Quanto Tempo o Tempo Tem?

By passarinhou

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Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito. Ana é o... More

Prólogo
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By passarinhou

A manhã de Ana Clara pareceu se arrastar de forma lenta e inquietante.

Passou a maior parte dela na casa de sua mãe, enquanto a mesma a enchia de perguntas sobre a saúde de Estrela e retificava a todo o momento que, se sua filha quisesse, poderia voltar a morar com ela ao invés de procurar um imóvel. A morena sorriu complacente, mas negou: A vontade de Ana Clara era recuperar o tempo perdido.

Ora, não falei com você, não é? Quanta falta de educação da minha parte.

Olá! Cá estou eu novamente. Pode pegar algo para beber; acomode-se. Mantenha-se confortável enquanto eu te conto de forma clara como a história de Ana Clara Caetano e Vitória Falcão se desenrolou durante parte da minha existência.

"Mas não é melhor vocês ficarem por aqui, minha filha?" Ana escutou dona Mônica indagar. Levou seu olhar até sua filha – que mantinha-se calada, no canto da sala, brincando com seus polegares – e suspirou.

"Casa cheia, barulho... É melhor não, Mãe."

Monica comprimiu os lábios e encarou a neta. A mulher durante todos esses anos sonhou com os netos, e quando a primogênita de sua filha veio ao mundo, não imaginava que teria de passar por algumas barreiras de relações com sua neta, muito menos imaginava que teria de lutar lado a lado á uma condição: o autismo.

"Fico feliz que esteja em casa novamente, meu bem."

A morena sorri.

Lembra dos momentos anteriores e suspira, apenas desejando que tudo ficasse bem logo. Afinal, ficar tudo bem é a única saída.

Sempre.

"Estou feliz por estar em casa, mãe."

Do outro lado da cidade, Vitória organizava com sua irmã o cronograma do dia com sua irmã, Aninha. Sua irmã era estudante de música e, durante um tempo do curso, Vitória deu "musicoterapia". Essa metodologia voltada às pessoas com autismo teria como objetivos o desenvolvimento de talentos e habilidades mediado pelas experiências musicais. A música poderia beneficiar o tratamento de suas crianças e, ao lembrar dessa metodologia, logo sua irmã viera a mente e, para Vitória, foi o casamento perfeito.

Engraçado como a música pode mexer com todos, sem exceções, não é mesmo?

Isso me faz lembrar um episodio.

O ano é 2010. O colégio Santa Cruz estava sediando uma grande feira de arrecadação de fundos para a viagem do terceiro ano, e um dos métodos era o festival de música, a qual quem gostaria de participar ou assistir, deveria pagar uma quantia simbólica.

Para a surpresa de todos, o número de participantes e pessoas que gostariam de assistir fora alta, e uma grande parte do dinheiro fora coberta.

Do outro lado do auditório, uma Ana Clara paralisada. Parecia que a música que ensaiou por tantas vezes havia sumido da sua mente e o garoto que tagarelava ao seu lado não estava ajudando em nada.

"Paulo, cadê a Vi?" Ana pergunta, entediada.

"Não sei. Como eu ia dizen-"

"Vou procurar a Vi, tá?" Ana o interrompe e o garoto á fita, desacreditado. Ao ver a morena levantar da cadeira, o mesmo agarra seu pulso.

"Pô, Ana. Você namora é comigo, não com ela!" diz.

Ana suspira.

"Eu só vou procurar minha melhor amiga, Paulo. Eu já volto." Retirando a mão do – até então – namorado, Ana sai do auditório. Desde o começo do namoro, Ana sentia Vitória distante. A cacheada evitava de sair ou habitar o mesmo cômodo que a morena. Ana Clara queria apenas entender o por que.

Para falar a verdade, a Caetano mal sabia por que havia aceitado o pedido de namoro do garoto. Algo momentâneo e precipitado, de fato.

Chega a ser cômico quanto o ser humano gosta de preencher vazios que vocês mesmo criam.

Em nenhuma das salas a qual passou, não conseguiu encontrar a cacheada. Apenas a achou quando, numa olhada e outra entre as cabeças presentes no pátio, Ana conseguiu encontrar aquela cabeleira tão conhecida. Suspirou, aliviada, e apressou o passo, indo de encontro a garota.

Ao perceber a presença da morena, Vitória fez menção de levantar-se. Sua cabeça era um caos: Ver Ana e Paulo aos beijos todos os dias a matava cada dia um pouco mais. Porém, ao se levantar, Ana agarrou o punho da loira, fazendo-a olhar.

"Vi, para! Por que você tá assim comigo?" Ana tentava a todo custo entender o que estava acontecendo.

Uma hora, seu corpo parecia entrar em colapso de felicidade por te-la encontrado e por estar namorando o Paulo, garoto que sempre gostou, como devia ser. Em outra, sentia vontade de arrancar os próprios cabelos por não entender o porquê de Vitória estar chorando.

"Ana, sai daqui." Vitória diz entredentes e Ana ri.

"Não Vitória, eu não vou sair!" grunge. "Me explica o porque disso tudo! Me explica, Vi!"

E então Vitória explica. Não com palavras, mas com atos. De repente, os lábios que estavam agora ali unidos pareciam ser a equação que resultava na felicidade.

De um lado, uma Ana confusa. Do outro, uma Ana extasiada.

As pessoas ao redor apenas deram os ombros. Alguns sorriam, outros olhavam de forma estranha, mas não era estranho para ninguém de que um dia aquilo aconteceria.

Vitória, de olhos fechados, suspirou. Puxando a morena pelas mãos, Vitória as redirecionou para uma pequena sala. Não falou nada, apenas pegou o violão. Ana a olhou intrigada – não sabia que Vitória tocava. Sempre fora ela a se arriscar no violão e aquele dia não parecia querer parar de dar-lhe surpresas.

As primeiras notas de "Onde Anda Você" começaram e Ana Clara sentiu seu coração se comprimir.

Desde então, a música de Vinicius de Moraes havia se tornado especial para ambas, e Vitória tinha certeza de que, não importa com quem, quando e onde estivessem, ela e Ana iriam sempre se pertencer.

Agora que você já sabe a história do primeiro beijo, por que não retomamos de onde paramos?

Ah, certo.

Quando Vitória chegou ao teatro, podia sentir que aquele seria um dia instigante. Logro tratou de dar bom dia ao sol mais uma vez, aos funcionários e encaminhou-se até sua sala. A fantasia de hoje? Emília. Com a cara pintada e as vestes conhecidas, Vitória voltou-se ao palco e esperou seus pequenos.

"Vi, eu tô muito engraçada com esse negócio..." escutou Aninha dizer quando a mesma posicionou-se ao seu lado. A mais velha observou a irmã e começou a destilar palavras desconexas com uma voz fina ao vê-la vestida de Narizinho.

"Mas é uma plincexa linda!"

"Não perde a mania de chamar Aninha assim, não é?" Uma voz brota no lugar e Vitória dá um pulo, pondo a mão no peito pelo susto.

"Que susto, Ana..." Vitória se recompõe. A mais nova apenas observava o desconforto das duas com um sorriso risonho.

"Oi Aninha" a morena acena e a menor acena, sorrindo.

"E essa princesa aí é a famosa Estrela?" Aninha pergunta e a morena sorri, ignorando o "famosa".

"Sim, sim..." alisa a cabeça da filha, que contrai ao toque.

"Vamos trabalhar com musicoterapia hoje..." Vitória diz e Ana a observa. "A música pode oferecer aos pequenos oportunidades de auto-expressão e de vivências criativas, como experiências de comunicação e interação entre pares sem a necessidade do discurso verbal..."

Um fato interessante que Vitória acaba de descobrir: quando está nervosa, tagarela sem motivo.

"Ah, sim..." Ana ri. "Vou ficar sentada ali, então."

Aos poucos, vários pais foram chegando e deixando seus pequenos aos cuidados da cacheada, que agora assumira um papel brincalhão e carinhoso. Era incrível a destreza de Vitória com cada um e como ela conseguia respeitar seus espaços e condições.

Vitória tinha uma luz.

Em toda a minha existência, pude conhecer poucas pessoas com uma áurea tão iluminada quanto a de Vitória. Ela era o tipo de pessoa que consegue conquistar todos, inclusive, os pequenos, em um piscar de olhos.

E Ana a admirava tanto...

Com o final da aula, os pais saíram com seus pequenos e Ana pôde enxergar um sorriso orgulhoso brotar no canto da boca da cacheada, que logo o desmanchou, ao perceber a atenção.

"Vi, vou ao banheiro, tá?" Aninha diz, "Tchau, Ana. Foi ótimo te ver. Passa lá em casa qualquer dia desses..." Aninha diz, piscando, fazendo as duas adultas corarem. Gargalha enquanto se afasta, deixando as mulheres sem graça frente a frente.

Ao canto, uma Estrela entretida com seus legos.

"Se ela convidou, eu vou..." Ana brinca e Vitória ri.

"Eu convido, também. Sabe que você sempre será bem vinda." A loira diz sem perceber e grunge ao se ouvir, "V-você e Estrela, é claro."

"Certo..."

Um grande silêncio se instala no teatro. Ana foca no violão e Vitória segue seu olhar.

"Você ainda toca?" Vitória pergunta.

Ana ri, sentando na borda do palco.

"Vez ou outra, sim." Diz, "e você, ainda toca?" Ana pergunta com o olhar baixo.

Sabia muito bem qual fora a única vez em que Vitória tocou algo para ela e o contexto do dia.

"Só sei uma música." Vitória engole em seco, sentando-se também, na borda.

"Toca pra mim, então."

Vitória encara o violão por longos segundos. Mal sabia se ainda lembrava-se dos acordes, e a única coisa a qual tinha certeza era de que tocar no violão perto de Ana era pedido de tele transporte para anos atrás.

Resolveu, então, arriscar.

Afinal, que tempo teria a perder?

Os dedos da cacheada começaram a dedilhar as cordas e Ana fechou os olhos. Sentiu um arrepio correr rente a sua pele e engoliu em seco; um misto de sensações embargavam-na e a música nem havia sequer começado.

"E por falar em saudade, onde anda você, onde anda os seus olhos que a gente não vê? Onde anda esse corpo, que me deixou louca de tanto prazer?" canta.

Ana, agora com os olhos bem abertos, fitava a mulher a sua frente, controla-se para não chorar.

Aquela letra estava ainda mais real nos dias de hoje do que anos atrás.

"E por falar em beleza, onde anda a canção que se ouvia na noite? Nos bares de então, onde a gente ficava. Onde a gente se amava em total solidão..." Vitória cantava tudo de olhos fechados. Aquela letra havia estado guardada em seu peito há tanto tempo que nem mesmo ela lembrava-se do poder de cada palavra.

"Hoje eu saio na noite vazia, numa boemia sem razão de ser. Na rotina dos bares, que apesar dos pesares me trazem você..." canta um pouco mais forte e Ana sente o gosto salgado das lágrimas. "E por falar em paixão, em razão de viver, você bem que podia me aparecer nesses mesmos lugares, na noite, nos bares, onde anda você?"

Silêncio.

Como eu disse, a música tem o poder de tocar qualquer um. Até mesmo um coração cansado, como o de Vitória Falcão.

"Eu andei por muitos lugares, Vi." Ana sussurra, "mas a única coisa que posso te dar certeza agora é que eu tô aqui." 

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