Seguro as rédeas com firmeza e me preparo. Dou uma breve olhada para o meu parceiro, ele parecia tenso, o que era aceitável, devido às circunstâncias. Logo após a reunião com o Gaspar, decidi que estava na hora de cobrar aquele favor que o meu amigo me devia. Dessa vez, era diferente. Havíamos apostado que, o perdedor terá que pular no lago complemente nu.
– Ben... – Ouço sua voz aflita – Quer mesmo fazer isso?
– Está com medo, meu amigo? – Levanto minhas sobrancelhas e sorrio.
– Não é medo. – Ele retruca – A questão é que sabemos que você é muito melhor que eu.
– Ian, você só não é melhor que eu, porque não quer. – Dou de ombros – Vamos correr e depois da corrida, decidimos o que realmente fazer.
– Está bem.
Ele responde, tirando metade da tensão de seus ombros. Me viro novamente e me concentro na estrada à minha frente. O trajeto será o mesmo de sempre. Não tem como errar.
– Vamos lá, amigão. – Incentivo o Trovão, que por incrível que pareça, estava mais agitado que o normal.
– Um, dois, três e... – Começo a contagem – Já!
Cutuco o trovão com a minha bota e sem pestanejar, o animal dispara em alta velocidade pela estrada de terra e mais uma vez, aquela sensação de poder me invade. O ar fresco em meu rosto, fazia com que eu me sentisse nas nuvens.
– Assim não vale! – Ouço a voz do meu amigo, levemente alterada.
– Corra mais! – Grito de volta.
Seguro com mais firmeza nas rédeas e sigo convicto até a linha de chegada. Eu estava pronto para ultrapassar e comemorar com vigor a minha vitória, mas algo me distraiu. Melhor dizendo, um pedido de socorro me fez parar de cavalgar. Fico em silêncio absoluto tentando identificar de onde vinha os gritos de socorro.
– Você está ouvindo? – Pergunto ao Ian.
– Sim. Parece que alguém está em perigo. – Ele responde.
– Acho melhor procurarmos. – Digo e dou partida, cavalgando em direção aos gritos.
Conforme nos aproximavamos da floresta, os gritos ficavam cada vez mais altos. Tento ir o mais rápido possível, mas ao chegar em um certo ponto, os gritos não eram mais audíveis. Eles haviam parado.
– De onde estavam vindo esses gritos? – Ian sussurra ao meu lado. Sua voz emitia um tom de agonia – Não é possível que tenham sumido tão repentinamente.
– Concordo com você. – Digo e continuo a procurar por algo. – Vamos continuar procurando. Não devem estar muito longe.
Continuo a vasculhar cada pedaço daquela floresta, mas ao contrário do que eu esperava, tudo parecia tranquilo. Após um tempo procurando, me sinto totalmente inútil. Alguém estava em perigo e eu não era capaz de encontrar.
– Quer ir embora? – Ian pergunta e eu nego.
– Falta um último lugar. – Digo, ao me lembrar do lugar onde meus pais sempre iam. A tão idolatrada cachoeira.
– Então vamos.
Assinto e cavalgo em direção ao local. Aquele era o único lugar em que não havíamos procurado ainda, e eu espero que quem quer que seja essa pessoa em perigo, que ela esteja bem e viva.
– Você é uma garota tão ingênua. É uma pena que esteja tão machucada. – Ouço uma voz masculina soar bem alto.
Desço do cavalo e retiro minha espada de dentro do colete. A voz estava perto e eu só precisava pegá-lo desprevenido. Me aproximo vagarosamente do homem, ele parecia estar se divertindo com aquela garota, mas ao notar gotas de sangue no gramado, um sentimento de raiva me domina. Tomo coragem e o acerto na cabeça com a parte contrária a da lâmina. Ele fica zonzo e cai sobre a grama.
– Me dá nojo saber que você é considerado um homem. – O levanto pela gola de sua camisa e o pressiono contra o tronco da árvore – Homens não batem em mulheres. Elas são pessoas frágeis e sensíveis e não um saco de pancadas para homens como você. – Antes que eu pudesse me conter, já havia dado dois socos em seu olho esquerdo.
– E-eu... – Observo seu rosto coberto por sangue e suspiro alto. Ele não estava nada bem, mas eu não me importava. Ele merecia sofrer. – Me desculpa.
– Acho melhor você sumir daqui. – Digo, trincando o meu maxilar – Se você voltar, farei questão de cuidar de você com as minhas próprias mãos. – Solto ele e observo-o correr desesperadamente para longe de mim.
Estava tão nervoso, quem nem ao menos percebi o quanto minhas mãos tremiam. Nunca imaginei que bateria em alguém ao ponto de machucá-la, mas ver alguém em perigo era torturante, ainda mais quando essa pessoa se tratava de uma garota frágil e indefesa. Tudo o que eu conseguia imaginar é que ao invés de ter sido essa garota, poderia ter sido a Manu.
Antes de qualquer coisa, me viro e ando em direção a garota que se encontrava no chão. Ela parecia arrasada. Suas roupas estavam rasgadas e seus cabelos despenteados, e mesmo de cabeça baixa, pude perceber que seu rosto havia cortes fundos. Me abaixo ficando da sua altura.
– Sei que esse momento não é fácil, mas você precisa ser forte. Irei ajudá-la. – Digo, com a voz calma.
Ela apenas balança com a cabeça.
– Venha, vamos embora. – Ela levanta o seu rosto envergonhada e no mesmo momento em que os nossos olhos se encontram, sinto meu sangue ferver ainda mais. Era ela. A mesma garota do baile.
– Você... – Me detenho antes que eu diga alguma besteira – Venha, vou cuidar de você. – Pego ela em meus braços e ando vagarosamente até o trovão.
Durante o pequeno trajeto até o trovão, não pude deixar de notar o quão assustada ela estava. Seu corpo tremia em meus braços e sua respiração ainda se encontrava desregulada.
– Ben, irei na frente para avisar aos seus pais sobre o ocorrido e pedirei que as serviçais cuidem de tudo para a sua chegada. – Ian me comunica. Sem perder tempo, ele sobe em seu cavalo e cavalga com rapidez, indo em direção ao palácio.
Fico um minuto em silêncio e solto um resmungo ao sentir meus braços trêmulos. Encaro a garota em meus braços e, cuidadosamente, a coloco sobre o cavalo.
– Não precisa ter medo. – Digo, sussurrando. – Você precisa de cuidados. – Subo no bichano e seguro as rédeas com firmeza, me certificando de que ela estava totalmente segura.
Espero por uma resposta vinda da parte dela, mas não ouço nada. Ela estava em choque e eu não a culpava. Sempre ouvia falar sobre certos tipos de homens que abusavam de donzelas indefesas e isso era uma atitude inaceitável.
Após um tempo na estrada, avisto de longe o palácio. Era incrivelmente bonito e grande.
– E-eu não posso... – Ela diz, com sua voz rouca e trêmula.
– Está tudo bem. Você é bem-vinda aqui. – Solto as rédeas do trovão assim que me encontro perto à entrada do castelo e desço do cavalo. – Cuide do meu cavalo, por favor. – Peço a um criado, após descer ela do cavalo e segurá-la em meus braços novamente.
– Tem certeza? – Ela pergunta, deixando suas incertezas nítidas.
– Absoluta! – Caminho até a porta dupla de madeira e entro.
A princípio o palácio parecia calmo. Não havia muito movimentação e as vozes não estavam tão alteradas naquele momento. Observo o lugar ao redor e logo vejo uma senhora de cabelos grisalhos, baixinha e rechonchuda. Como poderia esquecer dela. Lúcia. A serviçal mais antiga do castelo.
– Oh, Ben, o que houve? Está ferido? – Ela se aproxima, com uma expressão preocupada.
– Eu estou bem, Lúcia. – Digo, sorrindo de lado – Essa donzela que não está muito bem. Será que a senhora poderia cuidar dela para mim?
Seus olhos castanhos desviam para a garota em meus braços. Sua expressão era de pura preocupação, como em todas as vezes em que eu me machucava quando ainda pequeno.
– Sabe que não nego um pedido seu. – Ela sorrir – Pode me acompanhar até um quarto? Creio que não aguentarei carregá-la.
– Só me mostrar o caminho.
Imediatamente ela começa a caminhar na minha frente, me levando até um quarto vazio dos hóspedes.
– Pode colocar ela em cima da cama. – Ela diz – Irei cuidar dela e chamar um médico para tratar dos ferimentos do rosto.
– Obrigada, Lúcia. – Ela sorrir e sai do quarto, nos deixando a sós. – Eu preciso ir agora, mas prometo voltar para lhe visitar..
Ela me encara aflita.
– Está bem... – Seus olhos me analisam por completo – Promete mesmo?
– Sim, eu prometo. – Sorrio para ela e saio do quarto.
Adoraria ficar ali ao seu lado e garantir que tudo ficaria bem, mas, infelizmente, eu não posso fazer tal coisa. A minha única opção é aguardar.
* * *
Após uma hora, o médico finalmente abre a porta do quarto. Ele ajeita sua roupa perfeitamente branca e direciona o seu olhar para mim, me cumprimentando com um aceno, retribuo o gesto e me apresso a bater na porta entreaberta.
– Entre! – Ouço a voz da senhora Lúcia ecoar. Entro no quarto e fico aliviado ao notar que a garota dormia tranquilamente, embora seu rosto estivesse com alguns curativos.
– Gostaria de lhe agradecer por ter cuidado dela. – Digo, ainda de pé.
– Não precisa me agradecer, Ben. – Ela sorrir, passando as mãos desajeitadamente em seu uniforme.
– Preciso sim. – Ela sorrir ainda mais – Poderia nos deixar a sós?
Ela me olha um tanto receiosa, antes de soltar um suspiro longo e ceder.
– Está bem, mas por favor, seja bonzinho. – Observo-a pegar as roupas rasgadas que estavam no chão e sair do quarto.
Direciono meus olhos até a enorme cama de casal e sorrio. Ela continua linda e isso, de uma maneira estranha, não me surpreendia. Me aproximo vagarosamente e me sento na beira da cama. Ela dormia tranquilamente e diferente de como à encontrei mais cedo, agora sua respiração estava regulada e seu corpo não estava mais trêmulo. Ela era misteriosa e até esse momento, eu não sabia o seu nome.
– Você é tão misteriosa... – Digo, sem tirar meus olhos do seu rosto – Espero um dia conhecê-la de verdade.
Após analisá-la por um tempo, eu deveria ter me levantado e saído do quarto, mas não foi exatamente assim que aconteceu. Olhá-la por tanto tempo, apenas fez com que minha vontade de tocá-la aumentasse e foi exatamente o que eu fiz, toquei com leveza a parte macia de sua bochecha, mas ao contrário do que eu esperava, ela abriu os seus olhos e meu corpo gelou por inteiro.
* * *