Dizer que minha noite de sono havia sido tranquila, seria a pior mentira de todas. Perdi a conta de quantas vezes rolei na cama. Meus pensamentos estavam a mil e isso tudo por culpa da garota misteriosa. A noite passou e o dia chegou, e eu não poderia negar que estava horrível. As marcas roxas em volta dos meus olhos não escondiam minha noite mal dormida, sem contar que, o Gaspar chegaria a qualquer momento e eu estava um verdadeiro caco.
- Você está mal. - Levanto o olhar até o meu pai - O que aconteceu?
Me ajeito melhor na cadeira e suspiro baixo.
- Dormi mal. - Dou de ombros e bocejo.
- Tem certeza? - Ele se apoia na mesa, arqueando suas sobrancelhas - Há rumores que você estava no jardim com um garota.
Sempre há rumores.
- Isso é verdade. - Tento esconder um sorriso - Mas isso não significa nada.
- Se não significa nada, por qual motivo está todo sorridente? - Ele arqueia suas sobrancelhas.
- Tá bem. Eu me rendo. - Solto uma risada - Eu não sei nada sobre ela. A única coisa que eu sei, é que ela gosta de cavalgar.
- Só me responde uma coisa... - Ele passa a mão na sua barba e sorrir - O que sentiu quando viu essa garota?
Sinto meu coração acelerar no mesmo instante.
- Não sei explicar. - Mordo meu lábio inferior - Ela é linda. Toda meiga e angelical, e eu só queria cuidar dela e fazê-la... Feliz.
- Você sentiu! - Ele comemora - Lembra da nossa conversa ontem? Sobre como você irá descobrir quem é a sua pessoa?
- Claro que eu me lembro. - O encaro, ainda confuso.
- Ben, quando eu conheci sua mãe, eu também não sabia explicar o que eu senti. Eu só queria fazê-la feliz. - Paro pra raciocinar sobre as suas palavras.
- Ah não! - Resmungo alto - Eu não conheço ela, pai. Como vou achá-la?
- Você não pode desistir! - Ele diz, determinado - Precisa encontrá-la.
- Pai, não tenho certeza, mas pelo o que vi ontem, ela aparenta ser uma camponesa. - Digo, com medo da sua reação diante da situação.
- Qual o problema? - Ele indaga - Eu e sua mãe prometemos que o seu casamento não seria por meio de alianças.
- Eu sei, pai. - Já estava ciente da promessa que ele e a minha fizeram, mas, mesmo tendo consciência disso, não conseguia evitar o sentimento de medo.
- Do que tem medo? - Ele pergunta.
- Eu sou o próximo na linha de sucessão. - Aplumo os ombros - Não posso pensar apenas no meu bem-estar. Tenho obrigações e eu preciso pensar nos meus suditos.
- Ben! - Ele sorrir - Você está totalmente certo. Acredito que em um futuro não muito distante, você será um rei excepcional. Porém, ser rei tem o seu lado bom e ruim. Se você não tiver ao lado da pessoa que você verdadeiramente ama, nada disso valerá a pena.
- Já imaginou como seria sua vida se não tivesse conhecido minha mãe? - Pergunto.
- Costumava pensar nisso. - Ele suspira - Na verdade, pensava nessa hipótese todos os dias.
- O que mudou?
- Você nasceu. - Suas íris azuis se iluminam - No momento em que te segurei em meus braços, tive a certeza de que, nada e nem ninguém poderia impedir que eu e a sua mãe ficássemos juntos. Depois daquele dia, nunca mais me permiti pensar daquela forma.
- Qual é a lição? - Pergunto, abrindo um meio sorriso.
- Não faça nada, pensando em como teria sido se não tivesse feito. Você deve confiar nas suas decisões e seguir apenas o seu coração.
- Meu coração deseja encontrar aquela garota. - Admito, desviando o olhar para o chão.
- Então, encontre ela. - Ele sorrir.
- Encontre quem? - Minha mãe pergunta, ao adentrar na sala.
- Assunto confidencial. - Meu pai responde e ela automaticamente sorrir.
- Adoraria descobrir o que tanto falavam, mas a nossa visita chegou. - Ela diz, fazendo a tensão em meus ombros aumentarem.
- Você está bem? - Ele pergunta, deixando nítido a sua preocupação.
- Estou sim, meu amor. - Ela sorrir para ele.
- Devemos começar o quanto antes essa reunião. - Assinto e me levanto - Ben, está preparado?
- Como nunca estive. - Respondo, confiante.
A sala fica em absoluto silêncio, antes da porta dupla de madeira ser aberta por completo. Observo Gaspar dar passos lentos até a cadeira mais próxima, ele faz uma reverência e se senta. Ele parecia calmo, a prova disso, era o sorriso convencido que não saia de seu rosto.
- Espero que tenha sido bem recebido na pensão. - Meu pai começa, após se sentar.
- Admito que aquele lugar é bem acolhedor. - Ele diz, analisando um de cada vez.
- Disso eu tenho certeza. - As portas se abrem novamente - Meu irmão merece o melhor tratamento. - Meu vô diz com ironia.
- Vejo que leu o diário do nosso pai. - Gaspar provoca o irmão.
- Sim, li cada palavra daquele diário. - Ele sorrir - E fico feliz em saber que você não tem direito ao trono.
O clima fica tenso. A expressão de Gaspar muda completamente, e agora, a única coisa que seus olhos transmitiam, eram raiva e ódio.
- Como pode ter tanta certeza? - Gaspar indaga.
- Eu sou o filho mais velho, Gaspar. - Meu vô diz, tranquilamente - Sinto muito em lhe dizer, mas o direito ao trono pertence ao filho mais velho, neste caso, pertence a mim.
Gaspar se cala. Ele parecia que ia explodir a qualquer momento.
- Está me dizendo que não tenho direito a nada? - Ele pergunta com sua voz levemente altera, em uma tentativa falha de intimidar o meu avô.
- O que você deseja? - Meu vô retruca - Terras? Comércios? Saco de moedas de ouro? Diga-me o que deseja e eu lhe darei.
As palavras ditas pelo meu avô, parecem ser uma sentença de morte para Gaspar. Suas íris castanhas estavam escurecidas e com certeza, não era por estar satisfeito. Algo me dizia que ele não deseja nada daquilo e me agoniza saber que ele não desistiria fácil.
- O que te leva a pensar que eu abrirei mão do trono? - Sua expressão muda por completo - Pensei que entraríamos em um acordo, mas vejo que isso não vai acontecer.
Desvio o olhar para o meu pai. Ele permanecia calado, embora o rubor de seu rosto deixasse claro o quão enraivecido ele estava.
- Permita-me dizer, senhor Gaspar - Meu pai toma iniciativa - O senhor não irá conseguir o que deseja. A regra da linha de sucessão é bem clara, e sejamos sinceros, o senhor não daria conta de tanto trabalho.
Em um movimento rápido, Gaspar se levanta, batendo suas mãos na mesa com força.
- Como se atreve? - Ele eleva sua voz - Acha mesmo que vou me intimidar por sua causa? - Ele rir maliciosamente - Você ainda é uma criança, não sabe o que diz, então não venha me dizer o que eu posso ou não fazer.
- Guardas! - Meu pai chama por eles e se levanta - Gaspar, deixa eu lhe explicar uma coisa... Ser rei é muito mais do que aproveitar as riquezas e as fartas refeições. Ser rei é ter a capacidade de cuidar de todas as pessoas do seu reino, é ser educado e saber tomar as decisões certas.
Um dos guardas se aproxima, pegando no braço do Gaspar firmemente. O homem bufa ao se sentir incapaz, mas não tenta escapar.
- Para sentar no trono e assumir todas essas responsabilidades, você precisa primeiramente, ser altruísta, e bem, isso é uma característica que você não tem.
- O que fazemos com ele, vossa majestade? - Um dos guardas, pergunta.
- Tirem-no daqui. - Meu pai responde, seriamente.
Observamos seriamente, enquanto os guardas tiravam-no, com gentileza, da sala.
Assim que as portas se fecham, todos soltam um suspiro de alívio, inclusive meu avô.
- Ele não irá desistir tão facilmente. - Digo, atraindo a atenção de todos.
- Com certeza não. - Meu pai diz - Não podemos esperar que ele ataque. Devemos nos preparar para o pior das hipóteses.
- Qual seria o pior? - Minha mãe pergunta.
- Uma vingança, Marlee. - De longe, eu poderia notar o quão tensa ela ficou após ouvir essas palavras.
- Não podemos ficar a mercê dessa ameaça novamente. - Ela diz, aflita.
- Providenciarei que nada nos atinja. - Ele diz, pegando na mão da minha mãe - Iremos nos preparar, e eu não vou parar até descobrir o que ele pretende fazer.
Encosto minha cabeça na cadeira acolchoada e suspiro. O reino viveu em paz por muitos anos. A última guerra que aconteceu foi um pouco antes do casamento dos meus pais. Pelo o que eu sei, a guerra matou muitas pessoas e quase matou a minha mãe, mas ela foi mais forte do que todos pensavam. Agora, pensar na hipótese de uma possível guerra, parecia aterroriza-lá. Apesar de não ter nenhuma experiência com guerras, ou com qualquer outro tipo de luta, eu faria o impossível para aprender. Isso não é um assunto que possa ser deixado de lado. Gaspar estava mechendo com a minha família e eu não deixarei que ele a destrua.
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Espero que estejam gostando! ❤