza esses tornados ao meu lado iriam fazer um grande estrago.
Dei um fim nos tornados que se desfizeram do meu lado, caminhei sorridente até Karias e estendi minha mão para ajudá-lo.
-Bom trabalho aprendiz. -Disse ele sorridente aceitando a minha mão, o toque de sua pele na minha foi algo bom de sentir, estranhamente bom. Ajudei meu mestre se levantar de modo que seu peito ficasse centímetros do meu.
Os olhos de Karias faiscaram e pude ver um sentimento lampejando neles, não sabia que sentimento tratasse mas havia algo ali.
Foi quando eu pressenti a lâmina subindo em direção a minha cabeça, joguei meu rosto para o lado mas a ponta da lâmina abriu um corte na minha bochecha. Dei alguns passos para trás incrédula, meus dedos foram em direção o lugar que ele havia cortado, quando os coloquei na frente do meu campo de visão vi o sangue escorrendo pelas juntas dos dedos.
Encarei incrédula para Karias e vi os tentáculos de sombras me acertando bem no rosto e me fazendo se desequilibrar caindo para trás.
Minha cabeça atingiu com força no chão e uma explosão de dor me assolou da nuca até a testa. Vi estrelinhas girando no teto da estufa e perto dos olhos azuis de Karias quando este se ajoelhou do meu lado.
-Nunca abaixe a guarda. -Aconselhou ele em um tom baixo e severo, Karias estendeu sua mão para mim mas eu a recusei empurrando para longe, não queria a sua ajuda e muito menos ele perto de mim.
Meu orgulho ferido e a raiva misturada com a dor me fizeram colocar de pé. Minhas mãos fechadas tremiam conforme o apontava gritando em um tom acusatório.
-Isso não foi justo, o duelo já tinha acabado.
-Mia não seja ingênua. -Disse ele se aproximando, a cada passo que Karias dava em minha direção eu dava dois no sentido oposto para me distanciar. -Na vida real duelos só acabam com alguém morto.
-Mesmo assim você não precisava ser tão baixo. -Rebati, meu mestre apenas cruzou os braços e soltou um suspiro pesado como se fosse uma mãe pedindo internamente para ter paciência com o filho.
-Acha que os Mensageiros da Morte vão ser bons com você? Éticos com você? -Seus olhos azuis brilharam em minha direção, eu abaixei a cabeça para não encara-los pois sabia que a resposta era não, a nuca latejou com o movimento. -Acha que eles seguem um código de honra quando vão atrás de alguém? Eles vão ser misericordiosos ao te pouparem a vida? Ou que eles vão ter pena de tirar a vida de uma menina de 18 anos?
As resposta para todas as perguntas era não, eles não iriam. Mas isso não diminuía o meu orgulho ferido.
-O duelo acabou pode ir embora. -Karias virou se de costas para mim, eu tinha certeza que o havia decepcionado e senti uma frustração crescer dentro do meu peito tomando lugar do orgulho e da raiva.
Semanas treinado e eu havia falhado miseravelmente no primeiro duelo, sabia onde ele queria chegar e o que ele procurava fazer com que eu aprendesse da forma mais rápida e prática. Por que se fosse em um duelo de verdade com certeza já estaria no chão morta junto com todas as esperanças da Sociedade dos Magos.
Não era surpresa ele não querer olhar para mim quando deixava a estufa e descia as escadas em direção à cozinha. A minha vontade não era nem de descer as escadas do apartamento mas de descer as escadas do prédio e ir embora pelas ruas.
Mas eu não daria esse gostinho para Arkenos na próxima vez que nos encontrássemos.
Caminhei até o frise onde retirei uma compressa de gelo e depois fui para a parte da geladeira onde peguei uma maçã fresquinha. A magia havia consumido muito minhas forças de modo que um poço de fome se abriu no meu estômago.
Fui andando para as escadas e me preparava para entrar no meu quarto e me enfurnar livros, para tentar esquecer a derrota que tive e do olhar de decepção de Karias.
Foi quando escutei uma respiração, mais precisamente uma inspiração. Dei uma mordiscada na maçã e me virei para contemplar toda a sala de jantar e cozinha.
O barulho do ar saindo dos pulmões por meio da expiração fez meus olhos vagarem para perto da portas que davam para a sala de livros.
Minhas sobrancelhas arquearam e um incômodo cresceu dentro do meu peito. Havia alguém dentro do apartamento.
Coloquei a maçã sem um pedaço sob a tábua da mesa e com passos calmos e calculados caminhei em direção às portas, me espremi na borda e espiei sala adentro.
Estava vazia.
Mas aquela sensação ainda me assolava.
-Procurando por mim. -Uma voz brincalhona ronronou na minha orelha, engoli a seco no mesmo instante que percebi que a voz não pertencia ao meu mestre.
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Oi gente linda!!!
Então gente não sei o que aconteceu aqui no Wattpad mas eu postei esse capítulo antes mas algo deu problema então se puderem ler e comentarem nele novamente agradeço.
Tenham um bom dia e um ótimo fim de semana 😆❤️