Saímos da sala e andamos pelos corredores procurando sala do reitor.
— Sabe...— Comecei, quebrando o silêncio.— Se você queria uma foto minha, era só pedir.
— Eu não tava tirando foto sua, tá bom?— Desmentiu.— E-eu tava tentando tirar foto do quadro, isso, eu só esqueci de desligar o flash sem querer.
— Olha, eu não sei como isso funcionava lá na Yale... —disse eu, rindo — Mas aqui, os quadros ficam na frente da sala, então eu acho que você vai ter que arranjar uma desculpa melhor.
— Eu tava tirando foto do quadro sim! Eu só...— Lorena pensou por um segundo. — Errei a posição do celular na hora de bater a foto, aí sem querer foi uma foto pra trás.
— Olha, se você quiser, eu posso te ensinar como fazer as posições direto, não tem problema não.— Brinquei, abrindo um sorriso malicioso.
Ela parou no meio do corredor por um segundo, e me encarou incrédula.
— Que indecência! Meu Deus!— Disse ela, assustada.
— Relaxa, lobinha, eu 'tava só brincando. — Respondi, rindo de sua reação. Voltamos a andar pelo corredor.— De onde você veio, ninguém nunca te fez uma piada de duplo sentido?
— Não, mas mesmo assim, isso não foi uma piada, foi uma cantada! — Reclamou, chocada.
— Ok, talvez tenha sido. — Admiti, com um sorrisinho, dando de ombros.— Mas vem cá, posso te fazer uma pergunta?
— Você acabou de fazer uma, então...— respondeu
— Por que você saiu da Yale pra Brown? — perguntei — Não menosprezando aqui, claro. Eu amo esse lugar. Mas a Yale exige mais pontos pra bolsa, e é uma faculdade com ensino mais avançado do que o daqui.
— É que na Yale, eu era a segunda melhor aluna de meu curso, então, em uma faculdade de ensino menos avançado, eu com certeza seria a melhor. — Explicou, esnobe.— Por isso eu vim pra cá, ia ficar melhor pro meu currículo ter as melhores notas de uma universidade.
— Claro.— respondi, irônica— Agora que você usou o discurso que você usou pra convencer a seus pais que isso era uma boa ideia, que tal você me falar a verdade?— Cortei, revirando os olhos.
— Como assim a verdade? Eu sai de lá por isso sim.— Falou, com um tom incerto.
— Aham, com certeza.— Murmurei, irônica.— Você mente muito mal, sabia?
— Mas eu não tô mentindo, eu realmente sai por isso! — Falou, com a voz ainda mais trêmula.
— Então quer dizer que você realmente saiu de uma das melhores faculdades do mundo —falei — pra não lidar com o fardo de ser a segunda melhor aluna ao invés da primeira?— Perguntei, levantando as sombrancelhas.
Ela supirou.
— Tá bom... — Respondeu, derrotada. — Talvez não só por isso.
— Por quê então?
— Bem, a melhor aluna da Yale, Débora, meio que era minha melhor amiga de infância. – Começou, fazendo aspas com os dedos ao falar "melhor amiga"— Mas na verdade, eu nunca gostei tanto assim dela. Só que gente se conhece desde criança, e nossos pais são amigos, então meio que eu não tinha muita opção. — ela parou, e deu um suspiro dramático — E meu deus, ela é muito chata! Ninguém andava com ela por isso, e consequentemente ninguém andava comigo. Então basicamente ela era minha única amiga, e eu nem ao menos gostava dela.
— Caramba... — respondi, sem reação — que droga
— Pois é— Lorena respondeu— E eu achava que quando eu terminasse o colegial, eu ia conseguir me livrar dela, mas ela passou na mesma universidade que eu.— desabafou— Então, eu entrei em desespero e foi aí que eu tive a ideia de entrar em outra faculdade, o que me livraria dela por algum tempo. E se a gente fosse perdendo o contato ao longo dos anos, eu poderia ter a desculpa pra nunca mais precisar falar com ela.
— Nossa... e seus pais simplesmente decidem de quem você tem que ser amiga? — Perguntei, fazendo uma careta. Parecia uma droga.
— Não é bem isso... É que eles querem que eu viva minha vida do jeito que eles acham que é melhor pra mim— explicou— e eles sempre acharam que ela era uma boa influência. Só esqueceram de perguntar se eu estava feliz assim.— completou, baixando o tom de voz aos poucos, melancolicamente.— Eu nem sei por quê eu tô te contando isso, eu não costumo sair falando da minha vida por aí, isso tudo é bem pessoal, na verdade.
— Relaxa, lobinha, seus segredo está guardado comigo. — Garanti, com um sorriso compreensivo.— Mas sério, você não tinha mais nenhum amigo?
— Não, andar com ela meio que repelia literalmente qualquer outra pessoa. De qualquer lugar que fosse.— Respondeu, meio tristonha
— Ahhh, não fica triste não, lobinha. —Saltei, entrando na frente dela.
Ela cruzou os braços virando o rosto pro lado.
— Não, não, não, olha aqui.— Reclamei, abrindo um sorriso acolhedor.— Você não precisa mais lidar com essa tal Débora, ok? Na Brown, as coisas são diferentes, tem gente legal por aqui, eu prometo. — Falei, pousando minhas mãos em seus ombros, a sacodindo de leve.— Você é muito gata, e parece ser realmente muito legal. E pode ter certeza que eu não sou a única pessoa que vai querer te conhecer.
Nesse momento, o rosto dela corou, e ela deu um sorriso. Podia jurar que meu coração deu um pulinho. Que estranho, enfim.
— Desculpa ter sido rude com você lá na sala— ela falou— eu só... Uns caras zoaram meu uniforme, eu tava estressada e descontei em você.
— Tá tudo bem.— respondi, compreensiva— E esse negócio do uniforme é...
— Coisa da Débora.— ela respondeu — nem queira saber.
Dei uma risadinha.
— Ok então — olhei pra ela, ela estava sorrindo também. De repente, tive uma ideia— É.. hoje a noite vai ter uma festa! — Lembrei, tirando o panfleto que a Zoey deu do bolso.— É a fantasia e tal. É uma ótima oportunidade pra eu te apresentar pras pessoas!
Lorena analisou o panfleto, e perguntou:
— Por que é proibido ir de Minnie?
— Longa história...— Respondi, com uma risada contida.— E então, você vem comigo?
—Hum... não sei se isso é uma boa ideia — Murmurou, resistindo a ideia. — e eu nem tenho uma fantasia.
— Ah, eu também não!— Admiti, dando de ombros.— Vamos lá, isso é fácil de resolver! Eu vou improvisar alguma coisa assim que eu chegar no meu dormitório.
Ela abalisou a proposta por uns momentos enquanto andávamos. Até que por fim, respondeu.
— Tá bom... Eu vou.— Disse, as palavras pareciam custar a sair.— Mas só se eu achar uma fantasia.
— É isso aí!— Comemorei, animada.— Agora vamos, a sala do reitor é logo ali. — Apontei, me virando.
Então andamos até a sala do reitor, e entramos.
• • •
— Senhorita Chermont.— Disse o reitor, já acostumado.— E senhorita...
— Leslie, senhor.— Ela se apressou em responder, nervosa.
— Pois bem, podem se sentar.— Ele fez um gesto apontando para duas cadeiras em frente a sua mesa.— O que as duas aprontaram?
Lorena abaixou a cabeça, envergonhada, sem falar nada, então expliquei:
— Bem, é que no meio da aula, ela tirou uma foto minha com flash.— respondi— Aí a Anastácia ficou "pistola".
— Eu não tava tirando foto sua!— Levantou a cabeça novamente e falou, ainda insistindo nessa ideia.
— Olha...— Comecei, rindo ao lembrar.— Ela insiste em dizer que não, mas eu senti o flash na minha cara, então você entende como quiser.
— Senhor, eu posso me explicar, eu havia pegado meu celular para... — Lorena tentou falar, mas foi interrompida.
— Você é britânica?— Perguntou o reitor, curioso.
— ... Na verdade, sou sim. — ela respondeu— sou de Londres, por quê?
— Você tem sotaque, da pra reparar.— Comentou, percebendo que havia mudado de assunto.— Mas agora, poupe-me de suas desculpas, por que você estava tirando fotos da Jade?
— E-eu... —Murmurou, com a voz trêmula. —Não tem nenhuma explicação, me desculpa senhor, eu estou errada.
— Não é possível que não tenha nenhuma explicação!— Disse ele, curioso, colocando as mãos entrelaçadas sobre a mesa.— Por quê foi? Você achou ela bonita, talvez?
— Não! Quer dizer, n-não é isso, é que... é...— Tentou continuar, sendo novamente interrompida.
— Você já conhecia a banda dela? Você é uma fã ou algo do tipo?— Sugeriu.
— ...Banda? — Perguntou, confusa, virando para mim. — Você tem uma banda?
— É, você de fato é nova aqui. —Comentou o reitor, rindo.— Mas vamos lá, sua ficha escolar...
O reitor observou sua ficha por uns instantes, e continuou:
— Bem, seu histórico escolar é impecável.— Ele fechou a ficha, com as sombrancelhas arqueadas, impressionado.— Você será liberada dessa vez, pelo seu histórico e por ser seu primeiro dia, só não use mais o celular na sala de aula, ok?
Ela parecia surpresa, e muito feliz.
— Sim, sim senhor! muito obrigada. — Respondeu Lorena, extremamente aliviada.
— E você...— Continuou, dessa vez virado pra mim. —O que você fez nessa história?
— Absolutamente nada. — Falei, dando de ombros.— A professora Anastácia só não podia perder a oportunidade de me tirar da aula dela.
— Ah, como sempre.— Ele riu, descontraído.— Eu também vou cortar sua punição, só não conte a ela.— Brincou, com uma piscadela.— Podem ir agora.
Então nos levantamos e saímos da sala. Não adiantava mais ir pra aula, a essa hora, já devia estar quase acabando, então fomos andando até a parte dos dormitórios.
—...Você tem uma banda? — Repetiu Lorena, legitimamente curiosa.
— Sim.— Confirmei, sorrindo com um certo orgulho.— Eu toco a guitarra e canto.
— E vocês tocam que tipo de musica?
— Indie Rock. — Respondi, direta. — Você gosta?
— Nunca ouvi.— Adimitiu, dando de ombros.
Arregalei os olhos e encarei-a.
— Nunca?! — perguntei
— Nunca.
— Nem Arctic Monkeys?— perguntei, sugerindo uma mais famosa — The Strokes, Lana del rey, sei lá.
— Não — respondeu — Nenhuma dessas, nunca ouvi.
Suspirei.
— Bem, hoje a noite nos vamos nos apresentar, então acho que você vai ter a oportunidade.—Declarei, abrindo um sorriso convidativo.
— É... Quem sabe?— repondeu, devolvendo um sorrisinho.
— Ah, meu dormitório é ali, eu tenho que ir.— Apontei para porta do final do corredor. – Então, só mais uma coisa...
— O que?
— Você é realmente hétero?— Perguntei, finalmente.
— O que? Claro que sim! — Respondeu, em um tom ofendido.
Analisei por um momento, e declarei:
— Você 'tá mentindo.
— Eu não to mentindo! —Negou, irritada.
— 'Tá sim! você mexe nas suas unhas todas as vezes que você vai mentir. —Reafirmei, observadora.
— O que? — Resmungou, corando.
— É, linguagem corporal...— Expliquei. — toda vez que você vai mentir, você mexe nas suas unhas.
— Eu não faço isso!— Declarou, firme no que dizia.
— Faz sim! —Rebati, mais firme ainda. — Então eu tenho aqui minha prova de que você não é hétero.
— Chega, ok? Eu sou hétero sim, homossexualidade é pecado, e eu não sou lésbica. —Respondeu, fechando as mãos dessa vez, para que eu não pudesse reparar em suas unhas.
— Ok, eu paro de dar em cima de você... — Comecei.— Mas com uma condição.
— Que condição?— Perguntou, cruzando os braços.
— Você vai ter que olhar nos meus olhos, e falar que você é hétero, e nunca vai ficar comigo. —Descrevi, indo para frente dela. — E quando você falar isso, eu prometo que nunca mais vou dar em cima de você, e que a gente nunca vai ficar juntas. — completei —Caso você realmente seja hétero, ok, mas se você estiver mentido, e também tiver afim de mim, você vai perder essa chance pra sempre. — Falei — Nós nunca vamos poder ficar juntas, e você vai ter que carregar esse fardo de que poderia ter dado certo pra sempre.
Lorena parecia meio assustada com meu drama, mas continuei:
— Então é isso, os critérios já estão estabelecidos. É agora ou nunca, lobinha.—Falei, respirando fundo.—Eu vou te perguntar mais uma vez. Você é hétero?
Ela abriu a boca pra falar, e não saiu nada.
— ...Foi o que eu pensei.—Abri um sorriso vitorioso, virando as costas.
Andei até o fim do corredor, e peguei minha chave para abrir a porta.
— Jade, espera!—Lorena gritou de longe.
— O que foi?— perguntei
Ela, com uma feição triste, respondeu:
— Homossexuais são aberrações aos olhos do pai, e todos vão pro inferno.
— Ah...— Suspirei, nem um pouco convencida. — Te vejo lá então.
Então abri a porta, e entrei no dormitório.